segunda-feira, agosto 29, 2011

VÉSPERA DAS GRANDES BATALHAS (23 NOVEMBRO 2010)

1- Por cá, Benfica e Braga aproveitaram a cimeira da NATO para adiarem o jogo entre ambos para a Taça de Portugal, marcado para a Luz. E aproveitaram também para folgar e recuperar jogadores antes dos importantes encontros de hoje e amanhã para a Liga dos Campeões: em Israel, o Benfica poderá aproximar-se, com uma vitória, da passagem à fase seguinte, os oitavos-de-final; em Braga e contra o Arsenal, um empate já será bom mas não altera a já assegurada transferência para a Liga Europa — o melhor objectivo a que os minhotos poderiam aspirar, com realismo.

Enquanto isso, a uma semana de se encontrarem em Alvalade para o campeonato, Sporting e FC Porto ultrapassaram com dificuldades semelhantes os seus obstáculos na Taça de Portugal. Agora é altura de assentar todas as baterias nesse jogo que pode definitivamente lançar os portistas numa rota imparável rumo ao título e mergulhar os sportinguistas em mais uma crise existencial de Natal, ou inversamente, repor alguma incerteza no campeonato e pelo menos, manter o Sporting na luta pelo segundo lugar. À partida, o favoritismo é do FC Porto, que tem melhor equipa e melhores jogadores, mas o Sporting tem alguns trunfos que equilibram os prognósticos: joga em casa, joga o tudo por tudo e tem todos os jogadores operacionais, enquanto o FC Porto tem abaixa confirmada de Álvaro Pereira (e que falta que ele faz!), e ainda tem de tentar recuperar Silvestre Varela e Fernando.

2- Em Moreira de Cónegos, assistiu-se, como era inevitável, a um mau jogo de futebol. Volto a insistir nesta tecla já tão gasta, mesmo correndo o risco de me tornar obsessivo e aborrecido: não é possível jogar bom futebol em campos de dimensões reduzidas — especialmente, se em campo estiver uma equipa com o objectivo principal de defender e evitar o golo adversário. Não é por acaso que nos grandes campeonatos — os de Espanha, Inglaterra, Itália, Alemanha — não se vê um único estádio cujo relvado não tenha as dimensões máximas. Aqui, porém, continua a consentir-se essa ficção das «dimensões legais», que compreende a máxima e a mínima — sendo esta a que, infalivelmente, adoptam todos os clubes com vocação para pequenos. Pequeno clube-pequeno relvado: eis a regra do jogo. Que saudades do Campomaiorense, um pequeno clube da raia alentejana, tornado realidade apenas pela vontade um homem notável, chamado Rui Nabeiro, e que, modesto como era, tinha um relvado de dimensões e qualidade máximas! O Campomaiorense desapareceu do mapa do futebol profissional por falta de sustentabilidade financeira e porque, precisamente, o clube não tentou manter-se no topo da primeira divisão graças a um terreno de jogo que favorecesse o anti-jogo ou graças a apoios financeiros com dinheiros públicos — como é, por exemplo, o caso do Marítimo, financiado por Alberto João Jardim com o nosso dinheiro.

Dito isto, e sendo inevitável esperar um mau espectáculo no Moreirense-FC Porto, não era fatal ter de levar com um tão mau espectáculo . Espartilhada num terreno sem espaços e num relvado demasiado macio e lento, a equipa não soube adaptar-se ao futebol feio e eficiente que as circunstâncias requeriam — como tão bem o fez em Coimbra, quando foi obrigada, de forma escandalosa, a jogar num lago de água disfarçado de relvado de futebol. Apesar das condições adversas, este foi o segundo jogo consecutivo dos portistas, a seguir ao jogo contra o Portimonense, em que não consegui reter uma só exibição individual que fosse aceitável (segundo padrões de avaliação que não sejam, obviamente, os utilizados pelos magistrados nas suas auto-classificações). E eu não sei se dois jogos consecutivos de muito mau futebol é um bom ou um mau sinal para Alvalade. Oxalá seja bom sinal, oxalá os próprios jogadores achem que já chega de jogar mal!

