sexta-feira, dezembro 31, 2004

Azul desbotado (28 Dezembro 2004)

Infelizmente, Victor Fernandez parece temer e achar uma inutilidade e um problema os jogadores criativos, como Carlos Alberto e Ricardo Quaresma. A agora anunciada dispensa do Carlos Alberto, para além de uma decisão trágica do ponto de vista desportivo e patrimonial do clube, representa também uma confissão de falhanço por parte de Fernandez. Espero bem que a SAD tenha o bom senso de a não permitir

1- Não fosse Hélder Postiga ter feito questão de confirmar como lhe é difícil acertar com uma baliza e marcar um golo (entre Tottenham, FC Porto e Selecção, creio que acaba o ano de 2004 com um total de três golos marcados!), os portistas teriam saído do Funchal com uma vitória tranquila e incontestada. Mas como, das duas vezes em que se viu isolado perante o guarda-redes do Marítimo,Postiga insistiu em rematar como não se deve, o FC Porto saiu do Funchal com dois pontos perdidos e ainda com o anátema de só ter conseguido conquistar um ponto graças a um golo off-side.

De facto, a jurisprudência antiportista há muito que estabeleceu a sua doutrina na matéria. Não há jogo do FC Porto em que não se procure o erro de arbitragem salvador, capaz, por si só, de afogar no esquecimento qualquer mérito azul-e-branco ou qualquer demérito do adversário.

Assim, no sempre lembrado jogo da Luz, toda a gente continua a falar interminavelmente do tal golo do Benfica que nem o árbitro nem o juiz de linha viram, «esquecendo- se», porém, da primeira parte do jogo, em que o FC Porto reduziu o Benfica à banalidade e poderia, muito justamente, ter saído para o intervalo com dois ou três golos de vantagem.

De igual modo, também agora, no jogo contra o Marítimo, toda a gente parece não ter reparado que o Marítimo apenas fez três remates à baliza do Porto em todo o jogo, que esteve quase uma hora inteira sem fazer remate algum e que o único golo que obteve, no primeiro remate que fez, resultou de uma oferta natalícia de Vítor Baía. E que, em contrapartida, o FC Porto, mesmo desfalcado de seis jogadores habitualmente titulares e sem nunca ter chegado a fazer um bom jogo, falhou três ou quatro oportunidades flagrantes e viu o guarda-redesmadeirense recusar- lhe ainda três golos feitos.

2- Com o escasso e mal conquistado ponto no Funchal, o FC Porto chega assim à pausa de Inverno isolado no comando do campeonato, com um ponto a mais do que os clássicos rivais. Olhando apenas para a verdade dos factos e dos números, tem de se concluir que Victor Fernandez conseguiu cumprir as expectativas exigíveis. Mesmo em ano e equipe de transição, mesmo tendo de digerir a desastrada herança de Del Neri, mesmo com a equipe dizimada por lesões e, em muitos casos — como sucedeu contra o Nacional, o Boavista e o Beira-Mar — com uma persis tente má sorte contra si.

Atendendo às circunstâncias e aos resultados, é forçoso concluir que o balanço é positivo: perdeu a Supertaça Europeia, caiu na Taça de Portugal à primeira eliminatória, encaixou duas derrotas inéditas e consecutivas no Dragão para o campeonato e apenas ganhou metade dos jogos internos; mas ganhou a Supertaça nacional, a Taça Intercontinental, venceu o Benfica e o Sporting e, mais importante ainda, garantiu um lugar nos oitavos-de-final dos Campeões, salvando o prestígio futebolístico e as expectativas financeiras, e conseguindo-o contra o Chelsea de Mourinho — o que teve um valor simbólico e desportivo acrescido.

E, todavia... Todavia, o universo portista não anda por aí além confiante e optimista. Vemos, com toda a boa fé, que o Sporting anda a jogar melhor futebol do que nós—que apenas jogámos verdadeiramente bem a primeira parte contra o Benfica, a segunda contra o Chelsea e os jogos contra o Sporting, o Boavista e o Once Caldas.
Houve jogos em que a equipe jogou um futebol confrangedor de desinspiração e falta de confiança, outros em que se arrastou em campo, revelando um défice de condição física que nem a sobrecarga de jogos e de lesões chegam para explicar. Dos onze jogadores comprados este ano, apenas o Seitaridis, o Pepe (que nem sequer tem sido primeira opção) e o Quaresma (de quem Fernandez desconfia), me parecem reforços seguros, mas insuficientes para preencherem o vazio deixado pelos que partiram. Inexplicável a dispensa do Rossato, preterido pelo Areias que, afinal nem é titular, levando à compra de um terceiro(!) lateral esquerdo na mesma época — o Leandro, que chegou, aliás, magoado e directamente para amesa de operações. E, com quatro laterais- esquerdos, jogamos afinal com um central totalmente (des)adaptado à função e fonte de constantes aflições.

