quarta-feira, dezembro 10, 2003

Um azul que cega ( 9-12-2003)

1. Como era esperado, o Conselho de Justiça (CJ) reduziu de três para dois jogos a pena aplicada a Deco pelo Conselho de Disciplina (CD). Tem sido invariavelmente assim de cada vez que o CD da Liga castiga um jogador do FC Porto para além da medida da pena prevista no Regulamento Disciplinar. O que desta vez aconteceu de diferente é que a decisão do recurso interposto pelo clube ainda veio a tempo de impedir que o Deco cumprisse o castigo inicial por inteiro, permitindo que a justiça fosse reposta. Mas a forma sistemática com que o CJ corrige para baixo e para os limites normais previstos na legislação os castigos aplicados por excesso a jogadores do FC Porto por parte do CD é a demonstração cabal de que, quando toca ao azul e branco, o CD não julga com justiça nem com equilíbrio mas com uma sanha persecutória que não encontra acolhimento na legislação nem cobertura na instância superior. E, depois de isto se repetir duas, três, cinco vezes, começa a ser uma vergonha indisfarçável. Nenhum juiz que se preze, e que se preocupe com a sua classificação interna para efeitos de carreira, gosta de ver as suas decisões sistematicamente corrigidas, e sempre no mesmo sentido, pelos tribunais superiores. Se os juízes do CD não se preocupam com isso, como os factos demonstram, é porque ali não jogam carreira alguma e o seu brio profissional de julgadores é ofuscado pela cegueira que os atinge quando têm de julgar comportamentos disciplinares de jogadores do FC Porto. Isso, e o facto de a lei actualmente lhes permitir a iniciativa disciplinar, independentemente de queixa ou participação de outrem, tem conduzido a uma dualidade de critérios — tomando a iniciativa de punição nuns casos, não a tomando em outros em tudo idênticos — da qual não é possível extrair qualquer doutrina minimamente coerente e moralizadora. A actuação do CD aparece assim antes como um factor de correcção — neste caso de correcção da flagrante superioridade futebolística que o FC Porto vem exibindo sobre os seus rivais mais directos. É então que faz ainda mais sentido a frase daquele dirigente benfiquista que explicava que, mais importante que ter bons jogadores, era ganhar as eleições da Liga.

2. O castigo finalmente aplicado ao Deco deveria fazer meditar também todos aqueles que na imprensa desportiva correram a anunciar que o Deco se arriscava, com aquele número da bota, a levar uma suspensão que poderia chegar... aos quatro anos, ou seja, a arrumar praticamente as botas! O absurdo destas previsões sanguinárias, ao arrepio do senso comum ou de qualquer sentido de justiça, só podia ser explicado por um desejo escondido sob a forma de informação e uma pouco subtil tentativa de forçar ainda mais a mão ao CD. Como então escrevi, pretendia-se, manifestamente, preparar o terreno junto da opinião pública para que o CD aplicasse ao Deco qualquer coisa de irracional como seis meses ou doze jogos de suspensão, de modo a tentar nivelar as coisas no campeonato. Essa tentativa patética é eloquente de muitas e significativas coisas, cuja análise deixo aos leitores que tenham a capacidade de a fazer.

3. A acrescentar a um sorteio favorável para a fase final do Europeu, tivemos logo de seguida o mais desejável dos sorteios possíveis para a fase de qualificação do Mundial de 2006. Nunca, que me lembre, tivemos um grupo de qualificação tão fácil e tão acessível, de modo que é caso para dizermos que desta vez, se não conseguirmos qualificar-nos, é porque de todo não justificamos estar no próximo Mundial. A facilidade ditada pelo sorteio poderá eventualmente conduzir a uma reformulação dos planos do seleccionador nacional. Era minha convicção que Scolari ficaria apenas até ao final do Europeu, fosse qual fosse o resultado. Agora, com a perspectiva de estender por mais dois anos um contrato que consta ser milionário, vivendo a família aparentemente satisfeita em Lisboa e com dois anos quase isentos de risco desportivo pela frente, será fatalmente grande a tentação de Scolari de permanecer por cá até 2006. Basta-lhe, para isso, uma prestação um pouco mais que razoável no Europeu.

4 Segundo uma estatística que vi publicada em A BOLA, faltam ao Estádio das Antas três jogos para atingir o número de 1000 jogos oficiais lá disputados e duas vitórias para atingir o número redondo de 800 vitórias do FC Porto na que foi a sua casa nos últimos 50 anos. Se a estatística está certa, e considerando a vontade de toda a gente de só passar para o Dragão quando a relva deste for igual à inesquecível relva das Antas, considerando também as notícias que indicam que o arquitecto Manuel Salgado está a estudar a colocação de pára-ventos nos topos norte e sul do Dragão para evitar aquilo que a estreia mostrou ser o seu grande contra, então penso que a Direcção deve esperar mais três jogos e duas vitórias até proceder à mudança definitiva. Agora, que já todos vimos como é deslumbrante o novo estádio, podemos esperar para que se saia em beleza do antigo e se entre em beleza no novo.

5 Numa linguagem que nem sequer faz o seu género, Jorge Olímpio Bento desembestou aqui, domingo passado, contra os «profissionais da intoxicação da opinião pública, ao serviço de fins escuros que os promovem e sustentam». Neste caso, essa sinistra gente seria composta por aqueles que, tendo-se oposto ao Euro-2004 em Portugal, agora vieram defender a Taça América em Lisboa e lamentar que tenhamos perdido a sua realização a favor de Valência. Ora, eu sou um desses e vou, pois, responder por mim, muito embora já aqui tenha, em escrito anterior, explicado as razões de uma e outra posições. Mas, antes de relembrar essas razões, começo por dizer que fico sempre espantado quando vejo colunistas de opinião atacar colegas de ofício, com o epíteto de profissionais. Acaso receber dinheiro por escrever não é uma profissão digna? Acaso o Jorge Olímpio Bento escreve de borla? (Se sim, peço desculpa por ter confundido com um profissional alguém que tem apenas opiniões gratuitas.) E gostaria de saber o que distingue as opiniões dele das dos outros, de modo a que as suas sejam sérias e as dos outros, quando discordam das suas, sejam «intoxicações da opinião pública, ao serviço dos fins escuros que os promovem e sustentam». Estarei eu ao serviço de «fins escuros» quando escrevi que era bom que a Taça América viesse para Portugal? Então porque não estará ele ao serviço de fins ainda mais escuros (autarquias, clubes, construção civil, empresários turísticos...) quando defende o Euro-2004? Indo agora às razões de ser contra o Euro e a favor da Taça América, é forçoso começar por dizer que o Jorge Olímpio Bento, manifestamente, ignora o que seja a Taça América, de outro modo não faria as comparações disparatadas que fez. Mas sempre lhe direi que, ao contrário do que ele escreveu, a Taça América envolve mais horas de transmissão e mais espectadores televisivos que um Europeu de futebol. Implica muito mais divulgação planetária e mais prestígio para o país anfitrião que um Europeu de futebol e, quanto ao tal «elitismo» de que fala, permitiria recuperar as tradições da vela em Portugal, fazer dela o desporto popular que é em tantos lugares do mundo e levar-nos de regresso, como no passado, às medalhas olímpicas. Envolve mais turistas, mais estadias, mais gastos locais, que o Europeu. Dura quatro anos (ou oito, se o vencedor for o mesmo que detém o título) e não um mês. Traz até nós turistas de muito maior qualidade e poder de compra e não, como no caso do Euro, aviões charter carregados de adeptos que, em muitos casos, viajam directamente para o jogo e regressam após ele. A sua realização em Lisboa não envolvia a construção de estádios, com o consequente endividamento das autarquias e do Governo central, mas apenas o aproveitamento da já existente marina de Cascais e a transformação fácil da Docapesca de Pedrouços em marina, além de um imenso estádio natural, que era o oceano Atlântico. As restantes construções envolventes não esgotariam a sua utilidade durante a competição (como irá suceder com sete dos dez estádios do Euro, que jamais terão assistências que os justifiquem), antes significariam a recuperação de uma zona desaproveitada da cidade de Lisboa e o seu usufruto permanente por parte da população, como sucedeu com a Expo-98 ou o Porto-Capital da Cultura. Mas, e finalmente, ao contrário da Expo, do Porto-Capital da Cultura e do Euro-2004 — todos de prejuízo assegurado para o Estado —, a Taça América daria ao Estado, às autarquias e aos particulares um retorno largamente superior ao investimento financeiro feito. Por isso é que Valência investiu biliões de euros para levar de vencida Lisboa. É tudo questão de conhecer os dossiers de uma e outra competições e ter como critério de escolha o interesse público e o respeito pelo dinheiro dos contribuintes. E, já agora, pelas opiniões dos outros.

terça-feira, dezembro 09, 2003

Iníquo e indigno? (2-12-2003)

