quarta-feira, dezembro 31, 2008

NÃO HÁ AZAR! (23 DEZEMBRO 2008)

1 - Por pouco, por muito pouco, tinha sido uma semana em cheio para o FC Porto. Vitória convincente sobre o Estrela da Amadora, a meio da semana, no jogo que tinha em atraso para a Liga, conseguida com a atitude de conquista desde o apito inicial que eu aqui tinha desejado. Mesmo levando em conta que estava a jogar contra adversários que não recebem um salário desde que a época começou (!), mas que nem assim deixaram de se bater com toda a dignidade e força, o FC Porto, como lhe competia, não facilitou. E soube enfrentar tudo, erros do árbitro e falta gritante de sorte no jogo, para procurar e chegar à vitória sem fazer caso dos contratempos inesperados - o que é a marca dos campeões. Há os que parecem mais preocupados em encontrar, ao longo do jogo, razões para se desculparem dos insucessos, e há os que por mais razões de queixa que tenham, do árbitro ou da sorte, continuam a lutar até conseguirem o que querem. Há muitos anos que as equipas portistas nos habituaram já a fazer parte da segunda categoria e, só por isso, é que ganham mais vezes que os outros.

Depois da vitória na Amadora, vieram os felizes sorteios da Taça e da Champions. Não menosprezo o Leixões, mas jogar no Dragão representa uma inestimável vantagem, até porque não acredito que Braga seja capaz de voltar a repetir aquele fantástico e feliz pontapé que deu o segundo golo ao Leixões no jogo da Liga e não estarei a desvalorizá-lo se disser que provavelmente nunca mais na sua carreira terá dois pontapés tão certeiros e felizes no mesmo jogo como aqueles que deram a vitória ao Leixões no Dragão. Quanto ao sorteio da Champions, basta olhar para a ilustríssima lista dos segundos classificados de grupo que poderiam ter calhado aos portistas, para concluir que melhor era quase impossível. O Atlético de Madrid, de Simão, Maniche, Diego Fórlan e Máxi Rodriguez (e Paulo Assunção...), até é capaz de, jogador por jogador, ser melhor equipa que o F.C.Porto e certamente não será pêra doce. Mas falta-lhe a experiência europeia dos portistas, a capacidade de se superar nos grandes momentos e falta-lhe «alma de campeão» - condenados como estão a fazer eternamente figura de simples animadores do campeonato espanhol. Tudo ponderado, e se o FC Porto jogar ao seu melhor nível, ao nível a que já jogou esta época em Istambul ou Kiev, o favoritismo é seu.

Assim, para a semana ser perfeita faltava apenas esse «pequeno» obstáculo de vencer em casa um Marítimo que vinha de duas sovas consecutivas contra «grandes». Mesmo descontando o cansaço acumulado por sete jogos em três semanas, a ansiedade das mini-férias à saída do jogo e a pressa de chegar lá à frente, ao seu lugar natural na classificação, a tarefa não se afigurava de especial dificuldade. Mas razão tinha Jesualdo Ferreira para avisar que o Marítimo era a tal equipa que ainda só tinha sofrido um golo fora em cinco partidas da Liga. Marcos voltou à baliza dos madeirenses, o autocarro recuou, o Marítimo deixou-se de veleidades de jogar o jogo em todo o campo e Lucho e Bruno Alves falharam as duas primeiras opurtunidades de baliza escancarada. E tudo se foi complicando até ao 0-0 final, que até podia ter sido bem pior, se os dois estoiros do Marítimo às madeiras da baliza de Helton tivessem entrado. Estes dois jogos vieram confirmar as principais dificuldades conjunturais desta equipa, que, insisto, me parece desiquilibrada no valor das suas unidades: Lucho González prolonga o seu momento de crise e a sua «ausência» do jogo deixa a equipa amputada da capacidade de usar a sua principal arma, que é a da passagem rápida de uma situação defensiva para uma ofensiva, através dos passes a rasgar do argentino. Por outro lado, falta gritantemente um defesa esquerdo completo: o que mais garantias dá a atacar (Lino), não as dá a defender; e o que melhor defende (Pedro Emanuel), é inexistente em termos de ataque - uma característica cuja falta se faz notar sobretudo contra equipas que defendem atrás, com muitos jogadores.

De presente de Natal, queremos um defesa-esquerdo e dois médios ofensivos (não, não é preciso ir comprá-los à América do Sul, temos vários emprestados por aí e os tempos não vão para gastos sumptuários). Mas se não houver presente de Natal, também não há azar: apesar dos pontos mal perdidos aqui e ali e apesar da sobrecarga de ser a única equipa nacional que continua a lutar pela vitória em todas as frentes, o tri-campeão FC Porto é ainda o mais sério candidato a vencer a Liga.


2 - Como vem sendo hábito, Quique Flores safou-se de mais uma humilhação europeia do Benfica mandando as culpas para cima dos jogadores. Eu até acho o espanhol simpático, sério na maneira como encara o trabalho e civilizado - o que já não é nada pouco, no futebol português. Mas esta arte que ele tem (ou melhor, que lhe propicia a imprensa) de alijar responsabilidades quando perde, não me parece muito católica. Foi Quique Flores quem começou por desdenhar o jogo com o Metalist - nas declarações que fez previamente e na equipa que pôs a jogar. E fez mal. O jogo não era a feijões. Embora o tão louvado «prestígio internacional do nome Benfica» já nada diga à geração que tem menos de trinta anos e hoje só exista para uma coisa chamada Federação Internacional das Estatísticas de Futebol e para a imprensa benfiquista, a verdade é que perder com o Metalist em casa e ser varrido da UEFA, ficando em último lugar num grupo mais do que acessível, com três derrotas e um empate, dois golos marcados e nove sofridos, só serve para colocar esse saudoso prestígio internacional ao nível dos delírios. Por outro lado, o Benfica - que tudo tentou para entrar na Champions pela porta das traseiras e à custa do FC Porto - é capaz de ser a equipa portuguesa que nos últimos vinte anos mais beneficiou e menos fez pelas participações europeias. Se, de vez em quando, o Benfica vai às eliminatórias da Champions ou à UEFA deve-o, sobretudo aos pontos que o FC Porto, e em menor grau o Sporting, têm acumulado. Acontece que, mesmo não contando já para o apuramento, o jogo com o Metalist valia os mesmos pontos no ranking da UEFA - onde, justamente somos precedidos pela Ucrânia, país do Metalist. Havia um «interesse nacional» em jogo: era uma excelente oportunidade para recuperar pontos ao nosso mais directo competidor no ranking - não para os perder, jogando com uma equipa de circunstância, para poupar vedetas, já tão poupadas como Aimar ou Reyes. Escolhendo a equipa que escolheu, Quique Flores pensou apenas nos seus interesses imediatos, esquecendo o mais que estava em jogo. Não vejo como se pode descartar de responsabilidades, consolando-se com o título «ad hoc» de «campeão de Inverno» - depois de já ter perdido, sem glória, tudo o que até aqui, havia para perder: UEFA, Taça de Portugal e até o chamado «Torneio do Guadiana» e o chamado «Troféu Eusébio».


3 - Gilberto Madail explicou sabiamente porque é que a Federação nada pode fazer contra os salários em atraso: porque qualquer punição aos clubes, fosse financeira ou desportiva, acarretaria fatalmente a morte destes. Hermínio Loureiro, por seu lado, ainda não explicou o que pode a Liga fazer, mas o seu silêncio parece indicar que também ele acha que não pode, e não deve, fazer nada. Temos assim que a direcção do Estrela da Amadora acaba de descobrir um ovo de Colombo, em termos de gestão: como manter um clube a funcionar e na primeira divisão, sem pagar ordenados a jogadores e técnicos.

VOLTA, QUARESMA... (16 DEZEMBRO 2008)

1 - Em Maio ou Junho, quando se começou a falar na iminente ida de Ricardo Quaresma para Itália, escrevi aqui um texto intitulado «Fica, Quaresma», onde, sem grandes esperanças embora, tentava expor as razões pelas quais, em meu entender, o melhor jogador do FC Porto deveria ponderar muito bem o passo que ia dar. E, entre outras razões, antecipava que ele não iria encontrar em Itália e no Inter as facilidades que tinha no Porto; que teria de trabalhar o dobro e jogar bem, não na maioria dos jogos, mas em todos, se queria um lugar de titular; que o seu tipo de jogo teria muito menos sucesso face à capacidade defensiva do futebol italiano, sem paralelo no mundo; que lá a imprensa desportiva não era condescendente como aqui, mas muitíssimo mais exigente; que o custo de vida em Milão é o dobro do que é no Porto, pelo que, a menos que lhe pagassem o dobro do que recebia no FC Porto, não iria sequer ganhar financeiramente com a troca. Não acrescentei, mas podia tê-lo feito, outro tipo de argumento: o de que essa conversa de que a linguagem do futebol é universal é uma treta. Quem quer que emigre, não tem de se preocupar apenas com o trabalho que vai fazer: tem de se preocupar também com a vida que vai ter, porque a vida não é só trabalho. E é frequente ver-se jogadores portugueses, a maioria nos seus verdes anos, que emigram para países de cuja cultura e hábitos de vida tudo ignoram e depois têm dificuldades terríveis de adaptação, porque descobrem que não basta ter um Porsche e ser contratado por um grande clube mundial para ficar bem na vida: mais vale ser Princípe em Portugal, ainda que pior pago, do que valido no estrangeiro, coberto de ouro e de solidão.

A notícia de que Ricardo Quaresma, um talento do futebol mundial, foi considerado pela imprensa desportiva italiana a decepção da época, não me surpreendeu, pois. Assim como o facto de ele ter passado de titular a meio titular, de meio titular a suplente e de suplente a não convocado por Mourinho. E ainda tem a sorte de ter um treinador que fala a língua dele e conhece bem o seu futebol!

Não me surpreendeu, mas deixou-me triste, porque eu sei o que vale o Ricardo Quaresma e julgo saber as dificuldades de integração que ele experimenta — tanto na vida em Milão, como na própria equipa, pejada de vedetas à espreita de uma oportunidade e onde era manifesto, quando ele jogava, que os próprios colegas o deixavam de lado. E assim vegeta, sem utilidade alguma, um dos mais talentosos jogadores da sua geração, que não tem lugar na sua equipa nem, por arrasto, na Selecção portuguesa. E o FC Porto, cuja SAD tão desesperadamente tentou vendê-lo, que acabou por o fazer a preço de saldo, vive na saudade de Quaresma — entretanto substituído por Cristian Rodriguéz, que veio ganhar mais do que Quaresma e que, se houvesse prémio semelhante em Portugal, era o mais sério candidato a decepção do ano! Eis um negocio onde, até ver, todas as partes saíram a perder. Bem avisada andaria a SAD do FC Porto se tentasse agora com o Inter um negócio «tipo Suazo». Antes que o Benfica o faça...


2 - Para vencer a Taça de Portugal basta a qualquer um dos «grandes» fazer não mais do que dois bons jogos, em média: uma eliminatória difícil (normalmente contra um dos outros dois grandes) e depois a final. O FC Porto já teve o seu primeiro jogo difícil, que foi em Alvalade, e passou, pelo que já vai nos quartos-de-final. O Sporting teve o primeiro jogo difícil contra o FC Porto e ficou. O Benfica ficou pelos oitavos, sem ter chegado a ter nenhum jogo de dificuldade máxima — como, aliás, nunca tem tido nas recentes edições. Escapou uma vez nos penalties, na Luz e contra o modesto Penafiel, mas não aprendeu a lição e à segunda vez que foi aos penalties, os deuses da fortuna acharam que já era de mais.

Eu confesso que só vi parte do prolongamento da «final antecipada da Taça» (como, num acesso de fervor clubista lhe chamou Fernando Seara) pois que à mesma hora do Leixões-Benfica estava a dar o Barcelona-Real Madrid, e facilmente se adivinha para onde iria a atenção de um amante de futebol que não fosse adepto benfiquista ou leixonense...Mas o pouco que vi deu-me para desconfiar que o Benfica estava a contar demasiadamente com a sorte nos penalties e a não fazer tudo o que devia para resolver as coisas antes disso.

O mesmo espírito de «não nos preocupemos muito, que isto há-de se resolver por si» tinha eu visto horas antes no Cinfães-FC Porto. E nem o facto de o FC Porto estar a jogar com a segunda linha impede a comparação, porque o Cinfães, apesar do valor inesperado demonstrado em campo, não é propriamente o Leixões. É um clube da 3ª Divisão, ou seja, do quarto escalão do futebol português. E houve jogadores portistas que não demonstraram, ao longo de todo o jogo, qualquer superioridade técnica sobre os seus adversários. Pelo contrário, comparativamente com um jogador da casa, de seu nome Mauro, eu fiquei com a impressão de que há vários jogadores no plantel do FC Porto que estão longe de lhe chegar aos calcanhares.

