terça-feira, setembro 27, 2005

Quando a sorte não ajuda os audazes ( 20 Setembro 2005)

Adriaanse tem razão quando defende a sua filosofia de que quanto mais se atacar mais possibilidades se tem de ganhar. É verdade que, ao contrário do que reza o ditado, nem sempre a sorte sorri aos audazes.Mas, indiscutivelmente,são eles que dignificam o espectáculo e levam público às bancadas.


No espaço de cinco dias vi o FC Porto fazer duas corajosas e convincentes exibições em jogos de risco elevado e terminar ambos com resultado negativo. Das duas vezes, o FC Porto foi a única equipa em campo que, do princípio até ao fim, lutou pela vitória, dominou, rematou, correu riscos, enquanto os adversários viveram entrincheirados lá atrás, esperando escassas oportunidades de contra-ataque e confiando na sorte, que acabou sempre por lhes sorrir. Mesmo eu, que me reconheço um espírito talvez demasiado crítico e exigente para com as prestações do meu clube, não tenho — fora críticas de pormenor — nada a apontar-lhes. No futebol também é preciso sorte e eles nunca a tiveram na frustrante semana passada.

Em Glasgow, a soma de factores de fortuna adversos foi quase impossível de repetir: a lesão de Pedro Emanuel, que teria justificado um cartão vermelho a quem lhe partiu o nariz; à lesão de Sokota, deixando a equipa reduzida a dez quando faltavam quinze minutos, o jogo estava empatado e só o Porto é que tentava ganhá-lo, como, aliás, continuou a tentar mesmo depois disso; o episódio das cabeleireiras de McCarthy, que deixou a frente de ataque confiada ao inofensivo Sokota; a quantidade incrível de situações de golo desperdiçadas frente à baliza do Rangers, em contraste com o aproveitamento do adversário que em duas oportunidades... marcou dois golos, ambos em remates tão felizes que os marcadores nem sequer olharam para a baliza antes de rematarem; enfim, o incrível segundo golo do Rangers, de tal maneira faltoso que não se entende como é que um árbitro da Liga dos Campeões consegue validá-lo. Raras vezes me lembro de assistir a uma derrota tão injusta quanto esta e a sensação de frustração só não foi ainda maior porque a imensa superioridade demonstrada em campo pelo FC Porto (21 remates contra seis, por exemplo!), deixa antever o restabelecimento relativamente tranquilo da hierarquia desportiva no Grupo H da Champions. Mas não deixa de ser impressionante o facto de o FC Porto, que entrou no inferno de Glasgow com uma autoridade e uma personalidade de que apenas ele é capaz em todo o panorama das equipas portuguesas, tenha sido a única que terminou derrotada neste primeiro round europeu.

Em Braga, o FC Porto entrou igual a Glasgow, e acabaria por assinar a exibição mais dominante e pressionante feita por aquelas paragens desde há largos anos. Bem pode Jesualdo Ferreira declarar que ambas as equipas poderiam ter ganho. Não é verdade: apenas poderia ter ganho a única equipa que fez por isso, que criou oportunidades várias, contra absolutamente nenhuma do Sporting de Braga, e que acabou até a jogar com três defesas, dois médios e cinco avançados. Bem pode ele vir com o estafado argumento dos penalties por marcar (num deles teve a concordância do comentador da Sport TV, sempre diligente a ver erros de arbitragem a favor do FC Porto; no outro só mesmo ele é que o inventou). E bem pode ainda queixar-se do cansaço do jogo europeu de 5ª-feira, gasta desculpa de outros tempos e de equipas que não sabem o que é jogar na Europa de Setembro a Maio. Aquilo que ficou à vista de todos, e sem desprimor para o Sporting de Braga, foi a equipa da casa a defender sempre com dez jogadores atrás da linha da bola e sem sequer ser capaz de, de quando em vez, organizar contra-ataques dignos desse nome. O Braga ganhou um ponto, o Porto perdeu dois. Por mais que Jesualdo Ferreira disfarce, só pode estar feliz com o que lhe aconteceu no domingo.

Já o FC Porto, episódios de cabeleireiras e excessos disciplinares à parte, vive uma situação paradoxal: joga claramente um futebol muito acima daquilo que por aqui, e mesmo lá fora, se vai vendo. Ataca desde o apito inicial de qualquer jogo, seja contra a Naval ou o Arsenal, domina territorialmente em todos os aspectos, cria oportunidades em série, remata sem descanso em cada jogo, deixa os adversários de gatas e no fim, ou ganha sofridamente ou nem isso. O que fazer?
Há uma parte da resposta a esta pergunta que não tem solução imediata, só o tempo a pode resolver: a falta de sorte. A sorte não se ensaia nem se treina. Pode aparecer ao minuto 91 do jogo do Benfica contra o Lille ou logo ao minuto 3 do Benfica-Leiria. E pode não aparecer nunca, a não ser ao adversário, como aconteceu aos portistas em Braga e em Glasgow. Mas estou de acordo com Adriaanse: a solução não está em mudar de filosofia de jogo e começar a jogar como os outros, com cautelas e caldos de galinha, renunciando ao futebol de ataque e ficando lá atrás, à espera do golpe de sorte. Quando se ostenta na camisola o símbolo de campeão do Mundo em título há responsabi-lidades acrescidas perante o espectáculo e o nome do clube. Adriaanse tem razão, quando defende a filosofia oposta: quanto mais se atacar mais possibilidades se tem de ganhar. É verdade que, ao contrário do que reza o ditado, nem sempre a sorte sorri aos audazes. Mas, indiscutivelmente, são eles que dignificam o espectáculo e levam público às bancadas. Por isso é que o Dragão enche e a Luz fica sempre a meio.

Agora, não desfazendo na ideia de que este futebol do FC Porto, versão 2005/06 não tem nada que ver com o da época passada e está no bom caminho para satisfazer os adeptos e renovar títulos, a verdade é que há outros males, para além da falta de sorte, que justificam os dissabores. Em primeiro lugar, a gritante inépcia de avançados e médios na hora de chutar à baliza. Em Glasgow, a jogar já com dez e com 2-2 no marcador, Lucho González falhou dois remates frontais em que bastaria ter acertado com a baliza para ganhar o jogo; e em Braga, Diego fez o mesmo, ainda a primeira parte decorria. E estes são apenas dois exemplos entre muitos. Não é aceitável que jogadores de topo, que se supõe passarem a semana a treinar remates à baliza, cheguem aos jogos e pareçam principiantes, borrados de medo de marcar golo, e com deficiências técnicas do próprio remate que não se entendem.

A segunda fraqueza está atrás, na defesa. Primeiro no lado direito, onde está à vista que Sonkaya não irá melhorar aquilo que mostra, e aquilo que mostra é pouco. Depois, no centro da defesa, onde também não existe um único grande central, como o eram Ricardo Carvalho ou Jorge Andrade. E, se um só já é pouco quando se tem ambições europeias, nenhum é quase uma garantia de não se conseguir ir longe. Manifestamente, o FC Porto tem de ir às compras em Dezembro, para o centro da defesa. E nem precisa de ir muito longe: o grande central dos próximos anos do futebol português joga a cem quilómetros de distância, na Académica de Coimbra, e chama-se José Castro.

Se conseguir começar a acertar na baliza e começar a inverter a falta de sorte que o parece perseguir, não tenho dúvida alguma de que este FC Porto, mesmo com dez baixas ocasionais ou dispensáveis conflitos disciplinares, chega e sobra para um ano de vitórias a nível interno. Não se trata de sobranceria, mas da mesma análise, necessariamente pessoal, que, no ano passado me levou a reconhecer ao longo de toda a época que o melhor futebol era o do Sporting. Este ano, parece-me que é o do Porto, mas com uma vantagem sobre o Sporting do ano passado e deste: é mais consistente, mais contínuo e mais forte. Mas se o FC Porto quiser passar ainda além da Taprobana, vai precisar de mais qualquer coisa, aquilo que a sua natural vocação de ataque contínuo faz disfarçar, internamente: uma defesa que dê confiança e permita que jogos da Liga dos Campeões em que o ataque consegue marcar dois golos fora terminem obrigatoriamente com uma vitória.

terça-feira, setembro 20, 2005

OS QUE FAZEM A DIFERENÇA (13 Setembro)

Ricardo Quaresma,com dois rasgos só ao alcance dos bem-aventurados,ofereceu quatro pontos em bandeja de prata ao seu treinador,tão relutante em render-se à eficácia do seu génio.


