segunda-feira, março 15, 2010

O FUTEBOL NÃO É ASSIM TÃO COMPLICADO (09 MARÇO 2010)

1- Já várias vezes disse que tenho muito respeito profissional por Jesualdo Ferreira. Acho que ele teve até agora vários méritos no F.C.Porto - para além do mérito evidente de três campeonatos e três presenças nas eliminatórias da Liga dos Campeões, em três anos de trabalho. Primeiro, repôs a normalidade táctica no futebol da equipa, depois das experiências delirantes do delirante Adriaanse; depois, soube fazer crescer jogadores hoje decisivos, como Bruno Alves, Varela ou o saudoso Lisandro; e, enfim, resistiu, ano após ano, ao desfalque sistemático dos melhores jogadores da equipa, por força da apetência negocial da administração da SAD e em obediência à sua regra de oiro: «vendemos três bons e compramos dez maus».

Mas também várias vezes disse que há coisas em Jesualdo que se tornam difíceis de entender e aceitar, a começar pela sua teimosia e previsibilidade: ele não dança conforme a música, mas conforme o seu plano de dança - e não muda, mesmo que a orquestra esteja a tocar uma valsa e ele insista em dançar um tango. A coisa começa pela escolha dos parceiros de dança: Jesualdo não gosta de mudar de par, ainda que o parceiro escolhido não saiba pôr um pé à frente do outro. No sábado, por exemplo, contra o Olhanense, Jesualdo assistiu pela centésima vez à absoluta inutilidade do Mariano González, mas manteve-o de princípio a fim, atrapalhando tudo e todos. E, do outro lado, brilhava o Ukra, sob contrato com o F.C.Porto e que ele não quis recuperar em Janeiro. Como a seguir, no Vitória de Setúbal-Braga, brilharam o Hélder Barbosa e o Alan, ou como quinta-feira brilhou o Vierinha pela selecção Sub-23. E a estes poderíamos ainda acrescentar o Candeias, o Rabiola, o Pitbull - tudo extremos dispensados por Jesualdo e que são todos, sem excepção, infinitamente melhores do que o triste González. Outro exemplo: precisou de ver o Maicon oferecer dois golos no primeiro quarto de hora de jogo para, quem sabe, começar talvez a pensar que a alternativa aos centrais titulares se chama Nuno André Coelho e ficou sentado no banco. E o mesmo se diga do miúdo Sérgio Oliveira, culpado de ter deixado todos com água na boca nas raríssimas oportunidades que Jesualdo lhe deu, e obrigado a ficar no banco asssistindo à miserável prestação de um trio de meio campo formado pelos confrangedores Valeri, Belluschi e Guarín. Em quatro anos de F.C.Porto, Jesualdo Ferreira não aproveitou um só jovem vindo da «cantera» - apenas algumas vezes lhes criou ilusões e lhes deu falsas oportunidades, antes de rapidamente os despachar para a concorrência. Sobretudo, se acumularam o azar de serem portugueses e não argentinos.

A mim, parece-me que o futebol não é assim tão complicado. Pouco ou nada percebo de tácticas e estratégias, mas, caramba, acho que não é nenhum bico-de-obra perceber quando é que um jogador é bom ou quando não presta. Basta ver como domina a bola, como a transporta, como decifra o jogo e resolve cada situação, como remata, como cabeceia, como se desmarca, como passa. Não é preciso ser nenhuma luminária para perceber que um Guarín não faz a mais pálida ideia do que anda a fazer em campo; que o Mariano tem uma permanente expressão de tristeza que é o espelho do futebol que ele próprio sabe que está ao seu alcance; que o Belluschi tem pose de pavão mas a eficácia em voo de um avestruz. Olha-se para o plantel do F.C.Porto e a mim parece-me evidente o que ali está. Estão oito bons jogadores: o quarteto defensivo (Fucile, Álvaro Pereira, Bruno e Rolando), o trio atacante (Hulk, Varela e Falcao), e apenas um centro-campista, recentemente acrescentado (Ruben Micael). Depois, há três jogadores que umas vezes jogam bem, outras mal: Fernando, Meireles e Rodriguéz. Um trio de guarda-redes banal, as tais duas esperanças por confirmar (Nuno André e Sérgio Oliveira) e, enfim, aquela funesta leva de latino-americanos que Jesualdo adora e que são uma fonte de despesas e frustrações sem fim: Mariano, Guarín, Tomás Costa, Valeri, Belluschi, Farías e Prediger. Parece que, desta leva, o único que afinal valia alguma coisa é o único que Jesualdo dispensou: Bolatti, agora titular na Fiorentina e na selecção argentina. Convenhamos que o professor tem um critério singular.

Eu percebo que Jesualdo tivesse de fazer poupanças contra o Olhanense, a pensar no Arsenal. Não percebo é a lógica de poupar antes de fazer o resultado, arriscando-se depois a ficar sem resultado e sem poupança: não era melhor ter metido o Varela desde início e tê-lo tirado depois de estar a ganhar 2-0, do que tê-lo poupado de início para ter de o meter a seguir a estar a perder 0-2? Era: o problema é que, apesar de tantas e tantas demonstrações da sua absoluta ineficácia, Jesualdo continua a manter a fé naquele patético quinteto latino-americano que habita no meio campo e arredores. E, mesmo depois da oportunidade de os experimentar bem naquela série de quatro ou cinco jogos contra equipas de terceira linha, em Janeiro, depois de ter ficado exposto à saciedade que dali não viria nenhuma boa nova, o professor teima em acreditar em milagres e em imaginar que pode disputar a sério o campeonato e a Europa com os Guaríns e Marianos.

Uma equipa de top em Portugal, que aspire também a fazer figura na Europa, precisa de ter, pelo menos, onze bons jogadores e sete razoáveis. Este F.C.Porto tem oito bons e três razoáveis: é curto. É certo que ninguém pode saber se a responsabilidade principal pelo plantel que está à vista é de Jesualdo Ferreira ou de Adelino Caldeira. Mas os dispensados são responsabilidade do treinador; a opção em não apostar nos que vêm da formação é responsabilidade sua; a teimosia nas mesmos alternativas com os suplentes de sempre, e que nunca resultam, é responsabilidade sua; a incapacidade de mudar as coisas a partir do banco, de não fazer substituições apenas por fazer e de não ser capaz de as fazer antes e não depois de estar em estado de necessidade, é responsabilidade sua.

Logo à noite, contra o Arsenal, a equipa só pode ser esta: Helton (já que tem de ser...), Fucile, Rolando, Bruno Alves e Álvaro Pereira; Raul Meireles, Fernando e Ruben Micael; Hulk, Falcao e Varela. No banco, professor, por favor sente: Beto, Miguel Lopes, Nuno André Coelho, Sérgio Oliveira e Cristian Rodriguéz. E, se quiser fazer número, acrescente o Belluschi - que, à falta de alternativa, entrará para o lugar de Fernando, se este não estiver em condições, recuando o Raul para trinco. E ganhe a eliminatória hoje, salve a época e para o ano reveja com atenção esse problema do meio campo e da falta de mais um extremo de raiz. E peça ao Dr. Caldeira que vá de férias para bem longe, quando chegar a altura das contratações.

PS 1 - Até que enfim que a Selecção Nacional tem um equipamento que dá gosto ver! As cores da bandeira (uma das mais feias do mundo, tal como o hino) não ajudam, mas décadas de ditadura do encarnado tornaram o equipamento horrível. Agora, que o Glorioso Benfica não tem um único jogador na Selecção (embora o Quim lá merecesse estar e a titular), já era altura de parar com a vassalagem nos equipamentos. Oxalá este nos dê sorte!

PS 2 - Ó Araújo Pereira, venho constatando a atenção que você dedica aos meus escritos passados - embora não todos, mas incluindo alguns de que eu próprio já não me lembrava. E ocorreu-me se você, entre dois daqueles tão imaginativos anúncios ao MEO, não quereria fazer uma perninha como meu arquivista, que bem precisava? (E só não o trato por Ricardo também, porque você me trata por Sousa Tavares, e só há duas coisas que eu odeio, quando se referem a mim: que me tirem o Miguel do nome e que me ponham a dizer uma palavra que eu nunca uso: «algo»).

O DILEMA (02 MARÇO 2010)

1- A partir das 22.10 de domingo, todos os portistas se viram confrontados com um dilema de difícil solução. Perdido de vez o sonho de novo penta-campeonato, por qual dos objectivos deve torcer o nosso coração: desejar que o Braga comece a perder pontos, para que assim lhe roubemos o segundo lugar e o acesso à pré-eliminatória da Liga dos Campeões do ano que vem, ou torcer para que o Braga se aguente e consiga roubar ao Benfica o seu de há muito anunciado título de campeão? Racionalmente, deveríamos torcer pela primeira opção, mas acho que não me engano se disser que a grande maioria dos portistas torce para que, acima de tudo, o Benfica não seja campeão. É que, nos últimos anos, a «Instituição» tem feito o possível e o impossível para se tornar absolutamente odiosa e odiada aos olhos dos portistas.

Pela parte que me toca, tento, apesar de tudo, manter a calma e a lucidez. Penso que seria muito mau que o F.C.Porto — que, a par do Manchester United, é o clube com mais presenças na Liga dos Campeões — viesse a falhar a edição de 2010/11. E também, contra túneis e apitos encomendados, continuo a pensar que o campeão deve ser o melhor em cada época. E esta época — já o escrevi aqui duas vezes — o melhor tem sido o Benfica. E, até por isso, como também já o escrevi, é pena a história do túnel. É pena que o excesso de zelo do Dr. Costa nos faça para sempre lembrar que este, a ser o ano do Benfica, será também o ano do túnel — o ano em que nos foi retirada, de forma infame, uma das armas principais para discutir o título até final. E isto não é conversa de vencido: estava a olhar para o jogo de Alvalade, a meio da primeira parte, e a pensar que o jogo estava mesmo à medida das arrancadas do Hulk. Mas, quando olhava para o espaço que deveria ser o dele, quem é que eu via lá? O Mariano González!


2- Se me tivessem pedido um palpite para o jogo de Alvalade, eu teria apostado numa vitória do Sporting. Porque um «clássico» é sempre um «clássico», com uma lógica que desafia a simples lógica habitual, e também porque, de há uns tempos para cá — dois, três anos — venho detectando no F.C.Porto um preocupante regresso aos tempos do síndroma do terror da travessia do Douro. Jesualdo Ferreira devia estar atento a isso, porque essa foi a razão primeira para aquelas, já longínquas, décadas de subalternidade portista: o medo de vir jogar a Lisboa, que tolhia os jogadores, transformando-os em crianças aterrorizadas num mundo de adultos. O mesmo F.C.Porto que, no espaço de uma semana, aguentou e venceu o Arsenal e destroçou o Sporting de Braga, veio a Lisboa, perante um Sporting que lhe é em tudo inferior, e assinou a pior exibição da época — apenas comparável à que já havia assinado na Luz.

É claro que há coisas ou casos que são previsíveis: o Mariano ainda consegue disfarçar às vezes, quando tudo está a correr bem à equipa; mas, quando a equipa precisa mesmo de jogar onze contra onze, ele não existe — só Jesualdo é que insiste (e, diga-se em abono da verdade, acompanhado por alguns amigos da onça). Eu acho que o rapaz é sério no esforço que faz, que sente e sofre pela equipa. O problema é que ele não é capaz de dominar uma bola, de fazer um remate sem ser para onde está virado, de cruzar uma bola em condições, enfim, de exibir um básico de técnica futobolística sem a qual é forçoso pensar que se enganou na profissão. Eu sei que às vezes saem dali coisas totalmente imprevistas e que, em momentos de delírio, ele é capaz de sair da cabina telefónica com a bola à frente — mas não sai pela porta, sai pela parede de vidro, criando uma tamanha trapalhada que os adversários acabam por se desnortear. Mas, no fundamental, não há milagres no futebol: em Alvalade, Mariano perdeu todos e cada um dos lances em que interveio e não deu seguimento a uma única jogada. Mesmo assim, e igualmente previsível, Jesualdo Ferreira esperou pelo minuto 46 e pelo 3-0 para se conformar com a inviabilidade do milagre.

O que não era de prever eram outras coisas: a noite absolutamente desastrada da dupla de centrais, assistindo os remates para os dois primeiros golos do Sporting e abrindo uma avenida iluminada para o terceiro; o desaparecimento de Silvestre Varela e de Rúben Micael — este, limitado pela arrastada lesão na clavícula causada por uma entrada «a matar» de um defesa leixonense há quinze dias atrás, e branqueada em campo por Bruno Paixão. E também não era de prever que à recaída física de Rúben Micael se viesse juntar também a de Raul Meireles. E, de repente, com meio jogo pela frente, o meio-campo do F.C.Porto ficou entregue a três suplentes: o Tomás Costa, mais um artista de variedades, com penteado a condizer, chamado Belluschi, e um rapaz da Colômbia, Freddy Guarín de sua graça, que está seguramente na lista dos dez piores jogadores que eu alguma vez vi vestirem aquela luminosa camisola azul-e-branca. É preciso conceder: foram contratempos a mais. E ainda faltava saber para que lado cairia a sorte do jogo.


