quarta-feira, julho 11, 2012

SOFRER ATÉ 31 DE AGOSTO (05 JULHO 2011)

1- Até 31 de Agosto (data em que fecha o mercado) o Benfica reestrutura-se, o Sporting reinventa-se de cima a baixo, e o FC Porto tenta manter-se o mais próximo possível do quadro de jogadores com que terminou a feliz época passada. O Benfica vai em treze aquisições, das quais doze estrangeiros; o Sporting vai em doze, todos estrangeiros; e o FC Porto vai em cinco novas caras, todas de além-fronteiras e quatro das quais são aquisições já conhecidas há meses (Iturbe, Kelvin, Djalmae Kleber). Mas é certo que as coisas não ficarão por aqui: o Benfica terá de voltar ao mercado, pelo menos, para contratar um central e um lateral-esquerdo, na saída de Coentrão; o Sporting, que está a construir uma equipa nova, irá, muito provavelmente, espreitar ainda a oportunidade de comprar alguém que não seja apenas uma promessa eventual e um ilustre desconhecido, mas sim um valor reconhecido no mercado; e o FC Porto, em ano de excepcional e louvável contenção (por enquanto...), certamente que voltará a comprar se e quando se vir desfalcado de algum dos titulares habituais cuja lista circula dia após dia.

De comum entre todas estas compras dos nossos três maiores clubes, está um facto penoso: a total ausência de aquisições de jogadores portugueses. Existe apenas um pequeno, pequeníssimo, número de jogadores promovidos dos escalões de formação ou recuperados à experiência de clubes onde se encontravam sob empréstimo, mas, no final, deve ser diminuto o número daqueles que ficarão nos plantéis para a nova época. Já muito foi escrito sobre isto e toda a gente conhece as razões, financeiras e desportivas, para que um país que é exportador de jogadores e treinadores seja, simultaneamente, um dos maiores importadores. Não vou acrescentar, assim, uma discussão que, no essencial, já está feita: limito-me a constatar o facto e dizer que ele é triste e preocupante. E desejo que, no FC Porto, se dê este ano uma hipótese de afirmação, pelo menos, a jo-gadores como Castro e Sérgio Oliveira.

Compreende-se que o FC Porto se tenha praticamente limitado a confirmar, por enquanto, aquisições há muito anunciadas - com a excepção incompreensível da troca de Beto por Rafael Bracali. Nesse aspecto, a mais sonante contratação dos portistas (para além da expectativa de ver em acção, só lá para Setembro, esse menino Iturbe, que dizem prodígio) foi afinal a aquisição longamente adiada do brasileiro Kleber. Ao fim de um ano de discussões amargas com o presidente do Marítimo, não consegui ver explicado em lado algum que razões jurídicas ou contratuais fundamentaram a pretensão de Carlos Pereira a, ainda hoje, manter que lhe assiste o direito de obrigar um jogador a jogar no seu clube, contra a vontade dele e do clube que detém o passe e para além do prazo de empréstimo acordado. Não digo que eventualmente não existam: digo que não as entendo, porque também ninguém as explicou.

Mas se o FC Porto tem todas as razões para, acima de tudo, seguir neste defeso uma politica de guerra de trincheiras, defendendo o que tem e provou tão bem, já os seus rivais Benfica e Sporting, que terminaram o campeonato às impensáveis distâncias de 21 e 36 pontos, respectivamente, não tinham outra saída aparente que não a de começar quase tudo do zero, outra vez. É uma saída complicada, arriscada e que, não concorrendo resultados desportivos com o investimento financeiro, se pode vir a revelar desastrosa a curto prazo. Mais para o Sporting, que não tem grande margem para falhar e que joga agora a cave.