1- Depois de assistir àquele fabuloso golo com que Ricardo Quaresma salvou o FC Porto de perder dois pontos em casa contra o Rio Ave, o comentador da TVI saiu-se com a extraordinária sentença de que Quaresma ainda não tinha qualidade para ser titular de início, mas que era bom para jogar os últimos dez ou quinze minutos de cada jogo. E não sei que mais me espantou: se aquela obra de arte arrancada pelo moço cigano, se o comentador que acha que o perfume de um génio não se pode prolongar durante mais do que um quarto de hora num jogo de. futebol, devendo, no resto do tempo, ceder o lugar a alguém que dê menos nas vistas, para o bem e para o mal. É, infelizmente para o espectáculo, uma maneira de pensar muito enraizada em certos espíritos, particularmente o dos treinadores: perdoa-se muito menos coisas a quem é capaz de um golpe de génio do que a quem apenas é capaz de passar pelo jogo esforçadamente. Para muitos parece que o génio é inimigo da eficácia.

Porém, desmentindo essas teorias e jogando não mais do que os dez minutos finais de cada um dos jogos, Ricardo Quaresma, com dois rasgos só ao alcance dos bem-aventurados, ofereceu quatro pontos em bandeja de prata ao seu treinador, tão relutante em render-se à eficácia do seu génio. Na Figueira da Foz, com um toque de calcanhar, acompanhado de uma fabulosa rotação de corpo, isolou-se sobre a esquerda e daí arrancou um centro mortífero que terminaria no golo decisivo da vitória do FC Porto; contra o Rio Ave e um aparentemente inultrapassável guarda-redes, entrou na área pela direita e, com um defesa pela frente, aplicou o seu célebre remate em arco, de "trivela", que deixou o defesa e o guarda-redes pregados ao chão que pisavam e, com isso, abriu o caminho de outra vitória, mesmo ao cair do pano.

Quem me segue, sabe que aqui defendi, por duas vezes, em semanas recentes e, antes disso, na época passada, a tese de que deixar de fora jogadores como o Ricardo Quaresma não é apenas empobrecer o espectáculo, mas também diminuir as hipóteses de vitória. Mas, aí está: se o Quaresma está em dia não, se os números de prestidigitação não lhe saem como ele queria, cai-lhe tudo em cima, porque parece que se a normalidade tem sempre des culpa e nunca choca, já õ génio é exigível todos os dias. Pois eu tenho a tese contrária: há grandes jogadores que valem pela sua regularidade e há grandes jogadores, que vivem da inspiração repentina e que, necessariamente, são irregulares. Quem quer que viva da inspiração sabe que esta é um dom com regras próprias e alturas imprevisíveis. Agora, o que de todo me parece insustentável é que se exija de um génio que faça em dez minutos o que dos outros não se espera nem se exige em noventa.

Foi exactamente por perceber isso e teimar em manter Liedson na equipe, apesar da sua aparente "ausência" dos jogos, que José Peseiro colheu os frutos de duas vitórias decisivas, contra Marítimo e Benfica, ambas pela fórmula "Liedson resolve".

Porque só um predestinado para o golo, como aquele franzino brasileiro, poderia ter ganho nas alturas a Luisão, adivinhando o ponto exacto onde a bola iria cair, saltando nas costas do gigante, rodando a cabeça para atacar a bola de testa num golpe perfeito, e enfiá4a, sem defesa, no canto superior direito de Moreira. E é por isso que há jogadores como Liedson e Quaresma, ou o saudoso Jardel, que marcam golos e resolvem jogos, e outros, como Nuno Gomes, Hélder Pos-tiga ou Sokota, que é só estilo e promessas por cumprir. Eu prefiro os que marcam e resolvem jogos, mas há quem tenha opinião contrária...

2- Benni McCarthy é também um dos que fazem a diferença. É verdade que, como diz Co Adriaanse e reza a estatística, o FC Porto ganhou os três primeiros jogos do campeonato e marcou seis golos sem o McCarthy. só que três dos seis golos foram marcados por defesas e os restantes por suplentes. Adriaanse pode continuar a tentar marcar golos com postiga e Sokota (e preterir estranhamente Hugo Almeida): não o conseguirá.

Não discuto o código de disciplina interna do treinador portista, nem a necessidade, que era palpável, de introduzir disciplina naquele grupo profissional (é fantástica a transformação que ele conseguiu em campo: a equipe praticamente não comete faltas nao discute com o árbitro não vê cartões). Mas sempre achei que castigar os jogadores faltosos ou indisciplinados retirando-os da equipe é um castigo maior para a equipe do que para o jogador. No sábado passado, contra o Rio Ave a falta que McCarthy fez à equipe íoi sentida até ao minuto 87 e so nao foi irremediável, porque o também subaproveitado Quaresma fez questão de lembrar , Adriaanse que os grandes jogadores são normalmente decisivos. E hoje à noite, em Glasgow, vai ser necessário que outros tenham a inspiração suficiente para disfarçar a falta que um verdadeiro "matador" faz no centro do ataque portista.

3- Ronald Koeman já está a ferver em lume brando: se quarta-feira, começar mal a caminhada na Champions, contra o Lille, os lenços brancos e os "papagaios a voar" desabarão fatalmente sobre a sua cabeça.

Todavia, aquilo que lhe criticam não faz grande sentido. Dizem que tem a mesma ou melhor equipe que no ano passado e os resultados são piores. Mas, não só ainda a procissão vai no adro, como também a equipe recebida de Trapattoni nunca, ao que conste, passou por boa, e só a sorte, o haraquiri dos adversários e a associação com Valentim Loureiro na Liga permitiram arrastar - é o termo - até ao sofrido título de campeão. A equipa é, de facto, tão fraca, que, apesar de ter recebido os tão anunciados reforços na véspera do derby com o Sporting, Koeman nem hesitou em lançá-los na batalha: e, se o não tivesse feito, teria sido crucificado - em especial por uma imprensa que relata os treinos do Benfica como se fossem jogos da Champions e desde logo apresentou Micolli como um avança-do-maravilha que iria pôr Alva-lade a tremer de medo.

Também criticam a Koeman ter mudado o esquema com que Camacho e Trapattoni enfrentaram a triste realidade que tinham disponível por um mais ousado e ofensivo 3x4x3. Mas esquecem-se que o sistema de jogo anterior não produziu mais do que duas ou três exibições em cheio em duas épocas e gerou inúmeras sessões de lenços brancos e espectáculos para bancadas semi-vazias, ao contrário do que anunciava a publicidade benfiquista. É verdade que Koeman também cometeu o erro de ter apostado para Alvalade no mais qUe sabidamente ineficaz Oarhtos, mas não é ele o culpado de ter apostado na contratação de Carlitos como jogador-sensação O que falta ao Benfica, gritantemente, é aquilo que abunda no Sporting e no FC Porto: bons jogadores. Extraordinário não é que o Benfica tenha perdido em Alvalade: extraordinário é que não tivesse perdido. Mas dêem a Koeman um João Moutinho, um Liedson, um Douala, ou um Quaresma um Jorginho ou um McCarthy, e, então sim, exigam-lhe resultados e espectáculo.

terça-feira, setembro 13, 2005

O «espírito Maniche» ( 6 Setembro 2005)

Sem nenhuma vantagem desportiva colhida dos imensos investimentos financeiros realizados em Portugal e com o espírito Maniche a ditar leis, durante muitos e muitos anos a simples ideia de voltar a contratar jogadores portugueses vai fazer arrepiar os dirigentes, os adeptos e a imprensa russa.

TENHO pena de o não ter escrito na altura, porque hoje teria acertado à vista de todos na previsão que, afinal, acabei por fazer apenas em círculo restrito: que o Maniche não tardaria muito a dizer que se queria ir embora do Dínamo de Moscovo. Bastou-me olhar para uma fotografia aqui publicada, do Maniche acabado de chegar a Moscovo, posando no meio da rua, com uns óculos escuros indescritíveis e uma atitude de vedeta acabada de chegar, sei lá, ao Festival de Cannes, para perceber tudo: ele não sabia ao que ia, não fazia a mais pequena ideia de onde tinha desembarcado, e estava ali numa atitude de «venha a mim o vosso reino, porque eu não vou de certeza incomodar-me a ir a ele».


