ESSA COISA ESTRANHA: LIBERDADE
1- João Gabriel (cuja importância no Benfica nunca entendi muito bem) dizia ontem em A BOLA que «neste clube a unanimidade não se alcança, como em outros clubes, pela intimidação daqueles que discordam». E, convidado a concretizar, respondeu: «Creio que o Miguel Sousa Tavares ou o próprio Rui Moreira estarão em melhores condições do que eu para fazer esse exercício». Não sei se entendi bem o que queria dizer, porque tenho sempre alguma dificuldade em entender as pessoas que falam por meias palavras. Mas, se o que ele quis dizer é que as minhas opiniões desportivas serão condicionadas por pressões ou intimidações vindas do FC Porto, então o que está a fazer é uma calúnia que, julgo, toda a gente reconhece como tal. Nunca sofri qualquer pressão e, menos ainda, intimidação por parte do FC Porto — e, se tivesse sofrido, era-me indiferente. Várias vezes, sim, tive manifestações de desagrado portistas com aquilo que escrevo, mas, basta seguir-me com alguma atenção para perceber que isso jamais me condicionou. Compreendo, porém, que quem tem como profissão ser porta-voz de outros (primeiro do Presidente da República, agora do Benfica) tenha dificuldade em entender que se possa ser uma voz sem dono. Problema seu.
Também compreendo facilmente a razão pela qual, concertadamente, João Gabriel, Jorge Jesus e António Carraça saíram todos a público a defender a tese de que só por causa dos árbitros não foram campeões: estão a defender o seu lugar, ameaçado por uma crescente contestação dos sócios, que não engolem essa tese salvadora e preferem concentrar-se nos evidentes erros de gestão e planeamento próprios. Se a tese dos árbitros não colher, toda a equipa de Luís Filipe Vieira (apesar da barragem estatutária em boa hora erguida) tem os lugares em perigo, em Outubro próximo. Se a tese colher, temos então um campeão oficial — o FC Porto - que o não deveria ser; e dois campeões oficiosos que só o não foram por causa dos árbitros: Benfica e Sporting. Talvez devessem promover uma liguilha entre ambos para apurar o campeão.
Quanto a Jorge Jesus — um bom treinador, mas um mau estratega - a esta hora já deve estar arrependido do que se sentiu forçado a declarar. Há dois anos, na hora do triunfo, Jesus usou a ameaça de uma possível ida para o FC Porto para obter uma melhoria substancial do seu contrato com o Benfica. Agora, na hora da derrota, voltou a usar a mesma arma, mas virada ao contrário, para segurar o seu lugar e provar o seu benfiquismo. Não sairia do Benfica para uma coisa menor? A ver vamos se pretende reformar-se antes dos 60 anos ou se vai ter de engolir o que disse. No FC Porto, é que jamais terá futuro algum.
2- Curiosamente, esta foi, de facto, uma semana em que senti várias pressões para rever as opiniões que aqui fui escrevendo ao longo da época sobre Vítor Pereira. Mas essas pressões vieram de jornalistas, que escreveram ou insistentemente me convidaram a falar para ver se mantinha o que escrevi. Pois bem: mantenho tudo. Não mudeide opinião pelo facto de o campeonato nos ter caído do céu, graças a Hulk e a Jorge Jesus.
É verdade que eu escrevi que, com Vítor Pereira, o FC Porto não iria a lado nenhum. E é verdade que chegou a campeão nacional - da forma inesperada como chegou. Mas, em tudo o resto, interna e externamente, foi uma época perdida. E mais: só se salvou no final da época porque Vítor Pereira, depois de ter gasto seis meses a experimentar todas as asneiras possíveis, começou a arrepiar caminho e a fazer exactamente aquilo que eu, e poucos outros, tanto reclamávamos em vão. Constato que ele é que foi o treinador mas que, muito antes dele, cheguei a conclusões a que ele só chegou bem depois e após vários danos causados. Por exemplo: que o Maicon era o melhor central da equipa e que colocá-lo a lateral direito era um absurdo; que o Rolando há muito que justificava o banco de suplentes; que ter entrado na fase de grupos da Champions apenas com um ponta-de-lança inscrito (e que se lesionou no primeiro jogo) era um suicídio que teria consequências; que, por pior que fosse o ponta-de-lança disponível, era melhor colocá-lo em jogo do que sacrificar ali o Hulk, retirando-o do flanco e abrindo mão da principal mais-valia atacante da equipa (como ainda agora se viu mais uma vez, com o Sporting); e que, acima de todos os erros, ter um jogador como o James, que é cobiçado por metade dos treinadores dos clubes de top europeus, e preteri-lo aos inúteis Varela ou Cristian Rodriguez, era um crime de lesa-futebol. Tudo isso, Vítor Pereira veio a corrigir na parte final da época e a tempo de salvar alguma coisa. E se o tem feito antes?