No centro da defesa, pormais que Jorge Costa e Pedro Emanuel prolonguem a sua longevidade, nenhum deles consegue compensar a falta que faz a rapidez do Ricardo Carvalho.

No meio-campo, Diego, embora talentoso e promissor, é, para já, apenas uma pálida sombra de Deco. Onde Deco era a técnica e a inteligência em velocidade, capaz de abrir uma avenida para o golo apenas com um toque em movimento, Diego joga ao ritmo do Brasileirão, tendo de parar a bola, rodar sobre si mesmo e levantar a cabeça para então decidir o que fazer. Para além disso, não aguenta mais do que uma hora de jogo, apesar de não defender — o que obriga o Maniche a ausentar-se das zonas de apoio ao golo, onde era basta vezes decisivo.

E, além da ausência do Deco, convém não esquecer que faltam também o Pedro Mendes e o Alenitchev, o que chega para perceber porquê que o meio-campo do FC Porto joga tão distante dos avançados.

Na frente, confirmada a incapacidade de Maciel, César Peixoto eHélder Postiga agarrarem qualquer oportunidade concedida, há a notável «baixa» de Derlei, que passou de jogador decisivo numa época para uma sombra de si mesmo e um jogador simplesmente a mais, na época que decorre. Já o Luís «Fabuloso» Fabiano, melhor seria fazer-se tratar por Luís «Fora-de-Jogo» Fabiano, tamanha é a frequência e a displicência com que vive em «off-side».

O ataque do FC Porto, conforme está à vista de todos, tem vivido exclusivamente da classe ímpar de McCarthy (que apenas a lesão inicial de Fabiano evitou que fosse tragicamente dispensado), e dos momentos de puro talento inventivo de Ricardo Quaresma (não fosse a sua entrada, embora tardia, contra o Chelsea, e jamais Fernandez teria conseguido avistar os oitavos-de-final da Champion’s). Mas passa-se com Quaresma o mesmo que se passa com Carlos Alberto: Fernandez não gosta dele.

Já aqui escrevi que, infelizmente, Victor Fernandez parece temer e achar uma inutilidade e um problema os jogadores criativos, como Carlos Alberto e Ricardo Quaresma. É certo que eles são jogadores de jogos e de momentos, porque o génio não sai à rua todos os dias, (mas, caramba, quando sai vale a pena!).

É certo também, que por serem muito novos e cientes do seu talento, tendem a ser jogadores indisciplinados, dentro e fora do campo.Mas aí reside o talento de um treinador: saber orientá-los, discipliná-los, não lhes exigir o que eles não podem dar, mas saber aproveitar cada migalha do génio com que eles são capazes de marcar a diferença e de resolver jogos. A agora anunciada dispensa do Carlos Alberto, para além de uma decisão desastrosa do ponto de vista desportivo e patrimonial do clube, representa também uma confissão de falhanço por parte de Fernandez. Espero bem que a SAD tenha o bom senso de a não permitir.

Em resumo, a liderança interna do FC Porto é tudo menos convincente. Não há um jogo igual ao outro, não há uma continuidade de bom futebol e bons resultados. Há jogadores sobre-aproveitados, sem nenhum ganho para a equipe, e há outros olhados de viés e sentados no banco, sem justificação lógica. Se se confirmar a saída incrível do Carlos Alberto, a juntar à operação do Maniche, e juntando isto a um meio-campo já de si desfalcado no início da época, prevejo que não seja preciso esperar muito tempo para que esta escassa liderança interna se transforme em distância para o novo líder.

3- Há muito que defendo uma regra de transparência mínima nas competições internas: que os castigos relativos a uma prova sejam cumpridos nessa mesma prova. Por exemplo: que a suspensão de um jogo por acumulação de amarelos no campeonato não possa ser cumprida num obscuro jogo da Taça. Agora, com a esperteza saloia (e muito pouco condizente com os apregoados padrões de desportivismo) inventada pelo Sporting para livrar o Liedson de ficar suspenso no jogo contra o Benfica, torna-se urgente que uma medida tão simples, tão lógica e tão justa seja implementada. De outro modo, continuam todos a fazer discursos sobre «moralização» que não passam de discursos para enganar tolos.

O rio Douro e o outro Rio (21 Dezembro 2004)

Ocorre-me pensar o que teria conseguido o FC Porto, nestes últimos três anos, se tem sido mandado a partir do governo ou da câmara do Porto. Se tivesse apostado tudo na participação em sessões partidárias do PSD, em entrevistas pedidas aos ministros ou em favores esperados da câmara

SE não tiver mudado de ideias à última hora, invocando «dificuldades de agenda», o primeiro-ministro Santana Lopes terá estado ontem ao fim da tarde no Porto, a condecorar o FC Porto pela sua recente conquista do título de campeão mundial de clubes.