Só não tinha previsto, apesar de tudo, que bastasse um simples mês, o mês de Agosto em Moscovo, para Maniche concluir que não gosta do país, não gosta da cidade, não gosta do clube, não gosta do campeonato, não gosta do povo, não gosta da imprensa local, não gosta da vida e não gosta do clima (e ainda ele está longe de ter experimentado o célebre Inverno russo, que derrubou ilusões e importâncias bem maiores do que a sua...). «Aquilo não é o que eu esperava», diz Maniche, como se a culpa fosse da Rússia ou de Moscovo por não serem aquilo que a sua santa ignorância desconhecia. O caso de Maniche, a leviandade das suas declarações e desabafos, é eloquente de um certo espírito de irresponsabilidade e vedetismo provinciano que é uma imagem de marca de tantos e tantos futebolistas portugueses que desesperam por um contrato milionário no estrangeiro, mas que não estão à altura do que a aventura implica. Gostam muito dos euros, dos dólares e dos rublos, que, escritos preto no branco num contrato, os deixam de cabeça à roda, mas depois realizam com espanto e desconforto que não lhes basta saber jogar futebol para se sentirem felizes no estrangeiro: falta-lhes os amigos, a língua que não entendem, a cultura e o estilo de vida que ignoram, a imprensa que não os bajula como estavam habituados, o Paulo China e o bacalhau com todos.


Diz Maniche que «a família não gostou de Moscovo», que os russos acham que os futebolistas estrangeiros «só estão ali em busca de dinheiro» e que «o campeonato russo não condiz com o valor dos jogadores portugueses». Extraordinárias declarações! A família não gosta de Moscovo, mas de certeza que gosta do contrato que ele fez. Os estrangeiros são mal acusados de só estarem ali pelo dinheiro,mas, ouvindo o Maniche dizer que não gosta de nada, que outra razão terá ele para estar ali, que não o dinheiro? E os jogadores portugueses são bons de mais para o campeonato russo, mas, com onze jogadores do campeonato português colocados por Jorge Mendes no Dínamo de Moscovo, a verdade é que a equipa progride de derrota em derrota e vegeta algures pelo 10.º lugar da classificação! Maniche custou 3,6 milhões de contos ao Dínamo de Moscovo (mais do que o Robinho custou ao Real Madrid), passou um mês de verão em Moscovo, nada tendo até agora acrescentado à equipa, segundo rezam as crónicas, e já se acha com o direito de dizer que é tudo horrível, o campeonato não é digno do seu valor e, embora tenha cinco anos de contrato, quer ir já embora e espera que, entre o clube e o seu empresário, alguém lhe resolva este equívoco de preferência, claro, sem que o seu sumptuoso vencimento seja beliscado. Pergunto: o que sentirão os jogadores e os adeptos do clube que acabou de contratar um jogador com este espírito profissional?


A venda de Maniche ao Dínamo foi talvez o melhor negócio que a Direcção de Pinto da Costa fez. Três anos antes, o FC Porto tinha-o ido buscar ao anonimato do Benfica B, onde ele vegetava de castigo, e, em dois anos, o clube fez dele bicampeão nacional, vencedor da Taça UEFA, campeão europeu e campeão do mundo, titular indiscutível da Selecção Nacional. Passados esses dois anos e tendo visto sair da equipa campeã europeia Deco, Ricardo Carvalho e Paulo Ferreira, Maniche achou que também ele tinha o direito natural de sair, bastando que o quisesse. O seu contrato era por cinco anos mas aparentemente ele achava que lhe bastavam dois anos de trabalho para conquistar o direito de sair quando quisesse. É o mesmo princípio advogado pelo empresário de McCarthy e tantos outros empresários e jogadores: se eles «deram muito ao clube», isto é, se jogaram o que sabiam para justificar o ordenado de luxo que nunca lhes faltou, têm o direito de mudar de ares, se e quando lhes apetecer, independentemente do contrato que, em hora de maior humildade, assinaram. Pinto da Costa recusou a saída e Maniche não se coibiu de dizer que ficava contrariado e contrariado ficou mais um ano. E, quando essa contrariedade ostensiva do jogador que acha que «pode jogar em qualquer campeonato» ameaçou tornar-se ingerível, Pinto da Costa despachou o problema para o Dínamo de Moscovo, a troco de 16 milhões de euros, assim como recentemente Luís Filipe Vieira despachou o problema de arrogância do Miguel a troco de oito milhões, para o Valência. Esta bom de ver que nem o Dínamo nem o Valência fizeram bom negócio: jogadores que não demonstram nenhuma gratidão, nenhum amor ao clube que lhes paga e que os fez crescer, nenhum respeito pelos contratos que assinam, são jogadores que, mais tarde ou mais cedo, vão criar problemas. Ao Maniche bastou-lhe um mês, ao Miguel é só esperar para ver.


Infelizmente, este espírito tornou- se quase banal e, quando se trata de jogadores portugueses no estrangeiro, goza até da infinita compreensão da nossa imprensa. O melhor exemplo é o emblema nacional chamado Luís Figo, que começou a sua carreira internacional assinando dois contratos por dois clubes diferentes e que, depois, capitão de equipa do Barcelona, apareceu no mesmo dia, de manhã no Sport a beijar a camisola do Barça e à noite, na Marca, de camisola do Real ao peito. Mas ainda hoje, a nossa imprensa desportiva, continua a passar a mensagem de que foi o Barcelona e a Catalunha que se portaram mal para com Figo.


Está fácil de ver que a invasão portuguesa no futebol russo vai acabar mal e vai deixar as portas de lá definitivamente encerradas para qualquer jogador português. Sem nenhuma vantagem desportiva colhida dos imensos investimentos financeiros realizados em Portugal e com o espírito Maniche a ditar leis, durante muitos e muitos anos a simples ideia de voltar a contratar jogadores portugueses vai fazer arrepiar os dirigentes, os adeptos e a imprensa russa. Em benefício próprio, os nossos empresários deveriam deixar de pensar apenas nos lucros a curto prazo e ter mais cuidado com os jogadores que colocam lá fora.

terça-feira, setembro 06, 2005

Clubes e selecção ( 30 Agosto 2005)

O departamento médico do FC Porto — com ou sem razão — entendeu que Nuno Valente, por causa da lesão contraída o ano passado ao serviço da Selecção, não estava em condições de aguentar uma época inteira de sobrecarga de esforço, entre o clube e a Selecção. Ou seja, o clube poderia ver-se confrontado com nova situação igual à anterior e por cujos prejuízos o clube responderia na totalidade e a Federação com nada. Sendo assim, o que deveria fazera SAD do clube?

VEJA-SE o caso de Benni McCarthy, por cujos serviços o FC Porto tanto lutou no passado e continua a lutar no presente, tendo de arrostar todos os meses com manobras destinadas a desviá-lo do clube, a preço de ocasião: dia 15 de Agosto parte ao serviço da Selecção da África do Sul, pela qual disputa um jogo particular a 17, regressando ao Porto a 18, mas lesionado; em tratamento médico, falha a primeira jornada do campeonato a 21 e a segunda a 26; é dado como recuperado a 28 e volta a partir para o serviço da Selecção sul-africana, pela qual disputará dois jogos, regressando, em princípio ao Porto a 7 de Setembro. Ou seja, e caso não volte outra vez lesionado,McCarthy terá estado três semanas indisponível para o FC Porto — ou ao serviço da sua selecção ou lesionado ao serviço dela. Durante quase um mês o FC Porto pagou-lhe o ordenado, recuperou-o das lesões e treinou-o para o serviço de outrem.

O exemplo de McCarthy vem a propósito do caso recente deNuno Valente, a propósito do qual tantos comentadores bateram forte e feio na Direcção portista — sem que, contudo, alguém tenha antes curado de ouvir as razões desta. Pois, eu vou também dizer o que penso, agora que o caso está encerrado com a partida de Nuno Valente para o Everton. E avi- so desde já que aquilo que vou dizer é muito politicamente incorrecto.