1- Anderson Luís de Sousa, vulgo Deco, é um daqueles raros jogadores de futebol pelos quais vale a pena pagar bilhete para ir ver o jogo. Jogue ele pelo Benfica, pelo F. C. Porto, pela Selecção Nacional ou pelo Barcelona, Deco será sempre um jogador de excepção, que alia a uma fome quase voraz de jogar futebol, um talento para o improviso, o imprevisto, o golpe de génio, aquilo distingue os poucos jogadores de futebol que passam à história e são lembrados, muitos anos depois de terem arrumado as botas e permanecerem apenas na memória daqueles que os viram jogar. Mas Deco será também — na definição do relator da sentença do Conselho de Disciplina que o condenou a três jogos de suspensão por ele, num gesto de revolta e de despedida do jogo, ter lançado a bota em direcção ao árbitro que injustamente o despediu do Boavista-Porto — um «indivíduo » do pior: «iníquo, indigno, intimidatório e consabidamente descabelado», o qual «continua a não interiorizar o desígnio de pautar a sua intervenção no jogo de modo a não merecer nova censura». Por isso, e porque os sub-21 destruíram a cabina do estádio de Clermont- Férrand em sinal de alegria pela vitória sobre a França, o relator do processo de Deco resolveu aplicar-lhe de castigo, não um, nem dois mas sim três jogos de suspensão. Para que sirva de exemplo e para que aprenda a corrigir-se e a não ser indigno, iníquo e consabidamente descabelado. Do ponto de vista do sr. relator (cujo nome, felizmente, ignoro), a sentença é, de facto, exemplar. É sabido que a CD — um órgão montado e dominado pela «entente cordiale » entre o Benfica e o Boavista — existe basicamente para extravasar o ódio ao F. C. Porto, sem qualquer pudor de ver as suas «descabeladas » sentenças contra jogadores do Porto serem depois, uma por uma, corrigidas superiormente pelo Conselho de Justiça, embora sempre a destempo de reparar os danos causados pela sanha disciplinar contra o azul e branco: a seu crédito, nos últimos três anos, o F. C. Porto já deve ter uma dúzia de jogos de castigo que os seus jogadores cumpriram por determinação da CD e que, a destempo, o CJ julgou injustificáveis. Isso pouco importa ou envergonha os pseudo-juízes da CD: nem a caricata sentença do McCarthy lhes serviu de reflexão. Eles estão lá, basicamente, para, no que puderem, castigar os jogadores do F. C. Porto como não castigam nenhuns outros e mesmo, se necessário ou irresistível, não se limitarem a castigá-los mas também a ofendê-los. Está fácil de ver que, se dependesse deste senhor, nunca mais o Deco pisaria relvados portugueses com a camisola do F. C. Porto. A arte e o talento que exibe, a par dos danos que causa a terceiros, tornam-no íniquo, indigno e descabelado para a práctica do futebol. Seria motivo de relexão para gente séria o facto de o Deco — um jogador criativo, que vive com o ataque e o golo como objectivos e que é um dos mais castigados com faltas em todo o campeonato — ser simultaneamente um dos mais castigados com carões dos árbitros e castigos da CD. Como muito bem sabemos, uma coisa não joga com a outra: um jogador criativo joga com paixão, não faz antijogo. Um Deco não é um Fernando Aguiar. Mas, como ele próprio diz e com razão, muitos árbitros acham que manifestam autoridade, revelam personalidade e sem dúvida devem impor-se aos olhos de quem os nomeia e classifica, quando lhe mostram o amarelo por uma falta por ele cometida no calor da luta ou por um protesto mais do que humano, ao mesmo tempo que ignoram um rol de faltas de jogadores banais ou medíocres que o massacram para ver se conseguem secar o seu talento a golpes de c a - nela. O Deco leva uma, leva duas, leva três, leva quatro: e os árbitros sempre impávidos, até ao momento em que ele responde também ou explode em protesto e aí avançam com a cartolina em riste e ar de grandes justiçeiros. Como escreveu há dias José Manuel Freitas, o problema do Deco é jogar no Porto. Se jogasse no Benfica ou no Sporting, já haveria uma campanha pública de «deixem jogar o Deco!». Mas o F. C. Porto e o Deco não têm culpa de que o Benfica e Luís Filipe Vieira o tenham deixado sair para o Porto, via Salgueiros, e ninguém tem culpa de que ele, manifestamente, se entregue ao jogo com uma paixão e uma febre de futebol construtivo que já não é muito comum neste tempo de mercenários e burocratas do futebol. Mas, mesmo assim... Mesmo assim, não é admissível nem tolerável que um obscuro conselheiro de uma nebulosa Comissão Disciplinar, chamado a julgar um jogador, não se limite a punir a sua actuação como atleta mas ainda se permita atacar e ofender pessoalmente o jogador. Quem é este senhor para julgar que o Deco é um «indivíduo indigno »? Que poderes ou qualificações de mérito lhe assistem, que lhe deve o futebol em particular, que formação é a sua, que percebe ele de futebol ou de disciplina ou de justiça para se atrever a qualificar um jogador como íniquo, indigno e descabelado? Que paródia de disciplina é esta, que descabelada, indigna e iníqua justiça vem a ser esta? Por muito que custe ao senhor, ele ficará apenas na pequena e triste história dos odiozinhos do nosso futebol. Mas o Deco, pelo muito que já deu ao futebol português, pelo muito que já fez vibrar todos aqueles que, independentemente da paixão clubista, gostam deste jogo, ficará para a história onde o senhor relator da CD vale zero. E, por muito que lhe custe, com ou sem Deco, com ou sem os castigos e os insultos contra o Deco, ele e o F. C. Porto hão-de voltar a ser campeões este ano. Porque às vezes, às vezes ainda, o mérito e o talento triunfam sobre a inveja e a mediocridade.

2- Exemplar: o novo e magnífico Estádio do Algarve, construído para o Euro-2004, foi inaugurado sem futebol, pela simples razão de que, nem agora nem num futuro próximo se vislumbram as equipes que lá hão-de jogar. E o ministro Arnaut deu o pontapé de saída de um jogo que não existitu e de uma festa de inauguração descrita como«um exito».Um«êxito»: um estádio novo sem destinatários.

3- Outra vez exemplar: há anos atrás, o Vitória de Guimarães, cultivando as suas necessariamente boas relações com a autarquia local, recebeu em doação (embora juridicamente ainda confusa) o respectivo estádio municipal. Veio o Euro-2004 e Guimarães — cidade e clube — quiseram fazer parte da festa. Vai daí e, inteiramente como dinheiro dos contribuintes e munícipes, a autarquia gastou 4,5 milhões de contos a remodelar o estádio, sem que o clube tenha gasto um tostão que fosse. No fim, a autarquia quis que o clube, ao menos, pagasse os painéis electrónicos, que custavam mais 600.000 contos, mas Pimenta Machado respondeu que não, com o argumento implícito de que o estádio era do clube para o usufruto, mas da autarquia para as despesas e investimentos. A Câmara vai assim ter de repor o subsídio recebido de Bruxelas para os painéis, porque o estádio juridicamente parece que não lhe pertence e o clube diz que não tem nada a ver com o assunto, embora os painéis lhe dêem jeito. Finalmente, propunha-se a câmara, para minimizar os gastos, cobrar o aluguer do estádio durante o Euro-2004. Não — responde Pimenta Machado—porque o estádio é nosso e quem tem o direito de cobrar somos nós. E eis como do investimento público se fazem lucros privados. Por favor, tenham ao menos, alguns comentadores, a distância suficiente para perceber as razões daqueles que sempre foram e são contra o Euro, antes de correrem a chamar-lhes antipatriotas. Não era por haver circo em Roma que Roma era bem governada. Pelo contrário, quanto piores eram os imperadores, mais faustoso era o circo.

4- A mim parece-me que dificilmente o sorteio do Europeu poderia ter-nos corrido melhor. Mas já ouvi falar em sorteio azarado, sorte madrasta e na possibilidade de os «heróis» da Selecção repetirem a saga dos de quinhentos. Este espírito, supostamente patriótico, que pretende transformar em proezas imensas o que é simplesmente normal e em heróis aqueles que desempenham bem um trabalho pago a peso de oiro, não me parece a melhor forma de encarar as coisas. Temos um país que gastou biliões para organizar o Europeu, uma Selecção a que nada tem faltado e que joga em casa, um treinador que é campeão do mundo, e teremos, em Junho, quase dois anos de experiências de toda a ordem para preparar o Campeonato, sem a responsabilidade da qualificação. Se não é agora que temos o direito de esperar resultados, será quando?

Além-fronteiras (25-11-2003)

COMO era previsivel, a experiência árabe de Toni, como treinador, chegou ao fim. O senhor que se segue é Humberto Coelho, na Coreia, que não saiu ainda porque a célebre paciência asiática tem limites a que não estamos habituados.Em contraste, a paciência curta dos espanhóis está a esgotar-se em relação a CarlosQueirós, uma aposta pessoal de Florentino Pérez que sempre teve a desconfiança da torcida e dos jornalistas de Madrid. Com a constelação do Real, a tarefa de Queirós era, à partida, a mais ingrata possível. Se ganhar tudo, ninguém estranhará — é mesmo o mínimo que lhe exigem e o mérito será atribuído não a ele mas aos extraplanetários; se perder, o que quer que seja, a culpa será sempre sua, que não foi capaz de ganhar com uma equipa como jamais se reuniu em lugar ou momento algum da história do futebol. Em contrapartida,Manuel José regressa ao Egipto e Artur Jorge parte para mais uma das suas intermináveis experiências além- -fronteiras — onde, é forçoso reconhecê- lo, nunca conseguiu confirmar os pergaminhos que Viena-87 lhe trouxe. Mesmo registando o êxito — momentâneo pelo menos — que Nelo Vingada está a ter também pelas Arábias (mas continuamos no domínio do terceiro-mundo futobolístico), a regra é que até hoje nenhum treinador português se conseguiu impor de forma indiscutível na cena internacional.Nenhum dos, digamos, 50 melhores clubes da Europa (com a notável excepção do Real Madrid e de Queirós) tem potencialmente um treinador português na sua short list de seleccionáveis. E, se Queirós não conseguir triunfar no Real Madrid, o primeiro treinador português que poderá verdadeiramente ascender a um lugar ao sol na Europa do futebol é José Mourinho — que, com arrogância ou sem ela, tem dado todos os passos certos e todas as indicações necessárias de que se está a preparar para a hora em que for chamado. Sendo que me parece óbvio que ele não quererá começar uma carreira internacional de treinador principal pelas Arábias ou pelo Egipto — pela terceira divisão e não pela primeira. Mourinho irá seguramente escolher um clube grande de um dos cinco grandes da Europa: Espanha, Itália, Inglaterra, França ou Alemanha.Ou então preferirá esperar no Porto, onde, como deixou escapar há dias, num desabafo de raiva contida, há um gozo particular em ganhar contra tudo e contra todos. O panorama em relação aos treinadores exportados repete-se em relação aos jogadores, com algumas excepções e nuances.Temos o caso notável do Luís Figo, que aos 32 anos ainda é titularíssimo no Real Madrid e num lugar tão exigente fisicamente como o de extremo. E temos o caso de Pauleta, também ele titularíssimo no PSG e grande destaque do campeonato francês. Temos depois os casos intermédios de Rui Costa, Boa- Morte, Fernando Couto e Fernando Meira, que alternam nos respectivos clubes a titularidade com o banco de suplentes (entre nós, quando eles ficam no banco de suplentes, costuma-se escrever patrioticamente que foram poupados para o próximo jogo). E temos depois um sem-número de casos claramente falhados, de Dani a Vidigal e Abel Xavier, passando mais recentemente por Capucho e Hugo Viana.E, para acabar, temos os miúdos Quaresma, Cristiano Ronaldo e Hélder Postiga, que partiram com o mundo a seus pés e rapidamente se lhes depararou uma realidade bem mais exigente e difícil do que aquilo que imaginavam. Acontece que em Espanha, em Itália, em Inglaterra, ganham-se, de facto, fortunas. Mas a exigência dos treinadores, dos adeptos e da imprensa está na medida exacta do retorno esperado desses vencimentos milionários. Não basta jogar bem de vez em quando ou fazer um festival de fintas e jogo de cintura um quarto de hora por jogo: é preciso dar o litro e deixar o talento em campo durante todo o jogo, todos os jogos, duas vezes por semana.E também não há equipas que permitam descansar um em cada dois jogos, jogando apenas o suficiente para ganhar. Lá fora, entre os grandes, paga-se caro para ter espectáculo e o espectáculo custa suor, trabalho e sacrifícios a que a grande maioria dos nossos jogadores não está habituada. Cada vez que um jogador português parte lá para fora, é inevitável que começe por se queixar da dureza dos treinos, depois da exigência dos adeptos, de seguida das dificuldades de adaptação e finalmente da frequência dos jogos e viagens.Dá vontade de rir ouvir os responsáveis do Benfica a justificar o cansaço e as lesões dos jogadores com a «sobrecarga de jogos»—contra equipas que, em termos europeus, nem contam. Basicamente, os falhanços dos nossos jogadores lá fora ou as suas dificuldades de afirmação reflectem aquilo que é um sentimento muito português: a incapacidade para ultrapassar uma mentalidade pequenina e feita de facilidades. Em Portugal, um jogador acabado de chegar dos juniores faz dois bons jogos e logo declara que está a sonhar com a Itália ou a Inglaterra. Mas, se tem a sorte de lá chegar, fica siderado com o grau de exigência que lhe cobram, com a «ingratidão» dos adeptos, coma dificuldade da língua e dos costumes locais e acaba roto de cansaço e roído de saudades da família, do bacalhau e do pequeno mundo onde estava habituado a ser reizinho e a ser tratado como tal. Foi por ter sido excepção a esta regra que Luís Figo se conseguiu impor a um grau bem mais elevado do que aquele onde tantos outros falharam. Depois, há também a mentalidade competitiva, que é tortalmente diferente daquilo a que eles estão habituados. Aqui, a rotina de jogo consiste em fazer falta por tudo e por nada, quase por instinto (veja-se o último Porto-Boavista...) e em passar a vida a simular faltas que não se sofreu. Essa atitude é simplesmente detestada em Inglaterra, em Itália, em Espanha, onde quer que o público esteja habituado a ver e a exigir bom futebol. A experiência das dificuldades por que estão a passar os expatriados desta época—Quaresma, Ronaldo, Postiga, Capucho—deveria levar os próximos candidatos à emigração a meditar bem nos seus exemplos. Sair completamente impreparados e apenas para ganhar mais dinheiro não parece ser uma boa opção. É necessário contar com um grau de dificuldades e sacrifícios inesperados, conhecer um mínimo do país e da língua do país para onde se vai, da sua cultura futobolística e da atitude dos seus adeptos e da sua imprensa especializada. Cada vez mais o futebol é um jogo que exige dos seus praticantes duas qualidades primeiras: preparação física e inteligência. Ambas dependem do trabalho feito fora dos jogos, ambas são alheias ao talento próprio do jogador.De nada serve, como dizia o Jorge Valdano do Futre, fintar três adversários dentro de uma cabine telefónica, se depois não se dá com a porta de saída. Olhemos as estrelas galácticas do Real Madrid, de Roberto Carlos a Figo, Zidane, Guti,Raúl ou Beckham: o que têm todos em comum? Talento, a rodos. E capacidade física e inteligência de jogo. É por isso que as cenas lamentáveis dos sub-21 em Clermont- Ferrand não são apenas um episódio sem significado, antes a demonstração de uma mentalidade que permanece e que consiste em não perceber que um jogador de futebol, nos tempos que correm, não se limita a estar em acção e sob o olhar público apenas durante o tempo que está no relvado do jogo. Infelizmente, a mentalidade do jogador português típico vai ganhando fama além-fronteiras, onde, a par de um talento inato e inexplicável que toda a gente lhes reconhece, vem associada a imagem de jogadores faltosos, violentos mesmo e batoteiros. E basta ver algumas arbitragens nos jogos internacionais da Selecção ou das equipas portuguesas para constatar como já estamos a pagar por essa fama.