Enfim, salvou-se o resultado e nada mais. Diz a crítica que o golo anulado ao Moreirense afinal não era off-side, como pareceu na jogada corrida (eu não vi a repetição) . Mas também não ficaram dúvidas a ninguém, excepto a dúvida incompreensível do árbitro, sobre a existência de um penalty por marcar sobre o Hulk, antes desse golo mal anulado ao Moreirense. Mas foi preciso meter o Falcão para resolver o assunto — depois de mais de uma hora, e mais uma oportunidade, sem se conseguir perceber porque razão o FC Porto se bateu tanto e deu tanto dinheiro pelo Walter. Já sei que ainda está em fase de adaptação ao futebol europeu (o chavão do costume, desmentido por jogadores como o Falcão, que parece que já vêm adaptados), mas, a menos que ele perca peso, ganhe velocidade, aprenda a jogar entre os escassos espaços que as defesas concedem e a executar rápido, prevejo uma loooooonga adaptação...

Da mesma forma, continuo, infelizmente, a não conseguir enxergar o génio do João Moutinho, de que toda a imprensa fala e amigos meus portistas garantem ser imprescindível na equipa. Por razões pessoais e profissionais, não tive ocasião de assistir ao histórico Portugal-Espanha, em que, segundo as crónicas, ele jogou muito bem. Atenho-me aos jogos feitos ao serviço do FC Porto e, para além das opiniões, sempre subjectivas, fico-me por esta estatística: em 19 jogos oficiais, não marcou um golo nem deu um golo a marcar; não conseguiu melhor do que um remate à trave, no meio de vários remates sem sentido; não teve, que me lembre, uma jogada brilhante, um passe sublime de rasgo, à Lucho González. Para um médio de ataque, custa-me perceber como é que, com um registo destes, pode ser considerado imprescindível. Mas pode ser (oxalá, outra vez!) que eu esteja errado na minha velha crença de que o futebol não é tão complicado de entender como o fazem e que os grandes jogadores são evidentes por si mesmos. E pode ser também que um dia eu consiga, enfim, entender, a razão pela qual Freddy Guarin era um jogador tão querido de Jesualdo Ferreira e agora de André Villas Boas.

3- E se por cá esta foi uma semana vivida numa espécie de stand-by antes dos jogos a doer, também o foi nos dois campeonatos estrangeiros que eu sigo com mais atenção e entusiasmo: o brasileiro e o espanhol.

No Brasil, a duas jornadas do final, o Fluminense, do Rio de Janeiro, retomou o comando ao Timão, o Corinthians, de S. Paulo. Tem um ponto a mais, mas dois jogos mais difíceis pela frente, um deles em S. Paulo, contra o Palmeiras, de Sco-lari. No terceiro lugar e ainda na corrida pelo título, está o Cruzeiro, de Belo Horizonte, a dois pontos de distância do Flu. E em quarto lugar, já afastado do título, vem o Grémio, de Porto Alegre. Bela distribuição geográfico-económico-desportiva: nos quatro primeiros lugares, um representante de cada uma das quatro regiões e estados mais poderosos do Brasil: Rio, S. Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O Fluminense é o Sporting do Brasil, enquanto o Flamengo (campeão em título, após vinte anos afastado do topo), é o Benfica. Já o Corinthians é o FC Porto de lá e, por isso, o meu coração, no Brasil, pertence ao Timão. Mas a verdade é que também tenho bons amigos no Flu e há muitos anos também que eles não vibram com o título maior do Brasil — ao contrário dos adeptos do Corinthians, que, tal como os seus geminados adeptos do FC Porto, estão habituados a vencer recente e frequentemente.

E em Espanha, então, está tudo ao rubro para um dos dois jogos do ano: o Barcelona-Real Madrid, de segunda-feira. O meu sentimento patriótico está com o Real, com Mourinho, Ronaldo, Ricardo Carvalho e Pepe. Mas o meu coração em Espanha, esse, é do Barça — o FC Porto de Espanha — e hoje, talvez a melhor equipa que eu alguma vez vi e onde joga o que eu considero, de há cinco anos para cá e ano após ano, o melhor jogador do mundo e talvez o melhor de sempre. Esse rapaz tímido, chamado Leonel Messi, de quem não se conhece coisa alguma da vida privada, nem namoradas espampanantes, nem bombas automobilísticas de dezenas ou centenas de milhões de euros, nem anúncios de publicidade a tudo e mais alguma coisa, nem roupas estrambólicas ou penteados de gel que demoram meia hora a ser aprontados. Apenas um génio e uma inteligência de jogo absolutamente incompreensíveis.