Antes de mais, quero explicar que não sofro dos afrontamentos patrioteiros desencadeados pela Selecção Nacional. Não faço parte do número dos inúmeros portugueses que, a toque de caixa do seleccionador, andaram semanas a exibir patriotismo, com bandeirinhas às janelas, nos carros ou na roupa. O exibicionismo patrioteiro, seja português, francês ou americano, sempre me irritou, acredito que o orgulho e a devoção à Pátria se devem exprimir de outras formas e com outros pretextos.

Em segundo lugar, devo igualmente confessar que, desde que comecei a perceber a natureza, os métodos e a personalidade do seleccionador, a sua jamais perdoável atitude de déspota para com Vítor Baía (até hoje, não teve sequer a coragem de se explicar), o destino da Selecção Nacional de Scolari deixou de me interessar por aí além. Entendo que ela é muito mais a Selecção de Scolari do que a Selecção de Portugal — e basta esta última convocatória para o confirmar (dois guardaredes, ambos suplentes nas respectivas equipas; jogadores em clara baixa de forma, como Petit, Simão, Figo, Postiga; jogadores que ele não faz ideia como é que estejam, casos de Costinha ou Nuno Valente). Enfim, a tradicional escolha pela lei do menor esforço e pelos «direitos adquiridos».

Em terceiro lugar, esta Selecção de Scolari joga um futebol, a meu ver,mau e soporífero: na Superliga não ficaria nos lugares europeus. Reconheço, contudo, que o seleccionador é das pessoas com mais sorte que eu já vi, um excelente relações públicas quando lhe convém, e um comendador de mérito da República, que o fez Jorge Sampaio, porque cometeu a proeza de ter ficado em segundo lugar no Europeu, depois de duas vitórias, um empate e duas derrotas— o que a mim me pareceu fraca prestação para tanto investimento nacional e tão propícias condições, mas já se sabe que Jorge Sampaio se comove com pouco e condecora a torto e a direito tudo o que lhe cheira a artista popular.

Este intróito para dizer, portanto, que também do ponto de vista da Direcção do FC Porto, ou do sentimento de um portista, esta Selecção Nacional de umseleccionador que tudo tem feito para enfrentar, desafiar e menosprezar o FC Porto, é uma selecção que, a nós, nos inspira muito pouco instinto patriótico.

Escrevendo aqui, na sexta-feira passada, sobre o caso Nuno Valente, António de Sousa concluía que «o FC Porto perde em toda a linha: desperdiça um jogador de qualidade, vê a sua posição criticada violentamente e confronta-se com nova provocação do seleccionador nacional». Ora, salvo o devido respeito, eu discordo em toda a linha: o «jogador de qualidade» está em fim de carreira, vem de uma grave lesão e, segundo o departamento médico portista, não aguentaria a acumulação de jogos entre o clube e a Selecção. É duvidoso que conquistasse o lugar a Leandro e é certo que, neste momento, não o conquistaria a César Peixoto. Enfim, não foi propriamente desperdiçado, mas sim vendido por dois milhões de euros a um clube onde ele poderá mostrar o seu valor e reservar lugar cativo na equipa de Scolari. As «violentas críticas» são coisa que, de tão repetidas, com um pretexto ou outro, já não aquecem nem arrefecem qualquer portista». E, quanto a ter-se posto a jeito para «nova provocação» do seleccionador, acho extraordinário que se critique, não o provocador,mas sim o provocado. Ou seja, reconhecendo que Scolari tem como divertimento habitual «provocar» o FC Porto, o articulista acha que o que o FC Porto deve fazer é não dar pretexto algum para «novas provocações ».O homem bate e a gente devia-se encolher. Talvez por patriotismo...

O caso Nuno Valente, se visto com equidistância das duas posições que estiveram em confronto, é um caso difícil de resolver porque ambas as partes têm razão. E é isso que o torna um caso digno de meditação séria e não de fáceis tiradas demagógicas. No lugar do Nuno Valente, eu teria provavelmente a mesma posição que ele, porque a qualquer atleta é legítimo e só lhe fica bem querer representar o seu país. Mas, no lugar da Direcção do FC Porto eu teria provavelmente também a mesma posição que eles tiveram.

Num tempo em que todos vivem a apelar para o espírito profissional e empresarial das SAD do futebol, é impossível não reconhecer as razões atendíveis da Direcção portista, neste caso. Para aqueles que, como eu, defendem que os clubes devem ser auto-suficientes e auto-sustentáveis, sem viverem eternamente do favor político, do negócio com a autarquia ou do perdão dos impostos, é obrigatório exigir, por igual, que os clubes interiorizem o dever de prestar contas aos sócios, aos titulares de lugares cativos, aos patrocinadores, a quem os sustenta, da forma como geram o seu património. Um clube que não viva de favores públicos também não se pode portar como benemérito público. E é isso que alguns clubes são hoje em relação às Selecções Nacionais, em tais termos que eu acho que os clubes portugueses deviam ponderar seriamente se, por exemplo, compensa ter ao seu serviço jogadores que são convocados habituais para selecções estrangeiras.

Nuno Valente lesionou-se o ano passado ao serviço da Selecção portuguesa. Esteve sete meses afastado dos relvados, regressou a meio-gás e quando já a época estava resolvida. Durante todo esse tempo foi o FC Porto que lhe pagou o ordenado e a Segurança Social, tendo ainda tido necessidade de contratar para a sua vaga um outro jogador —Leandro — pelo qual pagou «passe» e ao qual teve e tem de pagar ordenado. Contas feitas, é provável que a sua lesão ao serviço da Selecção tenha custado ao clube mais do que aquilo por que ele foi agora vendido ao Everton. Pergunto qual é o outro ramo de actividade ou negócio em que uma empresa privada tenha de disponibilizar os seus efectivos ao serviço do Estado, continuando a suportar todos os encargos, como se o trabalhador estivesse ao seu serviço?

Ora, fazendo fé naquilo que constou, parece que o departamentomédico do FC Porto — com ou sem razão — entendeu que Nuno Valente, por causa da lesão contraída o ano passado ao serviço da Selecção, não estava em condições de aguentar uma época inteira de sobrecarga de esforço, entre o clube e a Selecção. Ou seja, o clube poderia ver-se confrontado com nova situação igual à anterior e por cujos prejuízos o clube responderia na totalidade e a Federação com nada. Sendo assim, o que deveria fazer a SAD do clube? Negociar com a Federação, disseram alguns. Talvez, mas negociar como e com quem, se, indiferente a tudo, Scolari se limitou a aproveitar para «nova provocação», convocando o jogador, sem falar com a Direcção, o departamento médico ou o treinador do FC Porto?

É fácil falar de «deveres patrióticos ». Sobretudo, dos deveres dos outros. Mais difícil é reconhecer que as relações entre clubes e Selecções, aqui e lá fora, têm de ser objecto de reflexão e de revisão. Sob pena de os grandes clubes não poderem sustentar mais os grandes jogadores, face à sobrecarga de jogos oficiais das Selecções (agora até inventaram mais a Taça das Confederações) e dos inúmeros jogos particulares que se arranjam, em muitos casos apenas para financiar o nível de vida luxuoso de dirigentes federativos.

Desculpas (23 Agosto 2005)

Um treinador competente serve justamente para pegar num miúdo sobredotado, como o Ricardo Quaresma, mas indisciplinado e imaturo tacticamente, e ensinar-lhe a pôr o seu génio ao serviço da equipa. Não serve para o pôr de castigo nem o afastar liminarmente. A autoridade deve ser exercida e não exibida. E deve ser exercida ao serviço dos interesses do clube

1- Como escreveu Vítor Serpa, aquele enxovalhante pedido de desculpas de Miguel resultou em prejuízo de todas as partes envolvidas: o próprio jogador, que sacrificou a honra a um contrato; os seus representantes, que se viram publicamente acusados de gananciosos e batoteiros pelo representado; e o presidente do Benfica, que, tendo provavelmente razão para exigir desculpas, não resistiu a levar a exigência a um ponto tão extremo que as desculpas soaram a falso e, em vez de reparação, obteve vingança — o que é feio e não abona a seu favor. Mas, sobre outro ponto de vista, todos saíram também a ganhar: Miguel, que conseguiu o que queria, que era ir-se embora com um contrato melhor; os seus representantes, que vão cobrar a respectiva comissão e honorários no negócio; e o Benfica, que se viu livre de um problema já sem solução e encaixou oito milhões de euros. Tudo depende da perspectiva que se tem na vida: os bons princípios ou o saldo bancário.