3- Resultado feito, é claro que choveu um coro de elogios à exibição do Sporting — como já antes, perante idêntico resultado, havia sido contemplada a vitória sobre o Everton. Pois eu, que vi os dois jogos, confesso-me pouco impressionado. Vi um Everton desfalcado, absolutamente inofensivo, como já havia sido contra o Benfica e, face ao qual, o Sporting não fez mais do que a sua obrigação de ganhar tranquilamente e salvar um pouco a honra de uma época sem glória. E contra o F.C.Porto?

Na primeira jogada de ataque, aos seis minutos, o Moutinho ganha um ressalto ao Fucile, centra no chão e pelo chão direito ao Rolando, que serve o Djaló para um remate «cagadinho» que bate mal o Helton: 1-0 no primeiro remate à baliza. Foi um tónico precioso para uma equipa que, passados dez minutos, já dava a sensação de estar a arrastar-se em campo e a suspirar pelo intervalo. E, quando já tudo caminhava para as cabinas, o Mariano perde, uma vez mais e displicentemente, uma bola a meio-campo, há um cruzamento para a área e Bruno Alves assiste de cabeça para um remate feliz do Izmailov: 2-0 ao intervalo, quando apenas o 1-0 já era excelente. E assim regressa o Sporting para a segunda parte, depois de um anormal período de descanso na cabina. Regressa e, ao minuto 1, primeiro ataque e eis que Bruno e Rolando abrem alas para ver o Liedson rematar ao poste e permitir uma recarga tranquila do Veloso: 3-0 ao minuto 46, aproveitando tudo aquilo a que generosamente talvez se possa chamar três oportunidades de golo. A partir daí, a história do jogo ficou contada: o F.C.Porto sucumbiu psicologicamente e o Sporting renasceu, física e animicamente, como até o Sacavenense teria renascido. Muitos «olés» e auto- -elogios, mas eu, sinceramente, ainda me pergunto onde esteve a fantástica exibição leonina. O que eu vi foi uma sorte quase obscena, a que se juntou um «hara-kiri» portista, potenciado por alguns jogadores que pareciam ter tomado Dormicum ao pequeno-almoço — seguindo, aliás, o exemplo do próprio treinador. Ainda não foi desta que consegui ver — por uma vez que seja! — Jesualdo Ferreira conseguir mudar o curso dos acontecimentos a partir do banco...


4- Também é preciso sorte noutras coisas. O Sporting começou o jogo sem nenhum titular indisponível e apenas com o seu treinador a ensaiar por antecipação a desculpa do cansaço. O Benfica tem atravessado a época inteira com todo o seu núcleo duro permanentemente disponível (à excepção de Pablo Aimar, que é, por natureza, fisicamente intermitente). Mas todos eles lá têm estado à disposição de Jesus. E, não desfazendo o mérito deste na gestão do plantel e em tudo o resto, assim tem sido com Javi García (agora castigado com dois jogos), Ramires, Aimar, Saviola, Cardozo, Di María: seis estrangeiros de luxo, sempre disponíveis. Mas já o F.C.Porto teve lesionados de longa duração: Varela, Fernando, Meireles, Rodriguez, Orlando Sá. Agora, juntou-lhe o Farías e há dois meses que tem o Hulk de fora, às ordens do Dr. Ricardo Costa. O Rúben anda a jogar lesionado, o Meireles talvez antes de tempo, e não tem avançados no banco de suplentes. Faz a sua diferença, mas agora já não há nada a fazer. Apenas ultrapassar o Arsenal.

FUTEBOL É ISTO, O RESTO SÃO CALABOTES (23 FEVEREIRO 2010)

1- Escrevi no meu último texto que esta semana que passou iria ser decisiva para o futuro próximo do F.C.Porto, com os dois jogos contra o Arsenal de Londres e o de Braga e a iminente leitura da sentença que o Justiceiro congeminava para Hulk e Sapunaru. Mas acrescentei que é justamente nestas alturas que o clube e a equipa se agigantam. E assim foi: no que dependia da equipa, os resultados foram os melhores; no que dependia dos seus inimigos, foram maus, claro, bem piores do que a vergonha permitiria supor. Sigamos, então, a ordem destes cinco dias vertiginosos para os portistas.

Foi um jogo magnífico na primeira parte e terrível na segunda. O Arsenal, mesmo desfalcado de jogadores como Almunia, Arshavin ou Van Persie, é uma equipa fabulosa - como rapidamente se pôde ver no tapete do Dragão. E só foi pena que o F.C.Porto, mais uma vez, tenha começado por perder dois golos logo de entrada, porque não aparecem oportunidades assim contra equipas destas em todos os jogos. Mas, no resto, o F.C.Porto fez um jogo tremendo - de esforço, de bom futebol, de capacidade de resistência e de jogar a um ritmo que diz muito do profissionalismo com que se trabalha naquela casa: nenhuma outra equipa portuguesa, como se tem visto ao longo dos últimos anos, é capaz de sustentar um jogo a este nível e disputá-lo do primeiro ao último minuto.

O F.C.Porto acabou por ter a sorte do jogo na forma como obteve os seus dois golos (o segundo, digo-o contra nós, não deveria ser permitido - embora o Bayern também já nos tenha eliminado assim uma vez). Mas em campo esteve, pela primeira vez, aquele que considero, jogador por jogador, o melhor onze possível. Todavia, acusando e muito a debilidade física e falta de ritmo de jogo de alguns regressados: Raul Meireles, Fernando, Hulk. Para além disso, repetiu-se essa estranha debilidade no jogo aéreo estático do centro da defesa portista, a permitir o golo do Arsenal (como depois permitiria igualmente o do Braga): é muito estranho como é que Rolando e Bruno, imperiais no jogo aéreo em movimento, se tornam vulneráveis nas bolas paradas pelo ar…

Mas há ali à solta um trio de luxo neste F.C.Porto, que tem conseguido ultrapassar castigos e lesões, sobrecarga de jogos e ausência de um banco à altura: é o trio Álvaro Pereira, Ruben Micael, Silvestre Varela. Seguramente, que Carlos Queiroz está atento aos dois últimos; seguramente que o CD da Liga está atento a todos eles e mais o Falcao. Vai ser preciso ultrapassar sarrafadas, emboscadas em túneis e árbitros comanditados. Não vai ser fácil, não - assim como não vai ser fácil segurar esta débil vantagem em Londres, dentro de quinze dias. Mas, pelo menos, os outros que têm chegado à Liga dos Campeões quase sempre exclusivamente por mérito nosso, podem-nos agradecer mais dois pontos arrecadados para o ranking da UEFA. Vá lá, agradecem, que só vos fica bem.

2- Apesar de todo o seu gosto pelas encenações grandiosas, apesar da sua retórica pseudo-jurídica para parolos e ignorantes, o Dr. Ricardo Costa é demasiadamente previsível. O homem tem uma obsessão, que não há como esconder: perseguir o F.C.Porto, como ninguém mais. Debalde, se tentará embrulhá-la em sinuosas teses jurídicas, que a ignorância jornalística ou a má-fé militante consentem apadrinhar. Facto é que todas as suas teses de direito acabam derrotadas por quem de direito: quis pôr o F.C.Porto fora da Europa e da primeira Liga e acabou posto no lugar pelo Comité de Disciplina da UEFA; mandou silenciar Pinto da Costa por dois anos e acabou enxovalhado pelos tribunais, que reduziram a nada o suposto crime e os supostos factos pelos quais ele condenou o presidente do F.C.Porto; e agora, retirou a dois profissionais de futebol o direito ao trabalho por uma larga temporada, e mais tarde será, obviamente, desautorizado. O problema é que, enquanto pode e o deixam, enquanto inventa teses jurídicas e não é posto na ordem por quem o pode fazer, ele causa danos - e esse é o resultado prático da sua «justiça».

As teses jurídicas do Dr. Ricardo Costa fazem-me lembrar o que se contava na minha Faculdade de Direito de Lisboa, a propósito da tese de doutoramento do professor Soares Martinez. Contava-se (não sei se como lenda ou verdade) que, depois de o ouvir dissertar, o Professor Marcelo Caetano, arguente da tese, lhe disse: «A sua tese tem partes boas e partes originais. Infelizmente, as partes boas não são originais e as originais não são boas».

O mais original (e previsível) da última tese jurídica do Dr. Ricardo Costa é a doutrina que ele acaba de criar de que os seguranças contratados por um clube - sem acreditação da Liga nem sujeitos à sua alçada disciplinar - são «agentes desportivos». Porque, repito-o mais uma vez: A LEI NÃO DIZ QUEM SÃO OS AGENTES DESPORTIVOS. E, de forma alguma sugere ou permite concluir que os seguranças o sejam: quem o diz é o Dr. Ricardo Costa. E di-lo, porque essa sua original interpretação da lei é a única que permite retirar dos relvados por uma temporada absurda dois jogadores do F.C.Porto. Por isso, quando ele se escuda na «dura lex, sed lex» para justificar o injustificável, estamos perante um vulgar exercício de malabarismo: a lei não diz nem permite inferir aquilo que o Dr. Ricardo Costa afirma que ela diz. A lei não é ele e isto não é o Texas.

Se, como ele sustenta, os seguranças (cuja única missão é vigiar o público, e não vigiar jogadores, fazer-lhes uma espera em atitude de desafio dentro do túnel e provocá-los quando eles vão para a cabina) são «intervenientes no jogo», então toda a gente que está no estádio é interveniente no jogo. Desde logo, os próprios espectadores - que, ao contrário dos seguranças (que passam o tempo todo de costas viradas ao jogo), puxam pela equipa da casa, vaiam os adversários, pressionam o árbitro, etc. E os apanha-bolas, que muitas vezes demoram ou apressam a reposição das bolas em jogo, conforme o interesse da equipa da casa. E os polícias, os arrumadores, os vendedores dos bares, os tratadores da relva, os que cuidam da iluminação, os jornalistas, os fotógrafos de campo.

Toda esta gente, segundo a brilhante tese do Dr. Ricardo Costa, são «intervenientes no jogo» e «agentes desportivos». Têm direito a um tratamento VIP, que até contempla um estatuto excepcional de direitos sem deveres: eles são intocáveis, para efeitos disciplinares de quem se atreva a tocar-lhes; mas são, simultâneamente, impunes e irresponsáveis, se forem para o túnel provocar desacatos ou até agredir jogadores e dirigentes. É isso que justifica que o Javi García, à vista de 50.000 pessoas no estádio e um milhão em casa, possa enfiar dois pontapés num adversário e continuar a jogar, enquanto espera pela decisão de um «sumaríssimo» que, na pior hipótese, o vai suspender por dois ou três jogos; mas o Hulk e o Sapunaru, que responderam a uma provocação num túnel e, no meio da confusão geral, terão dado respectivamente, um e dois murros num segurança, à vista de meia-dúzia de pessoas (e muito gostaria eu de saber como foi feita a prova…), esses, ficam preventivamente suspensos durante dois meses e depois levam 25 e 35 jogos de suspensão. Repito: quem permite isto não é a lei: é a interpretação que dela quis fazer o Justiçeiro. E que já se adivinhava desde o primeiro dia - bastando para tal ler o tom eufórico da imprensa desportiva lisboeta.

Porque isto é tão escandaloso, tão chocantemente evidente, julguei que, mesmo com as rivalidades e ódios exacerbados, quem quer que goste de futebol se indignaria. Mas, não: um tal Dr. Pragal Colaço, jurista, e um tal Araújo Pereira, humorista, ainda estranharam a benevolência e as «atenuantes» que o Dr. Ricardo Costa, compungidamente, enunciou. É assim, sem disfarce, que aspiram a ser campeões.

Eles jogam nos túneis, nós jogamos no campo. E, por isso, senhoras e cavalheiros, servimo-vos esta noite o melhor jogo de futebol a que este campeonato já assistiu. Porque, por mais que eles inventem apitos e carolinas e paixões e ricardos, nós respondemos sempre no campo, à vista de quem quer ver, à vista de quem gosta mesmo de futebol. Nestas ocasiões, é hábito deles sugerirem que vamos facilitar, só para dificultar a vida aos rivais. Assim foi há dois anos, quando o Guimarães era «amigo» e disputava uma vaga na Liga dos Campeões com o Sporting: fomos lá e demos-lhes cinco. Agora, também as Virgens da Verdade Desportiva insinuavam que iríamos facilitar contra o «amigo» Sporting de Braga: demos-lhes cinco e podiam ter sido sete ou oito.