2- A substituição de André Villas Boas teve o mérito de ser rápida, natural e consensual. Pinto da Costa encontrou, de imediato, a única alternativa que garantia, a tão curto prazo de retomar os trabalhos, um mínimo de continuidade e de estabilidade, que tão abaladas foram com a súbita e inesperada deserção de Villas Boas. Como todos os portistas, estou expectante mas tranquilo com a sucessão e disposto a condescender se o arranque não for tão bom como o da época passada — sobretudo se algum dos jogadores determinantes nos forem roubados por cima da trincheira. Devo, porém, confessar que o que mais me procupa é, por um lado, a perda do preparador físico José Mário, que acompanhou Villas Boas e que tão boa conta deu de si no passado; e, por outro lado, que toda a equipa técnica escolhida por Vítor Pereira não tenha qualquer experiência de trabalho na primeira divisão - a acrescentar a um treinador principal que também não a tem, enquanto tal. Mais uma oportunidade para provar que, mais importante que os técnicos, é a estrutura e a organização que eles vêm encontrar...

3- Na sua conferência de imprensa de apresentação em Stamford Bridge, André Villas Boas, como lhe competia, disse que não estava ali pelo dinheiro, mas pelo desafio e que o FC Porto também lhe tinha apresentado uma proposta muito boa (o que, mal traduzido por alguns jornalistas, resultou numa proposta tão boa como a do Chelsea — o que, obviamente, não era de acreditar). Tanto bastou, porém, para que alguns comentadores, sempre compreensivos com as traições aos clubes adversários dos seus, partissem, entusiasmadamente, para a absolvição da traição de Villas Boas ao clube do seu coração.

Isto fez-me lembrar duas citações lidas no último número da revista Sábado, ambas remetendo para a relação entre a ambição pelo dinheiro e o grau de culpabilização social, ou falta dela, dos que fazem dessa ambição um objectivo das suas vidas. A primeira citação é de Jardim Gonçalves, que foi presidente do BCP, com uma gestão já condenada pelo supervisor bancário e ainda sob investigação criminal. Disse ele: «foi totalmente injusto que tivessem utilizado o nome do meu filho para acelerar a minha descredibilização». Ora, o que aconteceu foi que, sob a presidência do Engº Jardim Gonçalves, o BCP financiou uma empresa de um seu filho (a quem não se conheciam nem bens próprios nem qualquer experiência ou talento empresarial) em montantes, sucessivamente renovados ou acrescentados, até atingirem um total de 30 milhões de euros, depois declarados incobráveis. Na altura, o escândalo foi tal que, de facto, apressou a queda em desgraça de Jardim Goncalves e até levou este a anunciar que ia pagar do seu bolso a dívida do filho. Mas parece que agora, afinal, acha que não havia razões para se penitenciar.

A outra citação é de Luis Figo e é verdadeiramente notável. Diz ele que fez uma promessa: «depois do que me aconteceu em Portugal, deixei de acreditar na classe política». Ora» vale a pena recordar o que lhe aconteceu em Portugal e que se tornou razão da sua actual descrença na classe política. Aconteceu que, três dias antes das eleições de 2009, numa acção de campanha que escutas judiciais depois revelaram ter sido montada ao pormenor por alguns boys do PS, como Rui Fedro Soares - Luís Figo compareceu a um pequeno almoço a dois, público e muito mediatizado, com o candidato a PM, José Sócrates, naquilo que só podia ser lido, e foi, como o apoio político de Figo a Sócrates. E, logo nessa tarde, Luís Figo participava num anúncio, para efeitos de divulgação interna, à Taguspark, empresa pública de que Rui Pedro Soares era administrador. Tratou-se de uma curta declaração promocional, que lhe terá ocupado talvez meia-hora e pela qual recebeu, contratualmente, cerca de 350 mil euros, se a memória me não falha. Ou seja: a troco de 350 mil euros, Luís Figo, que sempre se afirmou de direita, aceitou patrocinar a Taguspark e, simultaneamente, a candidatura política do líder do PS.

Deixo aqui as duas citações e o enquadramento factual a que elas respeitam, sem comentários, que julgo inúteis. E só extraio uma moral destas histórias (se é que elas ainda precisam de uma moral): não se pode ter tudo. Muito dinheiro, ganho de qualquer maneira, e muito bom nome, ganho a custo - entre outras coisas, de renúncias várias.

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