quarta-feira, julho 11, 2012

JÁ TEMOS CAMPEÃO (12 JULHO 2011)

1- Há coisas que são verdadeiramente infalíveis nesta altura do ano, como a implacável nortada que varre 600 dos nossos tão propagandeados 650 quilómetros de costa, os sucessivos orgasmos das revistas sociais com o jet-seis a férias ou o anúncio de que o Benfica vai ser o próximo campeão nacional. Neste último capítulo, e não fosse alguém distrair-se na tradição, foi o próprio Jorge Jesus a anunciá-lo aos emigrantes benfiquistas na Suíça: o próximo campeonato já tem dono e adivinhem quem?

Aparentemente, Jesus pensa chegar ao anunciado título pelo método radical da enxurrada. Enquanto desespera por ver o FC Porto desfalçado de alguns dos seus principais trunfos, o treinador do Benfica vai enchendo os armazéns de contentores de sul-americanos, pretendendo construir um plantel à razão de três jogadores por lugar. E, aparentemente também, o que não lhe falta é dinheiro fresco para satisfazer os seus desejos e legitimar, só à vista, o título que há-de festejar lá para Junho. Actualmente, e a fazer fé nas últimas noticias, o Benfica oferece 10 milhões de euros (!) por um jovem lateral-direito do Santos e ainda procura mais um ponta-de-lança, um central e um defesa-esquerdo. Tudo isto com o dinheiro da venda de Fábio Coentrão? Não, claro que nao. Primeiro, porque os supostos 30 milhões da venda, resultantes da proclamada e aclamada posição inflexível de Luís Filipe Vieira, tão propagandeada de cruz pelos jornalistas da sua corte, não passaram, como bem aqui o demonstrou Ernesto Ferreira da Silva, de 18,5 milhões. O resto, o truque da compra de Garay, que não teria sido abatido ao preço, a parte que vai para o fundo de jogadores e a comissão de Jorge Mendes, se é certo que não entraram para as contas oficiais, também é certo que não vão entrar na conta bancaria do clube. Certo, certo, é que o Benfica perdeu um jogador determinante, embora afinal fosse madridista desde o berço. Depois, porque, como tantas vezes aconteceu igualmente no FC Porto, o encaixe na venda de um grande jogador foi já consumido na comprado um batalhão de eventuais craques, que, de seguro, têm apenas a fatalidade de virem engrossar e bem a folha de pagamentos salarial. Alguns hão-de ser grandes jogadores, agora ou mais adiante; a maioria será apenas uma despesa sem sentido.

Ali ao lado, em Alvalade, comprada já uma dúzia de jogadores estrangeiros, reina também a euforia, que, todavia, deixa a pairar uma sensação de tudo ou nada. Com 244 milhões de dívida reconhecida oficialmente, com um empréstimo obrigacionista de 20 milhões a correr ao juro inacreditável de 9,25% para cobrir necessidades prementes de tesouraria, dá-me ideia que o Sporting jogou a cave. Para bem de uma saudável luta a três, espero bem que os seus sempre brilhantes gestores náo se tenham precipitado, uma vez mais.