A festa do dragão (18-11-2003)

1 A tão esperada festa do dragão deixou-me sentimentos ambivalentes. Em primeiro lugar, saudades pelo velhinho Estádio das Antas, ali mesmo ao pé, com as bancadas adormecidas na escuridão, como mulher abandonada, trocada por outra, reluzente de luz e de juventude. É sempre assim, é necessário que um amor morra, para que outro floresça. Saudades também da incomparável relva das Antas, um tapete mágico, que jamais vi igual, e onde, excepto para os incompetentes, o futebol desliza como coisa natural. Em segundo lugar, o deslumbramento de ver o estádio por dentro, cheio até ao último lugar, uma espécie de templo encantado, suspenso sobre as luzes que brilhavam ao longe ou lá no alto, no céu. Este é o estádio mais bonito do Mundo, disso não tenho dúvidas. É uma coisa mágica, grandiosa e leve ao mesmo tempo, fabulosamente integrado no terreno circundante, um anfiteatro debruçado sobre um jardim, um espaço simultaneamente aberto e recolhido: pura magia, sem truques de prestidigitação. Não é por acaso que o homem que o desenhou é o mesmo que co-participou no desenho do Centro Cultural de Belém e que coordenou todo o projecto urbanístico da Expo-98. Portugal deve ao arquitecto Manuel Salgado algumas das obras mais simples na sua deslumbrante beleza e simultaneamente mais directas ao coração e à compreensão das pessoas. Sempre pensei que a grande arquitectura era a que estava naturalmente ao serviço das pessoas e não de si mesma, e o Estádio do Dragão é a demonstração cabal dessa evidência. Os entendidos, incluindo os da televisão, explicaram-me ainda que, do ponto de vista tecnológico, as entranhas e os subterrâneos do estádio encerram um conjunto de soluções que levam, por exemplo, já uma geração de avanço em relação ao Alvalade XXI. Mas, depois, há os contras, as coisas que me deixaram apreensivo, sobretudo se partir do princípio — que me parece o único aceitável — que a finalidade dos novos estádios é a de trazer os espectadores de volta ao espectáculo ao vivo, proporcionando-lhes condições de comodidade e facilidade que levem a ultrapassar a solução mais fácil e mais barata de ficar em casa a ver os jogos pela TV — também ela, hoje em dia, dotada de soluções técnicas, a nível de écrãs, de som e de qualidade de imagem e de transmissão que são um convite à preguiça. Ora, neste aspecto, há vários motivos de preocupação, que o futuro poderá ou não desvanecer. Acredito, para começar, que a relva possa esperar o tempo necessário até ficar capaz, aproveitando o facto de haver outro estádio disponível, ali ao lado e onde a relva nunca se cansa. Mas tenho fundadas dúvidas de que alguma vez a relva do Dragão se possa comparar à das Antas, a não ser que tudo se faça de novo. É animador pensar que a mesma empresa que fez a relva das Antas é a que fez esta — e por isso foi chamada de volta. Mas também é preocupante pensar que a mesma empresa que fez esta relva do Dragão é a que fez a do Alvalade XXI e que, entre todos os estádios já inaugurados, só aqueles cuja relva foi feita pela RED apresentaram problemas. Foi dito publicamente que os problemas de Alvalade não se repetiriam no Dragão, onde não havia a mesma urgência em inaugurar nem os calores abrasivos de Agosto para complicar as coisas. E, afinal, repetiu-se a triste cena. Enfim, confiemos nos próximos tempos. As atenções com a própria relva levaram o arquitecto a optar pela solução dos topos abertos, que tão espectacular resulta como desenho. Mas, ao contrário da convicção manifestada por José Mourinho, dizendo que agora o frio e a chuva não servem de desculpa para os espectadores ficarem em casa, a mim parece-me que por aí entrará o vento, o frio e, muito provavelmente, a chuva. Oxalá me engane, sob pena de as bancadas do novo estádio serem afinal mais desconfortáveis no Inverno do que as das Antas. Outro problema são os célebres acessos, da responsabilidade da Câmara, e que por ora se resumem a uma alameda, que é muito bonita, mas, em termos de trânsito é um funil conduzindo a um beco sem saída. A Fernão de Magalhães ficou mais estreita, a circulação nas imediações do estádio infinitamente pior do que em relação ao anterior e o estacionamento é virtualmente impossível (e os poucos privilegiados com lugares comprados na garagem do estádio desesperaram para conseguir entrar e sair de lá, dificuldades agravadas lá dentro pela escassez de saídas para o exterior e de elevadores, e pela quase total ausência de informações de orientação). A chegada futura do metro irá, fatalmente, ajudar em muito, mas é de esperar que a recomendação feita na estreia («deixe o carro em casa») não se torne norma para o futuro. Porque, se entramos por aí — «deixe o carro em casa», «deixe o guarda-chuva lá fora», «ande mais dois quilómetros a pé do que estava habituado a andar para as Antas» — então, vejo o futuro ameaçado. Enfim, o estádio é deslumbrante, mas as condições suplementares que hoje são essenciais estão ainda por preencher ou por verificar. Parece que o mesmo sucede na Luz e que pior sucedeu em Aveiro, sábado passado. Isso demonstra que o problema é geral e estrutural e que tem que ver com a forma como a sobre-ocupação dos espaços livres das cidades para urbanizações torna inviável a concentração de muita gente num único lugar simultaneamente. Quem esteve em Sevilha, no Olímpico, e viu as facilidades de circulação e de estacionamento junto do estádio, pode medir a diferença. É preciso entender que, para um espectáculo que dura uma hora e meia, não é exigível que os espectadores gastem três ou quatro a deslocar-se. No meu «estádio» privado, eu sento-me um minuto antes do apito inicial e estou de «volta» a casa um minuto após o apito final. É contra isso que os novos estádios têm de concorrer, agora que todos entenderam que o espectáculo proporcionado por um jogo de futebol tem de ser muito mais do que aquela simples hora e meia.
2 Mais um jogo da Selecção e mais uma decepção. Nem contra dez gregos conseguimos ganhar. Preocupante é que o seleccionador diga que o resultado foi bom e que continue a encaixar como a coisa mais natural do mundo as pífias vitórias sobre equipes terceiro-mundistas que escolheu para ensaiar o Euro, ou a incapacidade perante equipas melhorzinhas, quando não mesmo a humilhação, como sucedeu contra a Espanha. Dizem que a parte melhor do currículo do seleccionador é que ele faz maus ensaios mas uma boa prova final. Se assim é, não temos razão para nos preocupar. Mas, quando vemos jogar aquela selecção é preciso acreditar realmente que o sr. Scolari ou é protegido da Nossa Senhora de Fátima ou tudo isto vai acabar numa decepção épica. Quem se segue? Ah, é o Koweit, esse importantíssimo teste às nossas capacidades...

