sexta-feira, dezembro 31, 2004

Azul desbotado (28 Dezembro 2004)

Infelizmente, Victor Fernandez parece temer e achar uma inutilidade e um problema os jogadores criativos, como Carlos Alberto e Ricardo Quaresma. A agora anunciada dispensa do Carlos Alberto, para além de uma decisão trágica do ponto de vista desportivo e patrimonial do clube, representa também uma confissão de falhanço por parte de Fernandez. Espero bem que a SAD tenha o bom senso de a não permitir

1- Não fosse Hélder Postiga ter feito questão de confirmar como lhe é difícil acertar com uma baliza e marcar um golo (entre Tottenham, FC Porto e Selecção, creio que acaba o ano de 2004 com um total de três golos marcados!), os portistas teriam saído do Funchal com uma vitória tranquila e incontestada. Mas como, das duas vezes em que se viu isolado perante o guarda-redes do Marítimo,Postiga insistiu em rematar como não se deve, o FC Porto saiu do Funchal com dois pontos perdidos e ainda com o anátema de só ter conseguido conquistar um ponto graças a um golo off-side.

De facto, a jurisprudência antiportista há muito que estabeleceu a sua doutrina na matéria. Não há jogo do FC Porto em que não se procure o erro de arbitragem salvador, capaz, por si só, de afogar no esquecimento qualquer mérito azul-e-branco ou qualquer demérito do adversário.

Assim, no sempre lembrado jogo da Luz, toda a gente continua a falar interminavelmente do tal golo do Benfica que nem o árbitro nem o juiz de linha viram, «esquecendo- se», porém, da primeira parte do jogo, em que o FC Porto reduziu o Benfica à banalidade e poderia, muito justamente, ter saído para o intervalo com dois ou três golos de vantagem.

De igual modo, também agora, no jogo contra o Marítimo, toda a gente parece não ter reparado que o Marítimo apenas fez três remates à baliza do Porto em todo o jogo, que esteve quase uma hora inteira sem fazer remate algum e que o único golo que obteve, no primeiro remate que fez, resultou de uma oferta natalícia de Vítor Baía. E que, em contrapartida, o FC Porto, mesmo desfalcado de seis jogadores habitualmente titulares e sem nunca ter chegado a fazer um bom jogo, falhou três ou quatro oportunidades flagrantes e viu o guarda-redesmadeirense recusar- lhe ainda três golos feitos.

2- Com o escasso e mal conquistado ponto no Funchal, o FC Porto chega assim à pausa de Inverno isolado no comando do campeonato, com um ponto a mais do que os clássicos rivais. Olhando apenas para a verdade dos factos e dos números, tem de se concluir que Victor Fernandez conseguiu cumprir as expectativas exigíveis. Mesmo em ano e equipe de transição, mesmo tendo de digerir a desastrada herança de Del Neri, mesmo com a equipe dizimada por lesões e, em muitos casos — como sucedeu contra o Nacional, o Boavista e o Beira-Mar — com uma persis tente má sorte contra si.

Atendendo às circunstâncias e aos resultados, é forçoso concluir que o balanço é positivo: perdeu a Supertaça Europeia, caiu na Taça de Portugal à primeira eliminatória, encaixou duas derrotas inéditas e consecutivas no Dragão para o campeonato e apenas ganhou metade dos jogos internos; mas ganhou a Supertaça nacional, a Taça Intercontinental, venceu o Benfica e o Sporting e, mais importante ainda, garantiu um lugar nos oitavos-de-final dos Campeões, salvando o prestígio futebolístico e as expectativas financeiras, e conseguindo-o contra o Chelsea de Mourinho — o que teve um valor simbólico e desportivo acrescido.

E, todavia... Todavia, o universo portista não anda por aí além confiante e optimista. Vemos, com toda a boa fé, que o Sporting anda a jogar melhor futebol do que nós—que apenas jogámos verdadeiramente bem a primeira parte contra o Benfica, a segunda contra o Chelsea e os jogos contra o Sporting, o Boavista e o Once Caldas.
Houve jogos em que a equipe jogou um futebol confrangedor de desinspiração e falta de confiança, outros em que se arrastou em campo, revelando um défice de condição física que nem a sobrecarga de jogos e de lesões chegam para explicar. Dos onze jogadores comprados este ano, apenas o Seitaridis, o Pepe (que nem sequer tem sido primeira opção) e o Quaresma (de quem Fernandez desconfia), me parecem reforços seguros, mas insuficientes para preencherem o vazio deixado pelos que partiram. Inexplicável a dispensa do Rossato, preterido pelo Areias que, afinal nem é titular, levando à compra de um terceiro(!) lateral esquerdo na mesma época — o Leandro, que chegou, aliás, magoado e directamente para amesa de operações. E, com quatro laterais- esquerdos, jogamos afinal com um central totalmente (des)adaptado à função e fonte de constantes aflições.