É um acto de simples justiça que, julgo, ninguém se atreverá a contestar. Mas é também, obviamente, um acto de gestão política—matéria em que Santana Lopes é especialista. Por um lado, ao condecorar o FC Porto, ele antecipa-se e marca pontos relativamente a Jorge Sampaio — sempre tão pronto a condecorar e comover-se com supostos feitos desportivos mas a quem, estranhamente, as conquistas da Taça UEFA, dos títulos europeu e mundial, por parte do FC Porto, não mereceram um sorriso nem uma lágrima de comoção ou de orgulho patriótico. Por outro lado, e com eleições à vista, Santana Lopes tenta, comeste gesto, minimizar os estragos causados pela persistente guerra movida ao FC Porto pelo autoproclamado número 2 do partido e presidente da câmara do Porto, Rui Rio.

Rio, é claro, não terá estado presente nem se atreverá a abrir a boca para criticar este gesto do número 1: ele sabe também que há interesses eleitorais que, circunstancialmente, fazem remeter a um prudente silêncio mesmo alguém, como ele, que gosta de cultivar a imagem de um político diferente.

Rui Rio, também auto-designado campeão da luta contra a promiscuidade entre política e futebol, não é, aliás, virgem em matéria de silêncios convenientes.

De facto, só por má-fé ou má memória é que, volta e meia, aparece alguém a querer lembrar que Pinto da Costa desafiou Rio na pugna eleitoral do Porto e perdeu.

Basta consultar os jornais da época para constatar que não é verdade: ninguém desafiou ninguém.

Quanto a Pinto da Costa, limitou-se, por inércia, hábito e gratidão a um portista que sempre reconheceu o prestígio dado pelo clube à cidade, a apoiar nominalmente a impossível ressurreição autárquica de Fernando Gomes.

Já quanto a Rui Rio, limitou-se a deixar correr as coisas, evitando tudo o que pudesse alienar votos e, especialmente, evitando cuidadosamente insinuar o que quer que fosse que permitisse aos eleitores adivinhar o que viria a ser, depois, a sua sanha patológica contra o FC Porto.

Convém recordá-lo: foi só depois de se ter visto sentado no cadeirão da câmara que Rui Rio partiu em guerra contra o clube que, no dizer de Vítor Baía e no sentimento geral, se confunde quase com a cidade. Se o tem feito antes, durante a campanha eleitoral, teria revelado coragem e ninguém teria tido legitimidade para questionar a sinceridade das suas convicções na matéria. Só que teria também perdido a eleição. Porque o sabia, ele ficou calado. E, tendo ficado calado, transformou em oportunismo o que deveria ter sido coragem.

Agora, à boleia do Apito Dourado e sentindo o adversário fragilizado, Rui Rio achou que o momento era adequado para voltar à carga, antecipando-se mesmo a qualquer conclusão ou até acusação judicial, passando desde logo a incluir Pinto da Costa no rol dos criminosos do futebol, como Tapie ou Gil y Gil. Mas, assim que levou com a resposta de Pinto da Costa e onde mais lhe dói—a ameaça de o enfrentar a sério nas próximas autárquicas —, tratou logo de meter a viola ao saco. Fala quando se imagina forte, cala-se quando lhe parece prudente. É a tal forma diferente de estar na política.

De facto, a prudência mais que aconselha o presidente da câmara do Porto a estar calado. Em primeiro lugar porque o Apito Dourado ainda vai dar muito que falar e muito que rir: e talvez ria melhor quem rir no fim.
Em segundo lugar porque o dito apito começou, como todos se lembram, com suspeitas sobre o major Valentim Loureiro, e suspeitas essas que ultrapassam o âmbito meramente desportivo e remetem directamente para a tal promiscuidade entre política e futebol que ele (e eu) execra. E o major Valentim Loureiro, ao contrário de Pinto da Costa, nunca entrou no rol das figuras do futebol de quem Rui Rio achava higiénico manter-se afastado.

Pelo contrário, foram ambos e simultaneamente dirigentes do PSD, foram ambos e simultaneamente frequentadores do camarote de honra do Estádio do Bessa e foi graças ao apoio de Rio que Valentim ganhou a Junta Metropolitana do Porto. Sobra ainda o facto relevante de à roda das intenções do Boavista relativamente à urbanização dos terrenos do Bessa e às acessibilidades do próprio estádio se levantarem algumas dúvidas pertinentes e algumas notícias preocupantes que, a confirmarem-se, farão das supostas malfeitorias cometidas por Nuno Cardoso a favor do FC Porto e do Estádio do Dragão (razão invocada para a cruzada de Rio) um simples fait-divers administrativo. A ver vamos.