Os convidados do dragão (11-11-2003)

Á aqui escrevi há dias que achava particularmente bonitos alguns dos
novos estádios construídos para o Euro-2004 e que já se puderam ver ou
entrever. Muito embora tenha tido o cuidado de explicar muito bem que é
possivel achar-se os novos estádios bonitos e um factor de potencial
melhoria para o espectáculo, no terreno e nas bancadas, e
simultaneamente haver sido e continuar a ser contra a ideia da
realização do Euro-2004, pelos custos sumptuários que acarreta para os
ciontribuintes, o senhor do costume não se dispensou de, pela enésima
vez, ter pulado de alegria, imaginando ter finalmente conseguido
descortinar uma contradição nos meus argumentos. E, todavia, é tão
simples de perceber! É como achar, por exemplo, que, por mais bonito que
venha a ser o projecto de Frank Ghery para o Parque Mayer, é imperioso
questionarmo-nos sobre que sentido faz gastar larguíssimos milhões na
construção de três teatros para um género teatral, o de revista, de há
muito defunto - e isto numa cidade onde já existem outros três
cine-teatros que a maior parte do ano estão desocupados e encerrados e
onde no próprio Teatro Nacional os actores gastam o melhor do seu tempo
a fazer «trabalhos por fora», tais como telenovelas e campanhas
publicitárias. Quem é contra o Euro não é nem contra o futebol nem
contra estádios modernos e bonitos, da mesma maneira de que quem acha
inútil tentar fazer do Parque Mayer uma mini-Brodway não é contra o
teatro. É, sim, contra a gestão irresponsável de dinheiros públicos.
Disse-o há dias a ministra das Finanças na televisão: se fosse ministra
na altura, teria recusado o Euro, pela simples razão de que vai dar
prejuízo ao País que nenhum retorno publicitário poderá compensar.
Diferente é já , por exemplo, o caso da America's Cup, cuja vinda para
Lisboa e para Portugal nos assegurará, à partida, um mar de vantagens de
toda a ordem. Vem isto a propósito da inauguração, no próximo domingo,
do Estádio do Dragão (hei-de ter de habituar-me ao nome...) e que ou
muito me engano ou vai eclipsar, em matéria de beleza arquitectónica,
funcionalidade e modernidade, todos os outros. Mantenho que o novo
Estádio da Luz é, talvez, o mais bonito estádio de futebol que até hoje
vi (embora copiado de outro que, provavelmente, não lhe ficará atrás - o
Estádio Millenium). Mas o Dragão, parece-me a mim, que há dias andei a
passear-me pelas redondezas, muito mais do que um simples estádio: é uma
verdadeira obra de arte, de arquitectura e urbanismo, diferente de tudo
o que se pudesse esperar. E, por isso, eu aqui escrevi várias vezes
sobre a diferença essencial do projecto do Estádio do FC Porto, quando
comparado com os do Benfica e do Sporting, e sobre a sem razão de Rui
Rio na polémica aberta com o FC Porto e cujo efeito útil foi atrasar as
obras um mês e tornar o custo do estádio um milhão de contos mais caro
(que ele obrigou a dar à sua protegida D. Laura, da Associação de
Comerciantes da Baixa do Porto). A diferença essencial é que, enquanto
Benfica e Sporting se limitaram a deitar abaixo um estádio velho e a
construir no mesmo local um novo, sem qualquer preocupação de
interligação com o espaço envolvente e sem qualquer projecto integrado
de urbanização, já o Estádio do Dragão nasceu, desde o principio, de um
encontro de vontades e projectos entre o clube e a anterior vereação da
cidade. Daí que ambas as partes tenham recorrido ao mesmo arquitecto, o
qual desenhou, não apenas um estádio novo mas uma nova nova centralidade
urbana, aproveitando terrenos do clube e de outros privados, e
desenhando uma nova rede de transportes multidisciplinar, que vai
revolucionar por completo uma zona limítrofe e até aqui degradada do
Porto. Disse e repito que a câmara do Porto não contribuiu para o
Estádio do Dragão com um tostão ou um metro quadrado de terreno (e
continuo à espera que o outro senhor prove o contrário, conforme
prometeu há vários meses...). A câmara contribuiu, sim, com a parte que
lhe competia: as novas avenidas, arruamentos, o metro. Se o não tivesse
feito, o estádio iria na mesma para a frente, com piores acessibilidades
e urbanisticamente desenquadrado, é certo, mas nisso quem teria saído a
perder era sobretudo a cidade e não o clube. Pareceu-me visível, na
visita que Rio fez há dias à nova avenida, ainda sem nome, rasgada desde
lá do alto, da Fernão de Magalhães até cá abaixo, ao estádio e à VCI,
que o presidente da câmara do Porto começou finalmente a perceber a
revolução urbanística que ali se está a dar e a oportunidade única que
teria desperdiçado se tivesse insistido ou conseguido ir em frente com a
sua teimosia. A propósito disso, discutia abundantemente o Expresso
desta semana a «indelicadeza» ou « provocação » de Pinto da Costa em não
convidar nem o presidente da câmara do Porto nem o presidente da
Assembleia da República para a inauguração do estádio, levando o
director do jornal a chamar-lhe «um líder provinciano». São situações
diferentes e devem ser diferentemente tratadas. Se Rui Rio fosse
convidado para aparecer no domingo nas Antas, eu, como portista e por
mais que me custasse perder aquele dia histórico, não estaria lá.
Porque, se nisto Pinto da Costa é provinciano, somos todos nós, os
portistas. Ele sabe que nenhum de nós aceitaria ver na inauguração do
nosso estádio quem, sem razão alguma e apenas forte de um poder político
de que abusou a seu belprazer, tudo fez para que o estádio não
existisse. Por que razão, na nossa nova casa, na nossa festa, haveríamos
de convidar o inimigo dessa casa e dessa festa? Rio é maior e vacinado:
escolheu os amigos e os inimigos que queria é decerto capaz de assumir a
responsabilidade por isso. Aliás, sendo certo que as pessoas podem mudar
e os inimigos de ontem ou podem fazer as pazes, Rui Rio foi o primeiro a
mostrar não estar disponível para tal, quando não faltou no Bessa na
meia-final da Taça UEFA, mas faltou nas Antas, e quando, depois, faltou
em Sevilha, que até era território neutro e mais fácil de digerir
politicamente, e finalmente quando, contrariando a tradição, mandou
encerrar a câmara nos festejos populares do Campeonato transacto. E
queriam agora que Pinto da Costa o convidasse em nome de quê? Queriam
que o convidasse para depois virem dizer que se tratava de uma
«hipocrisia » ou de uma «provocação»? Mota Amaral é um caso diferente.
Na ausência do Presidente da República e do primeiro-ministro, ausentes
no estrangeiro, era, talvez natural, embora não obrigatório, que o
presidente da Assembleia fosse convidado como terceira figura do Estado.
Embora me pareça também que não somos menos que os outros e que se os
outros tiveram a primeira e a segunda figura do Estado a inaugurar-lhes
os estádios, não vejo muito bem porque haveríamos de contentar-nos coma
terceira figura. Se não podem ir os que, em circunstâncias normais,
deveriam ir, paciência, chegam os que lá estão - cinquenta mil
portistas, de alma e coração. Diversa é, porém, a circunstãncia de Mota
Amaral não ter sido convidado por ter marcado falta injustificada aos
deputados que foram a Sevilha. Aqui, a fazer fé no «Expresso»,
estaríamos, de facto, perante uma represália de Pinto da Costa, em
relação à qual eu devo dizer, com toda a clareza, que sou contra. Sou
contra, primeiro, porque se trata de um assunto interno da Assembleia,
resolvido por Mota Amaral com a competência que lhe é própria e a que
Pinto da Costa é totalmente alheio e parte ilegítima para julgar. Em
segundo lugar, porque acho muito bem que os deputados que foram a
Sevilha ver a final da Taça UEFA e quizeram justificar a sua falta na
Assembleia com «trabalho parlamentar » tenham tido falta injustificada.
Acaso os milhares de trabalhadores que se deslocaram a Sevilha para ver
o Porto declararam no seu local de trabalho que tinham ido em trabalho?
A César o que é de César. E já estou a imaginar o comentário: «Então ele
critica o Euro e diz bem dos estádios? Critica uma atitude de Pinto da
Costa e vai à festa da inauguração?» Pois é, chama-se a isto democracia
e liberdade de expressão, uma coisa inventada na Grécia, há dois mil
anos.

Não há casos ( 4-11-2003)

1 Qualquer pessoa de boa-fé viu que o Deco não tentou, de forma alguma, atingir o árbitro, com a sua bota lançada ao ar. Qualquer pessoa de boa-fé percebe também que a origem daquela confusão esteve no próprio árbitro, que não tendo interrompido logo o jogo para punir a falta que descalçou o Deco, tornou natural que este, num gesto instintivo, não desistisse da jogada e continuasse a jogar sem bota, aí justificando o cartão que o árbitro lhe mostrou. Reconheço que o Deco é um jogador indisciplinado, sobretudo na maneira como reage perante os árbitros, quando se sente injustiçado, ou no ardor que por vezes põe na disputa das bolas, não por maldade, mas por aquela ânsia de disputar cada bola e de estar permanentemente em jogo, com bola ou à procura dela. Os seus excessos são excessos, não apenas de um génio do futebol, mas também de um jogador que tem uma necessidade vital de jogar e uma paixão e entrega ao jogo sem limites. O mais genial jogador de ténis de todos os tempos foi também o mais indisciplinado de sempre: John McEnroe. Hoje, fora dos courts, no circuito de veteranos, onde mantém viva a paixão pelo jogo sem o stress correspondente, é um gentleman venerado por todos. Não quero com isto fazer a apologia da indisciplina ou defender que as leis não devem ser iguais para todos. Mas defendo que, na hora de penalizar os excessos, deve ser ponderado o contributo que cada jogador dá para o espectáculo e as circunstâncias em que os seus actos de indisciplina foram praticados. EmMarselha, por exemplo, o Deco foi injustiçado pelo árbitro, que lhe mostrou um amarelo e o afastou do jogo de hoje nas Antas, não por aquela entrada dividida com um jogador do Marselha, mas porque já o «tinha de ponta» pela forma como ele se manifestava em relação às faltas que ia sofrendo. Este ponto é importante: existe, neste campeonato, pelo menos uma vintena de jogadores, que todos conhecemos, cuja principal ou única utilidade é impedir os outros de jogar. Normalmente não o fazem com faltas grosseiras ou aparatosas, mas com as tais «faltas cirúrgicas», tão louvadas por alguns comentadores: é o agarranço sistemático, a joelhada subtil na coxa, o calcanhar pisado disfarçadamente. Umas vezes as faltas passam impunes, outras não. Mas raramente estes jogadores são amarelados, mesmo quando o ritmo das suas faltas indica claramente que se trata de uma estratégia de jogo, pensada e executada a frio. E são aqueles que eles impedem sistemáticamente de jogar que normalmente acabam por ver um amarelo, quando a paciência se lhes esgota e reclamam do árbitro. Aconteceu isto mesmonoúltimoFCPorto- Nacional, em relação ao Derlei — com a agravante de este ter reclamado de uma falta que existiu e que teria originado um livre perigoso, mas que o árbitro não viu. Vem tudo isto a propósito da histeria que se apoderou da imprensa lisboeta a propósito do episódio da bota voadora do Deco. Quem tivesse acabado de desembarcar em Portugal e visse as manchetes gritando que o Deco se arriscava a quatro anos de suspensão (ou seja, ao fim da sua carreira), ficaria a pensar o que teria ele feito—no mínimo, agredido o árbitro até o deixar estendido à beira do coma. Como se tem de partir do princípio que as pessoas não são completamente desprovidas de senso e ainda sabem olhar para umas imagens e ler um regulamento disciplinar, a única conclusão a tirar de tanta histeria entusiástica era a de que se preparava o terreno para uma manobra clara. Gritando aos quatro ventos que o Deco arriscava quatro anos de suspensão, preparava- se a opinião pública para um castigo terrível e exemplar. E assim, se saírem três ou quatro meses — o que seria um castigo, terrível e exemplar, sim, das verdadeiras funções do CD da Liga —poder-se-á sempre dizer depois: «Muita sorte teve ele, que isto podia ir até aos quatro anos!». Manobras destas, já as conheçemos de gingeira. São eloquentes do espírito desportivo que por aí reina e da consciência de que, com o que está à vista nos relvados, só por outros processos será possível evitar que o FC Porto volte a ser campeão. Só para avaliar uma vezmais que nem todos são iguais perante a CD da Liga, veremos se esta semana abrem processo sumaríssimo àquele jogador do Sporting que, mesmo no final do jogo com o Rio Ave, enfiou, sem bola, uma violenta cotovelada na cara de um adversário...