Felizmente (e esta é uma das características de que eu gosto em Jesualdo Ferreira, que não diz, nem a quente, a primeira coisa que lhe vem à cabeça), o treinador do FC Porto disse, no final, exactamente o que eu estava a pensar e que deveria ser dito. Primeiro, louvando o comportamento do adversário, o estado do relvado a fazer vergonha a muitos clubes da 1ª Divisão, e a festa da Taça que se viveu no estádio e na vila de Cinfães (onde estava mais gente que na «final antecipada» de Matosinhos), com aquelas reconfortantes imagens de público sobrando para os morros, para as árvores, para as casas e varandas circundantes. E depois, louvando e bem o desempenho de Guarín (uma boa surpresa para mim), em contraste com a atitude, que não deixou de criticar com toda clareza, de alguns ditos profissionais que estiveram em campo com a camisola azul e branca. Esta é, aliás, uma atitude que já vem de trás, muito antes da era Jesualdo Ferreira. Há jogadores do FC Porto, «segundas linhas», que, quando são chamados a substituir os titulares e têm uma oportunidade para mostrar o que valem, optam antes por se comportar como se o clube não lhes pagasse para jogar na Taça ou enfrentar equipas tidas como «menores». E depois, às vezes, acontecem os desastres, como com os Fátimas ou Torreenses...Eu se fosse a Jesualdo Ferreira (que percebeu muito bem quem eles eram) punha-os a treinar esta semana de manhã e de tarde. Só lhes fazia bem, para eles aprenderem que a camisola do clube é para respeitar sempre e, já agora, aprenderem também a respeitar o público, que, arrostando com chuva e frio, paga bilhete para os ir ver jogar.


3 - Se ganhar amanhã na Amadora (e, para isso, é preciso entrar desde o início com atitude de conquista, de quem não tem tempo a perder), o FC Porto chega a Dezembro na posição confortável de ser o único dos grandes que se mantém em prova e bem lançado em todas as competições. No campeonato ficará em 2º lugar, ex-aequo com o Leixões e a dois pontos do Benfica, com a vantagem de já ter jogado na Luz e em Alvalade; na Taça de Portugal, está nos quartos e é agora o grande favorito à vitória no Jamor, lá mais para o Verão; na Champions, proporcionou uma sensacional inversão de marcha, acabando por terminar o grupo em 1º lugar — o que este ano, todavia, não é garantia de tarefa menos difícil nos oitavos.

Com uma equipa que todos reconhecem mais fraca do que a da época passada — sem Bosingwa, Paulo Assunção, Quaresma — com um onze que eu, pessoalmente, acho desequilibrado, com bons e fracos jogadores, com Lucho e Lisandro, dois dos melhores, longe dos níveis da temporada passada, o saldo é francamente positivo. E, sendo-o nestas circunstâncias, o principal responsável só pode ser Jesualdo Ferreira — eternamente desvalorizado pela crítica. Fosse ele treinador do Sporting e descarregasse nos árbitros de cada vez que as coisas corressem mal, teria todas as atenções e elogios; fosse ele treinador do Benfica e isso lhe bastaria para ser incensado como mestre entre os mestres. Mas ele não gosta de falar sem razão e é treinador do FC Porto...

Olhe, professor, aqui tem um adepto. Crítico, claro, e sempre que o entender justo, porque é a minha maneira. Mas adepto e reconhecido.

CR7, 3G E NÚMEROS 9 (09 DEZEMBRO 2008)

1 - Cristiano Ronaldo está de parabéns e nós com ele; não são todos os países que conseguem ter no mesmo ano o vencedor da Bola de Ouro e da Bota de Ouro. E quem anda lá por fora sabe o que a fama de um jogador como Cristiano Ronaldo acrescenta ao prestígio de Portugal e, às vezes até em circunstâncias difíceis, pode ajudar a facilitar a vida no estrangeiro.

Julgo que a consagração de Cristiano Ronaldo é merecida, acima de tudo, porque fica a sensação de que resulta de muito e muito trabalho e de uma abordagem completamente profissional à sua missão. Todos os relatos contam como, tanto no Sporting como no Manchester, Cristiano se treinava sempre mais do que os outros, ficando a fazer horas e exercícios extras quando os colegas já tinham ido para o duche ou para casa. Para disputar, ao nível que ele joga e no campeonato que ele joga, umas 60 partidas por ano é preciso ser-se um atleta de eleição e é isso, sobretudo, que eu acho que ele é. Se os zelotas do patriotismo me permitem a heresia, repito o que já escrevi: considero o Lionel Messi o melhor jogador do mundo — e, pelo menos, há uns três anos para cá que não vejo ninguém com génio comparável. Em minha opinião, Messi é melhor jogador, Cristiano é melhor atleta. Qualquer dos dois podia ter ganho a Bota de Ouro, mas ainda bem para nós que foi Cristiano.

Conta Marcelo Rebelo de Sousa, no ultimo número do Sol, que licitou num leilão uma bola dedicada e autografada por Cristiano. Rezava assim a dedicatória: «Do génio da bola, Cristiano Ronaldo». E dizia Marcelo: «Um grande jogador. E modesto…». Esse é o grande perigo que hoje em dia espreita Cristiano Ronaldo: o deslumbramento. Oxalá os prémios sirvam também para acalmar essa sede de protagonismo e de glória, para que, no fim de tudo, reste só o grande prazer de jogar futebol que é a marca dos verdadeiros génios.


2 - Os três grandes (3G) ultrapassaram com uma perna às costas as deslocações desta jornada, mostrando que as coisas internamente estão a entrar na normalidade. O final dos jogos tem sido fatal para o Leixões, que viu o seu sonho lindo chegar a um fim natural, substituído pelo sonho, longamente adiado, do Benfica comandar o campeonato.

O Sporting ganhou sem grandes sustos na Amadora, mantendo o hábito e nem sequer chegando a asustar-se com o golo inaugural do Estrela.

O Benfica, como é de tradição, encontrou uma passadeira vermelha no Funchal, com direito a Alberto João Jardim nos Barreiros e tudo. Fiquei com algumas dúvidas na jogada determinante do primeiro golo (não no penalty, mas no que o antecedeu: o livre, a sua cobrança, a posição de Suazo), mas, embora essa jogada tenha praticamente traçado a sorte do jogo, não fiquei com dúvidas de que o Benfica chegaria sempre à vitória, porque o seu ataque, quando está completo e em dia sim, facilmente resolve estes jogos.

O FC Porto, cujas visitas a Setúbal são um verdadeiro pesadelo local, somou o 25.º jogo no campeonato no Bonfim sem perder e a 9ª vitória consecutiva.

O resultado de 0-3 pode enganar quem não viu o jogo de Setúbal: o FC Porto jogou mal e durante três quartas partes do jogo deu a sensação de que caminhava para um fiasco. Fico sempre apreensivo quando vejo o FC Porto começar o jogo a passo, jogando para trás e para os lados, fazendo passar a ideia de que os jogadores estão confiantes de que têm a eternidade diante deles para resolver os jogos com equipas mais fracas. O FC Porto passou os três primeiros minutos de jogo a trocar a bola no seu meio-campo, e os primeiros 66 minutos a jogar um futebol lento e sem ideias, criando apemas uma oportunidade de golo. Até que um canto e o superior poder de elevação de Bruno Alves abriram o caminho para a vitória, a seguir confirmado por um rasgo individual de Hulk. Mas ficaram vários sinais de preocupação, embora muito bem disfarçados por uma vitória anormalmente robusta.

Há dias estava a ler uma troca de argumentos entre leitores destas crónicas na net e havia um leitor portista que me acusava de incoerência por no passado ter criticado as exibições de Lucho González e depois ter passado a elogiá-las. Não sei se o leitor já terá reparado, mas Lucho é um jogador bipolar: tem fases de luz e fases de trevas. Nas primeiras, é um jogador que enche o campo e marca todo o ritmo da equipa, inventando espaços e linhas de passe, funcionando como um verdadeiro coração do onze; nas outras, que acontecem por vezes sem motivo lógico, é um jogador ausente e triste, que chega a parecer desinteressado do jogo. Quando escrevi essa crónica cuja memória o leitor guardou, foi a seguir a assistir a um jogo em que me dei ao trabalho de reparar que, nos primeiros 25 minutos, Lucho nem sequer tinha tocado na bola. Agora, infelizmente para a equipa, ele parece estar a atravessar outra vez uma fase de ofuscação, como já tinha sido patente no jogo com a Académica e voltou a ver-se em Setúbal, apesar do excelente golo final que facturou. Como, além dele, o FC Porto actual só dispõe de mais um bom médio de ataque, que é Meireles, as suas ausências mentais deixam o meio-campo portista tremendamente desfalcado. Para agravar as coisas, não há trinco de categoria: pese toda a promoção da imprensa, o Fernando está longe de me convencer; os dois últimos golos sofridos pelo FC Porto (contra o Fenerbaçhe e a Académica), para já não falar do golo contra o Sporting para a Taça, resultaram de passes falhados dele. E um trinco tem de ter uma segurança e qualidade de passe infalíveis.

Depois de muito insistir num 4x3x3 sem nenhum extremo de qualidade (excepto, talvez, Candeias, de que não gosta e não usa), Jesualdo tem vindo a derivar para um 4x1x3x2, assim ao menos terminando com o inexplicável ostracismo de Hulk. Até ele se convencer de que o Hulk era potencialmente o maior perigo de um FC Porto desfalcado de um desequilibrador como Quaresma, foi necessário insistir até à nausea no Mariano, experimentar o Tarik e tentar às vezes o Farias. Enfim, lá acabou por aceitar o que entrava pelos olhos dentro: que Hulk é, neste momento, a mais-valia ofensiva da equipa (os adversários, esses, sabem-no bem, que fazem dele um saco de pancada em todos os jogos). Não fosse Hulk, e o FC Porto, neste momento, não conseguiria disfarçar a crise de Lucho, o momento descrente de Lisandro e a absoluta inutilidade do jogo de Cristián Rodriguéz (também muito estimado pela critica, mas que não encontra um adepto na bancada).

Este FC Porto, mais ainda do que o do ano passado, é uma equipa desequilibrada: metade são grandes jogadores e outra metade são jogadores banalíssimos; falta o meio-termo. E bastaria, por exemplo, que no próximo mercado de Inverno fossem recuperados o Leandro Lima, o Ibson e o Luís Aguiar — todos emprestados a outros emblemas — e aquele meio-campo estaria aí para enfrentar a segunda metade da época com outros argumentos.


3 - Há qualquer coisa de semelhante no processo e na filosofia de jogo entre Hulk e Suazo. Ambos são atacantes do género não complicativo. Parecem perguntar «Qual é a finalidade disto? É marcar golos? Então vamos a isso!». O Hulk é mais forte, o Suazo é mais técnico, mas ambos trazem ao jogo das suas equipas uma simplicidade de ideias e uma escolha de trajectórias lineares para chegar ao golo que são raras, hoje em dia. Há pontas-de-lança que, apesar de às vezes parecerem e serem tidos como finalizadores e jogadores dotados, passam a vida a fugir da responsabilidade do golo. Procuram sempre a quem passar a bola lateralmente, mesmo quando têm espaço para o remate e a baliza à frente; recebem a bola de costas, com os centrais atrás, e tratam logo de a atrasar para de onde ela veio; em vez de se fixarem na zona de tiro, gostam de se desmarcar para zonas menos decisivas, colhendo os elogios dos críticos pela sua constante «mobilidade». Mas não resolvem jogos, não. Hulk e Suazo sim, esses resolvem. Como o Liedson, noutro estilo.

domingo, dezembro 14, 2008

A EUROPA DA VERDADE (02 DEZEMBRO 2008)

Só a bendita cegueira alheia é que pode ver nisso o resultado dos «apitos dourados» com que se vão entretendo e enganando. Deus os conserve assim por muitos anos!

Em Julho passado viveu-se um episódio marcante no futebol português que eu, por mais anos que viva, hei-de lembrar sempre como um momento exemplar de anti-desportivismo: a tentativa consertada de Benfica e Vitória de Guimarães de impedirem o FC Porto de participar na edição deste ano da Liga dos Campeões. Mostrando exuberantemente o que entendem pela tal «verdade desportiva» que tanto apregoam, ambos os clubes tentaram usurpar, através de uma feroz batalha jurídica, o lugar que o FC Porto conquistara em campo, por mérito próprio e após um brilhante título de campeão, com mais de 20 pontos de avanço sobre aqueles que lhe queriam roubar o lugar.

Toda a argumentação se baseava numa condenação do CD da Liga, a qual, por sua vez, tinha, como sustentação principal e quase única, as declarações, à vista de todos determinadas por motivos de vingança pessoal da D.ª Carolina Salgado — cuja credibilidade é todas as semanas atestada pelos relatos das suas aventuras nas revistas sociais e pela denúncia de que já foi alvo, por parte de um juiz de instrução, de crime de falsas declarações. Mas esses detalhes não estavam, obviamente, ao alcance da informação e compreensão do Comité de Justiça da UEFA — o qual tinha apenas de se confrontar com uma condenação interna do FC Porto, de que a sua Direcção, avaliando mal os riscos, decidira não recorrer. E, não fosse o processo presente à UEFA mesmo assim aberrante do ponto de vista jurídico, Benfica e Guimarães teriam obtido na secretaria aquilo que tão pouco justificaram em campo. Estiveram quase a consegui-lo e, se isso tem sucedido, a injustiça seria dupla pois que, se a Liga portuguesa teve até este ano a faculdade de ver duas equipes entrarem directamente na Champions e uma terceira disputar a última pré-eliminatória, deve-o, principalmente, ao FC Porto, cuja carreira europeia nas últimas décadas tem acumulado pontos para tal.