Mas a razão final que aconselha ao silêncio do presidente da câmara do Porto, sobretudo com eleições legislativas e autárquicas à porta, é a comparação daquilo que cada um fez, nestes três últimos anos, desde que Rui Rio chegou aos Paços do Concelho.

Que eu tenha visto (e tenho visto com atenção), nada de substancial mudou no Porto para melhor sob a presidência de Rui Rio. Pelo contrário, em muitos aspectos concretos só tenho visto a cidade piorar e tudo o que de bom foi feito é ainda obra de Fernando Gomes e, em menor parte, de Nuno Cardoso. Basta, aliás, lançar um olhar para o lado de lá do rio para perceber o quanto Gaia foi mudando para melhor, enquanto do lado do Rio a única coisa que se vê, à vista desarmada, é mais e mais urbanizações, pior trânsito e uma cidade que parece estagnada e resignada à falta de ideias e de projectos.

E o que fez, comparativamente, o adversário de Rui Rio nestes três anos?

Fez apenas isto: foi duas vezes campeão nacional e vencedor da Taça de Portugal e Supertaça, conquistou a Taça UEFA, foi campeão da Europa e campeão do Mundo, levando o nome do clube e o da cidade aos quatro cantos do planeta, é campeão nacional em título de futebol, hóquei, andebol, basquetebol e natação e mantém centenas de atletas em actividade, todos os dias e em vários pontos da cidade e de Gaia.

Mais: demoliu um estádio velho e construiu um novo, que é por muitos considerado o estádio mais bonito do Mundo e é hoje um ex-líbris da cidade e uma referência da arquitectura portuguesa contemporânea, e, apesar da tenaz oposição do presidente da câmara em exercício, conseguiu acabá-lo a tempo de servir de abertura ao Campeonato Europeu de futebol.

Para além disso, o Estádio do Dragão é o único caso, entre todos os estádios construídos para o Euro- 2004, que não apenas não prejudicou a cidade como contribuiu decisivamente para a reabilitação e requalificação de toda a zona envolvente, criando uma nova centralidade periférica na cidade, pensada e planeada como raras vezes o são as urbanizações novas.

Por ironia do destino, a obra tão atacada por Rui Rio, alvo de todas as suas suspeitas e obstruções, é a única que, no decorrer do seu mandato, ficará a assinalar um momento de visão, planeamento integrado e qualidade arquitectónica na cidade do Porto. E não só não foi feita por ele mas contra ele.

A verdade remanescente é esta:

Rui Rio faz quanto pode para que notem que despreza o FC Porto;
-o FC Porto não precisa de fazer nada para desprezar Rui Rio.
-O clube fez obra, Rio não fez nada.
-O clube, que tirou o nome da cidade, prestigiou-o e levou-o ao Mundo inteiro.
-E a Rui Rio, se alguém o conhece, é tão-somente por ser o autarca que odeia o clube que prestigia e representa a cidade que ele chefia administrativamente.

Estas reflexões ocorrem-me no momento em que alguns, como o presidente do Sporting, clamam abertamente pela ingerência do poder político no futebol.

Ocorre-me pensar o que teria conseguido o FC Porto, nestes últimos três anos, se tem sido mandado a partir do governo ou da câmara do Porto. Se tivesse apostado tudo na participação em sessões partidárias do PSD, em entrevistas pedidas aos ministros ou em favores esperados da câmara.

Não tenho dúvidas quanto à resposta: seguramente, não teria sido campeão nacional e muito menos campeão europeu e mundial. E não teria acabado a tempo o Estádio do Dragão ou, se o tivesse feito, teria gasto três vezes mais do que o orçamentado— como sucedeu com o estádio de Braga e todos aqueles que foram pagos, não pelos clubes, mas pelos contribuintes. É isso que deve matar de inveja o número 2 do partido.

Campeões no Mundo, suspeitos nos arredores (14 Dezembro 2004)

Como imaginam que nós, portistas, vemos e sentimos tudo isto? Esta inveja doentia, que os leva a desprezar o que deveria ser motivo de orgulho para todos os portugueses, que os leva, não a tentar imitar os feitos do FC Porto, mas sim a retirar-lhes importância, rodeá-los de eternas suspeitas e calúnias? É sabido que a justiça é cega. Não fosse a justiça cega e seria incompreensível que, após um ano e meio de invocadas investigações policiais e do Ministério Público, se decidisse actuar contra o presidente do FC Porto exactamente nas vésperas de o clube viver os dias decisivos que lhe poderiam garantir a continuidade em prova e a defesa do título de campeão europeu e acrescentar-lhe o de campeão do Mundo de futebol. Compreende-se, pois, que as gravíssimas suspeitas que recairão sobre o presidente do FC Porto, no esperançoso caso Apito Dourado - e traduzidas, designadamente, no pagamento por alguém estranho ao clube de umas meninas de alterne a uns árbitros, para que eles não se esquecessem de favorecer o FC Porto nos decisivos jogos contra a Académica, então último classificado, nas Antas (4-1), e contra o Beira-Mar, em Aveiro (0-0), bem como a oferta do relógio oficial dos 100 anos, no valor de 15 contos, ao major Valentim Loureiro, ou ainda um telefonema a Pinto de Sousa em que o presidente do FC Porto terá intercedido a favor de Deco e Mourinho, para que a Comissão Disciplinar da Liga suavizasse momentaneamente a sua tradicional e famosa senha antiportista - tudo isso, todos esses gravíssimos supostos indícios que,todavia, não justificaram mais que medidas mínimas de contrapartida à liberdade condicional do suspeito, não podia esperar nem mais uma semana para ser trazido à praça pública.