2- Para afirmar os seus princípios Mourinho foi à conta bancária de Ricardo Carvalho e aliviou-a em metade do ordenado: 125 mil euros. Ricardo, culpado de ter dito simplesmente que não entendia porque não estava a jogar no Chelsea, deve ter entrado assim para o Guinness como vítima do delito de opinião mais caro da história. Maso castigo não ficou por aqui: ainda foi obrigado a assistir, sem poder abrir a boca em defesa própria, a um raspanete público de Mourinho, diante de todos os colegas. E, para a humilhação ser total, ainda teve de ouvir o assessor de Mourinho a declarar que ele necessitava de fazer um teste de inteligência. Há quem sustente—sem factos ou indícios que o sustentem — que o desabafo de Ricardo não era de todo inocente, que haveria por ali gato escondido. Mas eu também me lembro de quando Mourinho dizia que, no dia em que um jogador seu se conformasse em ser suplente, não teria lugar na equipa.

3- Outro Ricardo, outra situação insólita, talvez a justificar um pedido de desculpas—só não se sabe é de quem. Ricardo Quaresma há várias semanas que nem sequer faz parte do lote de convocados de Co Adriaanse. Não vale a pena dizer que se trata de uma simples opção táctica do treinador portista, porque toda a gente já percebeu que não é. Por opção táctica Ricardo Quaresma pode não ter lugar no onze inicial para um determinado jogo ou mesmo para todos. Mas não caber, por sistema, no lote dos 18 convocados para todos os jogos não é uma opção táctica, amenos que o treinador fosse totalmente incompetente. Ricardo Quaresma é apenas um miúdo, tímido e simples, que tem a sorte de ser dotado para o futebol e, pelos vistos, o azar de ser sobredotado. Em campo tem os defeitos inevitáveis da sua idade, da sua vontade de jogar e da sua cegueira táctica. Ele sente que pertence ao escassíssimo lote de jogadores capazes de resolver um jogo num golpe de génio (como tantas vezes o fez na época passada) e não resiste a tentá-lo várias vezes, não sabendo ainda que os golpes de génio não acontecem todos os dias. Se alguém lhe ensinar isso, se alguém lhe explicar que o seu génio deve estar, primeiro que tudo, ao serviço da equipa, não tenho dúvidas de que ele virá a ser um dos maiores futebolistas da sua geração. Ora, um treinador competente serve justamente para isso. Serve para pegar nesse diamante em estado indisciplinado tacticamente e ensiná-lo a ser útil, sem deixar de ser genial. Inversamente, pô-lo de castigo, afastá-lo liminarmente da equipa, recusar-lhe oportunidades, abater pisocologicamente um miúdo ainda sem sabedoria para se defender de uma situação destas, é o oposto daquilo que o clube tem o direito de esperar do seu treinador. Até porque, a continuarem as coisas assim, já se sabe como é que o filme vai acabar: em Dezembro jogador e clube entrarão num braço-de-ferro, cuja única saída é o clube abrirmão de um jogador com um potencial valiosíssimo, a preço de saldo. Já aqui o escrevina semana passada, a propósito de Adriaanse, que não raras vezes existe um desfasamento entre aquilo que o senso comum observa e aquilo que um treinador de futebol parece observar. Na minha pessoalíssima opinião de simples pagante do espectáculo são jogadores como o Ricardo Quaresma que me levam aos jogos e não jogadores como, por exemplo, um Hélder Postiga. Porque, embora eu também me irrite muitas vezes com a forma como o Quaresma se agarra à bola, eu dele espero sempre a contrapartida de um golpe de génio, enquanto do Postiga, que ele me perdoe, espero exactamente o mesmo que esperavam (e desesperavam) os 48.217 espectadores do Dragão, anteontem: ou seja, nada. Já deu para ver que Co Adriaanse é de ideias fixas. E já deu para ver, também, que isso irá trazer dissabores num futuro bem próximo. O futebol espectacular que a equipa começou por exibir nos jogos de pré-época vai-se dissolvendo aos poucos num futebol incaracterístico, onde o antigo e constante jogo de circulação é substituído por um jogo de bola em profundidade e incapacidade criativa do meio-campo. Porquê? Porque peças-chaves do sistema de jogo que ele concebeu estão a falhar e ele recusa-se a substitui-las ou a rever o que quer que seja. Lucho está de rastos, Raul Meireles parece ter perdido a inspiração dos primeiros jogos, Jorginho continua dramaticamente afastado da sua posição natural ao centro e deslocado para uma ponta, McCarthy está lesionado, não há flanqueadores a titulares (Quaresma, Ivanildo, Alan) e Hélder Postiga, como n.º 10 ou como n.º 9, não resulta. É exactamente para situações como esta que há 28 jogadores na equipa. Mas, se quem joga mal tem lugar cativo, que estímulo terão os outros para se esforçar nos treinos ou quando episodicamente são chamados a jogar uns minutos?

4- O negócio que Santana Lopes fez quando era presidente da câmara de Lisboa, e destinado a co-financiar os estádios de Benfica e Sporting, continha uma última concessão verdadeiramente de pasmar. A CML, através da EPUL (uma empresa municipal, que urbaniza terrenos públicos para supostamente vender habitação mais barata), iria construir duas novas urbanizações que, uma vez vendidas, gerariam lucros a dividir entre a EPUL e o Benfica e Sporting. Ou seja, a câmara de Lisboa pegava em terrenos públicos, construía neles com dinheiros públicos, comercializava-os e depois, se lucros houvesse, dava metade deles ao clubes, que não tinham mexido uma palha nem arriscado um tostão. Tratava- se, obviamente, de uma doação encapotada sob a forma de participação em negócio. Mas eis que agora se vem a saber, através da divulgação das contas da EPUL, que também a condição a que estava sujeito o negócio foi afinal ignorada. Antes mesmo de se iniciar a construção, de haver quaisquer vendas e muito menos resultados do negócio, a EPUL adiantou ao Benfica e Sporting, em Dezembro passado, 20 milhões de euros «por conta dos lucros futuros ». Só que não apenas os especialistas contestam esse volume de lucros putativos como até duvidam que, por falta de condições legais para construir, as urbanizações em causa cheguem sequer a ver a luz do dia. Entretanto, para poder antecipar os hipotéticos lucros ao Benfica e Sporting, a EPUL foi à banca pedir um empréstimo — cujos juros, obviamente, lhe caberá também pagar. Ó senhores, que tanto se ofenderam porque um inspector do IGAT mais o sr. Rui Rio entenderam, ao arrepio de vários outros, que parte dos terrenos do FC Porto, expropriados para o Plano de Pormenor das Antas, teriam sido sobreavaliados: o que têm a dizer agora deste negócio?

5- E os grandes arautos da prosperidade que o Euro-2004 iria trazer a Portugal, os loucos que ainda sonham com os Jogos Olímpicos, a OTA e o TGV para todo o lado, o que têm a dizer à reportagem saída esta semana na Visão, sobre a situação de endividamento «para as próximas duas décadas» das câmaras municipais que se lançaram na aventura dos estádios para o Euro e da total inviabilidade económica de todos esses estádios?

Vai começar ( 16 Agosto 2005)

Os eternos candidatos apresentam-se à partida com estados de espírito diferentes. O FC Porto com esperanças renovadas e fundadas num novo treinador, novo tipo de jogo e reforços que prometem; o Sporting outra vez com uma bela equipa mas com o estigma de perder sempre nos momentos decisivos; e o Benfica com uma pré-época cheia de promessas atiradas ao vento e nula de realidades entusiasmantes.

