terça-feira, dezembro 09, 2003

A festa do dragão (18-11-2003)

1 A tão esperada festa do dragão deixou-me sentimentos ambivalentes. Em primeiro lugar, saudades pelo velhinho Estádio das Antas, ali mesmo ao pé, com as bancadas adormecidas na escuridão, como mulher abandonada, trocada por outra, reluzente de luz e de juventude. É sempre assim, é necessário que um amor morra, para que outro floresça. Saudades também da incomparável relva das Antas, um tapete mágico, que jamais vi igual, e onde, excepto para os incompetentes, o futebol desliza como coisa natural. Em segundo lugar, o deslumbramento de ver o estádio por dentro, cheio até ao último lugar, uma espécie de templo encantado, suspenso sobre as luzes que brilhavam ao longe ou lá no alto, no céu. Este é o estádio mais bonito do Mundo, disso não tenho dúvidas. É uma coisa mágica, grandiosa e leve ao mesmo tempo, fabulosamente integrado no terreno circundante, um anfiteatro debruçado sobre um jardim, um espaço simultaneamente aberto e recolhido: pura magia, sem truques de prestidigitação. Não é por acaso que o homem que o desenhou é o mesmo que co-participou no desenho do Centro Cultural de Belém e que coordenou todo o projecto urbanístico da Expo-98. Portugal deve ao arquitecto Manuel Salgado algumas das obras mais simples na sua deslumbrante beleza e simultaneamente mais directas ao coração e à compreensão das pessoas. Sempre pensei que a grande arquitectura era a que estava naturalmente ao serviço das pessoas e não de si mesma, e o Estádio do Dragão é a demonstração cabal dessa evidência. Os entendidos, incluindo os da televisão, explicaram-me ainda que, do ponto de vista tecnológico, as entranhas e os subterrâneos do estádio encerram um conjunto de soluções que levam, por exemplo, já uma geração de avanço em relação ao Alvalade XXI. Mas, depois, há os contras, as coisas que me deixaram apreensivo, sobretudo se partir do princípio — que me parece o único aceitável — que a finalidade dos novos estádios é a de trazer os espectadores de volta ao espectáculo ao vivo, proporcionando-lhes condições de comodidade e facilidade que levem a ultrapassar a solução mais fácil e mais barata de ficar em casa a ver os jogos pela TV — também ela, hoje em dia, dotada de soluções técnicas, a nível de écrãs, de som e de qualidade de imagem e de transmissão que são um convite à preguiça. Ora, neste aspecto, há vários motivos de preocupação, que o futuro poderá ou não desvanecer. Acredito, para começar, que a relva possa esperar o tempo necessário até ficar capaz, aproveitando o facto de haver outro estádio disponível, ali ao lado e onde a relva nunca se cansa. Mas tenho fundadas dúvidas de que alguma vez a relva do Dragão se possa comparar à das Antas, a não ser que tudo se faça de novo. É animador pensar que a mesma empresa que fez a relva das Antas é a que fez esta — e por isso foi chamada de volta. Mas também é preocupante pensar que a mesma empresa que fez esta relva do Dragão é a que fez a do Alvalade XXI e que, entre todos os estádios já inaugurados, só aqueles cuja relva foi feita pela RED apresentaram problemas. Foi dito publicamente que os problemas de Alvalade não se repetiriam no Dragão, onde não havia a mesma urgência em inaugurar nem os calores abrasivos de Agosto para complicar as coisas. E, afinal, repetiu-se a triste cena. Enfim, confiemos nos próximos tempos. As atenções com a própria relva levaram o arquitecto a optar pela solução dos topos abertos, que tão espectacular resulta como desenho. Mas, ao contrário da convicção manifestada por José Mourinho, dizendo que agora o frio e a chuva não servem de desculpa para os espectadores ficarem em casa, a mim parece-me que por aí entrará o vento, o frio e, muito provavelmente, a chuva. Oxalá me engane, sob pena de as bancadas do novo estádio serem afinal mais desconfortáveis no Inverno do que as das Antas. Outro problema são os célebres acessos, da responsabilidade da Câmara, e que por ora se resumem a uma alameda, que é muito bonita, mas, em termos de trânsito é um funil conduzindo a um beco sem saída. A Fernão de Magalhães ficou mais estreita, a circulação nas imediações do estádio infinitamente pior do que em relação ao anterior e o estacionamento é virtualmente impossível (e os poucos privilegiados com lugares comprados na garagem do estádio desesperaram para conseguir entrar e sair de lá, dificuldades agravadas lá dentro pela escassez de saídas para o exterior e de elevadores, e pela quase total ausência de informações de orientação). A chegada futura do metro irá, fatalmente, ajudar em muito, mas é de esperar que a recomendação feita na estreia («deixe o carro em casa») não se torne norma para o futuro. Porque, se entramos por aí — «deixe o carro em casa», «deixe o guarda-chuva lá fora», «ande mais dois quilómetros a pé do que estava habituado a andar para as Antas» — então, vejo o futuro ameaçado. Enfim, o estádio é deslumbrante, mas as condições suplementares que hoje são essenciais estão ainda por preencher ou por verificar. Parece que o mesmo sucede na Luz e que pior sucedeu em Aveiro, sábado passado. Isso demonstra que o problema é geral e estrutural e que tem que ver com a forma como a sobre-ocupação dos espaços livres das cidades para urbanizações torna inviável a concentração de muita gente num único lugar simultaneamente. Quem esteve em Sevilha, no Olímpico, e viu as facilidades de circulação e de estacionamento junto do estádio, pode medir a diferença. É preciso entender que, para um espectáculo que dura uma hora e meia, não é exigível que os espectadores gastem três ou quatro a deslocar-se. No meu «estádio» privado, eu sento-me um minuto antes do apito inicial e estou de «volta» a casa um minuto após o apito final. É contra isso que os novos estádios têm de concorrer, agora que todos entenderam que o espectáculo proporcionado por um jogo de futebol tem de ser muito mais do que aquela simples hora e meia.
2 Mais um jogo da Selecção e mais uma decepção. Nem contra dez gregos conseguimos ganhar. Preocupante é que o seleccionador diga que o resultado foi bom e que continue a encaixar como a coisa mais natural do mundo as pífias vitórias sobre equipes terceiro-mundistas que escolheu para ensaiar o Euro, ou a incapacidade perante equipas melhorzinhas, quando não mesmo a humilhação, como sucedeu contra a Espanha. Dizem que a parte melhor do currículo do seleccionador é que ele faz maus ensaios mas uma boa prova final. Se assim é, não temos razão para nos preocupar. Mas, quando vemos jogar aquela selecção é preciso acreditar realmente que o sr. Scolari ou é protegido da Nossa Senhora de Fátima ou tudo isto vai acabar numa decepção épica. Quem se segue? Ah, é o Koweit, esse importantíssimo teste às nossas capacidades...

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