sábado, maio 18, 2013

A VENDA DE HULK: DÚVIDAS E CERTEZAS (11 SETEMBRO 2012)

A VENDA DE HULK: DÚVIDAS E CERTEZAS


I- Na bancada do Dragão, durante o FC Porto-V. Guimarães, o primeiro jogo oficial da temporada disputado em casa, antes de Hulk arrumar de vez com o Vitória, através de um daqueles golos tão geniais quanto simples de que ele detém o segredo, alguns espectadores portistas deram-se ao luxo de o invectivarem, dizendo coisas como «queres ir embora? Queres mais dinheiro, é ? Pois, então, vai!» Pensei para comigo que aqueles generosos adeptos ainda acreditavam na propaganda oficial e não percebiam que era a SAD que queria à força vender Hulk, e não este que se queria ir embora. E queria vendê-lo porque, como aqui o escrevi, era isso ou o pânico na tesouraria — sobretudo, depois de, por incompetência administrativa, se ter falhado a venda de Moutinho ao Tottenham. Agora, preparem-se para sofrer, porque jogadores como Hulk não são substituíveis!

Sabendo-se que a venda se tornara inevitável, ela levanta, todavia, algumas reflexões e dúvidas não esclarecidas, que aqui queria partilhar com os leitores portistas — daqueles que se dão luxo de pensar pela própria cabeça.

1- Com as vendas de Hulk, Álvaro Pereira, Belluschi, Guarín e outros mais, o FC Porto foi este ano, e mais uma vez, o campeão de receitas de venda de jogadores, à escala planetária. Desde que o século XX começou, não há nenhum clube no mundo que tenha facturado mais a vender jogadores do que o FC Porto. E, se este facto revela uma notável capacidade de scouting, de valorização dos jogadores e de presença constante no mercado de top, não deixa também de levantar uma dúvida óbvia: o que faz o clube a tanto dinheiro?

Sendo quem melhor vende, porque tem o FC Porto de vender tanto, ano após ano desfazendo-se dos seus melhores valores? Parte de explicação deriva de uma fatalidade, que já aqui esmiucei diversas vezes: é preciso manter um exército de 60 a 70 profissionais sob contrato (dos quais apenas 20 ou 25 são aproveitados ao longo da época). Ou seja, vende-se muito porque se compra muito mais e isso obriga a vender os melhores para manter a multidão dos piores.

2- Com as vendas efectuadas este ano, o FC Porto ultrapassou o montante de 60 milhões de euros supostamente encaixados — tal como já sucedera no ano passado, quando nos desfizemos de Falcão, entre outros. Ora, 60 milhões é, sensivelmente, o orçamento anual da SAD. Mesmo contando que um terço dele prevê receitas com a venda de jogadores, sobram dois terços de receitas outras — o suficiente para criar um saldo positivo transitado que dispensaria o clube de todos os anos ter de facturar na casa dos 60 milhões. Sabendo-se que o hipotético saldo positivo não tem servido para amortizar dívida, a questão que se coloca é a de saber para onde vai o excedente das vendas. Ou para onde vai o restante das receitas — lugares anuais, bilheteira, publicidade, patrocínio, merchandising, prémios europeus? Uma excelente pergunta para o Conselho Fiscal (de cuja existência tenho algumas dúvidas) esclarecer.

3- Outra excelente questão é a do próprio valor da venda de Hulk. Quanto recebeu o FC Porto: 40 milhões, conforme declarou à CMVM, ou menos do que isso, conforme resulta das declarações dos responsáveis do Zenit? Teremos de esperar pelo Relatório e Contas da SAD para o saber?

4- O Zenit diz que, no total, gastou 40 milhões; o FC Porto diz que eles gastaram 60 — incluindo 10%, ou seja 6 milhões, de comissões empresariais. Comissões empresariais? Mas era preciso um empresário para vender o Hulk, para encontrar um comprador para ele? Não bastava a venda ser tratada, como foi, clube a clube? E qual é o negócio em que se paga 10% de comissão?

