quarta-feira, maio 29, 2013

UM CAFÉ DA COLÔMBIA (27 NOVEMBRO 2012)

1- Aquele menino James Rodriguez vale ouro. Eu sempre o soube e escrevi, mas outros houve que duraram tempo de mais até o perceberem. No ano passado, por esta altura, Vítor Pereira estava ainda com dificuldades em decidir a quem entregaria a ala esquerda do ataque, sendo frequente que James fosse preterido por Varela e até por Cristian Rodriguez. E muitos dos críticos da praça defendiam que também não havia lugar para ele como número dez, pois estava tapado por Lucho. Agora, que o abutre de Sir Alex não pára de voar em círculos por cima do menino de ouro da Colômbia, não há quem, finalmente, não se tenha rendido ao seu génio.

Anteontem, em Braga, James Rodriguez conseguiu mais três pontos determinantes para o FC Porto, numa vitória arrancada à Benfica, isto é, nos últimos suspiros de um jogo indefinido. E, com isso, acabou com as dúvidas: o campeonato vai ser até ao fim um mano-a-mano Porto-Benfica.

Em Braga, ainda não tinham passado 3 minutos, e já o FC Porto podia estar a ganhar por 2-0, se Otamendi não tivesse acertado primeiro no poste e depois ao lado do poste, mas por fora. Foram 15 minutos portistas avassaladores, sem o Braga ousar pisar sequer para além da linha do meio-campo. Aos 21 minutos, enfim, o Braga desceu ao ataque e fez o seu primeiro remate: Alan, quase sem ângulo, rematou a meio metro de distância contra o cotovelo de Alex Sandro e tudo o que é benfiquista ou bracarense por esse Universo fora desatou a reclamar penalty. Depois compreendeu-se a razão da veemência: não fosse assim, de um penalty manhoso, caído do céu sem mérito nem razão alguma, e a própria equipa não acreditava que pudesse lá chegar de outra maneira. É verdade que, até ao intervalo, o Braga equilibrou e chegou a estar por cima um breve período, mas sem nunca estar na iminência do golo. E, em toda a segunda parte, pura e simplesmente, desistiu de atacar, lá ficou entrincheirado no seu reduto, aproveitando uma exibição luxuosa do central Douglão e uma prestação bem amiga de Carlos Xistra — que, afectado pelos gritos de «gatuno», após o pretenso penalty não assinalado, errou, em favor do Braga, quase todas ou mesmo todas as decisões disciplinares subsequentes. Não quero ser injusto: cada um tem as armas que tem e talvez as de Peseiro não dêem para mais. O Braga é, indiscutivelmente , uma equipa que sabe o que está a fazer e joga bom futebol. Mas, como já aqui tinha assinalado nos jogos contra o Man. United, falta-lhe, nos grandes jogos, um suplemento de crença e de coragem que o levem a assumir alguns riscos. E, quem não arrisca, não petisca. O Braga não arriscou nada anteontem e, como já sucedera contra os ingleses, voltou a pagar o preço ao cair do pano. O FC Porto, que jogou mal e que terá feito mesmo uma das piores exibições da época, saiu de Braga com os três pontos, não tanto por mérito próprio, mas sobretudo por castigo próprio do Braga. Sem esquecer que, depois, é claro, é preciso ter um James Rodriguez, capaz de acreditar e arriscar até ao último fôlego. Do lado azul, houve alturas de desacerto total, em que não entravam três passes seguidos do meio-campo para a frente; Moutinho e Lucho, que tão bem tinham jogado contra o Dínamo Zagreb, eclipsaram-se; Jackson Martinez nunca foi servido em condições e James, de cada vez que arrancava direito à área, era derrubado. Como se costuma dizer, o resultado foi bem melhor do que a exibição. E a sorte, de que falou Jorge Jesus e de que o Benfica tanto beneficiou no final dos jogos quando foi campeão pela sua mão, desta vez sorriu ao F C Porto. O sol, quando nasce, é para todos.