quarta-feira, agosto 24, 2011

HÁ TRAUMAS DIFÍCEIS DE ULTRAPASSAR (16 NOVEMBRO 2010)

1- Mais de oito dias depois, ainda continuo nas nuvens com o 5-0. É que foram muitas coisas juntas, muitos motivos de alegria e também de desforra. Ora, anotem: l) vencemos o nosso principal rival na luta pelo título; 2) alargámos a distância para uns já quase irrecuperáveis 10 pontos de avanço, que, na prática, são 11; 3) conquistámos um resultado para a História, que já não se usa hoje em dia e, menos ainda, num clássico nacional; 4) foi a terceira vitória contundente e consecutiva sobre o Benfica, nos últimos seis meses e nos últimos três encontros — uma espécie de tira-teimas sobre quem é a melhor equipa portuguesa da actualidade; 5) para além do resultado esmagador, foi um banho de bola em todos os capítulos (tudo o que o Benfica conseguiu no jogo foi um remate perigoso quando já havia 4-0); 6) foi um arraso para as vedetas do Benfica, de quem se diz que o planeta inteiro anda atrás: o Fábio Coentrão (grande jogador) e o David Luís (grande exagero); 7) com outra exibição demolidora do Hulk, foi mais uma demonstração prática das razões que estiveram por trás da emboscada no túnel da Luz e do jeito que isso deu ao Benfica no campeonato passado; 8) foi uma exemplar lição táctica do rookie André Villas Boas ao catedrático Jorge Jesus — o «novo Mourinho», segundo alguns clarividentes benfiquistas; 9) foi (mais uma!) demonstração do que é, realmente, a verdade desportiva: enquanto eles se gastaram, como habitualmente, em mensagens para o árbitro, queixinhas ao ministro, temores sobre a sua segurança e até ameaças de falta de comparência ao jogo (que jeito que lhes teria dado!), nós esperámos por eles, calmamente e em silêncio, e, na hora e meia da verdade, ali, no único campo da verdade desportiva, até os comemos! Ah, grande Porto, ainda não recuperei de tanta felicidade!

2- E, se nós ainda não recuperámos de tanta felicidade, eles, coitados, tão cedo não recuperam de tanta frustração, tamanha humilhação. Passaram a semana toda em auto-recriminações, tentando reduzir tudo a uma má opção táctica do treinador ou então, como escreveu o notável Malheiro, a tentar explicar o desastre por uns quinze minutos felizes do Porto, mais «uma expulsão forçada e um penalty inexistente ».

Sábado de manhã, cem adeptos de uma claque «não oficial» do Benfica invadiram o treino no Seixal e foram pedir explicações aos jogadores e ao treinador. Relatou 'A Bola' que se «viveram momentos de grande tensão», com «agressões verbais» e alguns jogadores muito impressionados (que é como quem diz...). Já no relato do próprio Jorge Jesus, tudo não passou de «uma conversa breve, de cinco minutos, com alguns benfiquistas educados, ordeiros e com sentido de responsabilidade». Fiquemos por esta última versão e antes assim: só faltava ao Benfica ter de se preocupar com os seus próprios adeptos...

Valeu que no domingo, oito dias depois da sova levada no antro dos dragões (como escreveu o director do Record), o Benfica teve ocasião de se redimir num jogo caseiro contra o último da classificação e onde tudo lhe saiu bem. O jogo valeu para pacificar os espíritos e calar as especulações de tantos benfiquistas, escutadas em surdina ao longo da semana, acerca da curiosa expedição a Angola entre dois jogos do campeonato. E serviu para outra coisa que até a um portista empedernido comoveu: o golo e as lágrimas de Nuno Gomes. Afinal, os jogadores também choram, não são só os adeptos.