Esta semana, depois de estrondosa derrota do Benfica em Atenas, antecedida da não menos demolidora derrota caseira com o Galatasaray — que praticamente o colocaram fora da Taça UEFA — tornou-se clara a que teria sido mais uma consequência da vitória jurídica na UEFA: o futebol português teria perdido o seu melhor representante na Europa, a benefício de duas equipas sem estaleca para tal.

O Vitória de Guimarães (que, no início da tentativa de cambalacho jurídico uefeiro, pareceu revelar alguma vergonha em acompanhar o Benfica), trocou uma amizade de muitos anos com os portistas e o prestígio que justamente adquirira no final de um campeonato em que lutou pelo segundo lugar europeu com o Sporting até à última jornada, por uma nova amizade com o Benfica, que se vem revelando uma espécie de «beijo da morte» — como se uma justiça divina se tivesse encarregado de castigar os novos ptolomeus. Perdeu para o modestíssimo Basileia a possibilidade de entrar na Champions e, logo a seguir, perdeu para o estreante europeu Portsmouth a qualificação para a Taça UEFA. E assim perdendo em campo a admissão numa e noutra competição, mostrou porquê que a batalha jurídica em que acabou por se lançar, na esteira do Benfica, era afinal tão importante: porque era a única hipótese de chegar à Europa. Por portas travessas. Mas a maldição continuou internamente, onde o futebol escorreito do Vitória do ano passado desapareceu para parte incerta, substituído por um futebol sem garra e sem chama, sem sombra de dimensão europeia. Ao fim de dez jogos no campeonato, o Vitória ocupa o 11.º lugar, a catorze pontos do primeiro e apenas a três da despromoção, sendo a única equipa sem vitórias caseiras. Pior ainda, vê-se na situação humilhante de ter de mendigar ao seu novo aliado benfiquista o favor de lhe ceder alguns jogadores de refugo, em nome da solidariedade anti-portista demonstrada em Julho passado. Podia ao menos ter perguntado a outros que já experimentaram o abraço benfiquista, como o Estoril, o que se ganha com isso...

Quanto ao Benfica, incensado em toda a imprensa desportiva lisboeta, com o seu treinador elevado a figura de referência (quando ganha, porque é bestial, quando perde porque não ficou satisfeito), cometeu o erro clássico de tomar os desejos e as louvaminhas por realidades. Na altura em que escrevo, ainda não jogou com o Vitória de Setúbal, mas prevejo que consiga enfim chegar ao primeiro lugar do campeonato, depois de três anos e meio de proclamações falhadas. Isso chegará, aparentemente, para reacender a esperança e a ilusão, fazendo os benfiquistas acreditar de novo que têm uma grande equipe — que, de facto, no papel e nos nomes dos jogadores, é bem melhor do que a do ano passado, mas que, na hora da verdade, tem mostrado sempre estar longe de ser uma grande equipa. O Olympiakos revelou antes uma equipa banal — como o Galatasaray e o FC Porto já o haviam revelado. Mas, quando não se quer ver nem ouvir, não se vê nem se ouve. O Benfica funciona como aqueles ditadores rodeados por uma corte de aduladores, sempre prontos a incensá-los. Se alguém destoa do coro e se atreve a dizer que o rei vai nu, sua majestade manda-os calar e ataca-os como inimigos a abater. E assim, quando chega o momento dos confrontos decisivos e o exército de sua majestade se revela incipiente e incapaz, fica tudo muito espantado, a gritar que foi batota ou a prometer que foi apenas um acidente de percurso.

É verdade que, infelizmente, também o meu FC Porto vem dando mostras crescentes de ter sucumbido à doutrina do despotismo iluminado na Direcção do clube — quem ousa criticar, mesmo o que é evidente, passa à condição de inimigo interno, antes de passar à de traidor, que é a antecâmara da condição de inimigo externo infiltrado. Quem apenas está habituado à liberdade própria, jamais entenderá o valor da liberdade alheia. E é tão mais fácil governar assim!

Todavia, e como não me tenho cansado de o repetir, há uma diferença essencial no FC Porto, mesmo que os seus métodos de gestão tendam perigosamente a aproximar-se dos de outros: a cultura de exigência desportiva que todos naquele clube — jogadores, técnicos, adeptos, gestores — praticam sem cedências. O FC Porto ganha mais que os rivais e bate-se na Europa do futebol como ninguém mais entre nós porque desde há muito que todos naquela casa sabem que, para ganhar, não basta querer e proclamar: é preciso trabalhar mais, saber sofrer mais, saber perder e saber ganhar. Foi assim que o FC Porto se transformou, de um clube de província, num campeão mundial. E isso, por muito que pontualmente o possa criticar, hei-de reconhecer sempre que foi obra de Pinto da Costa. Foi ele que trouxe essa cultura de exigência e de vitória para o FC Porto e que a fez passar, de geração em geração. Como aqui escreveu Vítor Serpa, sexta-feira passada, «o FC Porto é diferente porque a dimensão do seu futebol começa na cabeça dos seus jogadores e numa cultura de exigência interna, muito especialmente dos seus adeptos. No dia em que o FC Porto perder essa cultura de exigência será igual, no resultado e na falta de afirmação, aos seus tristes parceiros nacionais».

Foi por saber isso há muito tempo que eu pude prever aqui que o FC Porto em crise iria vencer em Kiev. E podia ter previsto também que iria vencer em Istambul, porque esse FC Porto que aparece cheio de personalidade e de coragem nos momentos da verdade não é fruto do acaso. Ano após anos, saem os melhores e a atitude mantém-se: só a bendita cegueira alheia é que pode ver nisso o resultado dos «apitos dourados» com que se vão entretendo e enganando. Deus os conserve assim por muitos anos!

sábado, dezembro 06, 2008

EXCURSÃO AO BRASIL (25 NOVEMBRO 2008)

1- Como sabemos e todos os dias nos repetem, vai para aí uma terrível crise, que ataca as economias das famílias portuguesas. Bem, nem tanto assim ou nem todas. A Euribor desceu acentuadamente e, com ela, desceram as taxas de juro que a população mais endividada do mundo paga mensalmente aos bancos; a gasolina começou a descer também (embora apenas uma pequena parte do que deveria descer, se houvesse transparência no mercado). E, com isso, parece que há por aí muitos portugueses oficialmente em crise, que já se esqueceram outra vez das preocupações: as viagens para o Brasil estão esgotadas até Janeiro e os bilhetes já custam a inacreditável quantia de dois mil euros!

Não admira que também Gilberto Madail e o seu homólogo da CBF tenham pensado em conjunto montar também uma excursão ao Brasil. Juntos, encheram um avião de vedetas de ambos os lados do Atlântico, que têm em comum o facto de quase todas estarem expatriadas na Europa milionária do futebol. Foi um voo histórico: talvez nunca um só avião tenha transportado uma carga humana tão valiosa. Afora essa curiosidade histórica e as sempre bem-vindas receitas para duas federações que se habituaram a viver no luxo, não consigo descortinar uma única vantagem nesta excursão de Novembro ao Brasil.

Como se sabe, o negócio das federações é feito toda à custa do esforço extra dos jogadores e, sobretudo, dos clubes que lhes pagam. Há qualquer coisa de «chulice» institucional neste negócio dos jogos particulares organizados para dar receita às federações. Compreendo, evidentemente, que se façam jogos de preparação antes das grandes competições — o Europeu e o Mundial — e que, de vez em quando, se faça um outro jogo dito «de apresentação». Mas aproveitar todos os buracos e buraquinhos do calendário competitivo dos clubes para encaixar jogos a feijões da Selecção Nacional é apenas um abuso de coisa alheia. Já Scolari — que, para justificar o ordenado de luxo da federação e os milhentos contratos publicitários que adorava, tinha de reunir a Selecção pelo menos uma vez por mês — confessava, todavia, que a única preparação que interessava era a que decorria nas duas ou três semanas anteriores às fases finais das competições, quando tinha os jogadores à sua disposição o tempo suficiente para treinar rotinas e esquemas de jogo. Agora, fazer um jogo de preparação com as Ilhas Feroé, dois meses depois outro com o Brasil, dois meses depois outro com as Bahamas, dois meses depois outro com a Itália, não serve para nada, rigorosamente. Só para prejudicar os clubes e cansar as vedetas.

O Brasil-Portugal, jogado a meio de uma semana de competições nacionais e entre competições europeias, num subúrbio de Brasília e num relvado que nem se sabia se iria estar em condições, foi uma excursão inútil e um desastre desportivo. Uma humilhação para todos nós, como era de prever, excepto para o Miguel Veloso, que não viu motivos para tal.

Repare-se, por exemplo, no caso de Danny, a mais recente aquisição da Selecção. Na penúltima jornada do campeonato russo, jogou em São Petersburgo, no domingo, dia 16; a 17, no dia seguinte, viajou para Lisboa, provavelmente via Frankfurt e talvez também com escala em Moscovo — um mínimo de oito horas de viagem, entre voos e aeroportos; nessa mesma noite, embarcou para um voo de dez horas até Brasília, saindo de uma temperatura de alguns dez graus negativos para as temperaturas do Verão brasileiro, a rondar os 35; no dia seguinte, treinou-se em Brasília e na noite seguinte, quarta-feira, a uma hora que para ele equivalia às 4 da manhã em S. Petersburgo, jogou contra o Brasil e até marcou o golo inaugural; terminado o jogo, seguiu-se hora e meia de autocarro e embarque para Lisboa, em novo voo de dez horas; desembarcado em Lisboa ao meio-dia de 5.ª feira, ei-lo a reembarcar para S. Petersburgo, via Frankfurt: mais oito horas de viagem, até chegar a casa, depois de ter percorrido 23 mil quilómetros em quatro dias; sexta-feira, acorda em S. Petersburgo e voa para Moscovo, onde, no dia seguinte, joga os 90 minutos no último e decisivo jogo do campeonato contra o Dínamo, em que o seu clube, o Zenit, disputava o 5.º lugar e a participação na Taça UEFA do próximo ano (o Zenit ganhou e Danny marcou dois golos e assistiu o terceiro); seguiu-se novo voo de regresso a S. Petersburgo e, enfim, o descanso. Imagine-se o entusiasmo com que ele irá receber no futuro novas convocatórias para jogos destes...


2- Se todos, brasileiros e portugueses, tinham razões para acusar cansaço, desmotivação e poupança, um houve que foi o pior em campo e não por essa razão: Cristiano Ronaldo. O homem que já virou griffe e que se faz tratar por CR7, perdeu-se no jogo apenas por culpa do vedetismo e vaidade de que vem dando mostras, em crescente descontrolo. Quando lhe perguntaram se era o melhor jogador do mundo e ele respondeu que era «o primeiro, o segundo e o terceiro», quando lhe perguntaram se era mais bonito que o Kaká e ele respondeu «gosto de mim», quando foi substituído no sábado, em Inglaterra, depois de mais uma exibição completamente apagada, e saiu com o dedo espetado a indicar que era o n.º 1, já dá para perceber que aquele rapaz precisa urgentemente de quem lhe explique coisas básicas sobre a vida e a maneira de estar no futebol, como em tudo o resto.

Em Brasília, ele não se perdeu por cansaço nem por falta de talento: perdeu-se por falta de humildade, incapacidade de pensar na equipa e não apenas em si próprio, parecendo uma barata tonta às voltas com fintas falhadas e rodriguinhos sem sentido para impressionar as meninas da plateia. O problema de se querer ser vedeta todos os dias é que não se pode falhar dia nenhum... Ele é o número 1 do mundo? Ponha os olhos no Messi ou no Ibrahimovic e vai ver que não. Ou então, que alguém o ponha a ver os vídeos de um senhor chamado Eusébio da Silva Ferreira, que ganhava um centésimo do que ele ganha, jogava bem mais do que ele e era capaz de chorar depois de perder um jogo pela Selecção.


3- Dei comigo, durante o Brasil-Portugal de triste memoria, a contar os ex-jogadores do FC Porto que actuavam pelos dois lados. Eram onze, uma equipa inteira! Quatro pelo Brasil — Thiago Silva, Diego, Anderson e Luís Fabiano — e sete por Portugal — Bosingwa, Pepe, Paulo Ferreira, Deco, Maniche, César Peixoto e Hugo Almeida. Por aqui se pode ver a dimensão do património que o FC Porto tem delapidado nos últimos anos.


4- Já não há saco para aguentar as eternas lamúrias dos sportinguistas contra as arbitragens, ainda para mais sem ponta de razão. Parece que, no espírito de um sportinguista, basta que um árbitro apite qualquer coisa contra o Sporting para já ser suspeito. Como toda a gente viu e comentou, Paulo Bento, mais uma vez, não teve a menor razão para se queixar da arbitragem de Artur Soares Dias, na Figueira da Foz. Na minha opinião, trata-se até, provavelmente, do melhor árbitro português do momento e, seguramente, muito melhor árbitro do que Paulo Bento é treinador. Com que legitimidade é que Paulo Bento acha que se pode permitir pôr em causa a seriedade dele? Tem algum mandado divino para decidir que não é penalty quando toda a gente viu que era? Ou tem andado a almoçar com o dr. Dias da Cunha e está contagiado pela asneira livre? Ele que ponha os olhos no Domingos Paciência, que interrogado sobre o penalty a favor do Benfica que resolveu o jogo em Coimbra — e quando já todos tínhamos visto que resultara de uma simulação de Reyes que enganou o árbitro — se limitou a dizer que estava longe de mais para poder ter visto em condições. Mais vale perder como um gentleman do que ganhar como um Dias da Cunha.