Imaginava-se que todo o showoff montado à roda da «detenção prévia para interrogatório» (essa curiosa e moderna figura processual que parece importada de uma qualquer ditadura africana) conduzisse, como conduziu, à imediata transformação do «suspeito » em criminoso - não só aos olhos de uma opinião pública desinformada mas também aos dos fazedores de opinião pública, ávidos por notícias destas.

Imaginava-se que tivesse o condão mágico de instantaneamente propiciar, como propiciou, o esperado discurso de «estão a ver, nós não dizíamos que só por causa dos árbitros é que o FC Porto tem dominado o futebol português nos últimos 20 anos?».

(Sim, porque alguma vez o FC Porto de Mourinho, o FC Porto do ano em que ganhou o campeonato com 12 pontos de avanço, a Taça de Portugal e a Supertaça e ainda a Taça UEFA, seria capaz de vencer a Académica nas Antas ou empatar com o Beira-Mar em Aveiro sem pôr antes umas meninas a distrair os árbitros?)

Imaginava-se ainda que, com um tiro no almirante, toda a esquadra se afundaria e o país futebolístico não teria de passar pelo horror de ver um clube português vencer o invencível Chelsea, ultrapassar a fase de grupos da Liga dos Campeões, acumular mais pontos a favor dos demais clubes portugueses no ranking das competições europeias e ainda, supremo desplante, trazer do Japão, e pela segunda vez, o título de campeão do Mundo.

Imaginava-se mas, aqui, as expectativas saíram traídas. Passado o primeiro momento de choque, que ainda poderá ter ajudado à derrota caseira contra o Beira-Mar, o FC Porto demonstrou que os grandes clubes são mais que apenas um presidente, por melhor que ele seja: são adeptos,treinadores, dirigentes, jogadores, uma mística, uma vontade, uma crença, uma capacidade de resistência à adversidade, em todas as situações e em todos os cenários.

O FC Porto resistiu às coincidências temporais do Apito Dourado, resistiu em silêncio às calúnias, difamações e falsificações históricas grosseiras que os arautos dos medíocres de imediato atearam, resistiu ao cansaço, aos fusos horários, a um adversário em campo que só jogou para o 0-0, aos golos mal anulados, à profusão de bolas na trave, resistiu a tudo e trouxe de Yokohama a tão merecida e tão desejada Taça Intercontinental, fazendo do FC Porto um dos membros do selectíssimo
clube dos 10 que mais títulos internacionais conquistaram em toda a história do futebol mundial.

Contra o desprezo e maledicência da própria pátria, são hoje campeões da Europa e campeões do Mundo. Haverá alguma outra coisa, desportiva ou não desportiva, em que Portugal se possa orgulhar de ter obtido o título de melhor do Mundo?

Aparentemente o mundo não chega aqui, aos arredores portugueses.

Lembro o Presidente Jorge Sampaio, que correu a condecorar o presidente da Federação, o seleccionador nacional e toda a Selecção que, em condições extremamente favoráveis, foi vice campeã da Europa mas esqueceu-se de condecorar o FC Porto, que por si só, sem ajudas nacionais, fora campeão europeu, dois meses antes.

Lembro a primeira página dos nossos três jornais desportivos neste sábado, totalmente ocupados com o palpitante Sporting-Braga dessa noite, remetendo o jogo do FC Porto em Yokohama, da manhã seguinte, para um rodapé de página. Lembro a mesma imprensa de domingo, com as manchetes ocupadas com as incidências do Sporting-Braga ou a magna questão de saber se o Benfica jogaria contra o Belenenses com ou sem o Sokota de início e o FC Porto de novo remetido para uma notinha cá em baixo, a par... do Boavista.

E lembro, porque não consigo calá-lo, a histórica e tristíssima edição de ontem deste jornal em que escrevo, em que o desastre do Benfica no Restelo ocupava 75 por cento da primeira página e o êxito do FC Porto não ocupava mais de 15 por cento, de novo cá nos baixios da página e sem ao menos ter a menção - detalhe - de que tinha conquistado o título de... campeão do Mundo! Enfim, lembro os telejornais de domingo da TVI e da SIC, que abriram, não com a notícia da vitória do FC Porto no Japão, mas sim com a notícia de uma ameaça de bomba no Real Madrid-Real Sociedad...

