A «marca-Adriaanse» tem características absolutamente originais e que vão à revelia do futebol das equipas montadas com base num meio-campo superpovoado, mostrando um tipo de jogo ofensivo, destemido e espectacular.
PESSOALMENTE, aproveitei bem o «defeso» de quatro semanas que me atribuí. Andei por aí, espreitei algum futebol de outras paragens ou os primeiros jogos dos nossos grandes, segui atentamente a eterna saga dos jogadores que mudam daqui para ali, a roda-viva dos chamados «empresários », voando sem parar entre capitais europeias, brasis e offshores, novos-ricos do futebol, tão atarefados, tão atarefados que às vezes até se «esquecem» que têm de pagar impostos e depois descobre- se que todo o luxuoso património que exibem afinal não lhes pertence, mas está sim registado em nome da mulher, do tio, do sobrinho e do canário. Uns cavalheiros do desporto!
Como seria inevitável, segui mais de perto e mais interessadamente tudo o que respeita ao meu FC Porto. E do que segui, neste primeiro mês de preparação, posso dizer que cada vez confirmo mais a convicção de que, após um ano de erros sucessivos, o FC Porto acertou em cheio este ano, com a escolha do treinador. Co Adriaanse vai-me impressionando cada vezmais, como já me havia impressionado no ano passado, quando vi o seu semiamador AZ Alkmaar dar duas lições de bola ao Sporting, só por infelicidade não tendo chegado eles à final da UEFA. Entre as suas evidentes qualidades está a inteligência e a eficácia que revela em tudo o que diz, não falando de mais nem de menos e evitando os lugares-comuns vazios de sentido, tão característicos dos nossos treinadores. Depois, aprecio a disciplina de que já deu provas (há quem diga que tem fama de, por vezes, exagerar, o que é, de facto, um perigo).Mas ele acha-se no direito de exigir dos jogadores tudo e em todos os momentos e não apenas de vez em quando, e eu acho que ele está certo.
Nem tudo o que tem feito merece a minha concordância, mas isso é natural e inevitável—é impossível agradar a todos, emtudo. Discordo, por exemplo, da dispensa de Leandro do Bomfim, queme parecemal explicada e incompreensível, como julgo que o futuro mostrará. Discordo que não tenha ido avante com a sua «firme» ideia de ficar apenas com 25 jogadores no plantel (consta que recuou porque um dos que queria dispensar era Sokota e isso seria desfeita a Pinto da Costa). Discordo da aparente subalternização a que tem votado Ricardo Quaresma (ou será só estratégia para com o jogador?) e espero que ele tenha a paciência e a clarividência de perceber que está ali em potência um dos melhores jogadores do Mundo, que apenas precisa que o ajudem a crescer de forma inteligente. E, embora seja indiscutível que o Postiga rende muito mais naquela posição de falso dez do que como ponta-de-lança—o que não é difícil — parece-me que essa função seria bem melhor desempenhada pelo Jorginho nas costas do McCarthy ou pelo próprio McCarthy com o Hugo Almeida na frente. Mas, fora esses detalhes, o essencial é que Adriaanse mudou de alto a baixo o futebol da equipa, deu-lhe um sentido e uma orientação táctica e estratégica que há muito andava dali arredada e vai confirmando à vista de todos a justeza daquela frase que disse há tempos e que, de tão óbvia, quase soou a arrogante: que a função de um treinador é dar uma «assinatura» ao futebol da equipa, dar-lhe a sua imagem de marca. E, nesse aspecto, devo dizer que há muito que não via um treinadormarcar de tal modo o futebol de uma equipa e fazê-lo de forma tão original. De facto, a «marca- Adriaanse» tem características absolutamente originais e que vão à revelia do futebol das equipas montadas com base num meio-campo superpovoado, desenvolvendo um tipo de jogo onde essencialmente nada acontece e a maior parte dos golos e das oportunidades só aparecem de bola parada. O tipo de jogo que Adriaanse temmostrado através do FC Porto é destemido, ofensivo e espectacular, assentando nas seguintes características identificadoras:
— no modelo 4x3x3, laterais capazes de subir por todo o corredor, de forma constante, na boa tradição do futebol holandês;
— médios jogando de forma vertical no terreno, fazendo todos eles o vaivém dos 60 metros decisivos entre as duas áreas; — avançados em constante movimentação e troca de posições, todos podendo fazer de extremo ou de ponta-de-lança, todos obrigados a recuar para defender, sem momentos de descanso parados lá à frente, à espera da bola;
—pressão alta a defender, com os jogadores muito juntos entre si, possibilitando «dobras» sucessivas de uns aos outros;
—intensa circulação de bola, em um ou dois toques, com desmarcações, aberturas e progressão «assistida», em que a equipa se vai desdobrando, dando a sensação de que tem mais jogadores em campo;
— alternância súbita de passes em profundidade para as costas da defesa, pelo centro ou pelas alas, aproveitando o adiantamento esporádico do adversário.