Tenho tanto orgulho em ser portista!

segunda-feira, março 01, 2010

TUDO ISTO EXISTE, TUDO ISTO É TRISTE (16 FEVEREIRO 2010)

1- Olhei para o Estádio do Mar, pouco depois do jogo começar: campo pequeno, relvado impróprio para jogar bom futebol e a favorecer quem defende. Público da casa que apenas queria ver a sua equipa bater o pé ao «grande», jogasse como jogasse, equipa disposta a fazer-lhe a vontade, recorrendo a todos os truques do anti-jogo que vêm nos compêndios, árbitro conhecido pela sua paixão benfiquista e pelos danos causados ao F.C.Porto ao longo dos tempos. Estavam reunidas todas as condições para o F.C.Porto encostar. E encostou.

Segundo os critérios de Olegário Benquerença, exibidos no Sporting-Benfica para a Taça da Liga, José Manuel, do Leixões, deveria ter sido expulso aos 7 minutos, quando entrou por trás e a varrer Rúben Micael, deixando-o diminuído fisicamente para o resto do jogo. Mas claro que eu sabia que os critérios disciplinares do nosso único árbitro mundialista não valem para todos - todos os árbitros e todos os clubes. Basta lembrar-me do que tantas vezes acontecia no tempo em que era permitido ao Hulk jogar em Portugal, quando, mal o jogo começava, se percebia que havia adversários que vinham com instruções de o tentar arrumar ou intimidar logo de início - e os árbitros nada, nem um amarelo.

Nomear os mais conhecidos árbitros benfiquistas (casos de Lucílio Baptista ou Bruno Paixão) para jogos do Benfica, do Braga ou do F.C.Porto, quando o campeonato entra na sua fase decisiva, não é apenas falta de senso, é também falta de maneiras. Até porque eles, sobre serem benfiquistas, não se distinguem de forma alguma pela sua qualidade técnica. Restam, pois, as consequências previsíveis: nos últimos dois jogos em que perdeu pontos para o Benfica e Braga, o F.C.Porto empatou com o Paços de Ferreira depois de ter visto um golo magnífico e limpíssimo de Falcao ser anulado, e empatou com o Leixões depois de ter visto Bruno Paixão fazer vista grossa a um penalty sem história, cometido cinco metros à sua frente e à sua vista. Entretanto, também o Benfica empatou em Setúbal, com um golo limpíssimo anulado ao Vitória. Nem é preciso andar mais para trás nas contas: cinco pontos valem um campeonato, valem uma época, valem milhões da Liga dos Campeões.

2- Como já aqui escrevi a propósito desse jogo com o Paços, tenho muito respeito pelos clubes pequenos e não esqueço que eles competem com os grandes em condições objectivas de desigualdade. Mas isso não é um pretexto para que renunciem à partida a competir e se refugiem num anti-jogo que é uma ofensa a quem paga bilhete para ver futebol. Se é para dar espectáculos destes que querem estar na primeira Liga, mas valia não estarem. Mais valia que a primeira Liga tivesse só doze clubes, a jogar em duas fases, como há muito defendo.

Porque uma coisa é jogar à defesa e em contra-ataque, recuar as linhas, dar a iniciativa e a despesa de jogo ao adversário mais forte. Outra coisa é entrar em campo direitos às canelas dos adversários, criar um clima constante de contestação de todas as decisões dos árbitros por mais inócuas que sejam, defender com dez jogadores dentro da área ou, como fez o Leixões, ter seis jogadores assistidos no relvado, por pretensas lesões, apenas na segunda parte (!). Dizia um jogador leixonense, no final, que já tinham assimilado os «princípios de jogo» do novo treinador. Bem, não é difícil: com «princípios» daqueles, qualquer um é treinador e qualquer um se consegue imaginar jogador.

Façam o choradinho que quiserem, esta é a minha opinião: futebol assim, com campos e relvados daqueles, árbitros que protegem o anti-jogo e os sarrafeiros, não vale a pena esperar por público nas bancadas. Eu sei bem porque fico em casa.

3- Já está ultrapassada a barreira dos dois meses da «suspensão prévia» do Hulk e do Sapunaru, por pretensos acontecimentos, falseados enquanto possível, e que, já deu para perceber que não justificavam sequer um jogo de suspensão. Já foram vistas e revistas as imagens, ouvidos os intervenientes e testemunhas, produzidos os relatórios de quem de direito, já nada há que obste a uma decisão. Apenas a vontade de demorá-la o tempo conveniente para que depois a duração do castigo coincida com a suspensão preventiva. Entretanto, o F.C.Porto tem encostado o mais caro e o mais perigoso jogador do seu plantel e vai perdendo pelo caminho, e com a ajuda das arbitragens, os pontos necessários para cavar uma distância que garanta que, quando o Hulk regressar, já será tarde. Todos os dias se acrescenta mais um dia a esta vergonha pública, perante o silêncio da nossa imprensa desportiva, que aceita passivamente que o CD da Liga possa retirar do campeonato aquele que, na última temporada, foi considerado o seu melhor jogador.

Há dias, o «Diário de Notícias» trazia uma sondagem para responder à seguinte pergunta: «O campeonato tem sido alvo de várias polémicas. Como acha que vai ser decidido?». Respostas: 31,3% responderam «pelas arbitragens»; 26,3% responderam «nos túneis»; e apenas 25,7% responderam «no campo». Eis ao que chegámos.

4- O Fernando Guerra pode, pois, tomar nota desde já: dificilmente os portistas e os bracarenses irão reconhecer o mérito de um campeonato ganho pelo Benfica nestas circunstâncias.

E, já agora, respondendo à sua extraordinária declaração de que «em mais de 50 anos não conseguiram os partidários do dragão descortinar uma relação entre feitos desportivos do Benfica e eventuais favores de arbitragem», lamento desapontá-lo, mas, por acaso e para não ir mais longe, basta lembrar as circunstâncias em que o Benfica venceu os seus dois últimos títulos: a Taça da Liga, da época passada, ganha ao Sporting de maneira tal que passou a ser conhecida na gíria por «Troféu Lucílio Baptista»; e o último campeonato ganho, o do Trapattoni, em que nos últimos dez jogos todos os golos dos encarnados aconteceram de penalty e livres inventados ou duvidosos à entrada da área (lembro-me bem do penalty decisivo, no último jogo no Bessa, que foi dos mais anedóticos que já vi assinalado). O Fernando Guerra atreveu-﷓se a sugerir que já só faltava limpar a «lenda» do Calabote, para que meio século de arbitragem ficasse virgem de favores feitos ao Glorioso. Tarefa difícil, essa de fazer esquecer os Porfirios e os Valentes ou os contemporâneos Lucílios e Paixões.

5- Ansiosa por deitar poeira para os olhos dos que não andam cegos, a imprensa benfiquista pretende que o Braga só venceu o Marítimo graças a um golo irregular. De facto, no início da jogada, a bola esteve fora da linha lateral, mas pretender que isso teve relação directa com o golo é mais do que má-fé: entre a saída da bola e o golo decorreram uns trinta ou quarenta segundos em que a bola passou por uns seis jogadores e poderia ter sido umas três vezes definitivamente afastada pelos jogadores do Marítimo antes do belíssimo pontapé fatal de Luís Aguiar. Por este critério de causa-efeito, dificilmente se encontrará um golo que, na sua génese, lá atrás, não tenha tido alguma coisa de irregular. O que se pretende aqui, como bem sabemos, é preparar o terreno para os devidos fins.

6- Amanhã o Arsenal e domingo o Braga. Duas equipas que equipam de igual, dois adversários terríveis. É a altura decisiva da época para um F.C.Porto atípico, mas que, mesmo assim, é neste momento a única equipa da Europa que, tendo já vencido uma das competições em que participou (Supertaça), continua a disputar, e com a vitória ao alcance, todas as outras: Liga dos Campeões, campeonato nacional, Taça de Portugal, Taça da Liga. E é nestas alturas que o F.C.Porto se costuma agigantar.

DEZ DIAS FORA E TANTA COISA! (09 FEVEREIRO 2010)

1- Dez dias longe daqui, lá onde faz sol e se respira alegria, e tanta coisa a acontecer por aqui, na minha ausência! Tanta coisa, mas verdadeiramente nada de novo: continuam a chuva e os dias cinzentos que tinha deixado para trás, continua o campeonato dos túneis, com um campeão já destinado e um árbitro que perdeu o pudor de esconder o jogo, e continua o País inteiro à escuta — mas agora já não é só dos telefones, mas também das conversas de restaurante. Nada de novo, portanto. Portugal parece um náufrago que esbraceja desesperadamente para se manter à tona de água. Mas, quanto mais esbraceja, mais se afunda. E sem glória.

2- Perdi nada menos do que três jogos do F.C.Porto e até parece que a minha ausência deu sorte: vitória convincente com o Nacional, na Madeira, exibição de luxo e arraso do Sporting para a Taça, e vitória tranquila e por números correspondentes contra a Naval. Três jogos, três vitórias, doze golos marcados, dois sofridos, dois pontos recuperados ao Benfica para o campeonato, o caminho desbravado largamente para repetir a vitória na Taça de Portugal: nada mau. Quando precisarem que eu me afaste outra vez, é só dizerem.

3- Tal como eu tinha previsto (e tanto suplicado!), rezam as crónicas que Rúben Micael chegou e logo fez a diferença. Aliás, bastou ver a azia e o incómodo que todos os comentadores benfiquistas manifestaram com a sua compra pelo F.C.Porto para confirmar que também eles sabiam que tínhamos acertado no alvo. Gozei à grande ao ver o despeito, a inveja e a ironia pífia com que eles acolheram a transferência do madeirense para o clube que o vai transformar num caso sério do futebol português.

Entretanto, eles também gozaram muito com a contratação abortada em cima da hora do Kléber. Eles gozaram, mas eu suspirei de alívio. Não apenas porque era uma contratação muito cara, mas, sobretudo, porque ele já vinha com a folha feita, com a imagem de marca de jogador indisciplinado e impulsivo: ainda ele não tinha assinado e já a Comissão Disciplinar da Liga estava a afiar o dente. Livrámo-nos de um problema: eles não o iam deixar jogar.

4- Como perderam a vergonha, agora inventaram também um túnel para o Braga. O pretexto e as imagens que supostamente registariam agressões que ninguém viu ou relatou, são simplesmente de anedota. Depois do F.C.Porto, o Sporting de Braga: nunca o descaramento chegou a este ponto.

Vi também, e finalmente, as tão propagandeadas imagens do túnel da Luz, sobre as quais e durante dois meses foi alimentada uma fábula tenebrosa, que prometia imagens eventualmente chocantes, de uma violência sanguinária, com pontapés na cabeça a mártires já tombados no chão e outras coisas de estarrecer. Mas, afinal, ó Senhora dos Aflitos, se alguém conseguiu ver ali, mesmo «frame a frame», um autor e uma vítima de agressões, naquela molhada indistrinçável de gente, das duas uma: ou é de uma má fé que requer tratamento psiquiátrico, ou deve ser contratado pela CIA para encontrar o Bin Laden nas grutas do Khyber Pass. É então por aquilo que o dr. Ricardo Costa mantém o Hulk fora de jogo há dois meses, (e para já não falar na sua risível tese jurídica de que um segurança, situado onde não pode estar e entretido a provocar jogadores e dirigentes adversários a caminho do balneário, é um agente desportivo)?

Preto no branco: é preciso aliviar também o futebol português deste senhor. Porque até ao Benfica ele pode causar danos. Se este ano o Benfica - porque tem uma grande equipa, um treinador que tem provado e joga um futebol como deve de ser - vier a ser campeão, nunca mais se livrará da fama de o ter sido em parte decisiva graças à ajuda impudica do CD da Liga. E este Benfica, de Jorge Jesus, merece melhor fama do que o de Trapalhona, com jogos deslocados do seu sítio, jogadores adversários contratados antes de os enfrentar, e todos os últimos jogos resolvidos a peraltices e livres frontais à entrada da área.

Os vídeos com que tanto nos massacraram como «a» prova decisiva, são uma anedota pública. Dão vontade de rir, se isto fosse a feijões. Estão ao nível da restante programação do Canal Benfica.

5- Qem me lê habitualmente, sabe que pouco ou nada venho escrevendo sobre o Sporting. E que o pouco ou nada que fui escrevendo foi apenas para dizer que, em minha opinião, o Sporting não tem equipa e não sei se tem futuro. O estoiro do Sporting não me surpreendeu, pois, em coisa alguma. Esta época, não lhe vi um único jogo bom, de princípio a fim, e o único jogador ali em que vejo qualidades para um candidato ao título é o eterno Lidou. Tudo o resto são banalidades, com dois ou três que, de vez em quando, jogam bem - mas só de vez em quando.

Sem dinheiro para ir ao mercado, convencionou-se que o Sporting tinha um mercado próprio, barato e alternativo, que era a Academia de Alcochete. Tudo o que saía de lá era produto de qualidade garantida, pronto a jogar na equipa principal e logo depois apto a despertar a cobiça de um tubarão europeu. Pura ilusão de desejos tomados por realidades: não nascem Cristiano, Nanais e Quaresmas todos os dias. E, assim como o Porto faz mal em não aproveitar nunca um só dos jovens saídos da sua academia, também o Sporting comete o erro oposto de imaginar que tudo o que forma serve e basta. Mas, afinal, o barato saiu caro.