A três dias do início de mais um campeonato, os eternos candidatos apresentam-se à partida com estados de espírito diferentes. O FC Porto com esperanças renovadas e fundadas num novo treinador, novo tipo de jogo e reforços que prometem; o Sporting outra vez com uma bela equipa mas com o estigma de perder sempre nos momentos decisivos; e o Benfica com uma pré-época cheia de promessas atiradas ao vento e nula de realidades entusiasmantes. Vejamos, caso a caso.

1- Quem, no passado sábado, arrostou com o calor desumano que se fazia sentir no Estádio do Dragão, sob um céu carregado de nuvens de fumo negro dos incêndios que massacraram o Norte nestes dias, pôde tirar algumas conclusões que, pelo que me apercebi das conversas de bancada, são consensuais e fruto do senso comum. Porém, bem sabemos que o senso comum dos adeptos e observadores raramente coincide com o dos treinadores. Ou porque estes sabem coisas que os adeptos não sabem ou porque sabem o mesmo mas querem fazer crer que sabem mais ou simplesmente porque são teimosos e persistem no erro como forma de vincar a sua personalidade. Co Adriaanse já mostrou ser umtreinador de personalidade forte e ideias feitas. A maioria delas parecem- me acertadas mas dificilmente o vejo a rever as erradas. Aquilo que eu e os à minha roda vimos foram apenas detalhes num conjunto de ideias que, como já o escrevi na semana passada, se traduz num futebol francamente prometedor. Mas são detalhes que, em alguns casos, podem fazer a diferença:

— Contra o Espanhol de Barcelona houve duas equipas claramente distintas, embora apenas tenham jogado 13 jogadores: uma, enquanto Hélder Postiga esteve em campo, sem capacidade de transposição do jogo para a frente, sem imaginação ofensiva, controlando o jogo mas de forma inócua e desinteressante; outra, após a saída de Postiga, a passagem do Jorginho para terrenos mais centrais e a exploração do flanco esquerdo por um verdadeiro extremo (Alan), que em 20 minutos revolucionou todo o futebol ofensivo, fez dois golos e um penalty desperdiçado e desbaratou por completo a organização defensiva dos catalães. Conclusão primeira: Hélder Postiga não serve para número 10.

— O 4x3x3 é um sistema que precisa claramente, pelo menos, de um extremo de raiz, que nem Jorginho nem Lisandro são. Mantendo- se o funesto (e esperemos que episódico) afastamento de Quaresma, com Ivanildo esquecido e César Peixoto transformado em lateral, a entrada no jogo de Alan foi um raio de luz e de lógica que desabou sobre o jogo.

— César Peixoto a lateral-esquerdo é uma experiência que promete, embora tenha de ser testada com equipas que ataquem e não contra o inofensivo Espanhol. O flanco esquerdo com ele e Alan foi um regalo para a vista e deulhemais 40 metros de campo para sair a jogar e impulsionar a equipa para a frente.

—Jorginho vai ser umjogador decisivo nesta equipa mas insisto que é uma pena encostá-lo ao flanco direito, onde está semiperdido, em lugar de o aproveitar na sua verdadeira posição, que é a do tal número 10 que Adriaanse busca.

— Diego regressou, mostrando as qualidades e os defeitos que já se conhecem — um dos quais é insistir em marcar livres e penalties, para o que lhe falta toda a competência.

—Lucho parece cansado e talvez precisasse e merecesse umas miniférias para poder voltar em pleno, ao contrário de Lisandro López, que, de facto, faz lembrar Derlei e é um elemento preciosíssimo.

—Falta velocidade sobre a bola aos centrais e muitos desastres hão-de acontecer ali, pelo centro da defesa.

Vistos os detalhes, resta a conclusão principal: este FC Porto de Adriaanse é, entre os três candidatos, claramente aquele quemelhor emais eficiente futebolmostra. Para consumo interno parece mais que suficiente. Mas, olhando para a equipa e para o banco de suplentes, é inevitável que as expectativas para a época que começa estejam bem acima da SuperLiga.

2-O Sporting só tem uma saída para salvar, financeira e desportivamente, a época: ir a Udine ganhar o jogo e a eliminatória. Pelo que se viu em Alvalade a tarefa é mais que possível, tudo depende da crença, da coragem e da lucidez da equipa.Oproblema é que certas coisas, como as recorrentes declarações de Dias da Cunha, insistindo sempre em que a culpa é dos árbitros, seja cá ou lá fora, apenas contribuem para uma mentalidade de desresponsabilização e fatalismo que ameaça tornar-se uma imagem demarca desta equipa e deste treinador. Na Europa é preciso aprender a conviver com os erros dos árbitros (e, contra a Udinese, houve apenas um, nem sequer flagrante). As grandes equipas, as que verdadeiramente confiam em si próprias e querem ganhar, não perdem tempo a reclamar os erros dos árbitros, seguem em frente e continuam até vencer. Se tivesse adoptado a filosofia de Dias da Cunha, de que mais vale perder podendo reclamar do árbitro que ousar vencer apesar dele, o FC Porto de Mourinho nunca teria eliminado o Manchester United e depois o Corunha, a caminho da inesquecível noite de Gelsenkirchen. Mas no Sporting parece que o mais importante não é o jogo da equipa nem os resultados que se obtêm mas sim ouvir as eternas lamúrias do seu presidente, no final dos jogos.

3- Benfica viveu uma préépoca de pesadelo. A grande mobilização de sócios sonhada por Filipe Vieira não conseguiu encher um estádio e acabou a transformar o tão propagandeado Benfica em Festa numa patética feira de comese- bebes sem clientes. A somar a isso, José Veiga mostrou-se umpífio negociador fora do cantinho pátrio onde tantos dirigentes de clubes estão sempre disponíveis para prestar vassalagem ao Benfica, mesmo que depois se venham queixar que não viram a cor do dinheiro acertado ou que foram atraiçoados pelas costas. Lá, onde o mercado depende do peso e da capacidade negociais, Veiga limitou-se a levantar lebres antes de tempo, alimentando o seu ego com as inúmeras reportagens sobre os seus contactos negociais de alto nível, traduzidos num rol sonante de aquisições que já entrou no anedotário nacional: Dedé, Robinho, Kezman, Tomasson, Kalou, Saviola, etc. e tal, uma série de vedetas que, a fazer fé nas reportagens, «já pensavam à Benfica» e nadamais desejavam que aterrar no Estádio da Luz, pela mão de José Veiga. Agora, mercê de um golo banal, Nuno Gomes já está a ser recuperado como um dos dois homens- golo que aí vinham ou vêm e José Veiga já explica que, se eles ainda não chegaram, é porque o Benfica só quer do melhor e «não compra por comprar». E o melhor, vá-se lá saber porquê, prefere o Estugarda, o Mónaco ou o Sevilha ao clube que já anunciou que este ano vai chegar à final da Champions (pelo menos está dispensado da pré-eliminatória...). Mas lá ganhou a Supertaça a um Vitória de Setúbal que se adivinha vai ter grandes dificuldades em manter-se na SuperLiga. É verdade que ganhou da forma habitual, jogando no seu estádio do Algarve,marcando um golito, fortuito e irregular, tendo a sua dose de sorte q.b. e jogando um futebol confrangedor. É o que se arranja de palpável.

Sonhos de noites de Verão (9 Agosto 2005)

A grande tarefa do Benfica não é atingir a final da Liga dos Campeões, um sonho sem qualquer base de sustentação. É provar que pode ser campeão sem sete jogos consecutivos ganhos através de penalties ou livres à entrada da área, a maioria dos quais mais do que duvidosos.

1- John McEnroe voltou ao Algarve para voltar a ganhar o Vale do Lobo Grand Champions. Aos 48 anos de idade, Big Mac continua a mostrar a mesma fome de vencer, mesmo que a feijões, que fez dele, em minha pessoalíssima opinião, o maior tenista de todos os tempos e um dos cinco desportistas que mais marcaram para sempre a minha memória do desporto.