Para além disso, Vítor Pereira cometeu outros erros, a meu ver evidentes, mesmo que as suas consequências não tenham sido tão evidentes. Só começou a acertar nas substituições quando, após a razia de Dezembro, deixou dc ter jogadores em número suficiente no banco para se permitir os disparates que antes cometia, infali- velmente; atravessou uma época inteira sem lançar ou aproveitar um único jovem, preparando o seu futuro na equipa: começou por dispensar o Kelvin, o Christian Atsu, o Castro e o Sérgio Oliveira (lembram-se dessa grande esperança, seguro por uma cláusula de rescisão de 60 milhões?) e desprezou soberanamente o Iturbe, que grandes clubes também cobiçam...e vão ter, se Vítor Pereira continuar; só segurou o balneário graças às visitas cirúrgicas de Pinto da Costa e à contratação de Paulinho Santos mas apenas depois de perder Guarín, Belluschi, Fucile, Alvaro Pereira e o seu tão protegido e ingrato Cristian Rodriguez.
Ganhou o Campeonato? Pois, talvez. Eu acho que não foi ele, mas tudo bem. Nunca contestei nem a sua pessoa, nem a sua vontade, seriedade ou portismo: apenas a sua competência para, pelo menos desde já, estar à altura de uma equipa com as responsabilidades do FC Porto. E que ninguém tenha ilusões: 90 por cento dos adeptos do FC Porto, conhecidos ou desconhecidos e mesmo aqueles que não se decidem publicamente até verem o que decide Pinto da Costa, concordam com a minha análise. E também Pinto da Costa o sabe. Nós sabemos que ele sabe e ele sabe que nós sabemos. Acontece apenas que, ao contrário do que insinuou o João Gabriel, eu não faço cerimónia em dizê-lo.
3- 0 Sporting tem razão em queixar-se do primeiro amarelo que Pedro Proença deu a Onyewu (o segundo foi incontestável). Já não concordo que se discorde do vermelho directo a Polga, porque cortou em falta uma jogada de golo mais do que iminente. Detesto ver equipas desfalcadas, mas a verdade é que o critério de Proença, sendo exagerado, foi igual para ambos os lados, desde o princípio: o pior dos exageros até foi o absurdo amarelo a Moutinho. E se os jogadores do FC Porto amarelados se cuidaram (e Vítor Pereira também, retirando dois deles), os do Sporting não tiveram o mesmo cuidado. No resto e num jogo sem qualquer interesse, o Sporting nunca mostrou coragem e capacidade para lutar pelos milhões da Champions: uma só oportunidade de golo, num remate à trave tão fortuito como quase feliz, é pouco para quem tinha a obrigação de acarretar com as despesas do ataque e nunca o fez.
4- Este João Bartolomeu ultrapassou todos os limites da decência e do decoro. Então agora, são os jogadores, a quem ele não paga há três, quatro, cinco meses, que vão ver os seus bens penhorados para indemnizar a União de Leiria pelo espectáculo degradante do seu estertor final — promovido e consumado por esse dirigente de futebol, que está demissionário para fugir às responsabilidades e no activo para queimar os últimos cartuchos da sua infeliz notoriedade? Os rapazes que não se intimidem: de direito, o sr. Bartolomeu não percebe nada e do resto também não.
E venham de lá, então, mais dois clubes para a primeira Liga, se calhar presididos por outros tristes personagens e apadrinhados pelo seu protector da Liga para transformar o nosso Campeonato na anedota pública da Europa do futebol!
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