A questão é importante porque, sem essa comissão, o FC Porto teria recebido mais 6 milhões pela venda, de alguma forma atenuando a sensação de que o Hulk foi vendido a preço de saldo. É mais uma matéria para o Conselho Fiscal (se entretanto tiver ressuscitado) tentar esclarecer: quem, quanto e porquê recebeu as ditas comissões? Julgo que não levarão a mal se eu lembrar que estamos a falar de uma sociedade anónima, que tem accionistas que nela investiram dinheiro e a quem são devidas explicações.

5- Mesmo que tenham sido os 40 milhões que efectivamente a SAD do FC Porto facturou, trata-se de um mau negócio. Muito abaixo dos 100 milhões da cláusula de rescisão para adepto ver, mas também claramente abaixo dos 50 milhões que Pinto da Costa jurara ter recusado antes e voltar a recusar, se o Zenit insistisse. Gabou-se ele de que o Zenit não tinha capacidade financeira para comprar o Hulk, porque não ia além dos 50 milhões. Afinal vendeu por 40. De que vale a palavra do presidente, de ora em diante?

6- Para azar de Pinto da Costa, Hulk foi vendido no mesmo dia, pelo mesmo preço e para o mesmo clube que Witsel. Ora, não há qualquer comparação possível: Witsel é um excelente jogador, que ajuda a ganhar jogos; Hulk é um fora-de-série, capaz de ganhar jogos sozinho. Witsel custou 6,5 milhões ao Benfica e saiu um ano depois, gerando um lucro de 33,5 milhões; Hulk custou 19 milhões ao FC Porto (o jogador mais caro de sempre) e saiu quatro anos depois, gerando um lucro de 21 milhões.

E, para que o azar fosse maior, soube-se que o Witsel é a pagar a pronto ou em dois anos, e o Hulk em três. E soube-se que Luís Filipe Viera só assinou a venda de Witsel depois de lhe terem mostrado o contrato da venda de Hlk, assinado por Pinto da Costa. Para os adeptos benfiquistas sobra a consolação de saber que a sua Direcção fez um excelente negócio e, em matéria negocial, deu uma abada ao Porto. Para os adeptos portistas, não sobra nada.

7- Só mais um ponto: ao contrário dos administradores da SAD do Benfica, com excepção de dois, todos os administradores da SAD do FC Porto são remunerados — e muitíssimo bem remunerados. Não tenho objecções a isso, a partir do momento em que me habituei à ideia de que idealistas no futebol só os adeptos comuns. Mas o que me custa a compreender é que os administradores, além do vencimento, tenham direito a prémios em função dos resultados desportivos — e de critério tão amplo, que até um terceiro lugar no campeonato dá direito a prémio. E aceito ainda mais dificilmente que também tenham direito a prémios em função dos lucros de gestão anuais — porque não há castigo correspondente nos anos de prejuízo e porque não conheço empresas que distribuam lucros pelos administradores com a empresa endividada. Uma das consequências é esta: mesmo sendo a venda de Hulk má para o clube, desportiva e financeiramente, é boa para os seus administradores porque vai permitir fechar o ano com lucros, que lhes darão direito a prémios de gestão. Daí até à tentação de vender em benefício próprio vai apenas um pequeno passo que, se não é lícito presumir, também não é óbvio excluir.

II- O dr. Herculano Lima, juiz cujo contribuição para o futebol ou para a justiça (que desconheço em absoluto) , lhe valeu o cargo de presidente do Conselho de Disciplina da FPF, produziu um voto de vencido na decisão condenatória do treinador do Benfica que é todo um tratado sobre disciplina e justiça. Segundo ele, um treinador (ou jogador, ou dirigente) que, afirme que determinada decisão de um árbitro, que entendeu prejudicial à sua equipa, foi tomada deliberadamente, não ofende ninguém nem está a presumir coisa alguma. Na linha de uma longa tradição de protecção aos interesses do Benfica, que é a do CD, Sua Excelência mostra assim ao que vem e que inestimável contributo veio dar à disciplina desportiva. Por três votos contra dois, Jorge Jesus lá foi condenado, mas, repetindo cenas de capítulos anteriores, o CD, após seis meses a ponderar na decisão, aplicou-lhe quinze dias de suspensão — judiciosamente agendados para estes quinze dias em que o Benfica não joga. Não sei se é anedota, se é provocação, mas tem pelo menos a virtude de tornar tudo cristalino.

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