No FC Porto, e por enquanto, tudo estranhamente calmo. Vieram quatro reforços que já estavam garantidos há meses (Iturbe, Kelvin, Djalma e Kleber), mais um cuja utilidade não consigo entender (Bracali). É pouco, avisadamente pouco, para a habitual enxurrada desta época do ano. Isso não faz, porém, que o FC Porto não continue com umas seis dezenas de jogadores seniores sob contrato, a que não é fácil dar destino nem oportunidade para eles justificarem o que valem e o clube o que neles investiu e investe. Há muitos para sair, mas, por enquanto, só saiu Mariano Gonzalez e isso não chega: não é com os 15 milhões da traição de Villas Boas que a SAD vai aguentar-se um ano inteiro. Seria, pois, necessário que saíssem alguns, mas só aqueles que nos convêm. À cabeça deles, claro, os dois que igualmente já manifestaram vontade de sair: Rolando e Fernando. Os meus habituais leitores sabem que não chorarei uma lágrima por qualquer um deles - e não por achar que eles são ingratos ou não sentem o clube, porque sobre esse assunto já estamos todos elucidados. Mas por achar, apenas, que eles não valem o que julgam valer e que o seu sonho de voarem mais alto só por um feliz milagre, para eles e para nós, se tornaria realidade. Distingo, todavia: Rolando é um bom jogador. Fernando não. Rolando é um bom jogador mas com limitações a nível de leitura de jogo. Viu-se na época transcorrida como a orfandade de Bruno Alves destapou uma série de insuficiências até ai disfarçadas pela categoria do emigrante na Rússia. Sem Bruno Alves ao lado, Rolando comprometeu vezes de mais, em especial no jogo aéreo, e ficou a milhas da velocidade, da determinação e da classe pura do seu ex-companheiro de sector. Não acredito, sinceramente, que um Chelsea ou uma Juventus possam estar interessados nos seus serviços. Mas oxalá me engane. Já Fernando é um caso completamente diferente e sobre ele já disse o essencial: que o considero um elemento altamente perigoso num lugar determinante do jogo; lento, faltoso, cortando de qualquer maneira sem pensar no que se segue, sem qualidade de passe, incapaz de subir no terreno, incipiente a rematar à baliza. Tem o favor de toda a nossa imprensa desportiva, mas isso não é coisa que me impressione: conheço muito bem o empenho que a imprensa desportiva lisboeta tem em promover e apoiar os jogadores mais fracos do FC Porto. Dizem que a sua cláusula de rescisão de 30 milhões é que tem impedido os inúmeros interessados de chegar a vias de facto. Como se isso alguma vez tivesse sido motivo para desistir de uma compra! Como se alguém acreditasse que Pinto da Costa faria finca pé em receber 30 milhões por Fernando! Eu cá, por três milhões, deixava-o ir e que fosse feliz.

Já Falcão é, claro, um caso à parte, agravado pelos dois golos marcados à Bolívia e pela qualificação da Colômbia para os quartos-de-final da Copa América - para já. Sendo verdade que, depois de muita insistência, o FC Porto conseguiu renegociar o seu contrato, prolongando-o por dois anos e aumentando a cláusula de rescisão para 45 milhões, isso não quer dizer, como é óbvio, que o assunto tenha ficado resolvido por ora e que os portistas possam dormir descansados até 31 de Agosto. Quer dizer apenas que, com a inestimável colaboração do próprio Falcão, o FC Porto terá conseguido, ou talvez não, minimizar um pouco mais as condições da sua saída para já. Porque é minha convicção que ele vai mesmo sair - está apenas dependente da clarificação no mercado de topo dos pontas-de-lança, onde Falcão, a par de Tevez, Drogba, Kun Aguero, Neymar e mais um ou dois, são nomes que apenas esperam que se componha o puzzle de transferências entre os poderosos da Europa. Mas também penso que a SAD se defendeu bem da eventual saída de Falcão. Que ele é insubstituível no curto prazo, é. Mas Walter vai melhorar e Kleber é um potencial grande reforço. E, sem um nem outro, na época passada (um porque não estava li, o outro porque não estava em forma), o FC Porto sobreviveu a dois meses de ausência de Falcão.

Pois que as coisas vão continuando assim no Dragão, devagarinho e tranquilas, sem notícias de entradas e saldas, é o que eu mais desejo. Não são os 17 golos marcados nos dois primeiros particulares, contra equipes bem fraquinhas, que me deixam animado. Mas é, por exemplo, os relatos da fome de bola de Hulk, pronto e disposto a ser, uma vez mais, o expoente máximo do nosso campeonato, a larga distância da concorrência. Alias, perguntem aos sportinguistas e benfiquistas quem é que eles gostariam mais de ver partir do FC Porto, se o Hulk ou o Falcão, e verão que a grande maioria responderá Hulk.

PS: Para descanso desses mesmos leitores, benfiquistas e sportinguistas, entro agora no meu período de defeso anual. Vou em paz e sem guarda-costas, disposto a estudar atentamente todas as propostas que me aparecerem: besugos, sardinhas, lulas ovadas, marés de levante, noites de luar, cheiro a figos e a coentros. A todos os que também vão de férias desejo o mesmo que a mim: que consigam limpar a cabeça.