Agora, mais uma vez aboletado com dinheiros confusamente recebidos da Câmara Municipal de Lisboa, o Sporting lá se abalançou a umas compras de Inverno. Mas não só elas vêm tarde para salvar uma época perdida na programação, como também as compras feitas em estado de necessidade raramente se revelam boas opções.

6- Por falar em dinheiros da CML: recordar-se-ão os meus leitores que há um par de anos mantive aqui uma polémica com Pedro Santana Lopes, quando ele era presidente da CML e colunista deste jornal. Eu acusei a CML de ter celebrado contratos com o Sporting e o Benfica, para ajudar ao financiamento da construção dos novos estádios de Alvalade e da Luz, que eram um abuso do ponto de vista do interesse público. Ele respondeu que eu estava a mentir, quando referia várias disposições dos contratos que sustentavam a minha tese. Eu desafiei-o então a mostrar-me os contratos. Ele não respondeu. Eu consegui os contratos por outra via e publiquei aqui as partes mais relevantes, que confirmavam tudo o que havia escrito. Ele respondeu que estava de férias e não tinha os papéis com ele, mas que, mais tarde, me responderia. Até hoje…

Pois bem: o relatório da Policia Judiciária, agora remetido ao Ministério Público, confirma tintim por timo tlim tudo o que então escrevi. Nomeadamente, que os contratos foram ruinosos para a autarquia e a empresa pública municipal EPUL; que, entre outras coisas (como o direito a construção nos terrenos junto ao Alvalade XXI muito para além do que o PDM permitia), a EPUL antecipou a Benfica e Sporting 15 milhões de euros a cada, por conta dos lucros que a empresa municipal iria facturar na urbanização de uns terrenos públicos (que nunca chegou a levar a cabo) e em que, não se percebe porque carga de água, metade dos lucros caberia ao clubes — que não entravam nem com um metro de terreno nem com um euro de investimento; e que, cúmulo dos cúmulos, comprou ao Benfica por 32 milhões de euros um terreno que ela própria lhe havia doado anos antes com a condição de o clube ali fazer equipamentos desportivos, que nunca fez.

Eu sei que de nada serve ter razão fora de tempo. Mas o que me chocou na altura foi que a imprensa de Lisboa tenha ficado muito caladinha — ela, que havia agarrado com mãos ambas a guerra de Rui Rio contra o F.C. Porto, por causa da urbanização das Antas, onde tudo o que estava em causa era saber se os terrenos do F.C.Porto permutados com a CMP tinham ou não sido sobreavaliados. Por causa disso, fez-se um escândalo nacional, Rio foi eleito herói de Lisboa, o IGAT (a inspecção do Ministério da Administração Interna) abriu um inquérito, o MP instaurou uma acção e o anterior presidente da Câmara do Porto, Nuno Cardoso, que havia negociado com o F.C.Porto, acabou julgado e condenado em tribunal. Mas, pelo menos, o F.C.Porto tinha terrenos seus, comprados com o seu dinheiro, e não recebeu um euro ou um metro quadrado da CMP para construir o Estádio do Dragão. Enquanto que Benfica e Sporting, que não tinham nada, receberam terrenos, dinheiro, muito dinheiro, bombas de gasolina e autorizações de construção excepcionais nos terrenos que lhes foram dados pela CML. E nem o IGAT, nem o Ministério Público, nem a imprensa de Lisboa, viram nisso nada de anormal… até agora, quando já nada há a fazer, para evitar o esbulho de bens públicos a favor de interesses particulares. Mas manda a verdade que acrescente que, se o plano foi todo congeminado pelo então presidente da CML, Santana Lopes, ele teve ou a aprovação ou a abstenção construtiva de todas as forças politicas representadas na Assembleia Municipal. E assim se desvirtuam também as regras do jogo… de futebol.

quinta-feira, fevereiro 11, 2010

VAI-SE FAZENDO LUZ NO TÚNEL (02 FEVEREIRO 2010)

1- Depois do relatório dos dois delegados da Liga ao Benfica-F.C.Porto de 20 de Dezembro, depois do relatório do próprio instrutor do processo, eis que surge o terceiro e decisivo elemento de prova do que realmente aconteceu naquele mal-afamado túnel, naquele final de tarde: o relatório da PSP (de Lisboa, senhores!), referido pelo Expresso de sábado passado. Nele se escreve que os incidentes «ocorreram APÓS provocações verbais dos stewards da Prossegur», ao serviço do Benfica. Assim, e de uma penada:

a) - a Prossegur vai ter de explicar como é que tem ao seu serviço seguranças que vão esperar jogadores à saída de um jogo, enfiando-se no túnel a provocá-los e como é que, ainda por cima, mentiu publicamente sobre esse facto;

b) - o Benfica deveria explicar como é que consente tais comportamentos de um pessoal por si contratado; e

c) - a Comissão Disciplinar da Liga vai ter de explicar como é que tem dois jogadores suspensos preventivamente há dois meses por terem reagido fisicamente a provocações (leia-se, insultos) verbais de quem, afinal de contas, tem por missão evitar problemas e não criá-los. Eu sei que cada um é como é, mas eu, se me chamarem «filho da p****», não retribuo com um sorriso.

«Mão amiga» disponibilizou anteontem, no site de A BOLA, as célebres imagens do túnel — tal como era de prever, a partir do momento em que se descobriu que as imagens não são meio de prova legítimo para procedimentos disciplinares. Aqui, no Rio de Janeiro, onde estou, devido a dificuldades com a net não consegui ver mais do que escassos segundos desse filme de série B. O suficiente para perceber que as imagens não são contínuas, mas sim montadas, e que, convenientemente também, não há som ambiente, para ouvirmos as tais provocaçõezinhas verbais dos senhores da Prossegur. Mas o pouco que consegui ver, também serviu para apurar duas coisas estranhas: uma, que eles não estavam à espera dos jogadores pacificamente encostados à parede ou à conversa entre si, mas sim alinhados a meio do túnel, virados para a sua entrada e em atitude de quem tem alguma coisa ensaiada; e outra, que um misterioso personagem civil, de fato escuro, percorre duas vezes a fila dos seguranças falando discretamente com eles. Adorava saber o que lhes terá dito… Mas uma coisa me basta, nesta altura do campeonato: quando aqui há umas semanas escrevi que isto me começava a cheirar a «emboscada no túnel», ainda só tinha a versão dos jornalistas benfiquistas — com os «factos» já apurados pelo testemunho benfiquista, e a sentença já dada, de acordo com as denunciadas intenções da CD. Pois, agora, já não tenho dúvida alguma: os factos foram deliberadamente deturpados, os réus estão trocados e o túnel da Luz tem de ser investigado a sério.

Rúben Micael e Cléber, ambos então jogadores do Nacional, já tinham dito que se passavam estranhas coisas no túnel da Luz, que mereciam ser investigadas. Na semana passada, eles confirmaram as declarações e o Benfica respondeu com um comunicado não muito elegante, acusando o Rúben de já estar a mostrar serviço ao F.C.Porto. Infelizmente para o Benfica, porém, as televisões repescaram e puseram no ar as declarações de Rúben Micael, feitas na altura, em Outubro passado, quando nem ele nem o F.C.Porto suspeitavam ainda que se iriam encontrar. E também ficámos a saber que já na época anterior, naquele mesmo local, também houve umas provocaçõezinhas aos jogadores ou «agentes desportivos» do F.C.Porto, mas que não acabaram em vias de facto, nem foram registadas pelas câmaras, porque estas, coincidentemente, tinham sido desligadas de véspera… Mais estranho ainda foi saber também que já então a PSP enviara um relatório desses factos à CD da Liga — a qual não viu motivo para agir, de forma alguma. Tanta coisa que afinal acontece naquele túnel e só agora é que os justiceiros se preocupam com ele!

Apurado assim o que, de facto, aconteceu no túnel do Benfica, desmentida por quem de direito a versão entusiasticamente acolhida desde logo pela imprensa ao serviço do Benfica, resta enquadrar juridicamente tais factos para chegar a uma decisão.

Pois bem. Como já se percebeu, é intenção da CD não penalizar nunca os jogadores do F.C.Porto em menos de três meses de suspensão — qualquer coisa como uns doze jogos. É o que se infere da tranquilidade com que logo os pôs em suspensão preventiva até final do processo — o qual nunca demorará menos de três meses. Então, virá sempre aplicar-﷓lhes uma pena que cubra todo o período de suspensão preventiva. E assim dirão que fizeram «justiça» e até foram brandos. Sem vergonha alguma.

Antes de ter visto a «verdade provisória» desmascarada pelos delegados e instrutor da própria Liga e pela PSP, a CD actuou como se estivesse em face do mais grave incidente jamais protagonizado por futebolistas num estádio português. Basta pensar que o Cristiano Ronaldo partiu o nariz com uma cotovelada intencional a um adversário e levou dois jogos de suspensão — reclamados pelo Real Madrid, com o apoio da nossa imprensa desportiva. E o João Vieira Pinto, depois de expulso pelo árbitro, enfiou-lhe um murro no estômago, em jogo dos quartos-de-final de um Mundial de futebol, com meio planeta a ver — e levou seis meses de suspensão, com reclamação da FPF e da nossa imprensa desportiva. Mas, para os jogadores do F.C.Porto, que apenas perante escassas testemunhas responderam a murro e a pontapé a uma provocação organizada de elementos estranhos ao jogo, que estavam onde não deviam estar (e por isso é que o Benfica é multado), a esses, a CD queria aplicar-lhes nada menos do que seis meses a três anos de suspensão!

O mais extraordinário para mim é pensar em como a cegueira e ódio clubísticos chegaram a tal ponto que haja gente, aparentemente razoável e bem formada, que ache isto possível e natural. E, para o fazerem, agarram-se ao argumento de que a lei, de facto, é absurda, mas é assim e há que aplicá-la.

Já foi explicado uma e outra vez, mas volto a explicar: a lei pode ser absurda, mas não é assim. Assim é apenas a interpretação que da lei quer fazer o dr. Ricardo Costa e a CD da Liga. O que a lei diz é que tais penas serão aplicadas a quem agredir «agentes desportivos» — mas não diz quem são ou devam ser considerados «agentes desportivos». E, vai daí e sem hesitar, a CD resolve que, tendo as pretensas agressões sido cometidas por jogadores do F.C.Porto sobre seguranças privados ao serviço de um clube, tais seguranças são automaticamente elevados à categoria de «agentes desportivos». Não é preciso ser jurista nem muito perspicaz para perceber que isto é uma batota descarada. Um agente desportivo, não sendo um jogador (porque, para agressões cometidas sobre esses, conta outra cláusula do regulamento e punições infinitamente mais suaves), só pode ser alguém que intervenha no jogo, acreditado para tal pela própria Liga. E há-de ser alguém cujas funções sejam de tal forma importantes que possam gozar desta protecção extrema: os árbitros, técnicos e dirigentes e delegados da própria Liga. Não, com certeza, os apanha-bolas, os arrumadores e porteiros, os empregados dos bares concessionados ou os seguranças. Nem sequer os policias de serviço. Nenhum destes elementos, seguranças incluídos, está acreditado pela Liga — que, aliás, nem sabe quem eles são. Só mesmo um delírio persecutório e o tradicional assanhamento da CD contra o F.C.Porto permite imaginar que é possível promover os seguranças do Benfica a «agentes desportivos» — com o efeito útil, no caso, de tirar do jogo e do campeonato o mais temível avançado portista.

Aliás e como já notou o meu correligionário Rui Moreira, se a Liga agora considera os stewards como «agentes desportivos» estamos perante uma curiosa situação de direitos sem deveres correspondentes. Se os stewards são agredidos, ai Jesus, que agrediram um agente desportivo! Mas se são eles a agredir ou a insultar, é pena, mas nada se pode fazer, porque quem manda neles é o clube que os contrata e não a Liga, que não tem qualquer poder disciplinar sobre eles. Não é preciso ter sequer dois dedos de testa para entender que está aberta a porta para toda a espécie de batota organizada: basta contratar um bando de jagunços, chamar-lhes stewards e mandá-los para o túnel ou para a pista agredir e insultar os adversários. E, quando estes responderem, faz-se justiça: seis meses a três anos de suspensão para os jogadores; nada para os seguranças. Que ovo de Colombo!

E depois, vêm falar em verdade desportiva e moralização do futebol! Tenham vergonha e deixem jogar o Hulk, sem medo! Porque é disso e só disso que se trata.


2- E ainda dizem que o Brasil é que é um país atrasado. Aqui, o futebol joga-se nos estádios, à vista de todos. Como o fantástico Fla-Flu deste domingo, ao final da tarde, no Maracanã, terminado 5-3, com o campeão Flamengo a virar o resultado, só com dez e comandado pela dupla de retornados do seu ataque: Adriano e Vagner Love. Por um dia, até deu para esquecer o futebol de túnel.

