sexta-feira, dezembro 31, 2004

Terça-feira decisiva ( 7 Dezembro 2004)

Penso que eu e todos os portistas nada menos esperamos e exigimos do que uma vitória esta noite contra o Chelsea e, no próximo domingo, em Yokohama. De outro modo, nada nos convencerá que Victor Fernandez esteve e está à altura de treinar o campeão nacional e europeu

1- Há muito tempo que o FC Porto não tinha um dia tão importante e tão decisivo como o desta terça-feira. A partir das 09.00 da manhã, no tribunal de Gondomar, joga-se o bom nome do clube e o do seu presidente. A partir das 19.45, joga-se, no Estádio do Dragão, a sobrevivência na Liga dos Campeões, de cujo título o clube é detentor. A partir das dez da noite, a Europa saberá se fomos campeões europeus por um acaso ou engenho de um treinador providencial (esta noite, nosso adversário) e nós , portistas, talvez possamos começar a ver melhor se o objectivo final do Apito Dourado não é o de ajudar a convencer a multidão de invejosos cá da terra de que só fomos campeões da Europa graças aos árbitros... portugueses. Começemos pelo futebol.

2- A derrota de sexta-feira passada contra o Beira-Mar abalou de cima abaixo toda a nação portista. Por várias razões que, todas elas, tornavam tal derrota inimaginável e inaceitável: - porque aconteceu num dia especial, em que, como dizia o Costinha, a equipa devia a Pinto da Costa uma vitória, aliás fácil, à partida; -porque o adversário era o último da classificação, há oito jogos que não conhecia a vitória, e,como se viu em campo, nada mais tinha ensaiado do que a hipótese de ganhar a taluda com uma simples cautela; - porque, depois da derrota traumática com o Boavista, a primeira no Dragão, era impensável que o jogo seguinte em casa se saldasse por nova derrota; - porque, depois de perder quatro golos feitos nos primeiros vinte minutos de jogo, a equipa resolveu acalmar e abrandar, quando pelo estádio inteiro perpassou a percepção do desastre, de tal forma os deuses da fortuna tinham sido desafiados; -porque, depois de se encontrar isolado na frente do campeonato, sem que para isso tenha feito muito - apenas beneficiando da irregularidade do Sporting e da mediocridade do Benfica - esperava-se que a equipa finalmente arrancasse e começasse a justificar a liderança; - porque, depois de duas jornadas felizes - Moscovo e Setúbal - onde a sorte compensou a falta de audácia e os erros do treinador, era mais do que tempo de fazer por merecer essa sorte; - porque é chocante ver vedetas pagas a peso de ouro jogarem displicentemente contra um adversário cuja folha salarial, toda junta, não deve chegar para pagar uma só dessas vedetas. A derrota foi traumática, enxovalhante,desmoralizante. O Beira-Mar, por mais que Manuel Cajuda encha o peito e a boca, não fez nada para merecer a vitória: foi o FC Porto que fez tudo para merecer a derrota.

Há culpados? Sim, há culpados. Dois, fundamentalmente: Hélder Postiga e Victor Fernandez. Ir buscar Postiga de volta ao Tottenham (escrevi-o aqui, na altura), foi o pior erro da pré-época do clube. Por alguma razão Mourinho o quis despachar e disse depois que em nada o admirava o Postiga ter falhado em Inglaterra. Desgraçadamente, porém, Pinto da Costa tem essa fraqueza de ir buscar de volta os jogadores que um dia vendeu para o estrangeiro e, salvo casos raríssimos-Baía, Oliveira-a experiência sai sempre frustrada. No caso de Postiga, que tinha marcado apenas dois golos em toda a época inglesa, a operação foi especialmente ruinosa porque ele custou uma pipa de dinheiro mais o Pedro Mendes, e, como se tem visto nas várias opurtunidades de que tem beneficiado, não justifica em nada o investimento. A sua actuação contra o Beira-Mar chegou a ser chocante, ao ponto de o comentador da TSF o classificar como o melhor central do adversário.Mas, para mim, pior ainda do que o desempenho, foi a atitude «ausente » em campo.

Victor Fernandez, antes de mais, foi o único espectador do jogo de Setúbal que conseguiu achar positiva a exibição de Postiga - (falhou um golo feito e nada mais fez em todo o jogo)- ao ponto de ter alegremente reincidido no erro. Decididamente, ele terá de render-se à triste evidência de que há um trio, composto pelo Postiga, o César Peixoto e o Maciel, que não querem ou não conseguem agarrar as oportunidades - (numa entrevista domingo passado, aqui na A BOLA, o Maciel dizia que não percebia porque não jogava: ele que vá ver os vídeos das suas últimas prestações e talvez perceba...). Para além do erro de Postiga, Fernandez, uma vez mais, mexeu na equipa apenas com o condão de a piorar. Já é um clássico: quando ele começa a olhar para o campo com um ar perdido e a consultar-se com o Nárcis Sierra, já se sabe que dali vai sair pior emenda do que o soneto. Enfim, e mais importante do que tudo,o FC Porto de Victor Fernandez voltou amostrar o seu desesperante lado de melancia: quando se abre, nunca se sabe o que está lá dentro. Tanto pode, episodicamente, sair um grande jogo, como um jogo sem sentido nem nexo. Tanto pode sair uma grande primeira parte, como uma segunda parte de salve-se quem puder. O jogo da equipa não tem estatégia visível, não tem lógica nem continuidade, há jogadores que não sabem qual é a sua posição nem a sua função em campo, não há, aparentemente, jogadas ensaiadas nem conhecimento dos adversários, não há um fio condutor no jogo da equipa, a começar logo pelas reposições da bola em jogo pelo guarda-redes. Tudo aquilo, por mais treinos à porta fechada e mais dias de folga cancelados que se façam, parece decorrer ao sabor dos improvisos dos artistas emcampo.Mas, às vezes, parece haver um excesso de artistas e um défice de equipa e de organização.