SOFRER ATÉ 31 DE AGOSTO (05 JULHO 2011)

1- Até 31 de Agosto (data em que fecha o mercado) o Benfica reestrutura-se, o Sporting reinventa-se de cima a baixo, e o FC Porto tenta manter-se o mais próximo possível do quadro de jogadores com que terminou a feliz época passada. O Benfica vai em treze aquisições, das quais doze estrangeiros; o Sporting vai em doze, todos estrangeiros; e o FC Porto vai em cinco novas caras, todas de além-fronteiras e quatro das quais são aquisições já conhecidas há meses (Iturbe, Kelvin, Djalmae Kleber). Mas é certo que as coisas não ficarão por aqui: o Benfica terá de voltar ao mercado, pelo menos, para contratar um central e um lateral-esquerdo, na saída de Coentrão; o Sporting, que está a construir uma equipa nova, irá, muito provavelmente, espreitar ainda a oportunidade de comprar alguém que não seja apenas uma promessa eventual e um ilustre desconhecido, mas sim um valor reconhecido no mercado; e o FC Porto, em ano de excepcional e louvável contenção (por enquanto...), certamente que voltará a comprar se e quando se vir desfalcado de algum dos titulares habituais cuja lista circula dia após dia.

De comum entre todas estas compras dos nossos três maiores clubes, está um facto penoso: a total ausência de aquisições de jogadores portugueses. Existe apenas um pequeno, pequeníssimo, número de jogadores promovidos dos escalões de formação ou recuperados à experiência de clubes onde se encontravam sob empréstimo, mas, no final, deve ser diminuto o número daqueles que ficarão nos plantéis para a nova época. Já muito foi escrito sobre isto e toda a gente conhece as razões, financeiras e desportivas, para que um país que é exportador de jogadores e treinadores seja, simultaneamente, um dos maiores importadores. Não vou acrescentar, assim, uma discussão que, no essencial, já está feita: limito-me a constatar o facto e dizer que ele é triste e preocupante. E desejo que, no FC Porto, se dê este ano uma hipótese de afirmação, pelo menos, a jo-gadores como Castro e Sérgio Oliveira.

Compreende-se que o FC Porto se tenha praticamente limitado a confirmar, por enquanto, aquisições há muito anunciadas - com a excepção incompreensível da troca de Beto por Rafael Bracali. Nesse aspecto, a mais sonante contratação dos portistas (para além da expectativa de ver em acção, só lá para Setembro, esse menino Iturbe, que dizem prodígio) foi afinal a aquisição longamente adiada do brasileiro Kleber. Ao fim de um ano de discussões amargas com o presidente do Marítimo, não consegui ver explicado em lado algum que razões jurídicas ou contratuais fundamentaram a pretensão de Carlos Pereira a, ainda hoje, manter que lhe assiste o direito de obrigar um jogador a jogar no seu clube, contra a vontade dele e do clube que detém o passe e para além do prazo de empréstimo acordado. Não digo que eventualmente não existam: digo que não as entendo, porque também ninguém as explicou.

Mas se o FC Porto tem todas as razões para, acima de tudo, seguir neste defeso uma politica de guerra de trincheiras, defendendo o que tem e provou tão bem, já os seus rivais Benfica e Sporting, que terminaram o campeonato às impensáveis distâncias de 21 e 36 pontos, respectivamente, não tinham outra saída aparente que não a de começar quase tudo do zero, outra vez. É uma saída complicada, arriscada e que, não concorrendo resultados desportivos com o investimento financeiro, se pode vir a revelar desastrosa a curto prazo. Mais para o Sporting, que não tem grande margem para falhar e que joga agora a cave.