5- Olho para aqueles meninos dos No Name Boys e para o extenso rol das suas actividades «desportivas» e só espero que ninguém mais venha falar da selvajaria dos adeptos portistas — um dos mitos que alimentam as crónicas lisboetas desde há muito.

HERÓIS DO MAR (18 NOVEMBRO 2008)

1- O Leixões merece. Merece ter ganho em Alvalade, merece ter ganho no Dragão e merecia ter ganho ao Benfica, se a sorte não lhe tivesse voltado as costas. O Leixões merece as quatro vitórias obtidas fora de casa em outros tantos jogos. Merece o primeiro lugar isolado, os cinco pontos a mais que leva sobre o FC Porto e os seis que leva sobre o Sporting. O Leixões merece este regresso à 1ª Liga, depois de tantos anos de espera e de dois anos em que esteve quase a conseguir chegar, mas no fim fraquejou.

Durante toda a semana foi um «blitz» de entusiasmo da imprensa, antevendo a chegada do Benfica ao primeiro lugar, após quatro anos de ausência da posição cimeira do futebol português. Lendo os jornais, eram favas contadas: o Benfica vencia tranquilamente na Luz os sub-alimentados do Estrela da Amadora, e o Sporting, com uma «arbitragem imparcial», só podia vencer de forma igualmente tranquila o intruso de Matosinhos. Ah, mas o futebol ainda tem parte substancial que se decide no relvado, apesar de tanta conversa, tantas queixas e lamúrias, tantas pseudoverdades proclamadas para valerem como factos!

Facto é que o Benfica lá venceu o Estrela da Amadora, ao estilo tem-te não caias, que é a sua imagem de marca este ano. Foi uma exibição pífia, a fazer lembrar o Benfica de Trapattoni, que foi campeão sem convencer ninguém. Facto é que o Leixões chegou a Alvalade, levou meio tempo a perder o respeito ao Sporting e depois mostrou ao que vinha: jogar sem medo, jogar com qualidade, com classe, com alegria. Já é tempo de fazer justiça a José Mota: não sei se haverá, entre os treinadores portugueses em actividade aqui, quem se lhe possa comparar em termos de resultados. Que os há menos humildes, sempre em bicos de pés mal obtêm um bom resultado, bem-falantes, isso há. Mas que consigam, uma, duas, várias vezes, pegar em equipas sem esperança e pô--las a jogar mais do que seria legítimo exigir e chegar aonde ninguém pensava possível, como José Mota tem feito, isso não há muitos.

Em Alvalade e no Dragão, a prestação do Leixões confirmou uma coisa que há muito penso: que uma equipa pequena, bem treinada e bem motivada, não precisa de jogar naqueles «quintais» onde se disputam tantos jogos da 1.ª Liga para fazer frente aos grandes. O que mais tenho gostado de ver no Leixões é o aproveitamento que a equipa faz do campo todo. As dimensões do relvado dos grandes não a intimidam, antes pelo contrario: é nesse espaço todo que o Leixões mostra que sabe jogar futebol. Bater o pé aos grandes em campos como o de Paços de Ferreira, Nacional, Naval, Amadora, não é tão difícil como parece: porque a falta de espaço prejudica o melhor futebol e beneficia quem quer, acima de tudo, defender e apostar na confusão e na sorte. Não é por acaso que os jogos dos campeonatos inglês, espanhol, italiano, francês ou alemão, são sempre bem disputados, mesmo com equipas fracas. Porque ninguém vê, nas Ligas desses países, campos como aqueles. Se eu mandasse, havia dois tipos de clubes que seriam excluídos do primeiro escalão: os que não pagam os salários, a Segurança Social ou o fisco, e os que não dispõem de relvados com a dimensão máxima.


2- Já aqui escrevi algumas vezes que tenho todo o respeito por Paulo Bento. Acho que ele faz o melhor possível com a equipa que tem e, para todos os efeitos, é uma proeza ter que disputar o campeonato de igual para igual com dois rivais que gastam o dobro ou o triplo do que o Sporting gasta em jogadores. Mas Paulo Bento, de facto, não tem o dom da palavra e parece achar que isso não é importante. Está errado: um treinador é um líder, um condutor de homens, e um líder tem de saber falar para que o entendam, para que as suas razões sejam escutadas. Mesmo falando «a quente», não pode dizer a primeira coisa que lhe vem à cabeça, não pode anunciar como verdades indiscutíveis coisas que não resistem ao senso-comum de quem o ouve e também vê os jogos, não pode adoptar uma linguagem sem freio, ao nível do adepto de bancada.

Durante toda a semana, foi montada uma fortíssima campanha, e não apenas interna, de lavagem das declarações incendiárias de Paulo Bento, no final do Sporting-FC Porto. Ao ler algumas das opiniões expressas a propósito disso, fiquei a pensar se os tais que se intitulam cavalheiros do futebol acham mesmo que é admissível que um treinador diga o que Paulo Bento disse, no final daquele jogo.

Mas também fiquei a pensar porque razão não se atrevem os nossos jornalistas a contraditar treinadores ou dirigentes, quando eles dizem a primeira coisa que lhes apetece e anunciam como verdades inquestionáveis coisas que não resistiriam a um simples escrutínio de facto. Porque razão, quando ouvem Paulo Bento ou Dias da Cunha a falarem daquela arbitragem como se o Sporting tivesse sido roubado, não se atrevem a dizer-lhes: «E a cotovelada do Liedson no Fucile, que passou impune? E o descarado penalty do Rui Patricio sobre o Hulk, que acabou com cartão amarelo ao Hulk, por ter sido derrubado por um e pisado no chão por outro? E a gravata dentro da área do Rochemback ao Rolando, que acabou em livre contra o Porto? O que tem a dizer sobre isso?» Será precisa assim tanta coragem para fazer perguntas destas, as perguntas pertinentes?

Se as tivessem feito, e logo ali, no flash-interwiew, a Paulo Bento, ter-se-iam evitado muitas asneiras subsequentes, dele e de outros. Assim, foi necessário esperar que o Leixões fosse a Alvalade e tratasse de demonstrar que a desculpa das arbitragens não serve sempre. Apesar de, na sequência do apelo de Paulo Bento, o público de Alvalade ter recebido os árbitros com a dose de intimidação recomendada. Aliás, o apelo de Paulo Bento nem sequer faz sentido: de há muito que Alvalade é o estádio que mais pressiona os árbitros- e por isso é que o Sporting é cronicamente o clube com mais penalties a favor e mais adversários expulsos nos jogos disputados em sua casa. Mas como ninguém se atreve a lembrar-lhes as estatísticas nem os muitos e muitos casos em que a arbitragem os favorece, eles conseguiram fazer das suas verdades doutrina. Enfim, daí não vem grande mal ao mundo. Nem verdade ao futebol...


3- Estávamos três a ver o FC Porto-Vitória de Guimarães e, de princípio ao fim, o que a todos mais impressionou foi a exibição de Cristian Rodriguéz. Acho que não exagero muito (é ver o vídeo...), se disser que ele não ganhou nem 10% dos lances disputados. Não fez uma assistência para golo, um cruzamento de jeito, um remate digno desse nome, não acabou ou deu sequência a uma jogada que fosse. Foi absolutamente impressionante a quantidade de jogo que ele estragou à equipa. E isto repete-se, jogo após jogo, desde o início da época, fazendo-me crer que o Cristian Rodriguéz é o último de uma série de fiascos resultantes da irresistível tentação de Pinto da Costa de roubar jogadores ao Benfica - na esteira, por exemplo, dos inesquecíveis Iuran e Sokota. Mas, afinal, li aqui, no relato do jogo, que dois jornalistas de A Bola tinham considerado o Cristian Rodriguéz como dos melhores portistas em campo. Ou não vimos o mesmo jogo ou só me resta render-me à evidência de que não percebo nada de futebol. Mas lá que gostava de ver Jesualdo experimentar o Candeias, de vez em quando, isso gostava. Mas não vou ter sorte, porque, como disse Carlos Azenha, na excelente entrevista que deu ao Diário de Notícias de 6.ª feira, para Jesualdo Ferreira há sempre titulares indiscutíveis. E já é uma sorte que Mariano González não seja sempre um deles.

sexta-feira, novembro 21, 2008

130 MINUTOS DE INTENSA PAIXÃO (11 NOVEMBRO 2008)

Minuto Zero: Sporting e FC Porto vinham ambos moralizados da jornada europeia para enfrentar este jogo da Taça. O Sporting, porque pela primeira vez atingira os oitavos-de-final da Champions, garantindo tal a dois jogos do fim da poule, não desperdiçando a oportunidade de tirar partido de um grupo anormalmente acessível. O FC Porto, porque arrancara a ferros e com muito brio a vitória necessária em Kiev (perdoem-me a imodéstia: como eu aqui antecipei) — com isso reentrando na disputa por um lugar nos oitavos da Champions.

Mas, à partida, as vantagens para este jogo estavam todas do lado do Sporting. Primeiro, porque jogava em casa, com o apoio largamente maioritário do público; depois, porque o seu jogo europeu a meio da semana, com o 8.º classificado do campeonato da Ucrânia e em casa, fora bem mais fácil que o jogo do FC Porto, fora, com o líder do mesmo campeonato; em terceiro lugar, porque, tendo jogado em casa, poupara-se, ao contrário do seu adversário, a uma viagem desgastante aos confins da Europa; e, finalmente, porque gozara de um dia de descanso a mais que os portistas.

Como se isto não fosse suficiente, nomearam para este jogo um dos dois árbitros que historicamente mais embirra com o FC Porto. Como não podia ser o Lucílio Baptista (que já fora o escolhido para o Sporting-FC Porto do campeonato), avançou então Bruno Paixão — que, como seria de esperar (já lá vamos), tudo fez para que o FC Porto não saísse vencedor de Alvalade.

MINUTO 1 — Mais uma vez, Jesualdo Ferreira mudou a equipa e mais uma vez houve castigados: depois de Benítez, Lino, Stepanov, Guarín, Fernando, Pelé, Pedro Emanuel, Mariano, Hulk, Farías, Helton, Nuno, Tarik e Tomás Costa, tocou a sorte agora a Sapunaru e Cristián Rodríguez. Não que não tenha tido sempre ou quase sempre razão para os castigos, mas o que isso mostra é que Jesualdo já não sabe o que há-de tentar com um plantel onde são raros os que dão garantias para todos os jogos. Enfim, pela primeira vez, Hulk teve o privilégio de jogar o jogo todo — e viria a ser um dos melhores, se não o melhor do FC Porto. E lá voltou o Mariano — que, como sempre, infalivelmente, se encarregou de mostrar que a indulgência de que goza junto do treinador já ultrapassou a fase do mistério, para se transformar numa obsessão masoquista. Durante 45 minutos, Jesualdo optou por fazer o FC Porto jogar com 10, e depois veio queixar-se da primeira parte falhada pela equipa...

MINUTO 7 — Está em curso uma impudica campanha da imprensa e adeptos rivais contra Bruno Alves, acusado de só jogar com os cotovelos. É uma acusação rotineira, que todos os anos toma como alvo um jogador do FC Porto: Deco foi a vítima durante dois anos, depois seguiu-se Ricardo Quaresma e agora é a vez de Bruno Alves. Não por acaso, os alvos escolhidos são sempre grandes jogadores e determinantes no FC Porto. Todavia, ao minuto 7 foi Liedson quem enfiou uma cotovelada descarada na cara de Fucile: Bruno Paixão viu, tanto que assinalou a falta, mas cartão nem vê-lo.

MINUTO 27 — Com um pontapé para trás, Fernando isola Liedson. E, claro, o melhor avançado do campeonato bate tranquilamente e com classe Pedro Emanuel e Helton.

MINUTO 30 — Bruno Alves segura a gola da camisola de Liedson e o levezinho rebola-se de dores, gritando agarrado à cara. Amarelo para Bruno Alves, delírio em Alvalade.

MINUTO 43 — Azar de Fucile: desta vez é Postiga (incansável à procura de sarilhos desde o início) quem lhe prega outra valente cotovelada. Bruno Paixão, a dois passos, voltou a ver e a marcar a falta— e mais nada.

MINUTO 46 — Rochemback comete falta a meio-campo sobre Lucho e desaba no relvado, quase ferido de morte: cartão amarelo a Lucho. Nesta altura, a contabilidade da TVI assinalava: seis faltas cometidas pelo FC Porto e três amarelos; 16 faltas cometidas pelo Sporting e zero amarelos. A partir daí, e julgando os jogadores do Sporting que tudo lhes seria consentido, o árbitro foi forçado a tornar-se quase equitativo no dilúvio de amarelos que iria distribuir até final.

MINUTO 52 — Contrariando as doutas opiniões do relator/comentador da TVI, o Hulk, que ele insistia em que Jesualdo fizesse sair, pegou na bola à saída da sua área e foi por ali fora até fuzilar Rui Patrício: 1-1.

MINUTO 61 — Hulk arranca outra vez, deixando Polga em pânico; na hora do remate fatal, dentro da área, cai, embrulhado com Polga, e pede penalty. As opiniões dividem-se; a minha, mesmo após as repetições, é que tanto pode ter sido como não.