ESCUTEIROS (26 JANEIRO 2010)

1- Parece que meio País não faz outra coisa que não escutar, deliciado, conversas alheias. Se conheço as escutas? Bem, eu não conheço outra coisa, fui criado com as escutas telefónicas. Quando eu era pequeno, em casa dos meus pais, todos nós sabíamos e sentíamos que a PIDE escutava todas as conversas. Era o tempo dos telefones fixos e a tecnologia das escutas não estava desenvolvida ao ponto sofisticado a que hoje está: nós ouvíamos distintamente os «cliques» das gravações, quando a fita chegava ao fim, e às vezes até conseguíamos ouvir a respiração do PIDE de escuta. Também a correspondência da casa era aberta e lida e, por vezes, roubada (apareceu depois nos arquivos da PIDE). A sensação de ter a toda a nossa correspondência e conversas privadas devassadas por outrem não é explicável: é preciso ter passado por isso para o entender.

Quis o destino que, anos mais tarde, o meu primeiro emprego fosse justamente na Comissão de Extinção da PIDE/DGS, onde estive poucos meses - até ter percebido que havia forças políticas que tinham tomado o controlo da Comissão e do Forte de Caxias e cujo objectivo não era o de fazer justiça aos abusos da PIDE e levá-los a julgamento, mas, sim, o de guardar o material explosivo que a PIDE tinha reunido sobre diversos cidadãos e aproveitá-lo eventualmente em proveito próprio. O que tornava esse material explosivo era exactamente o conteúdo das escutas a que diversas figuras da oposição tinham sido submetidas anos a fio. Bastou-me ler dois ou três exemplos do conteúdo de escutas (e mais já não consegui ler) para entender esta grande verdade: não há ninguém, absolutamente ninguém, que não tenha conversas privadas que não podem ser expostas em público. As escutas policiais são uma forma de devassa e de violência sobre a privacidade alheia, que só circunstâncias absolutamente excepcionais e sob apertadíssimo controle judicial é que podem justificar. Infelizmente e à revelia do que a Constituição democrática veio estabelecer sobre a inviolabilidade da correspondência e o direito à privacidade, as escutas estão hoje banalizadas na investigação criminal, ao ponto de se terem tornado na prova absoluta, quando não única. Como muito bem escreveu o «Times», a propósito da investigação do «caso Maddie», a investigação criminal em Portugal continua ainda refém da técnica única da auto-incriminação dos suspeitos: ou pelas escutas das suas conversas ou pela confissão dos próprios - espontânea ou «induzida». Mas não apenas as escutas se banalizaram como método de investigação: banalizou-se a divulgação do seu conteúdo para a imprensa, ao arrepio dessa anedota chamada «segredo de justiça», banalizou-se a falta de controlo sobre o destino das gravações e sobre a sua efectiva destruição, em caso de arquivamento ou sentença transitada, como manda a lei. Rio-me sempre que vejo o nosso PGR, o dr. Pinto Monteiro, a anunciar «rigorosos inquéritos» depois de consumadas as violações. Também agora ele anunciou mais um inquérito, que fatalmente acabará em nada, para saber como é que as escutas do Apito Dourado chegaram ao YouTube e à imprensa. Eu acho que o inquérito deveria ter outro objecto: saber por que é que o sr. procurador não se incomodou antes a certificar-se que as gravações tinham já sido destruídas, como manda a lei? Aposto que qualquer dia temos aí publicadas as escutas das conversas entre José Sócrates e Armando Vara, que, todavia, foram mandadas destruir por ausência de indícios incriminatórios. Eu aposto…

Pois então, parece que meio País anda ocupado a perder horas do seu tempo a escutar as conversas que outros escutaram a Pinto da Costa e Valentim Loureiro. E apesar de, ao que dizem, elas nada conterem de novo em relação àquilo que, a conta-gotas e oportunamente, foi sendo divulgado ao longo do Apito Dourado, o interesse popular não diminuiu, antes pelo contrário. Não me admira nada e por duas razões: primeiro, porque o «povo» quer fazer justiça por suas mãos e não se conforma que a Justiça, ela própria, o não tenha feito (foi comovedor o texto do José Manuel Delgado, anteontem, a pedir ao povo que não condene sumariamente a Justiça por esta não ter condenado Pinto da Costa, pois que os juízes, coitadinhos, andam assoberbados de trabalho e às vezes distraem-se…); em segundo lugar, porque o prazer das escutas está em ouvi-las e não em lê-las: é isso que satisfaz os desejos de voyeurismo e devassa alheia de um verdadeiro escuteiro - é melhor do que espreitar pelo buraco da fechadura. Não, a mim não me admira nada que a PIDE tenha escutado livremente durante cinquenta anos e que a Ditadura se tenha assim imposto ao respeito de um povo que é capaz de transformar a devassa da intimidade alheia em desporto nacional.

2- Como sempre escrevi, o que fez o Apito Dourado nascer torto desde o princípio foi o carácter selectivo dos seus alvos. O Apito Dourado não visou apurar, de cima a baixo, as eternas suspeitas que pairam, e continuam e hão-de continuar sempre a pairar sobre o futebol português. Se esse fosse o objectivo, haveriam de ter sido escutados não apenas dois alvos - Pinto da Costa e Valentim Loureiro - mas, sim, dezenas deles. E houve um episódio sintomático que veio confirmar isto mesmo. A certa altura do entusiasmo jornalístico com o Apito, o «Público» publicou, inesperadamente, o teor de uma escuta entre Valentim Loureiro e Luís Filipe Vieira (apanhado por arrasto no telefone de Valentim). E o seu conteúdo não podia ser mais óbvio: Vieira telefonara a Valentim a pedir-lhe o afastamento de um árbitro escalado para apitar um Belenenses-Benfica e os dois juntos foram desfilando nomes de árbitros, até que, ao quarto nome, Vieira se deu, enfim, por satisfeito. Mas não sem que antes, e no meio da conversa, tivesse deixado escapar esta frase intrigante: «Como sabe, tenho outras maneiras de resolver o assunto». A divulgação desta escuta caiu como uma bomba no terreno de batalha errado. Nesse mesmo dia, Vieira convocou uma conferência de imprensa, onde se limitou a dizer que não respondia a perguntas nem falava dos factos, apenas avisava os benfiquistas que estivessem alerta contra essas «manobras»; porque mais haveriam de aparecer. E sucederam, então, três coisas curiosas: uma, é que não apareceu mais nada, ao contrário do que ele tinha previsto; outra, é que ninguém, no CD da Liga, achou que uma combinação de árbitros entre o presidente de um clube e o presidente da Liga (que lá tinha sido posto por aquele) violasse a «verdade desportiva»; e a terceira, é que nem o CD nem o Ministério Público acharam que houvesse qualquer interesse em chamar o presidente do Benfica para que este explicasse o que queria dizer com aquela frase de que tinha outras maneiras de resolver assuntos daqueles.

Pois é: há escutas e escutas. Ora, divirtam-se com estas!

3- Também parece que o célebre túnel da Luz tem incidentes gravíssimos e incidentes banais. Os do passado dia 20 de Dezembro foram gravíssimos, embora ainda não julgados. Já os do Benfica-Porto da época passada, parece que estão prescritos ou que não há prova ou que na altura não foram tidos como nada de mais - tal como outros que consta por lá terem acontecido. Sempre, sempre, nesse misterioso túnel da Luz, transformado em território decisivo para o desfecho do campeonato.

4- Na última página da edição de domingo de «A Bola» li um curiosíssimo artigo, que me deixou a meditar. Embora o mesmo seja anónimo (o que não é prática da casa), o seu teor aponta para alguém dentro do próprio CD da Liga (a menos que o autor seja um desses «fretistas» de que falava o texto de Rogério Azevedo na mesma edição). De facto, só alguém dentro do CD pode revelar um tão íntimo conhecimento do processo de averiguações aberto a Hulk e Sapunaru, ao ponto de falar na «abundante prova testemunhal» recolhida contra eles e acrescentar que, embora a lei não permita a incriminação com base nas célebres imagens nunca vistas mas já sobejamente conhecidas, o CD encontrará o expediente para se aproveitar delas. Mais curioso ainda é quando, para tentar justificar o injustificável escândalo de uma suspensão prévia que vai já em cinco jogos, se escreve que essa demora está «plenamente dentro de uma média que tem oscilado entre as quatro e as oito semanas, o que esmaga por completo a tese da extraordinária morosidade deste processo». Eu li e confesso que quem ficou esmagado fui eu. Primeiro, porque não é normal este jornal tomar uma posição de princípio, e tão veemente, sobre processos disciplinares em que nem sequer a acusação é ainda conhecida. Depois, porque bem gostaria que me dissessem quais foram os outros casos de suspensão prévia de jogadores por um período de quatro a oito semanas. E, enfim, porque em abono da tão invocada verdade desportiva e da verdade do futebol jogado em campo, eu acharia que «A Bola» mais depressa se bateria para que um jogador como Hulk não ficasse de fora do jogo dois meses, apenas à espera da sentença. E se, em vez do Hulk, fosse o Saviola?

NEM TUDO É NEGRO (19 JANEIRO 2010)

1- As minhas preces foram ouvidas: Ruben Micael está a caminho do F.C.Porto, para reforçar o seu depauperado meio-﷓campo. O preço é caro, mas se compararmos a relação qualidade/preço do madeirense com a do lote de argentinos do meio campo portista, acaba por ser quase barato. Caro é ter de sustentar o Guárin, o Tomás Costa, o Belluschi, o Valeri e o Prediguer. E Bolatti, depois de tantas promessas, encontrou finalmente comprador.

Diz-se que Rolando pode ir para o Man. United e que, nesse caso e à cautela, já está pronto a avançar o peruano Rodriguéz, do Sporting de Braga. Uma e outra coisa seriam boas notícias: uma boa venda e uma boa compra. Mas a segunda só encontra justificação no caso de a primeira ocorrer. Até porque, saindo Rolando, Jesualdo tem de dar uma oportunidade real a um rapaz que, ou muito me engano, ou está fadado para vir a ser um grande central: Nuno André Coelho.

De qualquer maneira, saúde-se a aparente inversão da política de compras da SAD do FCP, que eu não me tenho cansado de preconizar. Aparentemente, repito, acabaram-se as compras por atacado e por catálogo de sul-americanos que ninguém viu jogar senão no vídeo, e vai dar-se preferência a jogadores que actuam aqui e cujo valor é sobejamente conhecido. Está é a primeira boa notícia para os portistas, desde há uns tempos para cá.

Infelizmente, vai ser preciso muito mais para recompor a equipe desfigurada pelas saídas constantes de jogadores decisivos e entradas de jogadores que não vieram acrescentar utilidade alguma - sobretudo, no meio-campo, como tantas vezes tenho dito e salta aos olhos de qualquer um. Se pensarmos apenas a partir do ano de 2004 e da equipe que então foi campeã europeia, é fácil constatar que o F.C.Porto teve sempre grandes médios, à excepção desta época. O rol dos que foram saindo, apenas do meio-campo, é eloquente do quanto a equipe foi sendo desfalcada no sector decisivo do jogo: Deco, Maniche, Pedro Mendes, Costinha, Alenitchev, Carlos Alberto, Diogo, Anderson, Paulo Assunção, para não falar em várias promessas que, mal pareciam despontar, logo foram emprestados. No ano passado, e não esquecendo a grande época de Raul Meireles, restava apenas um médio de valor excepcional: Lucho González. Para entender a razão porque no ano passado o Porto foi tranquilamente campeão e este ano está tranquilamente a deixar-se afastar do título, basta pensar em dois nomes: saiu Lucho, entrou para o seu lugar Belluschi. Está tudo dito e quem tenha visto Belluschi contra o Paços de Ferreira, percebeu, uma vez mais, a esmagadora diferença.

Se eu pudesse ser treinador do F.C.Porto por 24 horas apenas, e à vista da situação actual, exigiria plenos poderes para uma verdadeira revolução no plantel. Para começar, forçava a compra do Ruben Micael - que já está feito; depois, pedia que se fosse recuperar o Ricardo Quaresma, nem que fosse por empréstimo e até ao final da época - proporcionando-lhe, aliás, uma hipótese de ainda se poder bater por uma lugar no avião para a África do Sul; depois reclamava o regresso imediato de alguns dos jovens emprestados e a «rodar» por aí: Candeias, Rabiola, Ukra, Helder Barbosa; e, enfim, promovia imediatamente o Sérgio Oliveira ao grupo dos convocados habituais. Em contrapartida, entregava também à direcção uma longa lista de jogadores a dispensar, vender, emprestar ou deixar para a Taça da Liga: Helton, Maicon, Tomás Costa, Belluschi, Guárin, Valeri, Prediguer, Mariano, Farías e, sim, Cristian Rodriguéz. Saíam dez sul-﷓americanos e entravam sete jovens portugueses. A língua oficial do balneário mudava logo de espanhol para português e de certeza que sairíamos a ganhar na qualidade das opções. Depois, entregava outra vez a equipe a Jesualdo Ferreira.