2- A substituição de André Villas Boas teve o mérito de ser rápida, natural e consensual. Pinto da Costa encontrou, de imediato, a única alternativa que garantia, a tão curto prazo de retomar os trabalhos, um mínimo de continuidade e de estabilidade, que tão abaladas foram com a súbita e inesperada deserção de Villas Boas. Como todos os portistas, estou expectante mas tranquilo com a sucessão e disposto a condescender se o arranque não for tão bom como o da época passada — sobretudo se algum dos jogadores determinantes nos forem roubados por cima da trincheira. Devo, porém, confessar que o que mais me procupa é, por um lado, a perda do preparador físico José Mário, que acompanhou Villas Boas e que tão boa conta deu de si no passado; e, por outro lado, que toda a equipa técnica escolhida por Vítor Pereira não tenha qualquer experiência de trabalho na primeira divisão - a acrescentar a um treinador principal que também não a tem, enquanto tal. Mais uma oportunidade para provar que, mais importante que os técnicos, é a estrutura e a organização que eles vêm encontrar...

3- Na sua conferência de imprensa de apresentação em Stamford Bridge, André Villas Boas, como lhe competia, disse que não estava ali pelo dinheiro, mas pelo desafio e que o FC Porto também lhe tinha apresentado uma proposta muito boa (o que, mal traduzido por alguns jornalistas, resultou numa proposta tão boa como a do Chelsea — o que, obviamente, não era de acreditar). Tanto bastou, porém, para que alguns comentadores, sempre compreensivos com as traições aos clubes adversários dos seus, partissem, entusiasmadamente, para a absolvição da traição de Villas Boas ao clube do seu coração.

Isto fez-me lembrar duas citações lidas no último número da revista Sábado, ambas remetendo para a relação entre a ambição pelo dinheiro e o grau de culpabilização social, ou falta dela, dos que fazem dessa ambição um objectivo das suas vidas. A primeira citação é de Jardim Gonçalves, que foi presidente do BCP, com uma gestão já condenada pelo supervisor bancário e ainda sob investigação criminal. Disse ele: «foi totalmente injusto que tivessem utilizado o nome do meu filho para acelerar a minha descredibilização». Ora, o que aconteceu foi que, sob a presidência do Engº Jardim Gonçalves, o BCP financiou uma empresa de um seu filho (a quem não se conheciam nem bens próprios nem qualquer experiência ou talento empresarial) em montantes, sucessivamente renovados ou acrescentados, até atingirem um total de 30 milhões de euros, depois declarados incobráveis. Na altura, o escândalo foi tal que, de facto, apressou a queda em desgraça de Jardim Goncalves e até levou este a anunciar que ia pagar do seu bolso a dívida do filho. Mas parece que agora, afinal, acha que não havia razões para se penitenciar.

A outra citação é de Luis Figo e é verdadeiramente notável. Diz ele que fez uma promessa: «depois do que me aconteceu em Portugal, deixei de acreditar na classe política». Ora» vale a pena recordar o que lhe aconteceu em Portugal e que se tornou razão da sua actual descrença na classe política. Aconteceu que, três dias antes das eleições de 2009, numa acção de campanha que escutas judiciais depois revelaram ter sido montada ao pormenor por alguns boys do PS, como Rui Fedro Soares - Luís Figo compareceu a um pequeno almoço a dois, público e muito mediatizado, com o candidato a PM, José Sócrates, naquilo que só podia ser lido, e foi, como o apoio político de Figo a Sócrates. E, logo nessa tarde, Luís Figo participava num anúncio, para efeitos de divulgação interna, à Taguspark, empresa pública de que Rui Pedro Soares era administrador. Tratou-se de uma curta declaração promocional, que lhe terá ocupado talvez meia-hora e pela qual recebeu, contratualmente, cerca de 350 mil euros, se a memória me não falha. Ou seja: a troco de 350 mil euros, Luís Figo, que sempre se afirmou de direita, aceitou patrocinar a Taguspark e, simultaneamente, a candidatura política do líder do PS.

Deixo aqui as duas citações e o enquadramento factual a que elas respeitam, sem comentários, que julgo inúteis. E só extraio uma moral destas histórias (se é que elas ainda precisam de uma moral): não se pode ter tudo. Muito dinheiro, ganho de qualquer maneira, e muito bom nome, ganho a custo - entre outras coisas, de renúncias várias.

NÃO HOUVE CRÓNICA (28 JUNHO 2011)

Não houve crónica.