No centro da defesa, pormais que Jorge Costa e Pedro Emanuel prolonguem a sua longevidade, nenhum deles consegue compensar a falta que faz a rapidez do Ricardo Carvalho.

No meio-campo, Diego, embora talentoso e promissor, é, para já, apenas uma pálida sombra de Deco. Onde Deco era a técnica e a inteligência em velocidade, capaz de abrir uma avenida para o golo apenas com um toque em movimento, Diego joga ao ritmo do Brasileirão, tendo de parar a bola, rodar sobre si mesmo e levantar a cabeça para então decidir o que fazer. Para além disso, não aguenta mais do que uma hora de jogo, apesar de não defender — o que obriga o Maniche a ausentar-se das zonas de apoio ao golo, onde era basta vezes decisivo.

E, além da ausência do Deco, convém não esquecer que faltam também o Pedro Mendes e o Alenitchev, o que chega para perceber porquê que o meio-campo do FC Porto joga tão distante dos avançados.

Na frente, confirmada a incapacidade de Maciel, César Peixoto eHélder Postiga agarrarem qualquer oportunidade concedida, há a notável «baixa» de Derlei, que passou de jogador decisivo numa época para uma sombra de si mesmo e um jogador simplesmente a mais, na época que decorre. Já o Luís «Fabuloso» Fabiano, melhor seria fazer-se tratar por Luís «Fora-de-Jogo» Fabiano, tamanha é a frequência e a displicência com que vive em «off-side».

O ataque do FC Porto, conforme está à vista de todos, tem vivido exclusivamente da classe ímpar de McCarthy (que apenas a lesão inicial de Fabiano evitou que fosse tragicamente dispensado), e dos momentos de puro talento inventivo de Ricardo Quaresma (não fosse a sua entrada, embora tardia, contra o Chelsea, e jamais Fernandez teria conseguido avistar os oitavos-de-final da Champion’s). Mas passa-se com Quaresma o mesmo que se passa com Carlos Alberto: Fernandez não gosta dele.

Já aqui escrevi que, infelizmente, Victor Fernandez parece temer e achar uma inutilidade e um problema os jogadores criativos, como Carlos Alberto e Ricardo Quaresma. É certo que eles são jogadores de jogos e de momentos, porque o génio não sai à rua todos os dias, (mas, caramba, quando sai vale a pena!).

É certo também, que por serem muito novos e cientes do seu talento, tendem a ser jogadores indisciplinados, dentro e fora do campo.Mas aí reside o talento de um treinador: saber orientá-los, discipliná-los, não lhes exigir o que eles não podem dar, mas saber aproveitar cada migalha do génio com que eles são capazes de marcar a diferença e de resolver jogos. A agora anunciada dispensa do Carlos Alberto, para além de uma decisão desastrosa do ponto de vista desportivo e patrimonial do clube, representa também uma confissão de falhanço por parte de Fernandez. Espero bem que a SAD tenha o bom senso de a não permitir.

Em resumo, a liderança interna do FC Porto é tudo menos convincente. Não há um jogo igual ao outro, não há uma continuidade de bom futebol e bons resultados. Há jogadores sobre-aproveitados, sem nenhum ganho para a equipe, e há outros olhados de viés e sentados no banco, sem justificação lógica. Se se confirmar a saída incrível do Carlos Alberto, a juntar à operação do Maniche, e juntando isto a um meio-campo já de si desfalcado no início da época, prevejo que não seja preciso esperar muito tempo para que esta escassa liderança interna se transforme em distância para o novo líder.

3- Há muito que defendo uma regra de transparência mínima nas competições internas: que os castigos relativos a uma prova sejam cumpridos nessa mesma prova. Por exemplo: que a suspensão de um jogo por acumulação de amarelos no campeonato não possa ser cumprida num obscuro jogo da Taça. Agora, com a esperteza saloia (e muito pouco condizente com os apregoados padrões de desportivismo) inventada pelo Sporting para livrar o Liedson de ficar suspenso no jogo contra o Benfica, torna-se urgente que uma medida tão simples, tão lógica e tão justa seja implementada. De outro modo, continuam todos a fazer discursos sobre «moralização» que não passam de discursos para enganar tolos.

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