2- Não sei se o empate contra o Paços significou ou não o enterrar definitivo das esperanças no título prometido a Pedroto por Pinto da Costa. Seria bom que não, por várias razões, das quais a menor não é a de a despedida ficar a dever-se a um indesculpável erro de arbitragem.

Notável que, depois do que todos viram, A BOLA ainda se tenha lembrado de promover uma sondagem «on line» onde se perguntava se o F.C.Porto teria sido prejudicado por erros de arbitragem. Notável, mas eloquente que tenha havido 73% de respostas a dizer que não. E notável e eloquente que se tenha passado a tentar inventar à lupa uma falta no golo do empate do Porto, pretendendo que Falcão terá feito golo com a mão e não com a cabeça (bastava perguntar a quem tenha jogado futebol um dia se aquela potência e direcção do remate poderiam ser alcançadas com mão…). E tudo isto apenas para não ter de se reconhecer uma coisa evidente: que o F.C.Porto perdeu dois pontos devido à arbitragem, depois de ter perdido Hulk devido a um filme que continua em exibição confidencial há um mês.

Notável que os colunistas benfiquistas e sportinguistas tenham passado a semana a gritar que o F.C.Porto tinha sido beneficiado pela arbitragem contra o Leiria, porque o seu guarda-redes foi mal expulso, «esquecendo» de mencionar: a) que só se percebe pela repetição em slow-motion que a bola lhe vai, de facto, à cara e não às mãos; b) que a expulsão ocorreu a dez minutos do fim, quando o resultado final já estava fixado; c) que antes haviam sido anulados dois golos ao F.C.Porto, um dos quais duvidoso e o outro claramente mal anulado; d) que havia sido validado o primeiro golo do Leiria, também em posição duvidosa, mas com diferente critério de apreciação; e) e que, já nos descontos, o árbitro não hesitou em marcar penalty contra o Porto e expulsar o Fernando, por mão na bola, que foi real mas também não era evidente (e se o penalty tem entrado, aí sim, adeus campeonato). Dizem que o penalty deveria ter sido repetido, porque Helton se mexeu antes, mas não há quem não saiba que essa é uma regra que em todo o lado só se aplica em casos flagrantes, sob pena de ter de se repetir 90% dos penalties.

3- O erro imperdoável do fiscal-de-linha, anulando um golo limpo e, para mais, lindíssimo, foi a razão determinante dos dois pontos perdidos contra o Paços, mas não a única. Bastas vezes tenho escrito, e mantenho, que as grandes equipes têm de jogar o suficiente para se colocarem ao abrigo dos erros dos árbitros. O F.C.Porto também teve, claro, culpas próprias: vários jogadores, em posições determinantes, falharam em momentos-chave ou durante todo o jogo - Rolando e Falcão falharam o que não podiam falhar; Belluschi e Cristian Rodriguéz passaram pelo jogo estragando todas as jogadas em que intervinham.

Mas houve ainda outros factores a acrescentar às razões do fiasco: a falta de sorte e a incrível exibição do guarda-redes pacense, negando quatro golos certos apenas nos cinco minutos finais. E mais: a continuada ausência de Hulk, que já vai em cinco jogos de suspensão «prévia» (e ainda há benfiquistas que têm o supremo desplante de escrever que o F.C.Porto é que está tirar proveito da demora do inquérito disciplinar e que até é muita suspeita a demora! Ah, isso é, só que as suspeitas são outras…).

E, enfim, houve um último factor absolutamente decisivo no desfecho do jogo, e eu peço muita desculpa ao Paços de Ferreira, aos seus jogadores e treinador por ter de o referir, mas eu gosto muito de futebol e há coisas que não se podem calar. Disse Ulisses Morais, no final e antes que alguém falasse nisso, que «dignificámos o espectáculo, não fazendo anti-﷓jogo». Rigorosamente falso: o Paços foi a equipe que mais anti-jogo fez no Dragão esta época, jogou sempre em 4x5x1 e às vezes em 5x5x0, fez um golo caído do céu sem que Helton tenha feito uma única defesa em todo o jogo e os seus jogadores simularam falsas lesões nada menos do que doze vezes. Em Inglaterra, o árbitro não lhes teria consentido esse tipo de jogo, o público tê-los-ia vaiado até os envergonhar e a imprensa tê-los-ia desancado sem dó nem piedade. Mas por isso mesmo é que em Inglaterra os estádios estão sempre cheios, jogue quem jogar. Lamento dizê-lo, mas não gosto de hipocrisias: a exibição do Paços de Ferreira no Dragão foi anti-futebol e infelizmente ajudada de forma decisiva por um fiscal-de-linha que anulou um golo obtido quase da única maneira possível, face àquele anti-jogo - através de um passe de ruptura vertical e uma desmarcação fulgurante do ponta-de-lança.

quinta-feira, janeiro 28, 2010

UNS ESPERAM DE FORA, OUTROS ESPERAM POR DENTRO (12 JANEIRO 2010)

1- Segundo a opinião insuspeita e prestigiada de Cruz dos Santos, nada menos do que três jogadores do Benfica deveriam ter visto o cartão vermelho directo no jogo contra o Nacional da Taça da Liga, por agressões ou entradas violentas sobre os adversários. Mas não foram nem expulsos nem castigados a posteriori: o árbitro não viu, o CD não corrigiu, não houve sumaríssimo - sorte a deles! Também, segundo relato unânime, Miguel Veloso deveria ter sido expulso por agressão a um adversário, durante o Sporting-Braga: não só não foi expulso, como viria a marcar o golo da vitória. O árbitro não viu, o CD não corrigiu, não houve sumaríssimo: sorte a dele!

No túnel da Luz, o árbitro também não viu, mas o CD estava atento e, por isso, já lá vão três semanas e três jogos de suspensão prévia para Hulk e Sapunaru - nada de grave para quem, a fazer fé nos justiceiros, arrisca nada menos do que seis meses a seis anos de suspensão, por ter andado à pancada com uns seguranças (aliás, stewards, que é mais fino e soa mais a «agentes desportivos»). Não há pressa alguma. Enquanto o pau vai e não vem, folgam as costas... dos adversários. Ao fim de doze dias de suspensão prévia, A BOLA noticiava que as célebres imagens da Benfica-TV sobre o seu famigerado túnel «já» tinham chegado ao CD. O filme demorou doze dias a chegar de Lisboa ao Porto, porque, entretanto, andou em exibições privadas junto dos fiéis do costume, a fim de estabelecer a «verdade prévia» dos acontecimentos!

Entretanto, vi imagens em directo do túnel de Braga, no jogo com o Nacional: sem espanto, constatei que, tal como sucede nas imagens dos túneis dos jogos da Liga dos Campeões, não havia por lá segurança ou steward algum. Será que o túnel de Braga é menos perigoso que o túnel da Luz? Dizem-nos que no túnel da Luz já há seguranças desde 2004 - o que parece sugerir que, afinal, trata-se de um costume e não propriamente de uma disposição regulamentar. Em vão, perguntei aqui se me poderiam esclarecer qual a lei ou regulamento que permitiu aos seguranças do Benfica estarem no túnel, misturados com os jogadores. Não obtive resposta, mas, ao ler que o Benfica será multado na astronómica quantia de 2500 euros pelo facto de eles lá estarem, concluí, logicamente, que eles não podiam lá estar. E, se não podiam lá estar, as coisas ficam feias para o CD: «agentes desportivos» em local proibido? E a fazer o quê — simplesmente caladinhos e quietos, a deixarem-se agredir, sem razão nem motivo, por uma horda de jogadores adversários?

2- Como já devem ter percebido os nossos adversários, tocou a reunir, no Porto. É sempre assim, quando sentimos o inconfundível cheiro dos abutres. Nestas alturas, esquecem-se divergências e discordâncias, pois todos sabemos o trabalho e os sacrifícios que foram precisos para trazer o clube até aqui, até ao lugar que hoje ele ocupa por mérito próprio: não apenas o do melhor e mais prestigiado clube português de futebol, mas também um dos nomes que mais fez por Portugal no mundo. Para o conseguir foi necessário reunir as forças de todos para derrotar a mais extraordinária coligação de medíocres e invejosos que o país já produziu. Porque em Portugal, quando alguém se destaca pelo seu valor ou pelo seu esforço, a reacção da turba não é a de tentar aprender com ele e imitá-lo, muito menos a de lhe reconhecer o mérito: é sim, o de caluniar e tentar manchar o êxito que eles próprios não alcançam. Por alguma razão somos, desde há dois séculos, pelo menos, uma história de sucessivos fiascos - o «país eternamente adiado», de que falava Ramalho Eanes. Mas o F.C.Porto não se adiou, não ficou à espera que o êxito lhe caísse do céu: foi duas vezes campeão do mundo de clubes (onde só se chega, convém recordá-lo, depois de ser campeão da Europa). Tirando o Nobel de José Saramago, há mais algum português, alguma empresa ou instituição portuguesa, que tenha alguma vez sido reconhecido como o melhor do mundo, em determinado ano?

Por isso, quando, na quinta-feira à noite, recebi uma mensagem de um benfiquista dizendo «o Pinto da Costa passou-se da cabeça!», antes mesmo de saber o que teria dito o presidente do F.C.Porto, pensei para comigo: «Ainda bem, já era tempo de passarmos ao ataque!». Já chega de escutar em silêncio o discurso dos calimeros e das aves de rapina da paz! E, se alimentaram a esperança de nos encontrar divididos no essencial, é porque não nos conhecem, não aprenderam nada.

3- Entretanto, no campo de jogo, propriamente dito, fui olhando, distraidamente, para os três primeiros jogos da sequência de jogos fáceis que o F.C.Porto tinha pela frente, entre o Natal e meados de Janeiro: em campo neutro contra a Oliveirense para a Taça, e depois três jogos caseiros contra equipas acessíveis, um para a Taça da Liga, dois para o campeonato. Excelente ocasião para Jesualdo Ferreira mostrar a segunda linha da equipa: os miúdos dos juniores e os argentinos de reserva. O resultado foi fraco, bastante fraco: não há ali ninguém que esteja à altura de, em caso de necessidade repentina, ser chamado à primeira equipa. Os miúdos, que tão mal aproveitados têm sido por Jesualdo (servem para ser chamados aos treinos da equipa principal de vez em quando e depois serem emprestados e perderem-se no vazio), não justificam o tão propalado investimento na formação. Num clube que investe a sério nas camadas jovens, pelo menos um ou dois jogadores devem aparecer todos os anos na equipa principal. Quantos aparecerem no F.C.Porto nos últimos anos? Quantos jogadores da cantera portista estão actualmente entre os 18 mais utilizados?

Também não admira, visto que eles são sistematicamente tapados pelas sucessivas ondas de sul-americanos. E essa foi a segunda decepção que esta série de três jogos fáceis confirmou: dos três argentinos contratados este ano para o meio-campo (Belluschi, Valeri e Prodiger) nenhum se aproveita. Servem para fazer número, tal como Tomás Costa e Guarín. De todos, só Belluschi consegue ser um quase bom jogador: remata bem, mas raramente; finta bem, mas só o primeiro; passa bem, mas só de vez em quando. Ainda agora se especula com os nomes de mais três argentinos, que viriam por troca com Bollati (outro falhanço) e Farías (idem aspas). Todos jovens, todos semi-desconhecidos, todos argentinos — como se só os argentinos soubessem jogar futebol.

E, todavia, ainda este fim-de-semana, vendo jogar o Rúben Micael, pelo Nacional, constatei como é fácil, afinal, distinguir um bom jogador de um jogador de catálogo: a pose, o estilo, a técnica, a visão de jogo, a noção de criatividade e objectividade simultaneamente, a coragem de assumir riscos. É jovem, é já grande jogador reconhecido por todos, marca golos, é português e não precisa de intermediário para ser contratado: são demasiados defeitos, quando comparado com um argentino qualquer. É verdade que Rui Alves pede por ele 5 milhões. Mas, lembram-se quanto custou, por exemplo, o Prodiger? 4,2 milhões. E o Pelé, ainda se lembram? 7 milhões.

Caiu bem a promessa de Pinto da Costa de oferecer este campeonato a Pedroto. Mas, com este meio-campo, duvido que a promessa possa ser cumprida. É verdade que finalmente o Raul Meireles parece estar a subir de forma, mas o Fernando está uma sombra da época passada, faltoso e desastrado a passar a bola, como ainda agora se viu contra a União de Leiria. E, ao lado deles, não há ninguém, só uns argentinos de ocasião, que vão alternando a titularidade entre si, dando sempre a desagradável sensação de ainda não terem percebido muito bem onde estão. Pode ser que eu me engane e que algum deles ainda se faça jogador - mas duvido que ainda a tempo deste campeonato. (E, a propósito, queria dizer ao internauta portista que me acusa de contradição porque eu teria defendido a saída do Alan, que, pelo contrário e apesar de não o achar um extraordinário jogador, critiquei aqui a sua «doação» ao Sporting de Braga - numa altura, aliás, em que Jesualdo resolveu desfazer-se de todos os extremos que tinha).