MINUTO 66 — Agora, sim, não fiquei com dúvidas: Hulk persegue uma bola longa, dentro da área do Sporting, juntamente com Caneira; Rui Patrício sai da baliza e enfia um descarado empurrão nas costas a Hulk, derrubando-o e impedindo-o de disputar a jogada: é penalty, em qualquer lado do mundo, mas não em Alvalade. Na sequência, Caneira cai sobre Hulk, levanta-se e encosta-lhe a testa, ficando ambos a fazer votos de eterna amizade. Bruno Paixão vê aí uma excelente oportunidade para mostrar um amarelo a Hulk, que estava a ser o perigo em campo, disfarçando com uma decisão salomónica. Mas esqueceu-se que Caneira já tinha um amarelo e caiu das nuvens quando o auxiliar o avisou que era o segundo. Durante alguns minutos viveu-se um fenómeno extraordinário nos Sporting-FC Porto: o Sporting jogou em inferioridade numérica, por razões disciplinares. Até final, porém, Paixão iria encarregar-se de corrigir a anomalia e repor a normalidade da superioridade numérica do Sporting.

MINUTO 82 — Jesualdo Ferreira comete um erro crasso. Era fácil de prever que, na primeira oportunidade, Bruno Paixão expulsaria alguém do FC Porto e Pedro Emanuel — que, como sempre, já tinha um amarelo — era o candidato óbvio. Deixando-o em campo, Jesualdo expôs-se a isto: Pedro Emanuel não se conteve numa entrada perigosa sobre Moutinho, embora, de facto, não o tenha atingido, mas tenha permitido a simulação da falta ao 10 do Sporting. Seguiram-se breves e dramáticos momentos de superior representação teatral de Moutinho, até confirmar, pelo canto do olho e enquanto se contorcia no chão em gritos lancinantes, que, sim, Pedro Emanuel ia para a rua.

MINUTO 87 — Rui Patrício sobre Hulk mostra como se faz: o incrível levantou do chão como se tivesse sido arrancado por uma ceifeira debulhadora.

MINUTO 88 — Izmailov cruza rente ao chão e Rolando, que tinha escorregado e estava deitado, nem sequer vê a bola que lhe acerta no braço caído, sem fazer qualquer gesto para tal nem o podendo fazer desaparecer. Penalty!, grita Alvalade e a TVI («Matreiramente, ficou lá o bracinho», explicou o dito relator/comentador, e eu recebo a terceira chamada de amigos portistas, revoltados com os seus comentários).

MINUTO 105 — Choque entre Bruno Alves e Abel dentro da área do FC Porto ou, na versão sportinguista, obstrução de Bruno Alves. Penalty!, voltam a gritar. Mas, ainda que fosse obstrução, seria só livre indirecto e penalty é livre directo. Pormenor.

MINUTO 110 — Canto contra o Sporting, bola no ar e Rochemback a afastar com o braço Rolando no momento do salto, de forma ostensiva e nas barbas do árbitro. Falta contra o FC Porto, decide Bruno Paixão. Sábia decisão. E aí vão pelo menos dois penalties a favor do FC Porto que não ocorreram a Bruno Paixão.

MINUTO 111 — Hulk, outra vez, entra na área em velocidade, adianta a Rui Patrício e atira-se para o chão. Segundo amarelo e este, sim, justo. Reposta a normalidade numérica a favor do Sporting e Rui Patrício cheio de sorte.

MINUTO 121 — Na hora de se avançar para o desempate por penalties, o speaker de Alvalade não se cansa de incentivar os leões e grita «Sporting!, Sporting!». E pode, num campo oficialmente neutro? Infelizmente, daí a pouco chegaria a vez de a claque do FC Porto borrar também a pintura, insultando João Moutinho, vá-se lá saber porquê.

MINUTO 130 — Finalmente, o FC Porto ficou a dever em parte uma vitória a Helton. Três grandes defesas durante os 120 minutos e dois penalties defendidos. Neste caso, o castigo foi verdadeiramente redentor, funcionando como um utilíssimo banho de humildade. Parabéns a Helton — até porque, dos seis penalties cobrados pelos portistas, só dois foram bem marcados.

E foi assim que um portista viu o jogo. Com revoltada Paixão. Mas, mesmo assim, espera-se um comunicado da direcção do Sporting a queixar-se de pouca Paixão.

AMANHÃ GANHAMOS (04 NOVEMBRO 2008)

1- Se bem conheço o espírito de equipa do FC Porto (ou melhor, o que ali resta daquele espírito de campeões que tantas alegrias nos deu em anos recentes), eu sou capaz de apostar que amanhã em Kiev o FC Porto vai ganhar ou, pelo menos, tudo fazer por isso. Quando li que o Bruno Alves se tinha dirigido aos adeptos no final do jogo na Figueira da Foz, pedindo o seu apoio e a sua compreensão neste momento de tanta frustração e descrença, percebi que o espírito do Dragão ainda não está morto naquele balneário. É verdade que o Bruno Alves é um dos últimos que restam para passar de mão em mão o testemunho dessa atitude que foi o que, mais do que tudo, fez do FC Porto uma equipa ganhadora — perante o desespero e a incompreensão dos seus rivais. Mas, pelo menos, ele e poucos outros ainda lá moram e nós sabemos que esses não são de reclamarem prémios e darem-se por felizes com terceiros lugares. Por isso, eu mantenho a fé e a esperança, sabendo que, apesar das evidentes limitações da equipa, que estão à vista de todos e sobre as quais muito escrevi já e tudo mantenho, são exageradas as notícias sobre a morte irremediável do FC Porto. Mesmo deste FC Porto.

E até concordo com Jesualdo Ferreira, quando ele fala no empenho dos jogadores e na falta de sorte. Quanto ao empenho, de facto, não tenho visto ali ninguém parado, sem correr nem lutar, ninguém conformado com a nova lei das derrotas em série. Empenho não tem faltado a ninguém; o que falta, e gritantemente, é talento e classe. Por isso, bem pode Pinto da Costa fazer as suas tradicionais visitas aos treinos ou ao balneário, na sequência das derrotas; a questão não é amedrontar os jogadores ou puxar-lhes pelo brio; é conseguir tornar jogadores banais em jogadores ao nível de uma Champions — e isso não é culpa deles, mas justamente da política de contratações de Pinto da Costa.

Quanto à sorte, ou à falta dela, também me parece que tem sido evidente e, às vezes, sabe-se como isso faz toda a diferença. Vi, por exemplo, o Benfica sofrer a bom sofrer em Matosinhos e sair de lá com um empate tão feliz quanto injustificado; vi-o sofrer a bom sofrer para derrotar a Naval em casa, conseguindo-o a três minutos do fim e, com isso, logo despertando hinos e loas de toda a parte. E anteontem vi-o, com um a menos é certo, enfiar o autocarro diante da baliza durante toda a segunda parte e assim sair com uma feliz vitória em Guimarães. É verdade que foi melhor na primeira parte, que marcou um golo belíssimo e que tem gente com talento e até sobejante. Mas a segunda parte que fez, contra um Vitória também banal e impotente, mais parecia de quem luta por não descer de divisão do que por ser campeão. Durante 45 minutos, o Benfica renunciou a qualquer tentativa sequer de contra-ataque e acantonou nove jogadores dentro da area a jogarem de pontapé para a frente e para onde estavam virados; bastaria que a sorte lhe tivesse virado costas um instante e a vitória ter-lhe-ia escapado. Mas, afinal, li que o Benfica tinha feito uma extraordinária demonstração de espírito vencedor e de «capacidade de sofrimento». Pois, talvez, mas uma bola que bate na trave e não entra afinal pode traçar a fronteira entre o espírito vencedor e o espírito perdedor. Sobretudo, quando se deseja tanto a vitória de um e a derrota de outro. Tivesse o FC Porto ganho na Figueira com um golo tão absurdo como o da Naval e jogado o resto do tempo como o Benfica jogou em Guimarães e ter-se-ia escrito que a vitória se devera apenas a sorte.

Manda, todavia, a verdade que diga que há uma diferença, esta época, entre Benfica e FC Porto, e não pequena: o Benfica tem no ataque jogadores desequilibradores, capazes de resolver um jogo complicado num rasgo de talento: Reyes, Aimar, Suazo, Cardozo, às vezes Di María. O FC Porto só tem dois: Lucho e Lisandro e uma promessa chamada Hulk, que Jesualdo não está a conseguir integrar e aproveitar da melhor maneira. Como aqui escrevi há dias (e como escrevi antes, perspectivando o pós-Quaresma) a capacidade desequilibradora ofensiva deste FC Porto versão 2008/09, resume-se à inspiração coincidente de Lucho e Licha. Se ambos estiverem em dia-sim, há uma hipótese; se um deles, ou ambos, estiverem em dia-não, o FC Porto é uma equipa pouco menos que banal.

A chave do jogo de amanhã em Kiev passa pela prestação destes dois jogadores. É preciso que Lucho deixe o seu futebol à solta, esquecendo tudo o resto que eventualmente o tem trazido «fora de jogo». E é preciso que Lisandro — a quem nunca falta o prazer e a gana de jogar — acabe também ele com a sua falta de sorte e começe a acertar na baliza (mesmo em Londres, no descalabro contra o Arsenal, ele teve nos pés e desperdiçou uma oportunidade imperdível de pôr o FC Porto à frente no marcador). E, já agora, para ganhar em Kiev, vai ser preciso uma outra coisa, pelo menos: que, seja quem for que vá para a baliza — Helton, Nuno (ou Ventura…) — não aconteça a fatalidade, já banalidade, de oferecer um golo ao adversário…


2- Não há como fugir à questão: a dos prémios dos administradores da SAD do FC Porto. Como disse o Dr. Pôncio Monteiro, prémios aos administradores das sociedades, em função dos resultados, são normais. Pois são: até, acrescento eu, na origem da crise financeira e económica mundial que actualmente se atravessa está exactamente a filosofia de prémios aos adminstradores das grandes financeiras americanas, convidando-os a obterem resultados a qualquer preço. Todavia, há diferenças substanciais, como o Dr. Pôncio Monteiro, apesar de toda a sua boa-vontade, não ignorará.

Em primeiro lugar, sendo a SAD do FC Porto uma sociedade anónima, isso significa que tem accionistas, e não há memória de sociedade alguma distribuir prémios pelos administradores sem distribuir dividendos pelos accionistas. E, como é sabido, jamais a SAD do FC Porto, ou qualquer outra de clube português, distribuíu ou distribuirá um euro que seja de dividendos. Pelo que a mim me parece imoral que administradores, que já são pagos milionariamente, como é o caso, ainda se atribuam prémios por resultados a que os accionistas são absolutamente alheios. Entendam-me: eu não sou contra a remuneração de dirigentes de clube. Sei que há muitos — a grande maioria, aqui e lá fora — que não são pagos. Mas, se o negócio é profissional, como hoje é, se é necessário abdicar de quase tudo para administrar um clube de topo, acho que a carolice é muito bonita, mas não é exigível a ninguém. Só que uma coisa são ordenados, ainda que milionários, outra coisa é acrescentar-lhes alcavalas sem justificação alguma.

Em segundo lugar, eu não entendo a lógica e a legitimidade de os administradores da SAD do FC Porto receberem prémos pelos resultados financeiros, quando eles são positivos, e não serem penalizados quando eles são negativos — o que acontece quase sempre. Foi assim no ano em que o FC Porto foi campeão europeu, em 2004, quando aos milhões da Champions se vieram juntar os milhões do início do desmantelamento da equipa campeã europeia. Nesse ano, os administradores da SAD tiveram direito a prémio por resultados financeiros positivos (ou seja, tiveram direito a prémio por terem vendido o Paulo Ferreira, o Ricardo Carvalho, o Deco, o Alenitchev, o Costinha, o Derlei, o Maniche, o Carlos Alberto). Pior ainda é pensar que, mesmo com um défice acumulado de dezenas de milhões, os administradores recebem prémios como se não houvesse passivo para liquidar no futuro.

Em terceiro lugar (e isto sim, é verdadeiramente de estarrecer), foi ficar-se a saber que os administradores também têm direito a prémio pelos resultados desportivos! Duvido que haja um só clube no mundo onde isto aconteça também. Eu julgava que os administradores respondiam pelos resultados da gestão e os jogadores e os treinadores pelos resultados desportivos. Mas não, ali são originais. Só não se percebe é a razão pela qual, se os administradores são premiados (e sumptuosamente!) quando a equipa é campeã ou quando vai à Champions, porque não hão-de os jogadores ser premiados também duas vezes: quando ganham em campo e quando a SAD dá lucro?

Enfim, cereja no topo do bolo: e se os jogadores do FC Porto fossem premiados por ficarem em terceiro lugar no campeonato ou conseguirem ir à Taça UEFA? Quem os convenceria amanhã a deixarem a pele em campo para vencer em Kiev?

NEM TANTO AO MAR NEM TANTO À TERRA (28 OUTUBRO 2008)

1- Parece que um grupo muito especial de adeptos portistas fez uma espera aos jogadores, após a derrota com o Leixões, e, entre outros desacatos, atacou o carro de Cristian Rodriguez, numa triste repetição do episódio sucedido há anos com Co Adriaanse. Não vale a pena tecer grandes considerações sobre o assunto, porque ele é pacífico: este é o futebol que vamos tendo, aqui e lá fora, e é por isso que há cada vez menos gente decente a frequentar o futebol. Diga-se, porém, e em abono da verdade, que as claques organizadas não são apenas um cancro do futebol, mas o reflexo de uma sociedade sem valores. A «coragem cívica» das multidões organizadas em gangues de intervenção é o contraponto exacto da falta de coragem individual. Sozinhos, os portugueses não se atrevem a nada; em bando, atrevem-se a tudo.

