terça-feira, dezembro 09, 2003

Os convidados do dragão (11-11-2003)

Á aqui escrevi há dias que achava particularmente bonitos alguns dos
novos estádios construídos para o Euro-2004 e que já se puderam ver ou
entrever. Muito embora tenha tido o cuidado de explicar muito bem que é
possivel achar-se os novos estádios bonitos e um factor de potencial
melhoria para o espectáculo, no terreno e nas bancadas, e
simultaneamente haver sido e continuar a ser contra a ideia da
realização do Euro-2004, pelos custos sumptuários que acarreta para os
ciontribuintes, o senhor do costume não se dispensou de, pela enésima
vez, ter pulado de alegria, imaginando ter finalmente conseguido
descortinar uma contradição nos meus argumentos. E, todavia, é tão
simples de perceber! É como achar, por exemplo, que, por mais bonito que
venha a ser o projecto de Frank Ghery para o Parque Mayer, é imperioso
questionarmo-nos sobre que sentido faz gastar larguíssimos milhões na
construção de três teatros para um género teatral, o de revista, de há
muito defunto - e isto numa cidade onde já existem outros três
cine-teatros que a maior parte do ano estão desocupados e encerrados e
onde no próprio Teatro Nacional os actores gastam o melhor do seu tempo
a fazer «trabalhos por fora», tais como telenovelas e campanhas
publicitárias. Quem é contra o Euro não é nem contra o futebol nem
contra estádios modernos e bonitos, da mesma maneira de que quem acha
inútil tentar fazer do Parque Mayer uma mini-Brodway não é contra o
teatro. É, sim, contra a gestão irresponsável de dinheiros públicos.
Disse-o há dias a ministra das Finanças na televisão: se fosse ministra
na altura, teria recusado o Euro, pela simples razão de que vai dar
prejuízo ao País que nenhum retorno publicitário poderá compensar.
Diferente é já , por exemplo, o caso da America's Cup, cuja vinda para
Lisboa e para Portugal nos assegurará, à partida, um mar de vantagens de
toda a ordem. Vem isto a propósito da inauguração, no próximo domingo,
do Estádio do Dragão (hei-de ter de habituar-me ao nome...) e que ou
muito me engano ou vai eclipsar, em matéria de beleza arquitectónica,
funcionalidade e modernidade, todos os outros. Mantenho que o novo
Estádio da Luz é, talvez, o mais bonito estádio de futebol que até hoje
vi (embora copiado de outro que, provavelmente, não lhe ficará atrás - o
Estádio Millenium). Mas o Dragão, parece-me a mim, que há dias andei a
passear-me pelas redondezas, muito mais do que um simples estádio: é uma
verdadeira obra de arte, de arquitectura e urbanismo, diferente de tudo
o que se pudesse esperar. E, por isso, eu aqui escrevi várias vezes
sobre a diferença essencial do projecto do Estádio do FC Porto, quando
comparado com os do Benfica e do Sporting, e sobre a sem razão de Rui
Rio na polémica aberta com o FC Porto e cujo efeito útil foi atrasar as
obras um mês e tornar o custo do estádio um milhão de contos mais caro
(que ele obrigou a dar à sua protegida D. Laura, da Associação de
Comerciantes da Baixa do Porto). A diferença essencial é que, enquanto
Benfica e Sporting se limitaram a deitar abaixo um estádio velho e a
construir no mesmo local um novo, sem qualquer preocupação de
interligação com o espaço envolvente e sem qualquer projecto integrado
de urbanização, já o Estádio do Dragão nasceu, desde o principio, de um
encontro de vontades e projectos entre o clube e a anterior vereação da
cidade. Daí que ambas as partes tenham recorrido ao mesmo arquitecto, o
qual desenhou, não apenas um estádio novo mas uma nova nova centralidade
urbana, aproveitando terrenos do clube e de outros privados, e
desenhando uma nova rede de transportes multidisciplinar, que vai
revolucionar por completo uma zona limítrofe e até aqui degradada do
Porto. Disse e repito que a câmara do Porto não contribuiu para o
Estádio do Dragão com um tostão ou um metro quadrado de terreno (e
continuo à espera que o outro senhor prove o contrário, conforme
prometeu há vários meses...). A câmara contribuiu, sim, com a parte que
lhe competia: as novas avenidas, arruamentos, o metro. Se o não tivesse