Faço uma pergunta a sério aos leitores de outras cores que não as minhas: como imaginam que nós, portistas, vemos e sentimos tudo isto?
Esta inveja doentia, que os leva a desprezar o que deveria ser motivo de orgulho para todos os portugueses, que os leva, não a tentar imitar os feitos do FC Porto, mas sim a retirar-lhes importância, rodeá-los de eternas suspeitas e calúnias?

Se somos campeões europeus é preciso desconfiar de um Porto-Académica de há dois anos atrás; se somos campeões do Mundo é preciso desconfiar de um Sporting-Braga em que o árbitro auxiliar anulou um golo ao Sporting por offside (embora tenha também cortado uma jogada de golo ao Braga, em situação idêntica, mas isso claro que não interessa).

Imaginem por um instante que o Benfica ou o Sporting tinham ganho na véspera um título mundial de clubes: acham que algum jornal desportivo português daria ao facto quase tanto destaque na primeira página como aos protestos de Pinto da Costa por ter sido mal anulado um golo ao Porto, contra o Braga, dois dias antes? O que nos dói, como portistas e como portugueses, é olhar para a imprensa desportiva internacional, no dia seguinte à vitória do FC Porto sobre o milionário e inacessível Chelsea, e constatar que o que os ocupa são as notícias, retransmitidas da imprensa portuguesa, sobre a «prisão» por «corrupção» do presidente do FC Porto e por causa de suspeitas levantadas a propósito de jogos contra a Académica e o Beira-Mar- nós, que levámos de vencida, até ao título europeu, Chelsea, Arsenal e Manchester, Real Madrid, Barcelona, Corunha e Valência, Juventus, Inter e Milan, Bayern, Schalke, Ajax e Galatasaray, enfim, tantos e tantos milionários do futebol europeu, que
dificilmente perdoaram a afronta cometida por um clube desse país periférico que é Portugal.

P. S. 1- Luís Filipe Vieira diz que em breve vai fazer muitas mais revelações, para acrescentar aos capítulos do Apito Dourado. Sendo certo que nada, obviamente, dirá sobre a anedota da arbitragem do ano - que foi aquele penalty a favor do Karadas e que valeu dois pontos contra o Estoril-, ele deveria explicar o que faziam dois jogadores do Benfica, que não participavam no jogo e não podiam ali estar, no túnel de acesso à cabine da filial estorilense, discutindo com dois adversários, durante
o intervalo do jogo. E, em particular, deveria talvez explicar o que quererá ter dito o Petit ao seu ex-colega do Boavista Paulo Sousa quando ao intervalo lhe reclamou que «não complicasse» as coisas. Sim, o que quereria ele dizer com isso? Também parece que houve algumas cenas menos próprias, no final do Sporting-Braga, no tal túnel de Alvalade, onde o Sporting diz ter câmaras de filmar montadas. Seria possível vermos o filme ou o único túnel suspeito é o do Dragão?

P. S. 2 - Interrogado no final do Porto-Chelsea sobre o envolvimento de Pinto da Costa no Apito Dourado, José Mourinho limitou-se a dizer que seguia a coisa à distância, como se isso lhe fosse totalmente alheio.
Fez mal. Primeiro porque o presidente do FC Porto era ainda o seu patrão há poucos meses atrás e, embora o clube muito deva a Mourinho, ele também deve a Pinto da Costa e ao clube a sua rápida projecção internacional. Segundo porque, a fazer fé nas notícias, o que está em causa são suspeitas que recaem sobre jogos do Porto quando Mourinho era o seu treinador. Ou seja, o que o país futebolístico faz por acreditar é que não foi graças à organização do clube, à gestão de Pinto da Costa, à
categoria de Mourinho ou à classe dos jogadores que o FC Porto registou os êxitos dos últimos anos: tudo terá sido devido a umas meninas de alterne, intermediadas por um empresário de Avintes e a favor de uns árbitros do Alentejo. José Mourinho não se sentirá atingido também?

Terça-feira decisiva ( 7 Dezembro 2004)

Penso que eu e todos os portistas nada menos esperamos e exigimos do que uma vitória esta noite contra o Chelsea e, no próximo domingo, em Yokohama. De outro modo, nada nos convencerá que Victor Fernandez esteve e está à altura de treinar o campeão nacional e europeu

1- Há muito tempo que o FC Porto não tinha um dia tão importante e tão decisivo como o desta terça-feira. A partir das 09.00 da manhã, no tribunal de Gondomar, joga-se o bom nome do clube e o do seu presidente. A partir das 19.45, joga-se, no Estádio do Dragão, a sobrevivência na Liga dos Campeões, de cujo título o clube é detentor. A partir das dez da noite, a Europa saberá se fomos campeões europeus por um acaso ou engenho de um treinador providencial (esta noite, nosso adversário) e nós , portistas, talvez possamos começar a ver melhor se o objectivo final do Apito Dourado não é o de ajudar a convencer a multidão de invejosos cá da terra de que só fomos campeões da Europa graças aos árbitros... portugueses. Começemos pelo futebol.