3- Já o FC Porto, ainda nas nuvens, meteu folga contra o Portimonense. Percebe-se, aceita-se, tem de se viver com isso de vez em quando, embora não seja bonito de ver. Mas era escusada tanta displicência, tanta negligência, que às vezes sai cara. Até ao último minuto, mergulhados num torpor indolente e medíocre, os portistas estiveram à mercê de um golpe de sorte do adversário. Não aconteceu nem esteve próximo de acontecer, mas não havia necessidade de jogar tão pouco e tão mal. E havia 40.000 portistas nas bancadas, numa noite de chuva e frio e antes de um dia de trabalho...

4- Como se esperava (o próprio Ministério Público pediu em julgamento a sua absolvição), Nuno Cardoso, ex-presidente da CMP foi absolvido do pretenso crime dos «terrenos das Antas» — que serviu ao seu sucessor, Rui Rio, de pretexto para uma campanha anti-FC Porto, muito aplaudida pela inteligentsia lisboeta e que dura até hoje. Sempre achei extraordinário como é que a interpretação de um inspector das Finanças, determinando que a CMP tinha avaliado em mais 2,5 milhões de euros que o seu valor real terrenos permutados entre o FCP e a CMP, tivesse dado origem a tanta especulação e tanta maledicência, só terminadas com a sentença que agora julgou a acusação «absurda» e concluiu que a CMP tinha «defendido o interesse público». Isto, enquanto que para a construção do novo Estádio da Luz e do Alvalade XXI, a câmara de Lisboa não permutou terrenos com o Benfica e o Sporting: deu-lhes sim, terrenos, bombas de gasolina, direitos de construção excepcional e dinheiro, muito dinheiro. Tudo dado. Mas disso, ninguém se ocupou, ninguém suspeitou de crime ou escândalo algum.

5- Vítor Pereira fez o seu anunciado balanço das arbitragens entre a 6ª e a 10ª jornadas. Tudo azul. Ou melhor, tudo vermelho, tudo pacífico: como o Benfica não teve quaisquer razões de queixa (antes pelo contrário, vide jogo com o Paços de Ferreira), não houve problema algum, está tudo óptimo. Mas, pelo menos e como fez notar André Villas Boas, é inconcebível que Vítor Pereira ache que o Académica-FC Porto foi um jogo sem história e com condições para ser disputado. Se o FC Porto tem perdido um jogo que era de absoluta lotaria (mas que acabou por ganhar muito bem), o jogo com o Benfica ter-se-ia disputado em condições psicológicas bem diferentes. Hoje, depois dos 5-0 e da banhada ao Benfica, é difícil imaginar que uma derrota aleatória na piscina de Coimbra tivesse feito alguma diferença. Mas a verdade é que podia tê-lo feito, podia ter sido um turningpoint no campeonato e através de um jogo que nunca se deveria ter disputado. Achar isso normal é preocupante.

6- Soube por uma entrevista do próprio, que o FC Porto rescindiu o contrato com Candeias. Não se limitou a emprestá-lo ao Portimonense: libertou-o, de graça, sem ver nele valor algum para o manter. Como aqui escrevi diversas vezes, tenho a opinião contrária: acho que o jovem Candeias é um valor seguro nas mãos de um clube e de um treinador que o saiba reconhecer e promover — coisa que Jesualdo Ferreira não quis fazer. Agora, ele diz sonhar com o Benfica e, sobretudo, em mostrar aos responsáveis do FC Porto que se enganaram a seu respeito. É mais um de uma série impressionante de miúdos que o FC Porto tem desaproveitado e que têm em comum três coisas: serem da cantera do clube, serem portugueses e serem sempre menos valorizados do que qualquer jovem sul-americano desembarcado em Pedras Rubras. Os próximos espero que não sejam o Ukra e o Castro.

7- 0 derby do Minho, pese às queixas absurdas do presidente do SC Braga, foi, sobretudo um muito mau jogo, disputado por duas más equipas praticamente sem um único bom jogador. Não adianta queixar-se do árbitro, quando se vê que o Luis Aguiar, por exemplo, dispondo de dois livres no final do jogo, daqueles em que a única coisa que importa é levantar a bola para a confusão da área, não foi sequer capaz de a elevar acima dos rins do defesa mais próximo.

quarta-feira, agosto 17, 2011

ESPLENDOR NA RELVA (09 NOVEMBRO 2010)

1- Meus senhores, todos os que gostam de futebol: o que vocês viram domingo à noite no Dragão é o melhor que o nosso futebol tem para apresentar. Só não foi um jogo inesquecível porque apenas uma equipa jogou: a outra foi sovada, cilindrada, reduzida ao estado de zombie. Mas que bem que jogou o FC Porto, caramba!