O que mais impressiona é a rapidez com que a equipa parece ter compreendido e sido capaz de executar um tipo de jogo que não é fácil de explanar sem se cair em momentos de total anarquia táctica. O FC Porto das primeiras partes contra grandes equipas, como o Club Brugge, o Boca ou o Arsenal, foi uma equipa desconcertante, descarada, amomentos explosiva e revolucionária. Inevitavelmente, terminou sempre as primeiras partes a ganhar. O problema são as segundas partes, que reflectem a fraqueza do sistema: a sua tremenda exigência física. Quando um ponta-de-lança, como o McCarthy, é obrigado a dar assistência junto da sua área cada vez que o adversário ataca, participar na construção de jogo a meio-campo e ainda estar lá na frente, nas laterais ou na área ofensiva, quando a equipa ataca, é inevitável que estoire ao fim de uma hora de jogo, por melhor que seja a preparação física (e McCarthys não há muitos, só há este, e daí a tentativa descarada de o destabilizar ou roubá-lo a preços de saldo, a que felizmente não cederam nem Adriaanse nem Pinto da Costa...). Num sistema de jogo onde não existe aquilo a que Mourinho chama «o descanso com bola», vai ser muito difícil gerir o esforço físico dos jogadores. Felizmente que Adriaanse dispõe de um trunfo muito importante, que é um banco de luxo, a que fatalmente terá de recorrer sempre ou quase sempre.
Outro ponto fraco deste sistema é, volto a dizer, a capacidade de desempenho do papel de um número dez muito peculiar e que me parece que dificilmente será levado a cabo, de forma regularmente satisfatória, por Hélder Postiga (ou por Diego). Outro ponto fraco é que este tipo de jogo exige bons rematadores de meiadistância e eles tardam em aparecer—Jorginho seria a aposta mais provável se jogasse na posição de Postiga e se não estivesse tão perdulário que perdeu por um palmo o Torneio de Amesterdão, falhando de forma inacreditável um golo nos últimos segundos.
Finalmente, o centro da defesa, apesar do apoio de Raul Meireles (este sim, grande descoberta de Adriaanse!), está longe de dar garantias de velocidade, sincronização e segurança. Ricardo Costa e Pedro Emanuel têm-se mostrado altamente vulneráveis, valendo-lhes, nas suas costas, a presença superior de dois grandes guarda-redes, entre os quais Adriaanse terá de escolher um... talvez por moeda ao ar.
Mas, tudo visto e revisto, este FC Porto pós-traumático parece crescer a olhos vistos em direcção a um campeonato e a uma Champions League onde de novo se abre espaço para todos os sonhos.
PS — Vi 20 minutos do Guimarães- Benfica e desisti de ver mais porque estava a ficar incomodado por aquele festival de violência, antidesportivismo e falta de respeito pelo futebol proporcionado pela equipa de Jaime Pacheco. O Vitória de Guimarães é um grande clube, com uma grande massa associativa e uma história de prestígio. Não merece ser enxovalhado por um tipo de jogo defendido por um treinador que já deu mostras mais do que suficientes de não gostar de futebol e não querer entender que hoje não há espectadores para o futebol-terrorista. Eu avisei, quando o Boavista foi campeão a jogar assim, mas, como tinha sido campeão contra o FC Porto, toda a gente achou lindo...
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