2- A derrota de sexta-feira passada contra o Beira-Mar abalou de cima abaixo toda a nação portista. Por várias razões que, todas elas, tornavam tal derrota inimaginável e inaceitável: - porque aconteceu num dia especial, em que, como dizia o Costinha, a equipa devia a Pinto da Costa uma vitória, aliás fácil, à partida; -porque o adversário era o último da classificação, há oito jogos que não conhecia a vitória, e,como se viu em campo, nada mais tinha ensaiado do que a hipótese de ganhar a taluda com uma simples cautela; - porque, depois da derrota traumática com o Boavista, a primeira no Dragão, era impensável que o jogo seguinte em casa se saldasse por nova derrota; - porque, depois de perder quatro golos feitos nos primeiros vinte minutos de jogo, a equipa resolveu acalmar e abrandar, quando pelo estádio inteiro perpassou a percepção do desastre, de tal forma os deuses da fortuna tinham sido desafiados; -porque, depois de se encontrar isolado na frente do campeonato, sem que para isso tenha feito muito - apenas beneficiando da irregularidade do Sporting e da mediocridade do Benfica - esperava-se que a equipa finalmente arrancasse e começasse a justificar a liderança; - porque, depois de duas jornadas felizes - Moscovo e Setúbal - onde a sorte compensou a falta de audácia e os erros do treinador, era mais do que tempo de fazer por merecer essa sorte; - porque é chocante ver vedetas pagas a peso de ouro jogarem displicentemente contra um adversário cuja folha salarial, toda junta, não deve chegar para pagar uma só dessas vedetas. A derrota foi traumática, enxovalhante,desmoralizante. O Beira-Mar, por mais que Manuel Cajuda encha o peito e a boca, não fez nada para merecer a vitória: foi o FC Porto que fez tudo para merecer a derrota.

Há culpados? Sim, há culpados. Dois, fundamentalmente: Hélder Postiga e Victor Fernandez. Ir buscar Postiga de volta ao Tottenham (escrevi-o aqui, na altura), foi o pior erro da pré-época do clube. Por alguma razão Mourinho o quis despachar e disse depois que em nada o admirava o Postiga ter falhado em Inglaterra. Desgraçadamente, porém, Pinto da Costa tem essa fraqueza de ir buscar de volta os jogadores que um dia vendeu para o estrangeiro e, salvo casos raríssimos-Baía, Oliveira-a experiência sai sempre frustrada. No caso de Postiga, que tinha marcado apenas dois golos em toda a época inglesa, a operação foi especialmente ruinosa porque ele custou uma pipa de dinheiro mais o Pedro Mendes, e, como se tem visto nas várias opurtunidades de que tem beneficiado, não justifica em nada o investimento. A sua actuação contra o Beira-Mar chegou a ser chocante, ao ponto de o comentador da TSF o classificar como o melhor central do adversário.Mas, para mim, pior ainda do que o desempenho, foi a atitude «ausente » em campo.

Victor Fernandez, antes de mais, foi o único espectador do jogo de Setúbal que conseguiu achar positiva a exibição de Postiga - (falhou um golo feito e nada mais fez em todo o jogo)- ao ponto de ter alegremente reincidido no erro. Decididamente, ele terá de render-se à triste evidência de que há um trio, composto pelo Postiga, o César Peixoto e o Maciel, que não querem ou não conseguem agarrar as oportunidades - (numa entrevista domingo passado, aqui na A BOLA, o Maciel dizia que não percebia porque não jogava: ele que vá ver os vídeos das suas últimas prestações e talvez perceba...). Para além do erro de Postiga, Fernandez, uma vez mais, mexeu na equipa apenas com o condão de a piorar. Já é um clássico: quando ele começa a olhar para o campo com um ar perdido e a consultar-se com o Nárcis Sierra, já se sabe que dali vai sair pior emenda do que o soneto. Enfim, e mais importante do que tudo,o FC Porto de Victor Fernandez voltou amostrar o seu desesperante lado de melancia: quando se abre, nunca se sabe o que está lá dentro. Tanto pode, episodicamente, sair um grande jogo, como um jogo sem sentido nem nexo. Tanto pode sair uma grande primeira parte, como uma segunda parte de salve-se quem puder. O jogo da equipa não tem estatégia visível, não tem lógica nem continuidade, há jogadores que não sabem qual é a sua posição nem a sua função em campo, não há, aparentemente, jogadas ensaiadas nem conhecimento dos adversários, não há um fio condutor no jogo da equipa, a começar logo pelas reposições da bola em jogo pelo guarda-redes. Tudo aquilo, por mais treinos à porta fechada e mais dias de folga cancelados que se façam, parece decorrer ao sabor dos improvisos dos artistas emcampo.Mas, às vezes, parece haver um excesso de artistas e um défice de equipa e de organização.