feito, o estádio iria na mesma para a frente, com piores acessibilidades
e urbanisticamente desenquadrado, é certo, mas nisso quem teria saído a
perder era sobretudo a cidade e não o clube. Pareceu-me visível, na
visita que Rio fez há dias à nova avenida, ainda sem nome, rasgada desde
lá do alto, da Fernão de Magalhães até cá abaixo, ao estádio e à VCI,
que o presidente da câmara do Porto começou finalmente a perceber a
revolução urbanística que ali se está a dar e a oportunidade única que
teria desperdiçado se tivesse insistido ou conseguido ir em frente com a
sua teimosia. A propósito disso, discutia abundantemente o Expresso
desta semana a «indelicadeza» ou « provocação » de Pinto da Costa em não
convidar nem o presidente da câmara do Porto nem o presidente da
Assembleia da República para a inauguração do estádio, levando o
director do jornal a chamar-lhe «um líder provinciano». São situações
diferentes e devem ser diferentemente tratadas. Se Rui Rio fosse
convidado para aparecer no domingo nas Antas, eu, como portista e por
mais que me custasse perder aquele dia histórico, não estaria lá.
Porque, se nisto Pinto da Costa é provinciano, somos todos nós, os
portistas. Ele sabe que nenhum de nós aceitaria ver na inauguração do
nosso estádio quem, sem razão alguma e apenas forte de um poder político
de que abusou a seu belprazer, tudo fez para que o estádio não
existisse. Por que razão, na nossa nova casa, na nossa festa, haveríamos
de convidar o inimigo dessa casa e dessa festa? Rio é maior e vacinado:
escolheu os amigos e os inimigos que queria é decerto capaz de assumir a
responsabilidade por isso. Aliás, sendo certo que as pessoas podem mudar
e os inimigos de ontem ou podem fazer as pazes, Rui Rio foi o primeiro a
mostrar não estar disponível para tal, quando não faltou no Bessa na
meia-final da Taça UEFA, mas faltou nas Antas, e quando, depois, faltou
em Sevilha, que até era território neutro e mais fácil de digerir
politicamente, e finalmente quando, contrariando a tradição, mandou
encerrar a câmara nos festejos populares do Campeonato transacto. E
queriam agora que Pinto da Costa o convidasse em nome de quê? Queriam
que o convidasse para depois virem dizer que se tratava de uma
«hipocrisia » ou de uma «provocação»? Mota Amaral é um caso diferente.
Na ausência do Presidente da República e do primeiro-ministro, ausentes
no estrangeiro, era, talvez natural, embora não obrigatório, que o
presidente da Assembleia fosse convidado como terceira figura do Estado.
Embora me pareça também que não somos menos que os outros e que se os
outros tiveram a primeira e a segunda figura do Estado a inaugurar-lhes
os estádios, não vejo muito bem porque haveríamos de contentar-nos coma
terceira figura. Se não podem ir os que, em circunstâncias normais,
deveriam ir, paciência, chegam os que lá estão - cinquenta mil
portistas, de alma e coração. Diversa é, porém, a circunstãncia de Mota
Amaral não ter sido convidado por ter marcado falta injustificada aos
deputados que foram a Sevilha. Aqui, a fazer fé no «Expresso»,
estaríamos, de facto, perante uma represália de Pinto da Costa, em
relação à qual eu devo dizer, com toda a clareza, que sou contra. Sou
contra, primeiro, porque se trata de um assunto interno da Assembleia,
resolvido por Mota Amaral com a competência que lhe é própria e a que
Pinto da Costa é totalmente alheio e parte ilegítima para julgar. Em
segundo lugar, porque acho muito bem que os deputados que foram a
Sevilha ver a final da Taça UEFA e quizeram justificar a sua falta na
Assembleia com «trabalho parlamentar » tenham tido falta injustificada.
Acaso os milhares de trabalhadores que se deslocaram a Sevilha para ver
o Porto declararam no seu local de trabalho que tinham ido em trabalho?
A César o que é de César. E já estou a imaginar o comentário: «Então ele
critica o Euro e diz bem dos estádios? Critica uma atitude de Pinto da
Costa e vai à festa da inauguração?» Pois é, chama-se a isto democracia
e liberdade de expressão, uma coisa inventada na Grécia, há dois mil
anos.

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