Uma das demonstrações da falta de coragem individual é a renúncia à capacidade crítica contra os poderes instalados. A multidão do Dragão, justamente irritada com o que vai vendo, é capaz de fazer esperas aos jogadores, assobiar a equipa e acenar com lenços brancos contra o treinador. Mas ninguém, individualmente, se atreve a levantar a voz e assinar por baixo uma crítica aos verdadeiros responsáveis: a administração do clube, que, ano após ano, vende os melhores para comprar camionetas de jogadores de terceira categoria, com isso destroçando a equipa, arruinando o clube e prestando um péssimo serviço ao futebol português — que exporta para a Roménia, Chipre ou equipas nacionais sem projecção, os jovens valores formados nas escolas, em benefício de sul-americanos de ocasião, que proporcionam negócios rentáveis a quem não devia.

Quando uma simpática e persuasiva funcionária do FC Porto me telefonou em Agosto, lembrando que eu ainda não havia renovado o meu dragon seat, eu respondi-lhe, meio a sério, meio a brincar, que, constatando o esforço titânico que a administração estava a fazer para vender o Quaresma a qualquer preço (como viria a suceder), eu perguntava-me para quê renovar o lugar no Dragão: para ver Adelino Caldeira a fazer cruzamentos de letra ou Pinto da Costa a marcar golos de trivela?

A razão pela qual o FC Porto desta época é o que está à vista é simples, tremendamente simples: porque, como aqui o escrevi há semanas para grande escândalo de outros observadores para quem há gente e coisas intocáveis, é que este FC Porto é a pior equipa da década, pelo menos. A geração que ganhou a Liga dos Campeões em 2003, foi destroçada, e, da que se lhe seguiu, já só restam Lucho e Lisandro. Mas Lucho, que havia começado a época em grande, entrou em crise psicológica e não tem quem pegue na equipa em vez dele, e Lisandro está em guerra surda com a SAD — que é capaz de pagar 200.000 euros por mês ao Cristian Rodriguez (apenas 50.000 a menos do que Quaresma foi ganhar para o Inter), é capaz de pagar alguns 50.000 a jogadores que nem na Segunda B teriam lugar, é capaz de pagar uns trinta ordenados a jogadores para brilharem noutros clubes, mas não tem dinheiro para pagar ao Lisandro o que ele acha que merece. Talvez o Lisandro esteja a exagerar, mas quando os maus exemplos vêm de cima, porque não aproveitar, quando se é um dos raros ali que fazem a diferença?

É fácil, facilíssimo, atirar as culpas para cima do treinador: é sempre assim, quando não se sabe gerir. Eu acho que Jesualdo tem feito o melhor que pode, com equipas que, de ano para ano, são cada vez piores. E, como já aqui o disse, tirando erros pontuais às vezes incompreensíveis — como a insistência no Mariano González ou essa fatal tendência dos treinadores portugueses para mudarem a equipa toda e renunciarem ao ataque, de cada vez que têm um jogo difícil pela frente — Jesualdo só pode, eventualmente, ser culpabilizado por ter sido cúmplice ou testemunha silenciosa dos negócios que desmantelaram a equipa e a puseram a falar castelhano e a jogar um futebol que depende da inspiração de não mais do que dois ou três jogadores.

À vista de todos, a este FC Porto falta, para começar, um guarda-redes a sério e é incrível que não o tenha. Todas as equipas que conheço devem vitórias e resultados aos guarda-redes: não me lembro, desde que Adriaanse reformou Baía, de um só jogo em que se possa dizer que o FC Porto ficou a dever o resultado ao guarda-redes. Depois, falta-lhe um lateral-esquerdo de categoria internacional, até para libertar o Fucile para a direita, onde ele é bem melhor do que Sapunaru. E mais uma vez é incrível como é que, tendo comprado 13 (!) defesas-esquerdos nos últimos dez anos, não se comprou um único que desse garantias. Falta-lhe, a seguir, pelo menos dois grandes médios de ataque, que libertem o Raul Meireles para o lugar de trinco (onde, entre os cinco vindos este ano, não há um só que preste!) e libertar o Lucho (enquanto lá está...) do peso de ter de carregar em exclusivo a equipa para a frente. E falta-lhe, para terminar, dois extremos a sério, pois que só tem um e Jesualdo nem sequer gosta de apostar nele: o Candeias. Borda fora foram, além do Quaresma, o Pittbull, o Vieirinha, o Alan, o Hélder Barbosa, o Diogo Valente. É preciso ir às compras em Dezembro, mas calma: não vale a pena ir já a correr reservar um charter para a América do Sul. Há muita gente aí, emprestada, que deve ser mandada voltar para casa e, embora eu duvide, se possível, trocada por uma dúzia de inutilidades que por lá andam.

Com esta equipa, não vale a pena alimentar ilusões nem agitar lenços brancos. Não vale a pena caírem em cima do treinador, porque nem Mourinho conseguia fazer daquilo uma equipa a nível europeu. E, depois, também manda a verdade que se diga, que Jesualdo não tem tido sorte. O Dynamo de Kiev não fez nada para merecer ganhar no Dragão: fez tanto como o Sporting fez para merecer ganhar em Donestk. Com a mesma sorte do Sporting (aquele remate de Lucho ao poste, por exemplo), o FC Porto teria ganho ao Dynamo e com justiça. E com a sorte que o Benfica teve contra a Naval, teria ganho, ou pelo menos empatado, com o Leixões e não se estaria agora a falar em crise. Mas as coisas são o que são e estamos todos habituados a ver o FC Porto a superar erros de arbitragem e bolas ao poste. Foi o que fizemos em Alvalade, contra o Sporting e contra Lucílio Baptista e aí escreveu-se que estava de volta o FC Porto dos últimos anos. Não estava e logo se viu. Nem tanto ao mar nem tanto à terra. A fórmula actual é simples: em dia de inspiração de Lucho e Lisandro, o FC Porto ganha; em dia de desinspiração deles, não ganha, porque não há ali ninguém mais que tenha categoria para desequilibrar um jogo.

2- No momento em que escrevo, não sei o desfecho do Braga-Estrela da Amadora, mas, ao ler que Jorge Jesus afirmou que este jogo era mais difícil do que o confronto com o Portsmouth, dá-me ideia de que estava já a preparar os adeptos para um fracasso e a desresponsabilizar os seus jogadores, por antecipação. Ele lá sabe, melhor do que ninguém, o que a equipa pode ou não dar. Agora, há uma coisa que, francamente, já enerva como desculpa: que é a do cansaço do jogo europeu a meio da semana (ainda para mais, jogado em casa e sem necessidade de viagens). Nunca percebi porque razão as equipas ditas pequenas se batem tanto por um lugar europeu, quando depois, na época seguinte, vivem a queixar-se do cansaço dos jogos europeus a meio da semana. E também nunca percebi porque é que o cansaço há-de atacar mais os pequenos do que os grandes: alguém se lembrou de justificar as más exibições de FC Porto, Sporting e Benfica, nesta jornada, com o cansaço do jogo europeu?

NÃO HOUBE CRÓNICA (21 OUTUBRO 2008)

Não houve crónica.

COMO FALAR DE FUTEBOL? (14 OUTUBRO 2008)

1- Como falar de futebol quando o mundo inteiro sustém a respiração para que não impluda um sistema financeiro que foi deixado em rédea solta, entregue a especuladores e gestores sem qualquer noção da finalidade social da riqueza? E como falar de futebol quando a FPF resolve, à 5ª jornada do campeonato, suspendê-lo durante três semanas, já depois de o ter suspendido outras duas à 2ª jornada — ou seja, cinco jornadas de campeonato, cinco jornadas de interrupção: que começo empolgante!

Mas falemos então da crise financeira e do que ela pode afectar o futebol. Aparentemente, e por estranho que possa parecer, eu acho que ela pode trazer mais benefícios do que prejuízos. Comecemos pelas más notícia evidentes para os nossos adversários, que, muitas vezes, são boas notícias para nós. Os grandes clubes ingleses, que têm dominado as competições europeias nos últimos anos, fruto das enxurradas de dinheiro que neles têm sido investidas (sobretudo no formidável quarteto Arsenal, Man. United, Chelsea e Liverpool), preparam-se para atravessar tempos difíceis, fruto das dificuldades que enfrentam os seus sponsors e patrões. Basta dizer que o grande patrocinador do campeão europeu, a AIG, maior seguradora mundial, foi salva da falência pelos governos americano e europeus à custa dos contribuintes e seguramente que não haverá agora descaramento para gastar o dinheiro destes a ajudar a financiar a vida de luxo do clube mais rico do mundo. Mas tendo também grande parte dos clubes ingleses de referência caído nas mãos de especuladores internacionais, que bancaram dinheiro suspeito a fundo perdido, com origem nos Estados Unidos, na Rússia, no mundo árabe ou na Ásia, os seus donos estão agora com dificuldades para manterem estes seus brinquedos de luxo, enquanto os seus castelos de cartas financeiros se desmoronam como merecem.

A falência ou o regresso forçado à poupança dos principais clubes ingleses e não só é uma boa notícia para os clubes das potências médias do futebol europeu, como os portugueses. É o fim de uma forma primária de concorrência desleal que, se por um lado tem dado muito jeito ao FC Porto e ao Sporting, por exemplo, para aliviar os seus défices de tesouraria e de gestão corrente, por outro diminui de forma drástica a sua capacidade competitiva ao mais alto nível europeu — o que, a prazo, significa também menores receitas e menor viabilidade económica.

Eu, pessoalmente, tendo sido sempre contra esta sangria precoce de todos os nossos melhores valores, «raptados» pelos milhões dos irmãos Glazer ou do Sr. Abraamovitch, saúdo entusiasticamente o aviso do presidente da Federação Inglesa de Futebol de que os clubes ingleses têm de mudar de hábitos rapidamente, sob pena de um estoiro monumental. Até porque não acho sério que o Arsenal, que esmagou o FC Porto, tenha jogado apenas com um jogador inglês no onze que entrou em campo. Assim não vale… ou não devia valer.


2- Também acho que, por tabela, podem ser boas notícias para os clubes portugueses — os grandes, sobretudo. Daqui para a frente, eles irão perceber que já não podem contar, em cada final de época, com negócios fantásticos de vendas dos seus melhores por preços que lhes permitiam disfarçar todos os erros de gestão, todos os tiques sumptuários e a vida de novos-ricos inconscientes que mantinham. Para clubes como o Benfica e o FC Porto, as notícias que vêm de fora têm de fazer soar uma campainha de alarme: é o requiem por uma política desportiva que passa por pagar salários a 60 ou 70 profissionais, dos quais só 15 ou 20 são aproveitados, por pagar vencimentos incomportáveis a jogadores que não o justificam, e por desprezar as escolas de formação, em benefício de mercados estrangeiros subitamente descobertos e que se transformaram em coutada de negócios de empresários que só funcionam num sentido: são exímios a impingir maus jogadores, mas depois são incapazes de ajudar os clubes a desfazerem-se dos «barretes» que lhes enfiaram.

Melhor está o Sporting, que não precisou de crise mundial para escolher o caminho da contenção de despesas e da aposta no aproveitamento da formação, consciente de que não conseguiria sobreviver com os encargos brutais da dívida acumulada em ilusões de grandeza passada. Digam os contestatários o que quiserem da gestão de Filipe Soares Franco, a mim parece-me que é a mais «verdadeira», séria e competente gestão de todos os clubes portugueses. A entrevista que ele deu ao Diário de Notícias de sexta-feira passada é absolutamente inatacável, sob esse ponto de vista. Que venha alguém explicar como é que se pode fazer diferente, tanto mais que, como confessa o próprio presidente do Sporting, o grande problema actual do clube é a falta de militância dos seus adeptos.

Já há dois anos atrás o escrevi aqui e trata-se de uma constação pacífica de fazer, sem exaltações clubísticas: paulatinamente, o Sporting foi decaindo, enquanto o FC Porto crescia e, desde há vários anos, que se pode dizer com segurança que hoje, quer em termos de historial desportivo, quer em termos de capacidade financeira ou património, quer em termos de adeptos, sócios ou espectadores no estádio, o Sporting é o terceiro clube de Portugal, atrás do FC Porto (que, uma vez mais, na época passada, foi o clube com mais assistências nos jogos da Liga, à frente do Benfica e largamente à frente do Sporting). Não se pode viver com o esplendor do passado, mas com a realidade de hoje. Quando não se juntam mais do que 28.000 espectadores para assistir ao primeiro jogo em casa da Liga dos Campeões, é preciso «cair na real» e entender que, com menos receitas, terá de haver menos despesas. A única instituição do mundo, que eu conheça, que consegue governar-se eternamente ao contrário desta regra, é a Região Autónoma da Madeira. Só que isso tem um preço, embora aparentemente não lhes custe pagar: ela é a parcela de Portugal mais dependente da boa vontade dos portugueses, apesar das suas grandiloquentes afirmações e ameaças de independência. Sobrevivem da caridade do Orçamento de Estado, sustentada com os nossos impostos.