Felizmente, começei a criticar Fernandez, esgotado o meu benefício da dúvida, na semana passada - depois das vitórias em Moscovo e em Setúbal.
Penso que eu e todos os portistas nada mais esperamos e não exigimos menos do que uma vitória esta noite contra o Chelsea e, na próxima quarta- feira, em Yokohama. De outro modo, nada nos convencerá que Victor Fernandez esteve e está à altura de treinar o campeão nacional e europeu e ter o privilégio de defender esses títulos nas respectivas competições e ainda poder, graças ao trabalho alheio, ter a hipótese de ganhar a Supertaça Europeia-que já desperdiçou - e a Taça Intercontinental - que não pode e não deve perder.


3- Até ser possível ver mais claro, acho que não é sério, da parte de ninguém, tirar conclusões, num ou noutro sentido, sobre aquilo a que já chamam a Operação Apito Dourado- Parte II. Registo, obviamente, a euforia indisfarçada que reina em certos círculos desportivos, só pelo simples facto de o Ministério Público ter promovido a audição judicial do presidente do FC Porto.

Há até quem, sem conseguir conter-se, fale já de «oportunidade única» para a «regeneração» do futebol português. Eu não iria tão depressa:
olhem-me bem para os outros personagens do futebol português e digam lá se alguém pode acreditar que a verdade oculta neste mistério se resume a isto -um mau da fita, que é Pinto da Costa, e um coro de anjos celestiais, que são todos os outros.

As experiências dos últimos anos ensinaram-me, infelizmente, a desconfiar das investigações da PJ e do Ministério Público, nos chamados casos mediáticos.

Registo, neste caso, que já começaram as fugas da PJ: «fontes da investigação » sugeriram aos jornalistas que Pinto da Costa foi informado previamente do mandato de detenção para interrogatório de que era alvo e, por isso, pode evitar o enxovalho da prisão caseira para ser presente à juíza. Uma fuga dentro da própria fonte das fugas: ou o peixe que morre pela boca. Pois devo dizer que, se isso é verdade, acho que Pinto da Costa fez muito bem em evitar a «prisão preventiva» para interrogatório e apresentar-se antes voluntariamente ao tribunal.

No tempo em que estudei e exerçi direito processual penal - quando Portugal era ainda um Estado de Direito-as pessoas eram notificadas para prestar declarações e só após estas e se o juiz assim o entendesse, depois do interrogatório, é que ficavam presas preventivamente. Agora,porém, inventou-se uma nova modalidade, já aplicada a Pimenta Machado e a Valentim Loureiro: mesmo sem que haja qualquer motivo para presumir que as pessoas vão fugir ou furtar-se a prestar declarações, elas são presas cautelarmente e aguardam um fim-de-semana, dois ou três dias nos calabouços da PJ, até que o juiz tenha disponibilidade para os ouvir. E,durante esses dias de espera, como é evidente, a opinião pública já formou a sua opinião. Lembram-se quem é que, no tempo da outra senhora,prendia primeiro e interrogava depois?

4- Anteontem à noite, em Coimbra, o Sporting viu subitamente a Académica virar um jogo perdido num jogo aberto, passando de 0-2 para 2- 2.
Apostei comigo mesmo que o árbitro iria então tornar-se decisivo e não me enganei: no espaço de um minuto, ele perdoou o segundo amarelo a Rui Jorge, por falta grosseira, e foi dá-lo a Vasco Faísca, da Académica, por ter passado a mão pelo ombro de Ricardo, que logo se atirou para o chão, como se tivesse sido ceifado. Nesse minuto a sorte do jogo ficou sentenciada. Como dizia Artur Jorge e como disse Mourinho (nenhum dos dois portista), os erros de arbitragem, contas feitas no final da época, acabam por se repartir por todos em partes iguais. E eu acredito que sim. Mas uma coisa são erros de percepção, outra são diferenças de critério: os primeiros são involuntários, os segundos são certamente voluntários.

Registo que, de há vários anos para cá, o maior choramingas das arbitragens - o Sporting-é claramente o maior beneficiado dos erros voluntários. Talvez ocorra à juíza de Gondomar interrogar Pinto da Costa sobre este mistério: porque será que o FC Porto é, de todos os grandes,o que mais vezes tem jogadores expulsos, enquanto o Sporting é o que mais vezes consegue fazer expulsar jogadores adversários?