Eu sei que para os nossos inimigos (não adversários, que isso é coisa diferente e mais digna), estes 5-0 não vão servir de nada, nem ensinar coisa alguma nem ajudá-los a meter viola alguma ao saco. Vai passar-se o mesmo que se passou sempre, apesar dos quinze campeonatos ganhos no último quarto de século, dos dois títulos de campeão europeu e campeão do mundo, da Taça UEFA e de tantas e tantas noites de glória azul e branca: assente a poeira deste jogo, disfarçada a vergonha e presumindo esquecida a evidência que todos viram, vão voltar ao disco rachado há vinte e cinco anos — a viagem do Calheiros ao Brasil, a fruta e o chocolate, o árbitro que foi beber um cafezinho antes do palpitante Beira-Mar-FC Porto de 2004 (tão palpitante que até pusemos a reserva a jogar), o sistema, mais as influências e tudo o resto que já estamos carecas de ouvir. Por um lado, fico contente: é sinal que o seu ódio vesgo é tamanho, que nunca irão aprender a lição e nós iremos continuar a ganhar. Mas, por outro lado, fico preocupado, porque sei que esta incapacidade dos nossos inimigos reconhecerem o mérito do FC Porto, mesmo depois de serem cabazados com 5-0, é um decalque do país que hoje somos e das razões da sua falência: os medíocres odeiam a competição, a competitividade, a necessidade de se baterem contra adversários que não conseguem acompanhar. Preferem os direitos adquiridos, o tempo em que tudo lhes vinha parar à mão sem concorrência. Então, vá de desqualificar, caluniar, tentar manchar o sucesso dos intrometidos.

2- Jorge Jesus foi injusto quando quis reduzir tudo o que se viu à «noite inspirada do Hulk» (melhor do que isso, só o site oficial do Benfica, esse jornalismo de referência, resumindo o massacre a uma questão de «falta de sorte»). Para começar, não foi uma noite inspirada do Hulk (mais uma!): foi uma noite de sonho. Depois, por mais fantástica que tenha sido a exibição desse fantástico brasileiro descoberto na obscuridade do futebol japonês e revelado na grande escola de sucesso que é o FC Porto, a verdade é que ele não fez tudo sozinho. Inventou e assistiu o primeiro golo, construiu e cobrou o quarto e inventou sozinho o quinto. Mas, no intervalo, um novo Belluschi foi genial a assistir o Falcão para o segundo e terceiro golos, e o Falcão foi fabuloso a cobrar o segundo de calcanhar e o terceiro à matador. E, no intervalo, a defesa do FC Porto foi absolutamente inultrapassável, com o Sapunaru a fazer a melhor exibição que já lhe vi, o Álvaro Pereira sublime, como de costume, o Helton a fazer uma grande defesa àúnica oportunidade e remate à baliza do Benfica (na sequência, é claro, de uma bola parada), o Guarín a fazer também o melhor jogo de sempre. Não houve um jogador a destoar, não houve uma má exibição individual, e houve, acima de tudo, uma grande equipa, muitíssimo bem preparada.

3- Parabéns, André Villas Boas! Muitos e muitos parabéns! Antes, durante e depois do jogo, fez um trabalho simplesmente perfeito. Antes, preparando o Sapunaru para que ele conseguisse secarpor completo o Fábio Coentrão, na hipótese de este aparecer a jogar adiantado, como sucedeu na primeira parte, e preparando a equipa para jogar sempre próxima, concentradíssima na pressão alta e rapidíssima a explorar os espaços na retaguarda do Benfica. E impecável ainda no elogio que fez ao mérito do Benfica campeão de 2010, sem esquecer o jeito que lhe deu o miserável episódio do túnel da Luz — hoje, e por razões bem à vista de todos, uma das mais vergonhosas páginas do futebol português. Impecável ainda, porque, ao contrário do que é habitual nos nossos treinadores em situações semelhantes, não tratou de se precaver com a desculpa dos dois dias a menos de descanso que a equipa do FC Porto teve em relação à do Benfica, antes dizendo logo que isso não iria servir de desculpa, corressem mal as coisas. E impecável no final, pela forma comedida e cavalheiresca com que tratou uma histórica vitória.