Felizmente, começei a criticar Fernandez, esgotado o meu benefício da dúvida, na semana passada - depois das vitórias em Moscovo e em Setúbal.
Penso que eu e todos os portistas nada mais esperamos e não exigimos menos do que uma vitória esta noite contra o Chelsea e, na próxima quarta- feira, em Yokohama. De outro modo, nada nos convencerá que Victor Fernandez esteve e está à altura de treinar o campeão nacional e europeu e ter o privilégio de defender esses títulos nas respectivas competições e ainda poder, graças ao trabalho alheio, ter a hipótese de ganhar a Supertaça Europeia-que já desperdiçou - e a Taça Intercontinental - que não pode e não deve perder.


3- Até ser possível ver mais claro, acho que não é sério, da parte de ninguém, tirar conclusões, num ou noutro sentido, sobre aquilo a que já chamam a Operação Apito Dourado- Parte II. Registo, obviamente, a euforia indisfarçada que reina em certos círculos desportivos, só pelo simples facto de o Ministério Público ter promovido a audição judicial do presidente do FC Porto.

Há até quem, sem conseguir conter-se, fale já de «oportunidade única» para a «regeneração» do futebol português. Eu não iria tão depressa:
olhem-me bem para os outros personagens do futebol português e digam lá se alguém pode acreditar que a verdade oculta neste mistério se resume a isto -um mau da fita, que é Pinto da Costa, e um coro de anjos celestiais, que são todos os outros.

As experiências dos últimos anos ensinaram-me, infelizmente, a desconfiar das investigações da PJ e do Ministério Público, nos chamados casos mediáticos.

Registo, neste caso, que já começaram as fugas da PJ: «fontes da investigação » sugeriram aos jornalistas que Pinto da Costa foi informado previamente do mandato de detenção para interrogatório de que era alvo e, por isso, pode evitar o enxovalho da prisão caseira para ser presente à juíza. Uma fuga dentro da própria fonte das fugas: ou o peixe que morre pela boca. Pois devo dizer que, se isso é verdade, acho que Pinto da Costa fez muito bem em evitar a «prisão preventiva» para interrogatório e apresentar-se antes voluntariamente ao tribunal.

No tempo em que estudei e exerçi direito processual penal - quando Portugal era ainda um Estado de Direito-as pessoas eram notificadas para prestar declarações e só após estas e se o juiz assim o entendesse, depois do interrogatório, é que ficavam presas preventivamente. Agora,porém, inventou-se uma nova modalidade, já aplicada a Pimenta Machado e a Valentim Loureiro: mesmo sem que haja qualquer motivo para presumir que as pessoas vão fugir ou furtar-se a prestar declarações, elas são presas cautelarmente e aguardam um fim-de-semana, dois ou três dias nos calabouços da PJ, até que o juiz tenha disponibilidade para os ouvir. E,durante esses dias de espera, como é evidente, a opinião pública já formou a sua opinião. Lembram-se quem é que, no tempo da outra senhora,prendia primeiro e interrogava depois?

4- Anteontem à noite, em Coimbra, o Sporting viu subitamente a Académica virar um jogo perdido num jogo aberto, passando de 0-2 para 2- 2.
Apostei comigo mesmo que o árbitro iria então tornar-se decisivo e não me enganei: no espaço de um minuto, ele perdoou o segundo amarelo a Rui Jorge, por falta grosseira, e foi dá-lo a Vasco Faísca, da Académica, por ter passado a mão pelo ombro de Ricardo, que logo se atirou para o chão, como se tivesse sido ceifado. Nesse minuto a sorte do jogo ficou sentenciada. Como dizia Artur Jorge e como disse Mourinho (nenhum dos dois portista), os erros de arbitragem, contas feitas no final da época, acabam por se repartir por todos em partes iguais. E eu acredito que sim. Mas uma coisa são erros de percepção, outra são diferenças de critério: os primeiros são involuntários, os segundos são certamente voluntários.

Registo que, de há vários anos para cá, o maior choramingas das arbitragens - o Sporting-é claramente o maior beneficiado dos erros voluntários. Talvez ocorra à juíza de Gondomar interrogar Pinto da Costa sobre este mistério: porque será que o FC Porto é, de todos os grandes,o que mais vezes tem jogadores expulsos, enquanto o Sporting é o que mais vezes consegue fazer expulsar jogadores adversários?

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