Quando McEnroe ganhou Wimbledon, evitando que Bjorn Borg vencesse pelo sétimo ano consecutivo (e, de facto, pondo fim à carreira de Borg), o todo selecto e tradicional All England Tennis Club cometeu uma das maiores afrontas desportivas de sempre, convidando Borg para o tradicional serão dos vencedores e deixando de lado McEnroe — que, assim foi o primeiro, e até hoje único, vencedor de Wimbledon a não ser convidado para a cerimónia dos vencedores. Com isso, os court gentlemen de Wimbledon pretendiam manifestar o quanto estavam «chocados» com o lendário mau feitio e comportamento irascível de McEnroe nos courts. Hoje, quando a tolerante Inglaterra vive sob a chantagem terrorista de cidadãos ingleses adoptados do Paquistão, da Arábia Saudita ou do Afeganistão, é mais do que irónico lembrar que o pior desabafo ouvido a McEnroe durante um jogo foi quando ele chamou ao árbitro «vergonha da humanidade » («You, Sir, are the shame of humanity!»).

Mas pior foi a ofensa desportiva. John McEnroe era um temperamental em campo porque o seu jogo era, de longe,o mais temperamental, o mais explosivo, o mais corajoso e o mais ofensivo de todo o circuito. Borg tinha revolucionado o ténis, uns anos antes, introduzindo a chamada pancada com top spin, que leva bola a descrever uma curva ascendente e depois descendente, o que permite uma pancada defensiva em força sem correr o risco de ver a bola sair comprida de mais e para fora. Ainda hoje o top spin é a primeira técnica que se ensina às crianças nas academias de ténis, devido à sua eficiência. Mas o top spin é uma pancada defensiva e foi com ela, sem nunca descer à rede, que Borg dominou o ténis mundial durante seis anos. Chamavam-lhe Ice Borg porque ele era capaz de estar eternamente a devolver bolas do fundo do «court», sem jamais se enervar ou desconcentrar. Foi esse tipo de jogo que McEnroe derrotou nessa inesquecível final de Wimbledon. Contra a frieza de Borg e a eficácia gelada do seu top spin jogado sempre do fundo do campo—e que então se tinha tornado escola adoptada por todos— McEnroe contrapôs o regresso do ténis-espectáculo, jogado sempre ao ataque, com constantes descidas à rede e apoiado num serviço perfeito e num vólei jamais igualado. Quando, após quatro horas de jogo, com duas partidas para cada lado e o resultado da quinta partida em 5-4 a favor de McEnroe, Borg foi servir, já toda a gente adivinhava o 5-5, depois o 6-6 a decisão final por tie-break—tanto mais que Borg dispunha também de um excelente serviço. Mas foi então que, das profundezas do seu cansaço e com os nervos à flor da pele, John McEnroe se lançou naquele que ficaria para sempre como um dos momentos mais decisivos e mais corajosos do desporto de todos os tempos: de cada vez que Borg servia, ele respondia partindo imediatamente para o ataque na rede. Chegou assim aos 30-0, permitiu de seguida dois passing shots em que Borg era mestre, mas não se encolheu, continuou a atacar o serviço do número 1 do mundo e ganhou o jogo e a final nas vantagens.O ténis de risco tinha vencido o ténis científico. O ténis estava salvo e, de facto, muita coisa começou a mudar na filosofia de jogo, desde então. Hoje, não há nenhum jogador de topo que se permita jogar sempre e só no fundo do court, como Borg o fazia. Devemos isso a John McEnroe.

2- Os presidentes do Benfica e do Sporting andam entretidíssimos numa discussão pública para saber quem é o mais moderno e original a gerir o respectivo clube. E, por modernidade e originalidade, eles entendem uma coisa a que chamam ridiculamente o naming e que, traduzido para português, significa tão-só a venda do nome do estádio a quem lhes pagar mais —nisso copiando a originalidade de alguns clubes europeus que já o fizeram. (O tal naming é um dos exemplos da linguagem pretensiosa, supostamente economista, com que se ofusca jornalistas e adeptos e agora tão em moda. Por exemplo, quando não se tem coragem para dizer que o Benfica não sabe como há-de pagar as dívidas, diz-se que tem já pronto o seu project finance—com o que os adeptos distraídos se convencem que o assunto está resolvido e rendem graças a estes gestores tão «modernos »).

No caso do naming, a competição vai feroz na Segunda Circular. O Benfica vendeu o nome das bancadas e do pavilhão, o Sporting o das portas, ambos anseiam agora por vender o dos próprios estádios. Palpita-me que o vencedor só será apurado quando se chegar à fase de se vender o nome dos balneários e dos sanitários públicos.Depois, vamos poder ouvir os adeptos a descrever uma ida ao futebol: «Vou ao Estádio McDonnalds, entro pela porta Citroen, sento-me na bancada Coca-Cola e vou à retrete Algarve é qualidade. Será que ainda tratarão os jogadores pelo nome ou também este será vendido?

Enfim, humor à parte, talvez este seja o futuro, triste mas inevitável, de todos os clubes. Só não percebo é que tentem apresentar isto como exemplo de uma gestão moderna e imaginativa. E menos ainda entendo a lógica do raciocínio subentendido por alguns próximos do Benfica: que sim senhor, o nome do estádio vai ser vendido,mas isso pouco importa porque toda a gente vai continuar a chamar-lhe Estádio da Luz, apesar dos três milhões de euros ao ano encaixados para lhe chamar outra coisa qualquer. Porque, das duas uma: ou têm vergonha de vender o nome do estádio e não o fazem; ou, pelo contrário, acham que isso é um acto de boa gestão e então não mordam a mão que lhes dá de comer. Até porque correm o risco de afugentar o comprador.

3- O FC Porto de White Hart Lane voltou a mostrar exuberantemente as mesmas qualidades e fraquezas de que aqui falei há oito dias.O futebol posto em campo de início é espectacular, ofensivo, generoso.Mas não dura mais do que trinta minutos na primeira parte e vinte, já mais calmo, na segunda.O problema adicional é que, para que isso fosse suficiente, seria necessário que a equipa marcasse golos nos períodos de exuberância e não os sofresse nos outros.Nem uma nem outra coisa têm acontecido.

No ataque, McCarthy desgasta- se em numerosas tarefas longe da zona de golo, onde falta ou onde chega cansado depois. E o lugar do número 10, que funciona atrás dele, é ocupado por Postiga, com a sua conhecida alergia ao golo. Volto a repetir que Adriaanse, ao menos para confirmar que tem razão nas suas opções, deveria ensaiar alternativas ao número 10. McCarthy atrás e Hugo Almeida à frente, ou, a que me parece mais lógica e mais prometedora: Jorginho no lugar de Postiga e Quaresma na direita, no lugar de Jorginho. Até porque Quaresma é dos raros jogadores,juntamente com McCarthy,que não têm medo de tentar marcar golo e assim salvou o Porto o ano passado, em diversas ocasiões.

Atrás, concordo que não haja melhores alternativas para as laterais do que Sonkaya e Leandro.Mas isso não impede que eles sejam apenas jogadores razoáveis.Os problemas principais vêm, contudo, da dupla de centrais. Apesar de Adriaanse ter elogiado o «entendimento» entre Ricardo Costa e Pedro Emanuel, o único entendimento que tem sido visível até aqui é a naturalidade com que ambos vêm permitindo que,em cada jogo, apareça quatro ou cinco vezes um adversário isolado frente ao guarda-redes, pela zona central. Aqui, manifestamente, seria de tentar alternativas.

4- No seu louvável entusiasmo de tentar fazer do Benfica o clube desportivo com maior número de sócios no mundo(e o único em que a qualidade de sócio não dá o direito de participar ou assistir a acontecimentos organizados pelo clube), Luís Filipe Vieira vem prometendo um «Benfica europeu» já para este ano, a chegar até à final da Champions. Mas as veleidades do Benfica europeu foram cruelmente desmistificadas pela passagem «suave » do Chelsea e da Juventus pelo futuro ex-Estádio da Luz. E, depois de uma época de contratações onde também o voluntarismo falou mais alto do que a razão, o grande trunfo do Benfica para a época que vai começar promete só funcionar a nível interno: a continuação de um sistema de escolha casuística de árbitros e observadores a cargo dos mesmos que na época anterior desacreditaram por completo o sistema. A grande tarefa do Benfica não é atingir a final da Liga dos Campeões, um sonho sem qualquer base de sustentação.É provar que pode ser campeão sem sete jogos consecutivos ganhos através de penalties ou livres à entrada da área, a maioria dos quais mais do que duvidosos.