4- Ah, e devia também responder ao José Diogo Quintela! Mas vale a pena responder a alguém que acha que o «testemunho» de Carolina Salgado vale mais do que a opinião de três juízes de instrução e seis juízes de julgamento? E que continua a argumentar como se fosse tudo uma questão de opinião e a sua valesse mais do que as sentenças dos tribunais? Espero bem que se ofereça como testemunha da Dª Carolina, quando ela tiver de responder em juízo pelo crime de perjúrio de que está acusada por um juiz...

ESTE ANO COMEÇA BEM... (05 JANEIRO 2010)

1- Desde que esta época se iniciou, eu tinha feito a mim mesmo uma promessa: aguentar-me até ao limite para não dar alento nestas crónicas ao clima habitual de facciosismo cego que alimenta ódios e suspeições sem fim e impede de ver e reconhecer o mérito alheio onde ele existe. Já lá vai decorrido meio campeonato e nunca, uma só vez que fosse, me pronunciei sobre arbitragens: quer as do meu clube, quer as dos outros; elogiei, mais do que uma vez, os progressos evidentes do futebol do Benfica, escrevendo que era a equipa que mais e melhor estava a jogar, e não tive uma dúvida em reconhecer como mais do que justa a sua vitória recente sobre o F.C.Porto. Fiz o que pude para a sanidade do ambiente. E aguentei-me até onde consegui.

Mas, às tantas, as coisas começam a ficar difíceis de encaixar sem reagir. Anteontem, por exemplo, ao ler o texto, pretensamente engraçadinho, do Diogo Quintela, achei que a direcção do F.C.Porto deveria abandonar a sua tradicional passividade litigante e colocar-lhe um processo-crime por difamação, como o seu texto amplamente merece. Talvez ele prefira a justiça popular à justiça democrática, talvez prefira a verdade popular à verdade apurada como tal; talvez as sentenças da justiça comum (e não a da populaça futobolística) lhe não mereçam respeito algum, talvez mesmo nem sequer se dê ao trabalho de as conhecer. Mas certamente sabe que insistir em mentiras desmascaradas pela justiça é uma calúnia e sabe que ofende, não apenas o presidente do F.C.Porto, mas todos os portistas, quando se diverte a escrever pretensos diálogos em que Pinto da Costa compra um árbitro por 2.500 euros. Goebells dizia que uma mentira repetidamente dita transforma-se em verdade. Mas Goebells perdeu e as democracias triunfaram. Talvez Diogo Quintela não goste, mas é assim: há regras no jogo.

O F.CPorto também deveria abandonar a sua passividade litigante no processo que aí vem e que se adivinha tumultuoso, do Conselho de Disciplina contra meia equipa do F.C.Porto, a propósito daquilo a que cada vez mais me sinto tentado a chamar «a emboscada da Luz». E isso deveria começar pelo levantamento de um incidente de suspeição contra todo o elenco do CD e, muito em especial, contra o seu presidente, o Dr. Ricardo Costa. A história recente da «justiça» do CD está cheia de factos que demonstram mais do que suficientemente a senha persecutória do Dr. Costa e do CD contra o F.C.Porto. Este órgão e este presidente não dão garantias mínimas de isenção para julgar o F.C.Porto.

Têm dúvidas? Não sei se repararam como, há uns dias atrás, o Dr. Costa fez divulgar, através de jornalistas de confiança, a informação da decisão «inédita» que o CD havia tomado de recorrer de uma sentença do seu próprio órgão de recurso, o Conselho de Justiça (primeiro para o Pleno do próprio CJ, depois, ao que se anuncia e em caso de insucesso, para o tribunal administrativo). Sem dúvida que a decisão é inédita e até estranha . ou não, como veremos adiante. Como notou José Manuel Meirim, no Público, é inédito e estranho que um órgão recorrido recorra da decisão do órgão de recurso (é assim como se o tribunal da Relação pudesse recorrer de uma decisão do Supremo), e leva a que o CD abandone o seu papel de juiz para assumir o de parte numa questão: a tanto leva a vaidade do Dr. Ricardo Costa.

Mais estranho ainda é pensar que tanto empenho do CD tem por objecto apenas uma questão menor: o responsável pelas relações com a imprensa do F.C.Porto insultou um jornalista de serviço num estádio (coisa lamentavelmente frequente, com todos os clubes...). Que devia ser condenado, não há dúvidas: condenado por insultar um jornalista em serviço. Mas o Dr. Ricardo Costa queria mais e resolveu condená-lo por insultar, não um jornalista, mas «um agente desportivo» — tese absurda e até insultuosa para os jornalistas, que o CJ, em recurso, obviamente não acolheu. E é desta decisão do CJ que o Dr. Costa resolveu recorrer, apostado em criar doutrina nova - como tentou fazer no passado, com resultados que o deveriam levar, se não a renunciar ao cargo, ao menos a um módico de pudor e contenção.

Agora, o curioso desta «inédita» decisão do CD . divulgada logo após os incidentes do túnel da Luz . é que ela aparenta ser tudo menos inocente. Reparem como tudo bate certo: se o Dr. Costa conseguir vencimento na sua tese de que um jornalista num estádio é um «agente desportivo», também poderá sustentar a seguir que um segurança num túnel do estádio é igualmente um «agente desportivo». E disso depende a possibilidade de aplicar a meia equipa do F.C.Porto aquelas demenciais penas de suspensão de um a seis anos, que o Regulamento Disciplinar contempla para as agressões a «agentes desportivos». Ainda chegará a vez de o vendedor de castanhas assadas à porta do estádio vir a ser declarado também «agente desportivo»... se isso servir para punir jogadores do F.C.Porto.

Sobre o que realmente aconteceu no túnel da Luz, estamos todos à espera de conhecer as já tão célebres imagens da longa metragem produzida pela Benfica-TV. Todos, não: meio mundo já as conhece. Eu já as ouvi relatadas por vários benfiquistas e ainda anteontem, aqui na BOLA, podia ler-se um pormenorizado relato dos pretensos acontecimentos no túnel, baseado, ou nas imagens, ou na versão que delas foi contada ao jornalista. «A BOLA sabe...», escrevia-se aqui. A BOLA sabe? E como sabe - viu as imagens, que é suposto terem sido entregues pelo Benfica ao CD da Liga e a mais ninguém? E, se viu, quem lhas mostrou - o Benfica ou o CD? E, se não as viu, como sabe - se não por relato de uma das partes, assumido como verdade indesmentível?

Pena que A BOLA não saiba outras coisas, a começar pelo que significa divulgar peças de acusação, antes mesmo de haver acusação, e de as divulgar em tais termos, que a defesa — (que nem sequer teve ainda acesso a nada, nem sabe qual é a acusação em concreto) — já tem a condenação escrita nas páginas dos jornais. E é pena que a BOLA não saiba também responder a outras questões essenciais: os seguranças têm o direito de estar ali? É habitual nos outros campos, estarem no túnel à saída dos jogos, misturados com os jogadores? Os seguranças do Benfica ficaram então no túnel, caladinhos e quietos, e foram inesperadamente agredidos por uma troupe de jogadores portistas que, já depois de fechados na sua cabina, resolveram sair cá para fora para os agredir? E A BOLA não sabe que, para além das cenas de pugilato do túnel, o essencial desta história é perceber o que faziam ali os seguranças do Benfica e qual foi o seu papel nos acontecimentos?

Para que não haja dúvidas, esclareço a minha posição: as agressões têm de ser punidas, primeiro criminalmente, depois no foro disciplinar. Mas aqui, na justa proporção à sua gravidade, ao motivo e circunstâncias da agressão e à representatividade desportiva dos agredidos - que é nenhuma. Até aí, todos estamos de acordo. Agora, fazer disto a arma decisiva para o Benfica ser campeão este ano, isso não! Tenham vergonha! Provem que são capazes de ser campeões no campo e não no túnel, que são capazes de ganhar um campeonato sem comprar a transferência de jogos de estádio e sem a colaboração dos amigos colocados em lugares de decisão na Liga, que, em tempos, Luís Filipe Viera declarava ser mais importante de ter do que uma boa equipa de futebol! Faccioso ou não, eu acho e sempre achei que o melhor deve ganhar e à vista de todos. E repito que, se o campeonato acabasse agora, o melhor era o Benfica. E até acho que fazia muito bem à nossa competitividade ter de volta um Benfica ganhador, mas como deve de ser. Porém, ainda falta meio campeonato e é desejável que ele seja disputado até ao fim em condições de igualdade. Depois de uma década de frustrações e mediocridade, interrompida apenas por um título que a ninguém convenceu, era isto que eu desejaria, se fosse benfiquista. Mas os auto-proclamados «moralizadores» do futebol português já provaram que não se contêm e que, debaixo da sua capa de virgens púdicas, não se preocupam muito com os meios para chegarem aos fins que ambicionam. É natural: os vencidos não gostam de lutar em campo aberto.

2- E o ano de 2010 abriu, aqui na BOLA, com mais uma daquelas periódicas entrevistas ao presidente do Benfica. Seis páginas - a capa, uma página inteira de elogios e quatro de auto-elogios, disfarçados de entrevista. E o dia de Ano Novo amanheceu cinzento e gasto. Tal qual o discurso do personagem.

segunda-feira, janeiro 04, 2010

A LUZ AO FUNDO DO TÚNEL (29 DEZEMBRO 2009)

1- O futebol português parece ter entrado agora na fase dos túneis. Tem em comum com as anteriores - a fase das cotoveladas e a dos sumaríssimos - o mesmo alvo, mal escondido com o rabo de fora: o F.C.Porto. No passado, como se recordarão, só havia sumaríssimos para jogadores do F.C.Porto e também só eles é que usavam os cotovelos, mesmo que imaginariamente. Incontáveis programas de televisão gastavam horas a passar ao ralenti imagens envolvendo jogadores portistas até conseguirem «provar» que tinha havido cotovelada. Não por acaso, os alvos predilectos foram sempre jogadores que, numa ou noutra época, eram decisivos no plantel azul-e-branco: McCarthy, Deco, Quaresma. Não sei se já repararam mas, assim que eles se foram embora, desapareceram as cotoveladas do futebol português e morreram os sumaríssimos.

E eis então que chegamos à fase do túnel. O alvo principal desta vez chama-se Hulk - que, embora esteja em crise de exibições, tem o potencial por todos bem conhecido de, quando lhe dá na gana, virar a história de um jogo. E quem tem esse potencial também pode virar a história de um campeonato. O Sapunaru ou o Helton todos sabem que não incomodam por aí além. Mas o Hulk, sim: tirar o Hulk ao F.C.Porto até final do campeonato é o mesmo que tirar o Di María ao Benfica. Vale a pena, então, empreender na nova teoria dos túneis e criar doutrina - a qual, como de costume, nascerá e morrerá depois de cumprida a sua função de diminuir drasticamente o potencial competitivo do F.C.Porto.

O mais curioso disto tudo é que o tuning começou na época passada, com o Benfica, e assim continuou esta época. As confusões nos túneis envolveram sempre jogadores do Benfica e jogos onde o Benfica participou. Pura coincidência. Já no ano passado, depois de um jogo na Luz, o nacionalista Rúben Micael (que bem que ele ficava de azul-e-branco!) desabafou: «Passam-se coisas estranhas no túnel do Estádio da Luz, que mereciam ser investigadas». Investigar o túnel da Luz? Está quieto, nessa não cairia o CD da Liga!

Durante toda esta semana, no rescaldo do Benfica-F.C.Porto, os jornalistas conotados com os interesses do Benfica foram preparando o terreno para uma «justiça exemplar», adequada aos horrendos crimes que três jogadores portistas terão cometido no túnel da Luz. Primeiro, sentenciando que a coisa era tão grave que, no mínimo, iria haver jogadores suspensos por seis meses e, no máximo, por seis anos! E na terça-feira já estavam municiados com a informação de que a suspensão preventiva dos jogadores portistas era de duração indeterminada - porque assim tinha sido estatuído, por proposta do próprio F.C.Porto, aliás, com a abstenção do Benfica. Esta informaçãozinha bem oportuna, escorregada para os jornais, deixou-me logo de sobreaviso do que se prepara. Pinto da Costa faz bem em ir já ao mercado ou ao Olhanense, porque tudo está a ser devidamente montado para que o Hulk não jogue mais esta época. Há, sobretudo, uma coisa impensável e inaceitável: que o Benfica não seja campeão este ano. Porque se isso acontece, a própria falência é uma hipótese bem séria.

Antes, porém, de os justiceiros habituais entrarem em acção - além do mais, com um longamente reprimido desejo de vingança da vergonhosa e total derrota dos seus planos de encostar o F.C.Porto, despojá-lo dos títulos conquistados, retirá-lo da Europa e enviá-lo para a segunda Liga para melhor desimpedir o caminho ao Benfica, graças ao fabricado «Apito Dourado» - convém, talvez, parar para pensar um pouco. Ou, ao menos, para fazer umas perguntas, que julgo pertinentes para a investigação. A saber:

1 - Os seguranças (stewards) têm ou não o direito de estar no túnel de acesso aos balneários? Se têm esse direito, a que título lhes é concedido? E, se o não têm, será que, da parte do Benfica, tudo se resolve com uma multa de 250 euros?