3- Confesso que me incomoda um pouco o tom da campanha de promoção «patriótica» de Cristiano Ronaldo a nº 1 do mundo e ganhador inevitável da próxima Bola de Ouro. Faz-me lembrar aquelas tristes campanhas «patrióticas» do tempo do Estado Novo, quando, por exemplo, os jornais gastavam rios de tinta a explicar que a nossa (sempre miserável) canção concorrente ao Festival da Eurovisão não era melhor classificada porque havia «campanhas» insidiosas contra nós — ou dos ingleses, que eram uns aliados hipócritas, ou dos espanhóis, que eram maus vizinhos, ou dos franceses, que eram chauvinistas, etc, etc.

Felizmente agora, quando se promove Ronaldo, está-se indiscutivelmente a promover um dos melhores ou talvez o melhor jogador do mundo. Mas, infelizmente, os métodos e argumentação são semelhantes: se promovemos o Ronaldo, é porque é de toda a justiça; mas se outros promovem o Messi ou outro, é porque montaram «uma campanha» em favor dele. Parece, pois, que a única campanha legítima é a nossa, as dos outros são um abuso.

Ora, eu, para estes patriotismos a propósito do futebol, como a operação montada por Scolari, nunca estou disposto a dar. Acho que deve ganhar quem for o melhor, seja Portugal ou um português ou não seja — embora, como é evidente, prefiro que o melhor seja um português ou a Selecção de Portugal. A seu tempo, o júri decidirá e, sendo o júri composto por todos os selecionadores do mundo, só por deformação pseudo-patriótica é que se pode começar a contestá-lo por antecipação. Neste momento, aliás, em que Ronaldo, até por força dos problemas físicos que teve, não está no melhor da sua forma, que fez um mau campeonato da Europa e que ainda não começou a rebrilhar nem no Manchester nem na Selecção, eu acho que há outros concorrentes de igual peso ao lugar mais alto do pódio. E, se me permitem a heresia, para mim o melhor jogador do mundo é, desde há três anos seguramente… o Leonel Messi. Terei direito a fogueira por ousar pensar isto?

quarta-feira, outubro 15, 2008

DE LONDRES A ALVALADE, DO PESADELO À ILUSÃO (07 OUTUBRO 2008)

1 - Qual é a verdadeira face do FC Porto, a da noite vergonhosa de Londres ou a da noite de salvação em Alvalade? Eu temo que seja a de Londres, mas tudo depende da perspectiva: para consumo interno e para quem se contente com isso, o FC Porto que venceu em Alvalade com toda a naturalidade, pode chegar; para quem não se quer desabituar de ver o FC Porto no, digamos, segundo patamar europeu (ou seja, entre as 25 melhores equipas da Europa), esta equipa de 2008/09 não chega para a encomenda e isso ficou cristalinamente claro em Londres.

Num primeiro momento, talvez ainda atordoado pelos 4-0, Jesualdo Ferreira deu mostras de não ter percebido bem a tragédia que acabava de viver no Emirates Stadium. Aquelas infelizes declarações de que só se tinham perdido três pontos e que tanto dava perder por um como por quatro, foram gasolina no fogo. Os portistas, que tinham acabado de ver a sua equipa ser esmagada e positivamente gozada, ficaram estarrecidos. Seria possível que só o treinador não se tivesse dado conta de que pior, mil vezes pior, do que o resultado, foi o ar de quase amadorismo, de total impotência, de provincianismo competitivo, de que dera mostras um clube que ainda há quatro anos foi campeão da Europa e do Mundo?

Seria possível que só treinador não percebesse que estamos cansados de um guarda-redes que, quando chega aos jogos importantes, ou oferece golos directamente, ou os sofre com um ar de absoluta banalidade, como sucedeu com o segundo e terceiro golos do Arsenal (no primeiro deles nem chegou a levantar os pés do chão para tentar chegar a uma bola que sobrevoou, fraquinha, o seu 1,92 metros…).

Seria possível que só treinador não tenha percebido o desastre que foi montar uma ala esquerda defensiva com o Benítez e o Guarín — dois jogadores que ainda hoje devem estar a beliscar-se para perceber como é que conseguiram chegar a titulares do FC Porto, e logo num jogo da Liga dos Campeões, em casa do Arsenal?

Seria possível que só ele não tenha percebido que, após tantas trocas e baldrocas, só tem dois médios de qualidade, que são o Lucho e, vá lá, o Raúl Meireles, e que só tem dois avançados a sério, que são o Hulk e o Lisandro, e um que mostra potencial, que é o Candeias (mas que Jesualdo Ferreira despreza, como tem desprezado todos os jovens com potencial que aparecem, como o Ibson, o Vieirinha, o Leandro Lima, o Hélder Barbosa, o Bruno Morais, etc.)?

Aconteceu, depois, que, de regresso ao Porto, alguém terá contado a Jesualdo Ferreira que o estado de espírito e de revolta latente dos adeptos portistas não era propriamente adequado àquele tipo de discurso, e ele mudou de tom e passou a falar na vitória em Alvalade. Era o mínimo que se impunha: a mudança de discurso, o fim das experiências com jogadores de ocasião, a vitória em Alvalade.

Em Alvalade, como era exigível, Jesualdo deixou no banco Benítez, Guarín e Mariano (é verdade que depois fez entrar os dois últimos, porque Lucho deu o berro e Tomás Costa tinha de sair antes que os adeptos do Sporting, com a sempre prestimosa colaboração de Lucílio Baptista, o conseguissem expulsar, e olhando para aquele desolador «banco», que já fez a inveja dos rivais, o que ele lá tem é aquilo). Mas, de facto, independentemente das apregoadas intenções, o FC Porto começou a ganhar o jogo quando alguém deixou o Helton em corrente de ar e ele apanhou um torcicolo que o impediu de jogar em Alvalade: com o Helton na baliza, não tenho a menor dúvida de que não teríamos ganho — como nunca ganhámos até hoje nenhum jogo que tenha dependido da sua actuação. Estou muito curioso de ver qual o pretexto de que Jesualdo Ferreira se servirá para devolver a baliza a Helton… E pensar eu que Co Adriaanse acabou com a carreira de um jogador da categoria do Baía só por causa de um «frango» na Amadora!

Mas, não tenhamos grandes esperanças, para depois não sofrer grandes desilusões. Eu disse-o, depois do descalabro de Londres: apesar de tudo, acreditava que o FC Porto podia vencer tranquilamente o Sporting, porque não está a jogar menos que o Sporting e ainda lhe resta, ao menos para consumo interno, uma marca daquela atitude que fez dele o alvo a abater aqui, nos últimos dez anos e mais.

Mas, pessoalmente, a minha opinião é clara: este é o pior FC Porto dos últimos dez anos. Jogador por jogador e olhando para o núcleo duro dos 18/20 jogadores que fazem, de facto, uma época. Depois de conscientemente desbaratada a equipa nos últimos anos, restam três jogadores de categoria europeia: o Lucho, o Lisandro e o Bruno Alves. Mas o primeiro, de quem depende quase tudo, dá mostras de um cansaço estranho e preocupante; e os outros estão longe da forma que exibiram na época passada (com excepção para a grande exibição do Bruno Alves em Alvalade). O resto são jogadores simplesmente regulares, banais ou francamente maus. Eis o resultado da política de administração da SAD, de vender todos os anéis, um a um, para poder continuar a gastar à tripa-forra, sem nenhuma sombra de controle do Conselho Fiscal.

Eis o resultado de uma gestão feita com «yes men», Carolinas Salgado e «empresários» mixerucos. Mais tarde ou mais cedo tinha de dar nisto. Não sei se Pinto da Costa ainda se preocupa em escutar outras opiniões que não as da sua corte, mas, caso assim seja, deve saber que há uma corrente que sustenta que quem fez, de facto, do FC Porto a potência futebolística que chegou ao topo da Europa, não foi ele, mas, sim, Jorge Mendes e José Mourinho. Não é o meu caso: sei que houve nisso muito mérito, antes de mais, de Pinto da Costa. Detesto ingratidões e faltas de memória e não ignoro que o dito «Apito Dourado» (hoje, isto é cristalinamente claro para mim) foi uma operação montada ao pormenor para tentar afastar Pinto da Costa — justamente visto pelo rival da Luz como o principal obstáculo às suas ambições de mando e comando. Mas também não acho que a eternidade do poder traga alguma coisa de bom aos homens e às instituições. Quem não sabe sair a tempo pela porta grande acaba por sair a destempo pela porta das traseiras. Porém, mais do que a figura do presidente portista, o que eu acho que está em causa é essa corte de bajuladores que vivem e vegetam à sombra dele, gastando fortunas que ninguém consegue explicar ou justificar em termos de gestão. No espaço de pouco mais de um ano, conseguiram desfazer-se do Pepe, do Anderson, do Paulo Assunção, do Bosingwa e do Quaresma — trocados por «craques» como o Benítez, o Stepanov, o Guarín, o Bolatti ou o Mariano González. E, estranhamente, parece que o clube ainda está em pior situação financeira…

2 - Uma mini-série de vitórias seguidas, a primeira eliminatória da Taça UEFA ultrapassada e é quanto baste para que a imprensa embandeire em arco com o «novo» Benfica. Parangonas, títulos bombásticos, a sugestão de que quase que nem valia a pena disputar o resto do campeonato. Sem tirar mérito ao que teve mérito, convém lembrar que o primeiro golo contra o Nápoles nasceu de uma falta claríssima não assinalada e o primeiro golo contra o Leixões também pareceu sofrer do mesmo pecado original. Não impede, talvez… mas lá que ajuda, ajuda. Assim como o Lucílio Baptista a arbitrar o jogo do Porto em Alvalade (o árbitro que decidiu que uma mão pousada nas costas é penalty, é, por estranho que pareça, o mesmo que achou que a entrada por trás do Karagounis a partir a perna ao Anderson, romper-lhe os ligamentos e arrumar com ele seis meses, nem falta foi).

3 - Tiveram muito azar, tiveram. Mas o que fica para a história é isto: o Vitória de Guimarães, que tanto se empenhou em tentar entrar na Champions pela porta de serviço, roubando ao FC Porto o lugar conquistado com todo o mérito e clareza em campo, quando foi preciso passar do terreno da esperteza jurídica para o da verdade futebolística não conseguiu nem ir à Champions nem ultrapassar a primeira eliminatória da Taça UEFA. Eu não sou crente, mas às vezes também acho que Deus não dorme.

MUITA POUCA EUROPA, POR AQUI (30 SETEMBRO 2008)

1- O começar mais uma semana europeia, as perspectivas dos clubes portugueses não se me afiguram auspiciosas. Excepção para o Braga, que tem a eliminatória já garantida e a quem tudo o que se pede é que acumule mais uns pontinhos a favor do ranking de Portugal na UEFA. Em contrapartida, Marítimo e Vitória de Guimarães têm uma tarefa quase impossível à partida, enquanto que o Benfica enfrenta um desfecho de tripla contra o Nápoles, que ninguém pode antecipar com segurança: é daqueles jogos em que a sorte e os nervos vão desempenhar um papel porventura decisivo. Na Champions, o Sporting tem o mais fácil dos jogos europeus das seis equipas portuguesas em competição, mas com um factor de perturbação prévio: só a vitória lhe serve, tudo o resto soará a fiasco comprometedor. Quanto ao FC Porto, está na posição inversa: ganhou o primeiro jogo caseiro contra o seu adversário mais directo no grupo e pode perder contra o favorito, em casa deste, sem que essa derrota faça dobrar a finados: é esse o mais provável dos desfechos.

A anteceder esta definidora jornada europeia, tivemos o derby de Lisboa, como sempre incensado, antes e depois, muito para além da qualidade do futebol visto em campo. Foi um jogo pobre, que o Benfica ganhou justamente, por ter sido a única das equipas que se decidiu a correr riscos e a fazer qualquer coisa contra o anunciado empate (no painel de palpites do Expresso, todos os doze participantes apostaram, sem excepção, num empate!). Na verdade, Quique Flores ou arriscava agora e ganhava ou podia muito bem começar a pensar em fazer as malas para passar o Natal em casa. Com apenas duas vitórias em onze jogos (e uma delas a miraculosa vitória da semana anterior em Paços de Ferreira), o espanhol ver-se-ia numa situação bem complicada em caso de empate ou derrota: ficaria a quatro pontos do Sporting e a dois do FC Porto, em caso de empate, ou a sete e quatro, em caso de derrota. E com a agravante de já ter recebido os dois rivais directos em casa, sem ganhar nenhum dos jogos. Era o tudo ou nada e ele percebeu-o a tempo. Quem também deve ter suspirado de alívio foi Rui Costa: ambos os golos da vitória tiveram a assinatura dos seus reforços — assistência de Aimar e golo de Reyes, no primeiro; assistência de Carlos Martins e golo de Sydnei, no segundo.

Quanto ao Sporting, fez o que pôde, embora a liderança do campeonato, com três vitórias nos três primeiros jogos, talvez levasse a esperar mais. A meu ver, erradamente: nenhuma das vitórias foi convincente, em nenhuma se mostrou uma equipa triunfante e segura de si. Pelo contrario, eu acho que o grande mérito de Paulo Bento é conseguir continuar a fazer do Sporting um candidato ao título quando as condições de concorrência com os seus rivais directos estão completamente desequilibradas (esta época, a SAD do Sporting não gastou um tostão em reforços — o Hélder Postiga deve ser para pagar muito, muito, suavemente). Não fosse a estranha teima em prescindir de Stojkovic e Vukcevic, e seria caso para dizer que Paulo Bento tem o osso espremido até ao tutano. Agora, muito mais do que aquilo, não acredito que dê.