Cuidado com o FC Porto! ( 2 Agosto 2005)

A «marca-Adriaanse» tem características absolutamente originais e que vão à revelia do futebol das equipas montadas com base num meio-campo superpovoado, mostrando um tipo de jogo ofensivo, destemido e espectacular.

PESSOALMENTE, aproveitei bem o «defeso» de quatro semanas que me atribuí. Andei por aí, espreitei algum futebol de outras paragens ou os primeiros jogos dos nossos grandes, segui atentamente a eterna saga dos jogadores que mudam daqui para ali, a roda-viva dos chamados «empresários », voando sem parar entre capitais europeias, brasis e offshores, novos-ricos do futebol, tão atarefados, tão atarefados que às vezes até se «esquecem» que têm de pagar impostos e depois descobre- se que todo o luxuoso património que exibem afinal não lhes pertence, mas está sim registado em nome da mulher, do tio, do sobrinho e do canário. Uns cavalheiros do desporto!
Como seria inevitável, segui mais de perto e mais interessadamente tudo o que respeita ao meu FC Porto. E do que segui, neste primeiro mês de preparação, posso dizer que cada vez confirmo mais a convicção de que, após um ano de erros sucessivos, o FC Porto acertou em cheio este ano, com a escolha do treinador. Co Adriaanse vai-me impressionando cada vezmais, como já me havia impressionado no ano passado, quando vi o seu semiamador AZ Alkmaar dar duas lições de bola ao Sporting, só por infelicidade não tendo chegado eles à final da UEFA. Entre as suas evidentes qualidades está a inteligência e a eficácia que revela em tudo o que diz, não falando de mais nem de menos e evitando os lugares-comuns vazios de sentido, tão característicos dos nossos treinadores. Depois, aprecio a disciplina de que já deu provas (há quem diga que tem fama de, por vezes, exagerar, o que é, de facto, um perigo).Mas ele acha-se no direito de exigir dos jogadores tudo e em todos os momentos e não apenas de vez em quando, e eu acho que ele está certo.

Nem tudo o que tem feito merece a minha concordância, mas isso é natural e inevitável—é impossível agradar a todos, emtudo. Discordo, por exemplo, da dispensa de Leandro do Bomfim, queme parecemal explicada e incompreensível, como julgo que o futuro mostrará. Discordo que não tenha ido avante com a sua «firme» ideia de ficar apenas com 25 jogadores no plantel (consta que recuou porque um dos que queria dispensar era Sokota e isso seria desfeita a Pinto da Costa). Discordo da aparente subalternização a que tem votado Ricardo Quaresma (ou será só estratégia para com o jogador?) e espero que ele tenha a paciência e a clarividência de perceber que está ali em potência um dos melhores jogadores do Mundo, que apenas precisa que o ajudem a crescer de forma inteligente. E, embora seja indiscutível que o Postiga rende muito mais naquela posição de falso dez do que como ponta-de-lança—o que não é difícil — parece-me que essa função seria bem melhor desempenhada pelo Jorginho nas costas do McCarthy ou pelo próprio McCarthy com o Hugo Almeida na frente. Mas, fora esses detalhes, o essencial é que Adriaanse mudou de alto a baixo o futebol da equipa, deu-lhe um sentido e uma orientação táctica e estratégica que há muito andava dali arredada e vai confirmando à vista de todos a justeza daquela frase que disse há tempos e que, de tão óbvia, quase soou a arrogante: que a função de um treinador é dar uma «assinatura» ao futebol da equipa, dar-lhe a sua imagem de marca. E, nesse aspecto, devo dizer que há muito que não via um treinadormarcar de tal modo o futebol de uma equipa e fazê-lo de forma tão original. De facto, a «marca- Adriaanse» tem características absolutamente originais e que vão à revelia do futebol das equipas montadas com base num meio-campo superpovoado, desenvolvendo um tipo de jogo onde essencialmente nada acontece e a maior parte dos golos e das oportunidades só aparecem de bola parada. O tipo de jogo que Adriaanse temmostrado através do FC Porto é destemido, ofensivo e espectacular, assentando nas seguintes características identificadoras:
— no modelo 4x3x3, laterais capazes de subir por todo o corredor, de forma constante, na boa tradição do futebol holandês;

— médios jogando de forma vertical no terreno, fazendo todos eles o vaivém dos 60 metros decisivos entre as duas áreas; — avançados em constante movimentação e troca de posições, todos podendo fazer de extremo ou de ponta-de-lança, todos obrigados a recuar para defender, sem momentos de descanso parados lá à frente, à espera da bola;

—pressão alta a defender, com os jogadores muito juntos entre si, possibilitando «dobras» sucessivas de uns aos outros;

—intensa circulação de bola, em um ou dois toques, com desmarcações, aberturas e progressão «assistida», em que a equipa se vai desdobrando, dando a sensação de que tem mais jogadores em campo;

— alternância súbita de passes em profundidade para as costas da defesa, pelo centro ou pelas alas, aproveitando o adiantamento esporádico do adversário.

O que mais impressiona é a rapidez com que a equipa parece ter compreendido e sido capaz de executar um tipo de jogo que não é fácil de explanar sem se cair em momentos de total anarquia táctica. O FC Porto das primeiras partes contra grandes equipas, como o Club Brugge, o Boca ou o Arsenal, foi uma equipa desconcertante, descarada, amomentos explosiva e revolucionária. Inevitavelmente, terminou sempre as primeiras partes a ganhar. O problema são as segundas partes, que reflectem a fraqueza do sistema: a sua tremenda exigência física. Quando um ponta-de-lança, como o McCarthy, é obrigado a dar assistência junto da sua área cada vez que o adversário ataca, participar na construção de jogo a meio-campo e ainda estar lá na frente, nas laterais ou na área ofensiva, quando a equipa ataca, é inevitável que estoire ao fim de uma hora de jogo, por melhor que seja a preparação física (e McCarthys não há muitos, só há este, e daí a tentativa descarada de o destabilizar ou roubá-lo a preços de saldo, a que felizmente não cederam nem Adriaanse nem Pinto da Costa...). Num sistema de jogo onde não existe aquilo a que Mourinho chama «o descanso com bola», vai ser muito difícil gerir o esforço físico dos jogadores. Felizmente que Adriaanse dispõe de um trunfo muito importante, que é um banco de luxo, a que fatalmente terá de recorrer sempre ou quase sempre.

Outro ponto fraco deste sistema é, volto a dizer, a capacidade de desempenho do papel de um número dez muito peculiar e que me parece que dificilmente será levado a cabo, de forma regularmente satisfatória, por Hélder Postiga (ou por Diego). Outro ponto fraco é que este tipo de jogo exige bons rematadores de meiadistância e eles tardam em aparecer—Jorginho seria a aposta mais provável se jogasse na posição de Postiga e se não estivesse tão perdulário que perdeu por um palmo o Torneio de Amesterdão, falhando de forma inacreditável um golo nos últimos segundos.

Finalmente, o centro da defesa, apesar do apoio de Raul Meireles (este sim, grande descoberta de Adriaanse!), está longe de dar garantias de velocidade, sincronização e segurança. Ricardo Costa e Pedro Emanuel têm-se mostrado altamente vulneráveis, valendo-lhes, nas suas costas, a presença superior de dois grandes guarda-redes, entre os quais Adriaanse terá de escolher um... talvez por moeda ao ar.

Mas, tudo visto e revisto, este FC Porto pós-traumático parece crescer a olhos vistos em direcção a um campeonato e a uma Champions League onde de novo se abre espaço para todos os sonhos.

PS — Vi 20 minutos do Guimarães- Benfica e desisti de ver mais porque estava a ficar incomodado por aquele festival de violência, antidesportivismo e falta de respeito pelo futebol proporcionado pela equipa de Jaime Pacheco. O Vitória de Guimarães é um grande clube, com uma grande massa associativa e uma história de prestígio. Não merece ser enxovalhado por um tipo de jogo defendido por um treinador que já deu mostras mais do que suficientes de não gostar de futebol e não querer entender que hoje não há espectadores para o futebol-terrorista. Eu avisei, quando o Boavista foi campeão a jogar assim, mas, como tinha sido campeão contra o FC Porto, toda a gente achou lindo...

(26 Julho 2005)

Não houve crónica.