2 UF!, acabaram as eleições no Benfica! Vamos finalmente ter tréguas deste folhetim sem graça, sem suspense e sem interesse algum. Jamais eleições de desfecho tão previsivel fizeram gastar tanto papel e tanto tempo de antena, televisão pública incluída. No fim, e como já se sabia, Luís Filipe Vieira recolheu os 90 por cento de votos correspondentes a ter tido três anos de campanha grátis na imprensa desportiva; Jaime Antunes recolheu os 7 por cento de votos rigorosamente correspondentes ao universo benfiquista que se preocupa com as contas, com os negócios do José Veiga e com outros «detalhes» de gestão; e Guerra Madaleno recolheu os 0 por cento de votos rigorosamente correspondentes à credibilidade de que goza na sociedade portuguesa, mesmo acenando com o Rivaldo, o Rui Costa e 50milhões de euros — ou, se calhar, por isso mesmo.

3 São muitos os treinadores portugueses que passam a vida a pôr-se em bicos de pés, a chamar a atenção para o seu currículo (a parte boa dele) e a reclamar que «já mereciam um grande». Alguns tiveram direito a um «grande» e afinal mostraram que não faziam ideia do grau de exigência que isso acarreta— regressaram às origens, umpouco menos inchados. António Sousa não é desses. Nunca chamou as atenções sobre si próprio, nunca se atribui méritos que não teve, nunca se desculpou com os árbitros de desaires próprios, nunca cuidou da sua carreira. E, todavia, há sete anos que ele consegue a proeza de—com uma única excepção e no ano em que ganhou a Taça — manter um pequeníssimo Beira-Mar entre os principais do futebol português. De há uns anos para cá, ainda por cima, o Beira-Mar não se limita amanter- se entre os grandes: mereceo pelo futebol que pratica, pela coragem com que joga mesmo em casa dos grandes e pelo nível de jogo apresentado, onde se percebe que há muito trabalho e ideias firmes do seu treinador. Desde que Mourinho está nas Antas, o único jogo em que eu me lembro verdadeiramente de o ver levar um banho de táctica foi precisamente contra o Beira-Mar e nas Antas, uma derrota inapelável que assinalou o enterro do campeonato de 2001 para o FC Porto. Há quinze dias, vi-o dar outro banho de bola ao Sporting, emAlvalade, em que apenas a sorte e um caseirismo indisfarçável do árbitro permitiram umresultado totalmentementiroso. Anteontem, finalmente, na nova Luz, ele demonstrou que nada disto é por acaso. Até ver, o Beira-Mar é das melhores equipas deste campeonato. Merece o lugar surpreendente que ocupa e António Sousa é, definitivamente, umtreinador que merece habitar o segundo lugar do campeonato.

4 Excepção feita a um único pontapé infeliz, na Amadora, e que custou os únicos dois pontos até agora perdidos pelo FC Porto neste campeonato, Vítor Baía vem demonstrando, jogo após jogo, que continua a ser omelhor guarda-redes português. Assim como o jovem Moreira demonstra que é o segundo melhor. Jogo após jogo, inversamente, Ricardo demonstra que, neste momento, só por birra do seleccionador pode ser considerado o n.º1 de Portugal. Mas já se percebeu que, haja o que houver, Baía não irá ao Europeu: está estabelecido há mais de um ano. E o Ricardo Carvalho, unanimemente tido como o melhor central português do momento, só conseguiu ser finalmente chamado quando começou a constar que o Real Madrid estava interessado nele. Aí, Scolari apanhou um susto e correu a chamá-lo.

5 Atento o avanço que já leva no campeonato, atenta a classificação do seu grupo na Liga dos Campeões, esta noite o FC Porto joga o jogomais importante da época. Sem Deco, sem César Peixoto e com umMcCarthy tão longe do necessário.Mas é decisivo vencer. Com toda a calma do mundo mas com toda a vontade de um verdadeiro campeão. Só mais esta vez, Porto!

A revolução dos novos estádios (28-10-2003)

1 Ausente do País desde sexta-feira passada até amanhã, não terei hipótese de me debruçar sobre a jornada do fim-de-semana e os seus inevitáveis casos de arbitragem, sobre o Boavista-FC Porto ou sobre a inauguração do novo Estádio da Luz. Vejo-me assim obrigado a deixar este artigo escrito por antecipação, quinta-feira passada, e ainda sob o efeito dessa magnífica lição de futebol, de profissionalismo, de garra e de coragem que o FC Porto de José Mourinho deu em Marselha. (E faço um parêntese para dizer que, de facto e a meu ver, foi das melhores lições de estratégia, de liderança e de capacidade de interpretação ao momento que vi Mourinho dar até hoje. Muitos podem detestá-lo, muitos podem a contragosto ser forçados a admirá-lo, muitos podem tentar imitá-lo mas a verdade é que há muito tempo não aparecia no horizonte um treinador português com a categoria, a competência e a personalidade de Mourinho. Num repente transformou em reformados adiados toda uma geração de treinadores e em aprendizes de mestre a geração seguinte.) Mas, retomando o fio à meada, ia dizer que aproveito este temporário afastamento da espuma dos dias futebolísticos para abordar, a propósito da inauguração do novo estádio do Benfica, um tema mais intemporal: o das mudanças que uma nova geração de estádios pode (e deve!) produzir no futebol português. Mesmo os benfiquistas mais sectários hão-de reconhecer que sempre aqui escrevi, sem dor alguma de alma, que tenho o Benfica como o maior clube português em número de adeptos e que considero o seu novo estádio — por aquilo que tenho podido ver de fora ou em filmagens e fotografias — uma obra fantástica de beleza arquitectónica. Se houvesse justiça nestas coisas, o estádio teria uma placa com o nome de Mário Dias à entrada, a homenagear o homem que, praticamente sozinho, sonhou, tentou, impôs e conseguiu o milagre de ter a nova Luz pronta e deslumbrante a tempo e horas. Se houvesse justiça, também Manuel Vilarinho veria creditado ao seu nome e aos seus esforços a capacidade de livrar o Benfica dos apertos financeiros que, em lugar da falência iminente, hoje lhe dão um estádio novo (é certo que com a inestimável ajuda do dr. Santana Lopes, como já o provei) e algum ar para poder respirar. Mas, como os tempos vão de eleições e de há muito está estendida a passadeira para Luís Filipe Vieira, nãome admira que ainda venha a ser ele a reclamar-se e a recolher os frutos da obra feita, enquanto aquela de que foi directamente responsável está à vista e, salvo melhor opinião, não tem nada de que o orgulhe: a equipa do clube que vai inaugurar o novo estádio não o merece, tão pobre é o futebol que joga; e o adversário convidado para a circunstância é hoje uma equipa de terceira do continente sul-americano que, mesmo assim, só aceitou comparecer com a promessa de os lucros da festa servirem para pagar os ordenados em atraso aos seus jogadores. É o La Louvière do rio da Prata.

2 Como quer que seja, aí está mais um estádio de nova geração, e magnífico, ao serviço do futebol português. A entrada ao serviço de oito novos estádios, modernos, bonitos, funcionais e cómodos, representa um ponto de viragem no nosso futebol e, simultaneamente, uma oportunidade irrepetível de devolver o público aos estádios e de encarar o espectáculo futebolístico como alguma coisa mais que 90 minutos de jogo e 15 de intervalo. Mas, não, não se precipitem a interpretarem-me mal: não passei a ser defensor do Euro-2004 por causa dos novos estádios. Fui, sou e continuarei a ser, mesmo depois do Euro, contra o projecto e contra os seus custos sumptuários. Excepção feita aos clubes que já tinham projectado a ideia de novos estádios antes de nascer a ideia do Euro-2004 e dispunham de projectos financeiros sustentados em património próprio e com condições de retorno a médio prazo — Boavista, FC Porto e Sporting —, continuo a considerar que todos os outros resultam apenas duma atitude de país novo-rico, financiado pela passividade dos poucos que pagam impostos. É certo que o Municipal de Coimbra se encheu na estreia — mas para os Rolling Stones. Quantas mais vezes encherá? E o do Algarve, o de Leiria, o de Aveiro, uma vez terminado o Euro, conseguirão sequer sustentar com as assistências metade dos custos de funcionamento? Para que serve a Leiria um estádio novo com capacidade para 30 mil pessoas, quando a média de assistências aos jogos do União não vai além das 3000? E no Algarve haverá 30 mil pessoas para seguirem os jogos dos juniores do Farense ou os dos semi-amadores do Louletano? Que fique claro, então, que uma coisa nada tem que ver com a outra. Apenas, e como espectador, prefiro ver estádios novos e bonitos do que os velhos mamarrachos de betão dos anos 50. Mas, como cidadão, teria preferido que o Estado tivesse aplicado o meu dinheiro noutras coisas, seguramente mais urgentes e mais necessárias.