Já agora, não resisto a um à parte: aqui, neste jornal, os jornalistas destacados para a função, consideraram o Yebda e o Miguel Veloso dos melhores em campo. Confesso o meu espanto: para além do facto comum de ambos terem evidentes preocupações com o penteado, não vi a qualquer deles futebol algum. O Miguel Veloso teve um passe magistral no primeiro minuto a isolar o Yannick e o resto do tempo passou-o a estragar jogo; o francês muçulmano usou o gigantismo para fazer faltas de toda a ordem, exibindo, no mais, uma elegância e clarividência técnica que fazem lembrar o cristão português Fernando Aguiar, tão apreciado lá para as bandas da Luz. Eis a prova de que o futebol raramente é matéria de consensos alargados.

Na véspera do derby lisboeta, o FC Porto, ferido no orgulho em Vila do Conde, viu-se e desejou-se para levar de vencida o «promovido» Paços de Ferreira, mais uma vez não se livrando de escutar justos assobios vindos da bancada. Mais uma vez, também, Jesualdo Ferreira pôs em campo a equipa errada e demorou uma hora a emendar a mão. É certo que (finalmente!) deixou de fora o Mariano González, fazendo-o descansar — a ele e a nós. Mas resolveu ressuscitar o Farías — esquecendo-se, porém e pelo que se viu, de o avisar — e, na ausência de Lucho, lançou mão daquele jovem Tomás Costa, que até agora só mostrou ser capaz de receber a bola vinda de trás e devolvê-la para trás. Ele, mais o Mariano, mais o Stepanov, mais o Guarín (e para não ir mais longe), fazem parte de um grupo de jogadores que eu, por mais que me esforce, não consigo entender como é que vieram parar ao FC Porto (no seu último texto aqui, o Rui Moreira põe o dedo na ferida, quando fala de diferença entre os reforços do Jorge Mendes e os dos curiosos «empresários» que gravitam à roda da SAD do FC Porto).
Facto é que, de Junho de 2007 a Julho de 2008, o FC Porto viu sair da equipa todos estes jogadores, agenciados por Jorge Mendes: Bosingwa, Pepe, Paulo Assunção, Ibson, Anderson e Ricardo Quaresma. E nem num só deles encontro um substituto que, de perto ou de longe, se lhe compare. E isto é como o Sporting: não há milagres…

Logo à noite, no Emirates, frente a um Arsenal ferido pelo Hull City, espero o milagre, mas temo o inevitável. É quase certo que Jesualdo não vai fugir à regra dos treinadores portugueses quando se vêem perante jogos de dificuldade máxima: vai «inovar», reforçando o meio-campo ou a capacidade defensiva e desguarnecendo o ataque — dá quase sempre mau resultado, mas eles não resistem a tentar de novo. A imprensa inglesa já deu o mote contrário, revelando quem mais temem: é o Hulk (por acaso, o jogador mais caro de sempre do FC Porto, a par de Lucho). Mas Jesualdo também já mostrou que só confia no Hulk em desespero de ataque — até lá prefere o Mariano ou o Farías ou o Tomás Costa. Queira Deus que me engane, mas temo um FC Porto «de contenção», de «esperar para ver» e depois de «correr atrás do prejuízo».

2- José Mourinho esteve igual a si mesmo no confronto com o Milan. Brilhante na conferência de imprensa em que enfrentou sem medo os tubarões da imprensa desportiva italiana; prejudicado pelo árbitro no decorrer do jogo, numa arbitragem que pareceu ter uma agenda oculta; e previsível e monótono no futebol apresentado pela sua equipa. Tal como no Chelsea, aquilo é sólido e vê-se que tem muitas horas de trabalho, com o objectivo único de obter resultados e, tal como no Chelsea, também agora ele dispõe de jogadores que podem, num instante de génio, disfarçar toda aquela monotonia. Mas a verdade é esta: nunca mais vi uma equipa de Mourinho jogar tão bem como o FC Porto que conquistou a Taça UEFA, em Sevilha — não o FC Porto, campeão europeu em 2004: o do ano anterior. Uma equipa pobre, em termos europeus, mas cheia de ambição e futebol.

Quanto ao saudoso Ricardo Quaresma, lá o vi a fazer o papel menor de quem espera em vão que as outras vedetas da equipa se dignem passar-lhe a bola. E viu-se que tem ali colegas do meio-campo que só o farão sob a ameaça de pistola. Pobre Quaresma, como se deve ter sentido frustrado! É bem feito!

domingo, setembro 28, 2008

F.C.PORTO: EM CONSTRUÇÃO OU EM DESCONSTRUÇÃO (23 SETEMBRO 2008)

Depois da vitória sobre o Fenerbahçe, quarta-feira passada, Jesualdo Ferreira queixou-se dos assobios escutados no Dragão, explicando aos sócios do FC Porto que havia que ser mais compreensivo com uma equipa «em construção», que entrou em jogo com cinco estreantes em competições europeias. Realmente, faz alguma confusão escutar os assobios quando se está a ganhar por 2-1 um jogo tão importante e quando já se tinha regalado o público com uns vinte minutos iniciais de fino futebol. O que aconteceu então, para os assobios?

Aconteceu, primeiro, que o público do Dragão se tornou, com o passar dos anos e das vitórias, no mais exigente público de futebol em Portugal. Ali, não nos basta ganhar, porque ganhar, felizmente, é coisa a que estamos bem habituados. Queremos também ver empenho nos jogadores, coragem nos treinadores e futebol que compense a ida ao estádio. É essa uma das características que, hoje em dia, mais nos distingue dos rivais lisboetas e, embora tal possa ser por vezes difícil de aceitar para a equipa, não deixa de ser motivo de orgulho para os portistas: no Dragão, não nos rebaixamos a contestar a arbitragem logo aos três minutos de jogo, como ainda recentemente sucedeu no Benfica-Porto; não queremos ver a equipe ganhar de qualquer maneira, mesmo jogando mal; não desprezamos os adversários e sabemos que, quando não se corre e não se joga bem, não adianta estar a culpar a arbitragem ou o sistema pelos desaires. Tomemos o exemplo de anteontem em Vila do Conde: se o árbitro tivesse marcado, como devia, aquele penalty a dez minutos do fim, teríamos ganho o jogo. Mas não foi por isso que não ganhámos, foi porque a equipa e o treinador só acordaram para a necessidade de ganhar quando já era tarde.

A segunda razão para os assobios no jogo contra o Fenerbahçe é conjuntural. Jesualdo diz que a equipa está em construção, mas o que se viu, passados os brilhantes vinte minutos iniciais, culminados com aquele golo displicentemente desperdiçado por Lisandro López, foi antes uma equipa em desconstrução. Circunstancialmente, os assobios irromperam, e de impaciência, à vigésima vez que o Mariano González estragou uma jogada, mas, no fundo, no fundo, os assobios eram… para Jesualdo Ferreira, ele próprio. Ainda não digerimos mais uma derrota com o Sporting, onde Jesualdo acumulou erros visíveis a olho nu; ainda não digerimos uma vitória tão fácil desperdiçada na Luz; e, contra o Fenerbahçe, o que o público sentiu foi que outra vitória perfeitamente ao alcance tinha passado a correr o risco de se esfumar — como esteve quase a acontecer quando o Helton, para não variar, deixou que a bola sobrevoasse duas vezes a sua zona de intervenção obrigatória, na primeira vez falhando a intercepção e sendo salvo pelo Rolando, e, na segunda vez, ficando pregado à baliza a ver o Guinze falhar o cabeceamento a dois metros da linha de golo.

A desconstrução desta equipa que no ano passado ganhou o campeonato em atitude de passeio, começou, é verdade, na SAD: a saída do Paulo Assunção destroçou a solidez do meio-campo; as saídas do Bosingwa e de Quaresma desfizeram um flanco inteiro e, no caso do saudoso nº 7, tal como eu previ, reduziu a capacidade ofensiva da equipa a menos de metade. Mas Jesualdo também ajudou, e muito, os problemas actuais:

— continuou convencido de que Helton dá garantias suficientes de tranquilidade e segurança e o que sucede é exactamente o contrário — é ele o grande destabilizador dos centrais e o factor primeiro de insegurança defensiva;

— adepto, e bem, do 4x3x3, viu sair o Quaresma e, mesmo assim, despachou uma série de extremos que muito jeito lhe poderiam dar: o Vieirinha, o Alan, o Pittbull, o Hélder Barbosa.

— coleccionou, nos últimos dois anos, uma quantidade infindável de trincos, nenhum dos quais oferece um mínimo de garantias, o que faz com que, de facto, só haja um trinco capaz e adaptado, que é o Raul Meireles;

— só que o Raul Meireles faz falta como médio de ataque porque, além dele, Jesualdo só tem o Lucho - de quem depende, neste momento, toda a capacidade ofensiva da equipa. Entretanto, deitou fora o Leandro Lima, o Luis Aguiar, o Ibson, o Diogo Valente. A solução poderia passar pelo recuo do Cristian Rodriguéz para médio — até porque a extremo tem sido uma decepção — ,mas então, adeus 4x3x3;

— e, enfim chegamos à razão mais evidente para os assobios, eu diria mesmo gritante: a inexplicável insistência de Jesualdo Ferreira em Mariano González. Contra o Fenerbahçe (que eu vi atentamente e de bloco notas na mão), a primeira vez que se deu pelo Mariano em jogo foi aos 41 minutos, quando rasteirou um adversário. Durante toda a primeira parte, ele não fez uma finta, um passe de qualidade, um cruzamento, uma desmarcação ou até uma intercepção: repetiu a dose contra o Rio Ave e, como Jesualdo poderá constatar revendo os vídeos, é um jogador que, depois de perder a bola (o que acontece quase sempre que a recebe) fica parado no mesmo sítio. Aos 51 minutos do jogo contra os turcos, o Mariano, após um ressalto feliz, ficou isolado perante o guarda-redes: a forma como rematou aquela bola, seria suficiente, se mais não houvesse no seu registo, para mostrar à exuberância que ele tem limitações técnicas que são inadmissíveis num jogador de uma equipa supostamente de topo. Não há um adepto portista que não prefira ver o Candeias, ou o Tarik, mesmo em Ramadão, ou o Hulk, no lugar do Mariano. Só Jesualdo Ferreira persiste e persiste na sua teimosia, revelando um grau de proteccionismo a este jogador que, para mim, não encontra justificação… nem perdão.

É claro que quem percebe de futebol é Jesualdo, não sou eu. Mas tenho sobre ele uma vantagem, enquanto observador: há vinte anos que eu vejo todos, todos, os jogos do FC Porto. Olhando para um jogo como o de anteontem, em Vila do Conde, há uma coisa que eu já sei e que Jesualdo já podia saber, com a experiência que leva da equipa: estes são os jogos que mais facilmente se tornam difíceis para uma equipa como o FC Porto. Os jogadores vão mudando, os treinadores e os métodos também, mas há coisas que permanecem imutáveis: num campo pequeno, com equipas fechadas na defesa e um guarda-redes que vai de certeza fazer a exibição da época, uma equipa de ataque e de espaços, como o FC Porto é desde há muito, vai sofrer com a falta de terreno, de ar… e de tempo. Só há uma solução para evitar problemas e o desespero no final: é carregar desde o primeiro minuto, até chegar ao golo e obrigar, então, o adversário a abrir espaços, porque tem de tentar o empate. Ora, não sendo bruxo, aos 3 minutos do jogo de Vila do Conde, eu estava a mandar uma mensagem a um amigo portista: «Desconfio que isto vai correr mal!». E porquê? Porque bastou ver a atitude displicente, pouco empenhada, de quem acha que tem todo o tempo do mundo, com que alguns jogadores entraram em campo, para perceber que aquilo se poderia complicar, com duas bolas na trave, um penalty por marcar, etc.

Quando, dois pontos perdidos sem razão nem brio, Jesualdo Ferreira veio queixar-se da hora inteira de sonolência a que a equipa se tinha entregue, cabe perguntar se a responsabilidade não será, primeiro que tudo, dele próprio. Quem falhou a passar a mensagem de que aquilo era para tentar resolver a partir do minuto 1 e não do minuto 61? Quem demorou uma hora inteira a ver o Mariano entregar jogo aos adversários até finalmente reagir? Quem demorou uma hora inteira a perceber que precisava de flanquear o jogo e, para isso, precisava de flanqueadores como o Candeias?

Uma das coisas de que tenho saudades do génio trapalhão do António Oliveira é disto: com ele, bastavam os primeiros 15 ou 20 minutos em que as coisas não funcionavam, para ele começar a mexer na equipa. Porque, como cantava o Vandrei, «quem sabe, faz a hora; não espera acontecer». É verdade, verdadíssima, que a procissão ainda vai no adro e que nada é irreversível. Daqui a uns tempos, acredito que o FC Porto poderá estar de volta ao caminho certo. Mas, para isso, é preciso mudar o que está mal e pode ser mudado, e não ficar à espera que as coisas mudem por si mesmas.