2 - Houve ou não provocação dos seguranças a membros da comitiva azul-e-branca, no dito túnel, e antes ou após o jogo?

3 - Nomeadamente, é verdade ou não que o segurança alegadamente agredido por Sapunaru começou logo por provocar Reinaldo Teles antes do jogo se iniciar, quando os jogadores foram para o aquecimento? E voltou a fazê-lo depois do jogo terminado?

4 - Se houve provocações, eles partiram espontaneamente do ou dos seguranças ao serviço do Benfica, ou foram premeditadas e por quem?

5 - Se o relato da imprensa desportiva está certo, isso implica que os jogadores do F.C.Porto, todos eles, atravessaram o túnel após o jogo e recolheram-se na sua cabine, sem quaisquer incidentes, só depois tendo saído da cabine para verem o que era a confusão que decorria no túnel? Ou seja: não agiram nem premeditadamente nem por iniciativa própria, mas apenas por reacção a qualquer coisa que viram ou ouviram?

6 - E que tremenda confusão se terá então armado no túnel que chamou a atenção dos jogadores portistas, que já estavam recolhidos à sua cabine? E porque não chamou também a atenção dos jogadores ou elementos da comitiva do Benfica?

7 - O filme de terror, tão propagandeado pela imprensa próxima do Benfica, contém apenas cenas escolhidas, ou antes tudo o que aconteceu no túnel, desde que o F.C.Porto chegou às instalações da Luz?

8 - Existe alguma disposição penal ou disciplinar em toda a ordem jurídica portuguesa que preveja a suspensão prévia sem limite de tempo de um suspeito ou arguido? Se existe, resta alguma dúvida de que ela é, obviamente, inconstitucional?

9 - De igual modo, existe alguma pena disciplinar (seja pena principal ou acessória) que suspenda o direito ao trabalho durante mais do que trinta dias? E se o Tribunal Constitucional for chamado a julgar um estatuto disciplinar tão idiota como o que foi parido pelos juristas do futebol português, com penas de impedimento de jogar por seis meses ou seis anos, num País onde a Constituição estabelece que ninguém pode ser privado do direito ao trabalho, o que acham que os juízes farão à coisa?

10 - Faz algum sentido para alguém (tirando para estas luminárias jurídicas do nosso futebol), que, se um jogador agride outro, durante o jogo e à vista de toda a gente, seja expulso e fique um ou dois jogos sem jogar, se agride um árbitro fique seis meses sem jogar, mas que, se agride alguém que não faz parte do jogo, fora dele e longe da vista de todos, possa ser suspenso de seis meses a seis anos? Qual é a lógica desta absurda disparidade de critérios? Agredir um segurança num túnel é cem vezes mais grave do que agredir um adversário ou o árbitro durante o jogo? E a agressão é mais grave se cometida perante cinco testemunhas do que se cometida perante cinquenta mil?

Claro que nada disto faz sentido algum. São apenas leis idiotas, paridas por juristas de segunda categoria e aprovadas ao desbarato na confusão das Assembleias Gerais da Liga. O valor dos nossos juristas do futebol ficou exuberantemente demonstrado quando, depois de tantas e tão judiciosas decisões no «Apito Dourado», eles viram (sem estremecer de vergonha, é certo) as suas sentenças serem todas estilhaçadas pelos sucessivos tribunais, com juízes a sério e sem manobras clubísticas ocultas. O que daqui vai sair, com grande grau de probabilidade, é que, depois de terem estreado com o F.C.Porto estas disposições disciplinares dignas do Código de Costumes da Arábia Saudita, os que assinaram isto de cruz vão deitar as mãos à cabeça e revogar tudo. Só que, entretanto, os espertos do costume já terão conseguido o seu cordeiro imolado. Tal qual como sucedeu com os célebres sumaríssimos.

É a Luz ao fundo do túnel.

AUTÓPSIA DE UMA JUSTA DERROTA (22 DEZEMBRO 2009)

1- Nunca tinha visto tal coisa: a semana inteira antes do jogo só deparei com benfiquistas possuídos por uma falta de optimismo total, com nenhuma fé noutra coisa que não fosse uma inevitável derrota às mãos do F.C.Porto. Poucas horas antes do jogo, um ilustre benfiquista descarregava no treinador e no presidente a responsabilidade pela derrota, que dava como certa. E, quando lhe disse que não compreendia o pessimismo dele, respondeu-me: «Não é pessimismo, é já resignação». Concluí que os benfiquistas estavam borrados de medo do Porto e, recuando aos tempos de infância, senti isso como uma doce desforra: antes de entrar em campo na Luz, o F.C.Porto já estava a ganhar. E, pelas exuberantes manifestações de alegria de adeptos e jogadores, com tão magra e sofrida vitória, percebi que os benfiquistas têm mais medo do Porto do que de um terramoto de escala 6,1: pareciam sobreviventes de uma catástrofe anunciada, rejubilando por ainda estarem vivos. E confirmei depois, pela euforia sem limites da imprensa desportiva, que o Benfica tinha conseguido uma extraordinária proeza: vencer o FC Porto por 1-0 na Luz. Agradecemos a homenagem.

2- Foi um Benfica-Porto excepcionalmente tranquilo. Não houve declarações incendiárias de parte a parte antes do jogo, não houve incidentes nas bancadas, não houve mau perder nem arrogância na vitória, e, apesar das miseráveis condições do relvado e do mau tempo, não foi um jogo duro nem excessivamente faltoso. Não houve, que me lembre, uma única entrada violenta ou maldosa. Alguns sururus, perdas de tempo e lesões simuladas (dos benfiquistas a defender a magra vantagem) não passaram nunca dos limites normais e aceitáveis. É verdade que antes do jogo, Pinto da Costa foi alvo de uma tentativa de emboscada de uns quantos energúmenos - que a polícia evitou, sem todavia os deter ou identificar. E também, após o jogo, lá houve mais uma confusa história de túnel - desta vez, ao que parece, sem a presença de jogadores do Benfica, mas apenas de stewards ao seu serviço e que conseguiram a proeza de fazer expulsar dois jogadores portistas, já fora do campo e do olhar de testemunhas. Mas, daquilo que se viu, foi só um jogo de futebol e ainda bem.

3- Também não houve «casos de jogo», como quase sempre há. Lucílio Baptista - cuja nomeação considerei uma provocação ao FC Porto - acabou por ver a vida facilitada pelos jogadores e teve uma arbitragem técnica e disciplinarmente razoável, sem influência no desfecho. É verdade que os portistas reclamaram dois penalties na primeira parte, mas sem razão aparente, e é verdade que os benfiquistas reclamaram um na segunda parte e com razão, mas ele resultou directamente da cobrança de um canto que o não era.

4- Enquanto se pôde jogar futebol naquele piso, foi um jogo intenso e bem disputado - a milhas do soporífero Sporting -Benfica de há umas semanas atrás. Claramente, estavam em campo as duas melhores equipes portuguesas do momento, e só não mostraram mais porque o relvado o não deixou.

O Benfica mereceu a vitória, justamente porque jogou melhor enquanto se podia jogar bem. E se o F.C.Porto jogou mais na segunda parte, foi apenas mais e não melhor. O golo do Benfica, se bem que concluído exemplarmente por Saviola, foi inteiramente fortuito: o David Luiz quis apenas aliviar a bola de qualquer maneira e acabou por isolar com um passe mortal o melhor jogador deste Benfica. Mas, quando o golo apareceu, já se adivinhava e já era merecido. Em toda a primeira parte, jamais o Porto criou um único lance de perigo e passou o tempo todo a transviar passes, a perder bolas no meio-campo e a permitir sistematicamente que o Benfica ganhasse a segunda bola - como sucedeu no golo. Na primeira meia-hora da segunda parte, empurrou, é facto, o Benfica lá para trás e podia também, num golpe de sorte, ter chegado ao golo. Mas apenas dispôs de duas ocasiões para isso e depois, como disse Jesualdo Ferreira, nos últimos vinte minutos já não houve jogo («o Benfica soube gerir o tempo», confessou Jorge Jesus).

Tudo visto e revisto, não tenho dúvida que a grande maioria dos portistas pensa como eu, que a derrota foi justa e não há nada a opor a ela. É isso, aliás, que nos distingue, enquanto adeptos, dos outros: nós sabemos ver futebol, sabemos reconhecer quando a nossa equipa joga mal e não merece ganhar. E onde nós vamos, desde que não nos provoquem, não há incidentes.

5- E porque razão jogámos mal e perdemos? Por duas razões coincidentes e que já aqui anotei antes: porque o Benfica tem muito melhor equipa que no ano passado e nós temos pior equipa. Acima de tudo, e como há muito venho dizendo, porque não temos meio-campo.

Qual era o meio-campo do F.C.Porto no ano passado? Fernando (que foi uma das revelações do campeonato), Raul Meireles (que fez a sua melhor época de sempre) e Lucho González. Qual é o meio-campo do F.C.Porto este ano? Fernando (a jogar pior e quase só atrás, a defender), Raul Meireles (a léguas do que fez no ano passado, excepto na Selecção) e um trio, que alterna entre si, formado por Guarín ou Valeri ou Belluschi, e que alguém muito optimista imaginou que poderia, algum deles, substituir Lucho. Para além disso, o F.C.Porto tem o Cristian Rodriguez transformado, não numa unidade a menos, mas numa nulidade a mais, e perdeu um jogador tão decisivo e vibrante como o Lisandro, substituído por Falcao - que é um bom jogador, mas não tem comparação alguma com o argentino.

Com este panorama, é preocupante ouvir Pinto da Costa (que, como se sabe, é quem faz e desfaz a equipa todos os anos), afirmar que não há necessidade alguma de ir ao mercado, em Janeiro. E não deixa de ser irónico que ele, que todas as épocas vai ao mercado de Verão comprar uma profusão de sul-americanos dos quais nunca se aproveita mais do que um ou dois, servindo os restantes para arruinar a gestão corrente da SAD, agora se arme em poupadinho, enquanto que eu, que sempre o critiquei por isso, agora, sim, ache, que o F.C.Porto precisa urgentemente de ir ao mercado comprar, não um, mais dois grandes médios criativos de ataque. Se é que queremos evitar outra vez fazer o papel de «sitting duck» contra o Arsenal e se é que queremos evitar o Benfica campeão.

6- Com esta escassez de soluções e face a um meio-campo benfiquista com quatro jogadores, Jesualdo resolveu bater-se com o marcha-atrás Fernando, o intermitente e basicamente apagado Meireles e o inacreditável Guarín - outra teimosia sua, no género do Mariano. Ou seja, entregou o ouro ao bandido, logo de entrada, e depois queixou-se de que a equipa não saía organizadamente para a frente nem ligava o jogo! Pudera, bastava olhar para a cara do Guarín para se perceber o total desnorte técnico e táctico do rapaz, tão perdido num Benfica-Porto como eu estaria a fazer de barítono no S. Carlos! Desta vez, pelo menos, não foi preciso esperar os habituais 60 minutos para que Jesualdo Ferreira realizasse o seu tremendo erro de casting: bastaram 45. Mas fatais.

7- Benfica e F.C.Porto também se bateram previamente no mercado financeiro, ambos anunciando, com rufar de tambores, duas operações financeiras geniais. O Benfica, realizando uma Assembleia-Geral, onde umas dezenas de sócios aprovaram qualquer coisa que não entenderam bem, passada entre o clube, a SAD e o Benfica Estádio; e o F.C.Porto anunciando o retumbante «sucesso» de mais um empréstimo obrigacionista colocado na bolsa. É natural que os adeptos não se preocupem muito a tentar entender estas «nuances» das administrações dos seus clubes - o que lhes interessa são as vitórias em campo e pouco mais. Então, expliquemos, sucintamente, o que se passou. No Benfica, o que se passou é que o clube deu o estádio da Luz à SAD, para que esta deixasse de ter capitais próprios negativos - o que, legalmente, provocaria a sua extinção. Quer isto dizer que, se um dia a SAD não tiver como pagar as dívidas, marcham primeiro os jogadores (cujos passes lhe pertencem) e depois o estádio… e o clube fica sem nada. No F.C.Porto, sucedeu que a SAD contraíu um empréstimo de 18 milhões de euros para pagar outro empréstimo que tinha contraído três anos antes, mais os respectivos juros. E contrair dívidas para pagar dívidas é uma forma clássica de fazer aumentar a dívida. Quanto ao «tremendo sucesso» ficou a dever-se apenas à taxa de juro que a SAD do F.C.Porto aceitou pagar por esta nova dívida: 6% ao ano - quando as taxas do mercado variam entre 1,25 e 2%. Uma excelente operação!