3 Isto esclarecido, volto então a dizer que acho quase todos os novos estádios uma coisa entusiasmante e uma grande oportunidade para que todos os agentes directamente ligados ao futebol percebam que um estádio de luxo merece um futebol de qualidade. (É preciso também que os realizadores de TV percebam que os novos estádios, a sua arquitectura, o seu ambiente, os seus ângulos, os seus bastidores, passaram a fazer parte do espectáculo e são motivos de atracção e de reportagem e isso pode contribuir decisivamente para traze rmais gente aos estádios. Por exemplo, aqueles planos mortos dos intervalos, com uma câmara fixa dando um plano geral do relvado vazio, são de uma preguiça e de uma falta de imaginação hoje inadmissíveis.) Estádio por estádio, o da Luz é, como já disse, magnífico de concepção, a versão inversa do velho inferno da Luz: é imponente sem ser esmagador, como uma nave espacial pousando ao de leve sobre o terreno. O do Algarve pareceu-me obedecer a uma concepção semelhante, embora mais curto e arqueado, mas atraente e estilizado quando visto de cima da Via do Infante. O Alvalade XXI, de Tomás Taveira, não obstante as críticas até de variados sportinguistas, vejo-o como uma obra perfeitamente conseguida e original, apenas com aquele senão do quisto encostado à muralha do estádio que é o Alvaláxia — mas aí a responsabilidade não será do arquitecto mas sim das necessidades de rentabilização do dono da obra. O jogo cromático dos azulejos, característico de Taveira e que tanto irrita alguns sportinguistas, ajuda, em minha opinião, a integrar melhor o bloco imenso que é um estádio na malha urbana contígua, desmistificando a ideia de imponência majestática que é (mal) suposto um estádio ter de ter. No interior é genial a relação estabelecida entre as bancadas e o relvado e é fantástica a ideia do jogo de cores, aparentemente anárquico, das cadeiras, resultando naquele efeito milagroso de parecer que o estádio está sempre cheio ,mesmo quando não está. Aqui, e em Leiria, que também é da sua autoria, Tomás Taveira confirma aquela que é uma das suas melhores e mais desconhecidas facetas arquitectónicas: o domínio perfeito de uma arquitectura de cenário televisivo. Coimbra confesso que conheço mal, assim como Aveiro, mas parece-me que é má a relação entre o público e o relvado e que o lifting feito é decerto melhor que o que estava mas pouco ousado e pouco marcante — ao contrário de Guimarães. O Estádio de Braga era, é, a grande aposta em qualquer coisa de absolutamente nunca vista. Tem um enquadramento natural quase irreal, com um topo formado por uma montanha de granito e o topo oposto aberto, vazio, sobre um vale, e tem a assinatura de um dos melhores arquitectos portugueses: Souto Moura. Praticamente o que lhe restava, então, era desenhar as duas únicas bancadas laterais. Ainda não vi o estádio mas, por aquilo que me consegui aperceber em fotografias, as bancadas parecem-me uma repetição monótona das fileiras corridas de betão dos anos 50, sem nenhum enquadramento ou aproveitamento da envolvente paisagística. Oxalá esteja enganado. E deixo para o fim a mais curiosa, mais elaborada e mais tardia forma de entender das novas obras: o Estádio do Dragão, do meu clube do coração, e assinado pelo meu arquitecto favorito —Manuel Salgado, a alma do extraordinário ambiente urbanístico conseguido na Expo-98. Dois anos a fio fui passando pelas obras do Dragão, sem nunca perceber ao certo o que dali sairia. Pois bem, agora que falta menos de um mês para correr a cortina, começo a adivinhar que, apesar do esplendor da nova Luz e da coerência do novo Alvalade XXI, o Estádio do Dragão ou muito me engano ou vai esmagar, em beleza da própria obra e na integração do espaço envolvente, tudo o resto que se fez para o Euro-2004. Podem levar isto à conta de facciosismo clubista mas suspeito que está ali prestes a ser desvendada uma das grandes obras da arquitectura contemporânea portuguesa. E, para o fim, deixo o novo Estádio do Bessa, que, tendo sido o primeiro a arrancar, vai ser o último a ser terminado. Dois anos com tapumes alternando de sítio não permitiram até agora ter uma visão de conjunto e deixam a pairar a ideia de que é um estádio remendado por sectores e, de facto, sem noção de conjunto. Mas, tudo visto, o principal fica: tanta obra, tanto esforço e tanto dinheiro gasto exigem, gritam, por um futebol diferente e melhor. Inch’Allah!

Perguntas e respostas ( 21-10-2003)

Perguntas e respostas ( 21-10-2003)


1- Longe de mim querer de alguma maneira imiscuir-me na disputa
eleitoral do Benfica. Aliás, parece-me óbvio que o vencedor está
encontrado de antemão, assim comomeparece óbvio que os benfiquistas
desta vez não se deixarão arrastar por uma candidatura do tipo
aventureiropolicial, que tantos danos causou ao clubenumpassado ainda
próximo. O que me interessava era compreender melhor, em relação ao
Benfica como aos outros, o mistério das contas das SAD dos clubes. O F.
C. Porto acaba de anunciar mais um prejuízo de exercício, de cerca de
1,8 milhões de contos, apenas para o 1.º semestre do ano corrente -
umsemestre emque o estádio nunca teve assistências abaixo das 25 mil
pessoas, o clube nunca teve menos de 70 mil sócios e a equipa
teveumacarreira europeia prolongada e brilhante.Ouseja,umperíodo para
lucros e não para prejuízos.O Sporting presumo que apresentará contas
não muito distantes destas ou piores ainda. Quanto ao Benfica, omistério
é ainda maior. Confessando o que se sabia - que o clube também vive no
vermelho quanto aos resultados da exploração corrente-Luís Filipe Vieira
louva-se, contudo, de, neste mandato que agora termina, a direcção do
clube ter «saldado 26 milhões de contos de dívidas», ao mesmotempo que
construíaumestádio cujo custo deve andar próximo dos 30 milhões, e ao
mesmo tempo que se louva também de não vender jogadores já há dois anos.
Compreendo que benfiquistas como Jaime Antunes ou Manuel Alegre se
interroguem de onde veio o dinheiro, como aconteceu omilagre. A esta
pergunta, que deveria interessar todos os sócios votantes na próxima
eleição, Luís Filipe Vieira responde apenas que «o segredo está no
aproveitamento da própria marca». Acredito que a marca Benfica valha
muito; mas valerá 30-35 milhões de contosemtrês anos? Diz o presidente
da SAD que «as contas são auditadas» mas não é por serem auditadas que
omistério se esclarece, que as contas se tornam públicas e que tudo se
torna, como ele diz, «transparente».


2- Luís Filipe Vieira é, entretanto, o responsável pela SAD do futebol -
precisamente a área em que esta direcção cessante tem piores resultados
para apresentar. Repete ele que a sua grande obra de gestão foi evitar a
venda de jogadores, assim começando a construirumaequipa que, já este
ano, poderá disputar o título. Mas, vendo jogar a equipa, vendo os
últimos jogos contra oLa Louvière e o Gil Vicente (onde só um offsidemal
assinalado ao ataque do Gil,mesmoao cair do pano, terá evitado danos
maiores...), perguntamo- nos como será possível a este Benfica ser
levado a sério comocandidato ao título. E, ao analisar a equipa, jogador
por jogador, perguntamo- nosquemé que estaria interessado emir às
compras à Luz. É que, tirando Simão Sabrosa e o jovem guarda-redes
Moreira, não vejo ali ninguém que se destaque de uma confrangedora
mediania, quando não mesmo assumida mediocridade. Esta é a pior equipa
que alguma vez me lembro de ter visto defender as cores do Benfica.Vale
a LFV ter falhado o negócio com o Ricardo, já que o Moreira é muito
melhor jogador do que o protegido de Scolari.


3- Uma resposta a Luís Nazaré: Agradeço-lhe a sua carta aberta, aqui
publicada sexta- feira passada. Agradeço-lhe o tom civilizado, calmo e
lúcido, hoje em dia tão raro, quando se discute futebol. Acredito que
também possa não ser fácil ser benfiquista no Porto mas, apesar de tudo,
o facto é que os há bem mais que portistasemLisboa e, pelo menos no seu
caso, tem a sorte de, embora portuense, habitar na cidade do seu clube,
enquanto eu só episodicamente habito no Porto, o que significa que, para
ver futebol ao vivo, tenho de me deslocar 600 quilómetros. Nãopretendo
de forma alguma passar- me por vítima e sei demasiadamente bem que o
hooliganismo, o facciosismo sem limites e a cobardia das multidões são
iguaisem toda a parte e em todos os clubes: não há adepto sério que não
tenha por vezes vergonha dos seus. Mas a verdade é que, tirando as
Antas, tudo o resto me está vedado: jáme tentaram agredir na Luz, em
Alvalade, noRestelo, emSetúbal e até no Estádio Nacional,numafinal da
Taça entre F. C. Porto e V. Guimarães. Acredito que, se fosse
benfiquista e igualmente conhecido em termos públicos, também não me
seria aconselhável frequentar oEstádio das Antas. As coisas são como são
e olhe que lamento sinceramente não poder já nem digo ver o meuclube
jogaremAlvalade ou na Luz, mas não poder conhecer, como tanto desejava,
os novos estádios do Sporting e, sobretudo, o do Benfica, que, pelas
fotografias e filmes, me parece deslumbrante. É óbvio que não duvido por
um momento(nemprecisava demedar a palavra dehonra) quando garante que
nunca põe a sua condição de benfiquista à frente da de português, quando
se trata de torcer pela vitória de equipas portuguesas contra
estrangeiras. E não me furto à sua pergunta: de que lado estava eu no La
Louvière-Benfica? Acredite que a resposta é fácil e por várias razões:
estava do lado do Benfica, claro. Primeiro, por uma razão familiar: só
consegui que o meu filho mais novo saísse portista, embora lisboeta (é a
nova geração, para quem o Porto exerce um efeito de atracção semelhante
ao do Benfica dos anos 60). Já quanto ao mais velho, infelizmente, saiu
benfiquista e doentio. Acontece: já o meu pai, que era sportinguista, a
primeira vez que me levou ao futebol foi a Alvalade, para ver oPorto ser
esmagado pelo Sporting.Eeu, que nem sequer sabia ou ligava ao facto de
ter nascido no Porto e lá ter metade das minhas raízes familiares, dei
comigo, enquanto o Sporting marcava golos sem parar (foram seis!), a
sentir-me irresistivelmente atraído pelas cores das camisolas azuis e
brancas e pela tristeza daqueles rapazes, esmagados e humilhados. E saí
de lá para 18 anos de jejum e sofrimento,emque omeuportismo nunca
enfraqueceu. Essa, pois, é a primeira razão: quando não envolve disputa
com o Porto torço sempre pelo Benfica, porque o amor de pai é mais
forte, assim como é forte a amizade que meliga amuitos dos meus maiores
amigos que, na sua grande maioria, são também benfiquistas. Depois,
gosto por princípio que os clubes portugueses ganhem contra os
estrangeiros, a menos que de todonão o justifiquem.Também, comoqualquer pessoa inteligente, prefiro que ganhem porque hoje isso significa ganhar
pontos UEFA, que a todos beneficiam. E, finalmente, acho que para haver
igualdade competitiva no campeonato é preciso que todos os grandes ou
nenhum deles estejam simultaneamente envolvidos nas competições
europeias. De outromodo, como tem acontecido nos últimos anos, enquanto
o Porto e o Boavista, nos períodos mais críticos do campeonato, disputam
dois jogos por semana, envolvendo deslocações, mais stress emais lesões,
o Benfica e o Sporting descansam na pasmaceira de umjogo semanal
intramuros. Aceite asminhas saudações portuenses.