Jorge Jesus tinha um dilema de todos conhecido: recuar o Coentrão para defesa esquerdo de forma a tentar travar o furacão Hulk, mas diminuindo drasticamente o poder ofensivo da equipa; ou adiantá-lo e, prescindindo do César Peixoto a defesa (o que seria um suicídio à partida), inventar outra solução para ali. Inventou o David Luís a defesa esquerdo... e foi cilindrado. Não só pelo Hulk, mas também pelo Belluschi: os três primeiros golos do FC Porto, naqueles estonteantes trinta minutos iniciais, aconteceram todos na zona à guarda de David Luís (pode ser que o rapaz, agora com nova cor de cabelo, se dê também a uma coloração de humildade , que bem precisa). Trocou o esquema na segunda parte, mas não foi melhor: o Hulk fez o quarto e quinto golos na cara do Coentrão. Acontece... Agora, e também com grande dose de injustiça, Jesus está transformado no saco de pancada de todos os benfiquistas.

Mas o que já parece mais difícil de justificar é que tenha caído na tentação habitual dos treinadores portugueses, quando se vêm confrontados com os mais difíceis jogos : mexer na equipa habitual para reforçar a defesa e diminuir o seu poder ofensivo. Num jogo que precisava de ganhar, Jesus tirou o Saviola, inventou um novo esquema defensivo, e entrou no Dragão mostrando a todos, e também aos seus jogadores, que estava com medo. Já vi este filme vezes sem fim — e, invariavelmente, acaba mal.

4- Tal como tinha previsto, durante toda a semana os benfiquistas ocuparam-se previamente da arbitragem do jogo. Nenhum árbitro serve ao Benfica: os que não são benfiquistas porque merecem natural desconfiança; os que, como Pedro Proença, são benfiquistas, porque, como explicou Luís Filipe Vieira, ainda são mais de desconfiar. No caso de Pedro Proença, logo trataram de lembrar que, há dois anos atrás, assinalou um penalty numa simulação de Lisandro López, que deu ao Porto o empate final 1-1. É verdade que sim, mas esqueceram-se de acrescentar duas coisas: uma, que toda a gente que estava no estádio ou a seguir o jogo em directo na televisão, ficou convencida de que era mesmo penalty e só o slow-motion posterior mostrou que não era; e que, antes disso e com 0-0, perdoou um penalty incontestado ao Benfica, por derrube de Lucho González. São assim estes arquivistas da verdade desportiva... Também se esqueceram de lembrar que, na jornada anterior deste campeonato, contra o Paços de Ferreira na Luz, um jovem e promissor árbitro, cujo nome sinceramente não fixei, fez apenas isto: perdoou um penal tye amarelo ao Maxi Pereira (que já não jogaria no Dragão) ; perdoou outro penalty e amarelo, por mão intencional, ao Javi Garcia; perdoou o vermelho directo ao David Luiz (que também não jogaria no Dragão), por mais uma das suas impunes agressões à cotovelada; e assinalou um penalty, com consequente expulsão de um jogador do Paços, e que deu o 2-0 final ao Benfica, por uma simulação do Fábio Coentrão — que também deveria ter visto o amarelo. Caramba, é um promissor árbitro!

Já quanto a Pedro Proença, não há nada a dizer, da parte dos benfiquistas: perdoou o segundo amarelo a Maxi Pereira e talvez um penalty ao Salvio por outra mão na bola que pareceu intencional. E, tanto quanto vi, quando o Coentrão derruba o Hulk na área, este está já isolado e só com Roberto pela frente: ouvi dizer que, neste casos, é o vermelho que se mostra e não o amarelo. Enfim, na dúvida ou até sem dúvida, decidiu sempre, sempre e sempre a favor do Benfica. Acontece.

5- E foi um fim-de-semana perfeito e raro. Um dia de caça fantástico, a convite de um grande senhor e um grande benfiquista (não um adepto normal, mas alguém a quem o SL Benfica muito deve). Um homem simples, generoso como raríssimos, a quem devo inúmeras provas de estima e a capacidade de elogiar o FC Porto, quando acha que é justo. Disse-me: «o Porto vai ganhar, porque está a jogar muito mais do que o Benfica».