2- A propósito de João Moutinho, já aqui falei dos jogadores cuja verdadeira importância no jogo só se avalia bem ao vivo e não na televisão, por maior que seja o ecrã. Moutinho é um desse jogadores, sobre o qual mudei radicalmente de opinião, e para muito melhor, quando o vi jogar no estádio. Esta quarta-feira, contra o Dínamo, voltei a confirmar isso e também o inverso: que há jogadores cujo défice de importância e produção é bem maior vistos em pessoa do que na televisão. É o caso de Silvestre Varela, que, para mim, é claramente a carta fora do baralho, nesta equipa reconstruída ou inventada após a partidade Hulk. Varela, não apenas é capaz de passar um jogo inteiro sem produzir nada de útil — um cruzamento, uma assistência, um passe a rasgar, um apoio decisivo atrás — como também parece flutuar permanentemente fora do jogo, andado para trás e para a frente sem sentido, num trote miúdo e repousado. Mas, como os deuses nem sempre são justos e ele é esperto, de vez em quando foge da sua posição e da sua função, onde nada pode acontecer por iniciativa sua, e aparece no centro do ataque, em busca das bolas perdidas que lhe permitam, aqui e ali, um golo redentor que faz esquecer tudo o resto. E assim vai iludindo muitos, de Vítor Pereira a Paulo Bento. Para ser justo, devo dizer, contudo, que nem sempre foi assim: quando chegou ao FC Porto (por alguma razão abandonado pelo Sporting e remetido para a Amadora), Varela era um jogador a sério, que corria, rematava, procurava a linha e cruzava ou assistia os companheiros. Mas agora encostou-se. E encostou-se também ao direito adquirido de titularidade, que Vítor Pereira lhe concedeu.

3- Como se temia e era previsível, as três equipas portuguesas em competição na Liga Europa despediram-se todas, sem direito a queixume algum. O que não se previa é que também o Braga falhasse simultaneamente a qualificação para os oitavos da Champions e até o terceiro lugar, que lhe daria passagem à segunda competição europeia. E assim, as mesmas duas equipas, Benfica e Porto, que são agora as únicas candidatas ao campeonato, são também as únicas que podem salvar a honra do convento na Europa. Com a Liga Europa garantida, o Benfica tem a tarefa muito complicada para continuar na Champions — sobretudo se Tito Vilanova não quiser aceitar a amável sugestão de Jorge Jesus de pôr em campo a reserva do Barcelona contra o Benfica, em Camp Nou. O problema é que Messi precisa de jogar para conseguir chegar ao recorde de Gerd Muller de 85 golos num ano, e só lhe faltam 3. Mais vale apostar numa derrota caseira do Celtic contra o Spartak de Moscovo. E seria bom que isso acontecesse para que o mano-a-mano interno Benfica-Porto permanecesse equilibrado em termos de compromissos europeus.

4- Se passar em Braga, na sexta-feira, o FC Porto, não apenas permanecerá bem vivo em todas as competições, como sobrevivera ao terceiro de quatro jogos consecutivos fora de casa — um ciclo que só terminará em Paris, daqui a oito dias. Este é o primeiro dos dois momentos decisivos de cada época e talvez o principal: quando, assegurada a continuidade nas competições europeias antes da pausa de Inverno, se asseguram também as condições de êxito internas. Inversamente, nova derrota do Braga equivalerá, sem subterfúgios, a uma época aquém das expectativas. É provável que António Salvador mande a factura a José Peseiro, esquecendo-se do seu próprio contributo, quando, acabado de garantir a Champions, tratou de vender Lima ao Benfica, a preço de saldo. O FC Porto vai lutar pelos pergaminhos, o Braga pela vida.

5- E se na noite passada tiver ganho em Moreira de Cónegos [este texto foi escrito antes do jogo], o Sporting terá uma ténue esperança de sobrevida. A seguir, terá duas tranquilas semanas para preparar o jogo de Alvalade contra o Benfica, onde a hipótese improvável de uma nova vitória lhe pode garantir um Natal menos penoso.

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