4- Umrecado para oDaniel Reis. Caro Daniel: os teus especialistas, as
tuas gravações vídeo e os teus arquivos selectivos nãomeinteressam
rigorosamente nada. A única coisa que interessava era que respondesses à
pergunta incómoda que te fiz, em lugar de fingir que não a percebeste:
como pode alguém que numa coluna de opinião se identifica como
sportinguista assumido ter depois a isenção e a distância para, agora já
como jornalista, escrever sobre o Sporting ou os seus rivais directos?
Pode alguém que seja militante partidário assumido e colunista
partidário assumido ser simultaneamente jornalista político, acreditado
como isento e independente? E, se não, porque não é exigível para o
jornalismo desportivo o que é exigível para o jornalismo político? Será
o jornalismo desportivoumgénero menor do jornalismo, com um código de
conduta particular e regras deontológicas de excepção? Se é para
desconversar outra vez não vale a pena responderes. Já basta o outro.

sábado, dezembro 06, 2003

A verdade tem várias cores (14-10-2003)

Esta semana tive ocasião de responder a uma carta de um leitor
benfiquista de A BOLA, que dizia não perceber como é que uma pessoa
com responsabilidade noutras áreas, onde (palavras dele), sempre foi
considerado e respeitado, se podia revelar tão parcial e tão portista ao
escrever aqui sobre futebol. É uma pergunta recorrente que me fazem e,
por mais que eu já a tenha respondido, sou sempre perseguido por ela,
como se eu fosse, neste aspecto, um caso notável. Ora, não sou. Nem
notável, nem único, nem, julgo eu, o mais gritante. Falando apenas de A
BOLA - o único jornal desportivo que eu leio, desde que me conheço -
pergunto: acaso as crónicas do sportinguista Daniel Reis serão
imparciais? E as de Leonor Pinhão, que junta a um benfiquismo extremado
e legítimo, um ódio sem limite ao F. C. Porto? E os próprios editoriais
do benfiquista José Manuel Delgado, defendendo, entre outras, a velha
tese de que Sporting e Benfica se devem unir no interesse comum de fazer
frente ao F. C. Porto e a Pinto da Costa (confirmando a provocação que
eu costumo defender entre os meus amigos benfiquistas e sportinguistas
de que verdadeiramente só existem, actualmente, dois clubes em Portugal:
o F. C. Porto e o antiF. C.Porto)?
Quando aceitei o convite honroso e estimulante de Vítor Serpa para vir
escrever para A BOLA (especificando que queria que eu escrevesse sob o
ponto de vista de um portista, porque ele não existia no jornal), abri
jogo definindo perante os leitores o que considerava o meu estatuto
editorial. Eu não seria um jornalista, fazendo crónicas de jogos ou
analisando factos a frio, coisa para a qual fui sempre o primeiro a
reconhecer que me faltava distância e isenção para tal, sendo
assumidamente um adepto do F. C. Porto - apaixonado e emotivo, como
todos os verdadeiros adeptos o são. Escreveria sim, na qualidade de
adepto assumido e com o mero estatuto de colunista de opinião e, por
isso mesmo, intitulei a minha coluna de Nortada, para funcionar como uma
espécie de aide-mémoire permanente: ninguém pode legitimamente dizer que
me lê ao engano. Em contrapartida, prometi e julgo que tenho cumprido,
ser um colunista de opinião livre, descomprometido e independente. Isto
é, não tenho quaisquer ambições, nem no meu clube nem no futebol
português, não aspiro a cargos nem a Dragões de Ouro, ninguém,
rigorosamente ninguém, me encomenda ou censura artigos, e bastas vezes
no passado já dei exemplo de ser capaz, quando o penso, de criticar,
quer os dirigentes, quer os treinadores quer os próprios jogadores do
meu clube. Penso que o contrato é sério, é claro e transparente desde o
início e que não me podem cobrar nada mais e nada menos do que isto.
Sucede, porém, que a imprensa desportiva é, na sua esmagadora maioria,
lisboeta e, com ou sem disfarce, adepta ou do Benfica ou do Sporting.
Ainda há umas semanas, estava eu na redacção da TVI a assistir à
transmissão do Partizan de Belgrado-F. C. Porto para a Liga dos
Campeões. Se algum daqueles jornalistas tivesse de manifestar a sua
opinião publicamente, todos eles diriam certamente que torciam pelo
Porto, porque se tratava de uma equipa portuguesa numa competição
europeia e, aliás, é muito importante para as outras equipas que o F. C.
Porto continue a acumular pontos para Portugal no ranking da UEFA, o que
tem permitido a equipas que, por si só, não fazem nada para tal, como o
Benfica, aceder pelo menos e de vez em quando à fase de
pré-qualificação. Pois, tudo muito politicamente correcto. Mas o facto é
que quando o Partizan empatou o jogo, soou um grito histérico de golo!
em toda a redacção, que abalou o edifício de alto a baixo e faria crer a
qualquer passante que ignorasse o que se passava que o Benfica tinha
acabado de marcar um golo ao Real Madrid. Sobre a isenção jornalística
em matéria desportiva, estamos portanto conversados.
Ora, quer queiram, quer não, todos estes jornalistas desportivos
sediados em Lisboa e todos os seus leitores não estavam preparados nem
habituados a terem de levar com os pontos de vista do «inimigo» - que
também os tem e tem direito a tê-los. Assim como o povo tradicional do
futebol, que 80 por cento era sportinguista ou benfiquista, não estava
habituado nem preparado para ver aparecer, já há uns 20 anos atrás, um
outsider com a força do F. C. Porto. Há 20 anos que andam a recuperar do
choque. Assim, em lugar de reconhecer mérito ao adversário ou de
reconhecer culpas próprias, como o facto de o Sporting não saber
escolher treinadores ou o Benfica não saber escolher dirigentes, a
atitude assumida por todos - e que, de tão gasta, já só convence, de
facto, quem quer continuar a não ver o que é evidente - é a de continuar
a afirmar, ano após ano, jogo após jogo, que a superioridade
contemporânea do F. C. Porto se deve ao «jogo de bastidores» e, em
especial, ao favor das arbitragens.
Para que esta doce ilusão possa perdurar eternamente e seja adquirida
como verdade, não dá jeito nenhum que haja, aqui e ali, algumas vozes a
lembrar coisas incómodas: que há transmissões televisivas de todos os
jogos e que qualquer um pode apreciar o que cada um joga e comparar; que
não são certamente os árbitros internacionais (antes pelo contrário!)
que levaram o F. C. Porto a ganhar a Liga dos Campeões, a Taça UEFA, a
Supertaça Europeia, a Taça Intercontinental ou a ser um dos clubes de
referência na Europa e na Liga dos Campeões, enquanto o outrora poderoso
Benfica é capaz de levar 7-0 de um Celta de Vigo ou é incapaz de vencer
uns modestos jovens amadores da Suécia ou da Bélgica; que não são os
árbitros, certamente, que respondem pelo amadorismo de gestão que leva
um Sporting a inaugurar um estádio novo sem relva ou que leva um Benfica
a andar a mendigar lugares para se treinar enquanto constrói o seu novo estádio.
A simples existência de alguém que, de vez em quando, lembre, por
exemplo, que, no Porto-Sporting ficaram dois penalties por marcar contra
o Sporting e a coisa passou como fait-divers, que a Comissão Disciplinar
da Liga parece só ter olhos, vídeo e instinto justiceiro para os
jogadores portistas, que o chamado «sistema» é dominado pela coligação
Boavista-Benfica, que foram eles, contra o voto do F. C. Porto, que
instituíram o actual método de nomeação dos árbitros que agora
apresentam como fonte de todas as suspeitas, tudo isso lhes causa
perturbação às verdades que têm como estabelecidas. Como em tudo o
resto na vida, é sempre muito mais fácil governar e estabelecer a verdade
sem contestações, sem oposições, sem que outra verdade se venha contrapor à nossa.
O ponto fundamental é, pois, este: opinião é opinião, jornalismo é
jornalismo. No futebol, como em todas as outras áreas de jornalismo. Não
há batota desde que para todos seja claro que a opinião da Leonor Pinhão
é a de uma benfiquista, a do Daniel Reis é a de um sportinguista e a
minha é a de um portista. Não quer dizer que isso resolva o problema da
falta de equidade no tratamento jornalístico de cada clube (longe
disso!), mas ao menos fica estabelecido o equilíbrio em termos de
opiniões de colunistas deste jornal.
As coisas complicam-se é quando, por exemplo, na edição do Expresso
desta semana, lemos um trabalho, supostamente jornalístico, de página
inteira intitulado «Onda de choque na arbitragem», e onde, logo após a
leitura das primeiras quatro linhas, já percebemos que se trata de um
libelo a defender as razões de queixa do Sporting em relação à
arbitragem. Atentem, por exemplo, nesta frase: «Agora, o leão volta a
encabeçar o clube dos reclamantes de justiça, atribuindo-lhe os
especialistas inequívocas razões de queixa por dois penalties não
assinalados, já em tempo de compensação, e seguidos de golo do
adversário. Ou seja: dois ou quatro pontos ingloriamente perdidos,
conforme o ângulo de observação.» Ora, pergunto eu: que especialistas,
que penalties? É que eu também vi outros especialistas, e até
caricaturistas, e até sportinguistas na intimidade, dizerem que a
táctica do Sporting este ano é levar os jogos a prolongamento e mandar o
Silva lá para dentro atirar-se para o chão, a ver se cai um penalty do
céu... E, já agora, pergunto se esses mesmos especialistas não viram os
dois penalties que ficaram por marcar contra o Sporting nas Antas,
quando havia 1-0, e se são capazes de me dizer qual foi o jogador da
Académica que, no jogo da 1.ª jornada, terá atirado a bola para canto,
do qual resultou o golo da vitória leonina, seis minutos depois da hora?
E podíamos ficar nesta desconversa eternamente, argumento contra
argumento, verdade contra verdade, opinião contra opinião. Sucede,
porém, que o referido artigo do Expresso não é um artigo de opinião, é
uma peça jornalística, que se presume, factual, isenta e incontroversa
na análise. E quem a assina? Daniel Reis. Será o mesmo Daniel Reis que,
aqui, neste jornal, é colunista de opinião, assumidamente sportinguista?
E, se sim, quando ele muda de colunista para jornalista, quando muda da
opinião para os factos, quando muda de A BOLA para o Expresso, onde é
que ele deixa a sua pele de sportinguista - no vestiário?

A lição espanhola ( 7-10-2003)

1- Creio que foi o jornal Marca quem, a propósito do F. C.Porto-Real
Madrid, escreveu que o mal do F. C. Porto é a falta de competitividade
do campeonato português. Ou seja, só episodicamente o F. C. Porto é
sujeito à pressão de grandes jogos e grandes equipas. Enquanto o Real
encontra todas as semanas, no campeonato espanhol, equipas que tudo
fazem para o vencer (mesmo que isso implique poderem acabar
desbaratadas), já o F. C. Porto, no campeonato português, encontra em 95
por cento dos jogos equipas que apenas pretendem não perder. Se o F. C.
Porto jogasse na Liga espanhola, certamente perderia muitos mais jogos
do que perde aqui, mas teria muito mais hipóteses de vencer o Real
Madrid do que as que tem quando, ocasionalmente, de três em três anos,
tem o azar de o apanhar pela frente na Liga dos Campeões.

É certo que não foi só por isso que, uma vez mais, os portistas
baquearam sem apelo nem agravo às mãos dos madrilenos. Mas isso ajuda
a perceber muitas coisas. Desta vez, o F. C. Porto até entrou sem medo do
adversário, jogando o que pode e sabe - ao contrário do que sucedeu na
final da Supertaça, contra o Milan. Teve tanta posse de bola como o
adversário, tantos remates, tantas oportunidades de golo, e até um golo
anulado em obediência ao princípio de que, em caso de dúvida, o Collina
e os árbitros de que a UEFA gosta, decidem sempre a favor dos mais
poderosos. Perdeu, sobretudo, porque, a juntar à falta de rotina de
altíssima competição, o Porto encontrou pela frente a maior constelação
de génios que alguma vez se reuniu numa só equipa de futebol. O Real é
uma equipa de assassinos perfeitos que, a perder, a ser dominada e
aparentemente adormecida, é capaz de em seis minutos e dois golpes
perfeitos e mortais, inverter as coisas e deixar o adversário à beira de
um ataque de depressão.

O F. C. Porto sucumbiu, não a uma avalancha de jogo do Real, mas sim a
três golpes cirúrgicos, que tiveram tanto de indefensável como de
previsível e natural. Mas, no resto, fez o melhor que podia, muito para
além do que qualquer outro dos chamados grandes de Portugal seria capaz
de fazer. Esteve uma hora por cima do adversário, atacou e criou
oportunidades de golo e, de facto, só falhou numa coisa: uma coisa que
esta época está a fazer a diferença para pior e se está gritantemente a
transformar num problema insolúvel: a péssima prestação dos laterais,
associada a um esquema de jogo de 4x4x2. Já aqui falei do assunto e vale
a pena voltar a ele.


2 É evidente que não pode haver qualquer comparação entre a Académica e
o Real Madrid. É a tal diferença entre a competitividade de um e outro
campeonato (que faz com que, por exemplo, seja o F. C. Porto, que neste
momento já leva o dobro de jogos disputados em relação à Académica,
quem, mesmo assim, assume de princípio a fim, todas as despesas do jogo,
enquanto a Académica se limita a esperar pela sorte grande e pelas
distracções dos juízes de linha para evitar um massacre). Mas, salvas as
distâncias comparativas, que são imensas, é notável constatar o que
melhorou o jogo portista com a simples introdução de um extremo (César
Peixoto) e o consequente regresso ao 4x3x3, que tão espectaculares
resultados trouxe na época passada.

Muitas das grandes equipas europeias jogam em 4x4x2, mas um 4x4x2 que
não significa a desertificação das faixas laterais para o ataque, que
são preenchidas ou por médios-ala ou pelos laterais. O próprio Real
Madrid, quando à primeira vista se dispõe num 4x4x2, só aparentemente
ataca com dois avançados e quatro médios em apoio. De facto, tanto
Michel Salgado, como sobretudo Roberto Carlos (para mim, o melhor
jogador do mundo há vários anos), são verdadeiros extremos, fazendo todo
o corredor e cruzando a preceito para a área. Mas no F. C. Porto de 2003
os laterais não só defendem mal como atacam pior. Paulo Ferreira, que
foi uma das revelações da época passada, está uma sombra de si mesmo,
enquanto Nuno Valente, esse nem sequer tenta atacar, limitando-se a
atrasar todas as bolas que recebe e a defender chegou a ser penoso
assistir à tortura a que Figo o submeteu. Com isto, o F. C. Porto, na
versão 4x4x2 é uma equipa sem dimensão lateral, com todo o jogo ofensivo
canalizado pelo centro, de modo que até os criativos, como o Deco e o
Maniche, não podem abrir diagonais de penetração nas alas, porque não
está lá ninguém. Viu-se como a jogar em 4x3x3 contra a Académica, o
Deco subiu imediatamente de rendimento, ganhando uma nova dimensão
De 25 metros para cada lado aonde colocar os seus passes mortíferos.

Volto a dizer que estas considerações de treinador de bancada são apenas
o olhar de um espectador atento, com a legitimidade própria dos
treinadores de bancada. Ou seja, toda e nenhuma: nenhuma, porque não
têm qualificações para tal; toda, porque no dia em que não houver
treinadores de bancada, também não haverá espectadores de bancada.
Limito-me, pois, a dizer aquilo que vejo e sinto: que prefiro a versão
4x3x3 do F. C. Porto de José Mourinho, que aliás me parece naturalmente
adaptada à equipa e aos jogadores que tem. Se tivéssemos, já não digo um
Roberto Carlos, mas um Esquerdinha a lateral-esquerdo e um João Pinto
dos velhos tempos, mesmo a cruzar mal, do lado direito, talvez aí eu
mudasse de opinião.

Mas, considerações tácticas à parte, a lição que saltou à vista, na
visita do Real às Antas, é esta: nunca, em circunstâncias normais, a
melhor equipa portuguesa do momento, vários furos acima da concorrência
interna, estará em condições de evitar uma derrota natural contra os
grandes da Europa. Já todos sabemos porquê, seria altura de começar a
pensar a sério nas soluções.


PS - Sinceramente, quero acabar de vez com esta polémica com Pedro
Santana Lopes e é meu desejo nunca mais regressar a ela. Diz ele que eu
o desiludi - paciência, são ossos do ofício. No meu caso, não se trata
de desilusão, mas de uma coisa mais séria e que eu prezo acima de tudo:
não admito que me chamem mentiroso. Posso enganar-me, posso errar
involuntariamente, posso até ser injusto nas apreciações que faço. Mas
não minto, sabendo que estou a mentir. Ora, quando eu comecei por
escrever denunciando os apoios que Santana Lopes se dispunha a dar à
construção do novo Estádio da Luz e descrevi quais eram, ele acusou-me
de mentir e de falar sem conhecimento de causa. Aí, pedi-lhe
publicamente que me enviasse os contratos celebrados entre a CML e o
Benfica e Sporting, única forma de se demonstrar se eu mentia ou não.
Pedi e voltei a pedir: não me respondeu. Diz agora que não o fez porque
isso constituiria um gesto de cortesia, que eu não justificava. Mas está
enganado: eu voltei a pedir, terceira vez e agora formalmente para o seu
gabinete, os referidos documentos, ao abrigo da Lei de Acesso aos
Documentos Administrativos. Era um direito que me assistia e não uma
cortesia, mas continuei sem resposta. Diz agora que eu os podia ter
obtido por outras vias. Que a cerimónia de assinatura foi pública (o que
não significa que os documentos tenham sido públicos); diz que os
documentos estão, «com certeza» na internet ou no Boletim Municipal,
coisa que desconhecia e de que permito duvidar; diz, enfim, que foram
facultados à imprensa (sendo verdade, é extraordinário que ninguém, em
toda a imprensa, tenha achado conveniente publicá-los ou pronunciar-se
sobre contratos que envolvem a disponibilidade de dinheiros e património
público a favor de particulares). Mas também não percebo porquê que, se
foram facultados à imprensa, o não foram a mim, que os pedi três vezes.

O que é facto, é que acabei por obter os documentos por outra via e,
depois de os ter lido com toda atenção, voltei a escrever sobre o
assunto, apenas para dizer, em defesa da minha honra, que não tinha
mentido: que tudo o que havia escrito estava nos contratos. E que, se
Santana Lopes voltasse a insistir no assunto e voltasse a chamar-me
mentiroso, os publicava, para verem quem mentia. Ele fê-lo e eu
publiquei-os. Nada mais. Tudo o resto, tudo o que ele agora diz - que eu
me esqueci de referir que os contratos foram aprovados pela Assembleia
Municipal, que o Estádio da Luz já estava em construção quando ele
chegou à CML, que o Sporting só recebeu direitos de urbanização sobre
29.000 metros quadrados e não os 45.000 que pretendia - é secundário,
irrelevante e aliás do domínio público. O essencial é que ele não foi
capaz, nem podia, de desmentir um só dos factos que eu disse desde o
início. Disse que ele tinha congeminado uma solução que classificou como
sua e imaginativa, em cumprimento de uma promessa eleitoral de ajudar o
Benfica e que se traduziu numa imensa e, a meu ver, totalmente
injustificável generosidade com coisa pública. Ele podia e pode defender
a sua opção. Não pode e não deve é negá-la e chamar mentiroso a quem não
mentiu.
Uma última nota, para responder a uma das suas descabidas considerações:
escreveu ele que o meu último texto sobre este assunto poderá ter sido
influenciado «por alguma pressão incómoda a certos dias da semana que
lhe começam agora a cobrar». Está-se a referir aos Jornais Nacionais de
terça-feira, na TVI, onde passei a ter, à mesma hora, a concorrência do
próprio Santana Lopes na SIC. Pois saiba que nisso somos completamente
diferentes: nunca me movi, nem deixaria que alguém me cobrasse,
audiências, sondagens ou índices de popularidade. No meu trabalho, só
deixo que me cobrem o profissionalismo, a seriedade, a independência e a
qualidade. A sua concorrência não me causa nem conseguirá causar pressão
alguma, seja cómoda ou incómoda. Ele, que se preocupa tanto com isso, é
que deve estar a sentir uma pressão incómoda pelo facto de, nas três
primeiras semanas em que concorreu comigo, ter ficado sempre atrás nas
audiências. Mas não se preocupe demais, porque não está nos meus planos
querer ser Presidente da República.