Depois, outro dia luminoso de caça, céu azul, o campo lindo, com a melhor companhia possível e um almoço de amigos felizes, reunidos num barracão após a caçada, a quem nada — nem o futebol nem a politica — consegue separar. Domingo, ao final do dia, pensei que, de facto, só faltava a vitória do Porto para ser um fim-de-semana perfeito. Mas 5-0 ao Benfica foi de mais! Não era preciso tanto para sentir que vale a pena estar vivo.

6- Só uma pequena nuvem a toldar um céu absolutamente azul: a presença dos cobardes lançadores de bolas de golfe, que se dizem portistas. Mas é para isto, também, que servem os presidentes: Pinto da Costa tem de dizer, alto e bom som, a esses energúmenos que eles envergonham e prejudicam o clube. E para quê atacar um adversário com bolas de golfe quando o destroçamos com as bolas do jogo?

sábado, agosto 13, 2011

O TESTE DO DILÚVIO TAMBÉM JÁ ESTÁ (02 NOVEMBRO 2010)

1- É absolutamente inacreditável como é que Duarte Gomes deixou que se disputasse o Académica-FCPorto naquelas condições dantescas do Municipal de Coimbra. Tanto quanto conheço das regras (e gostaria de as ver confirmadas ou não pelos especialistas), no Cidade de Coimbra estavam reunidas em simultâneo as duas condições que a lei prevê para que o árbitro não dê início ao jogo ou não o deixe prosseguir: as marcações não eram visíveis (bem tentaram reforçá-las ao intervalo...) e a bola não deslizava em nenhuma parte do campo. Ao deixar que o jogo se disputasse assim, Duarte Gomes sabia que não podia acontecer nenhum jogo de futebol; sabia que o público, que tinha pago bilhete e arrostado com aquele dilúvio, ia ser frustrado na sua esperança de assistir a um jogo de futebol entre os dois primeiros classificados do campeonato; e sabia também, obviamente, que, naquele terreno, o resultado do jogo seria uma lotaria e que era o FC Porto, a equipa mais técnica, quem tinha mais a arriscar e a perder. Em última análise, um não-jogo poderia vir a assumir uma importância quem sabe se decisiva para as contas finais do título: bastaria que a Académica, num golpe de sorte, um ressalto, uma bola presa no charco e aproveitada, conseguisse marcar um golo e não sofrer nenhum, e o FC Porto sairia dali com a primeira derrota da época ou com um empate, muito estimulante para o Benfica, a uma semana do jogo do Dragão.

É impossível que o árbitro não tenha pensado em tudo isso e, mesmo assim, resolveu levar o jogo até ao fim. Durante os noventa minutos de pesadelo surreal que se seguiram, Duarte Gomes teve, aliás, várias outras decisões que todas igualmente prejudicaram o FC Porto: perdoou um penalty à Académica com 0-0, anulou um golo a Falcão, pretextando falta de Hulk antes do passe para golo e porque um jogador dos estudantes tinha feito um pião à frente do brasileiro, tentando assim tirar-lhe a bola, sem o conseguir; inventou dois livres à entrada da área do Porto, já depois dos 90 minutos — o primeiro dos quais ia proporcionando o empate e o segundo, originado numa falta descarada cometida por um jogador de Coimbra sobre o Guarin e transformada em falta contra o Porto, originou uma confusão extrema que deu para os da casa reclamarem um penalty que ninguém viu e acabarem... a queixar-se da arbitragem!

Durante 90 minutos eu senti que ali o FC Porto estava a jogar contra todos os factores e que iria precisar de muita sorte para escapar sem danos. Teve sorte, de facto, em não sair de Coimbra com nenhum lesionado grave. Mas, no resto, teve grande mérito na forma como se adaptou às condições impossíveis do terreno, como chegou ao golo num pontapé espectacular de Varela, e como teve ainda forças para dominar toda a segunda parte — apenas pecando nas quatro oportunidades flagrantes de golo desperdiçadas. Obrigado a jogar sem poder mostrar o seu futebol, a equipa mostrou a fibra e a vontade de vencer, contra tudo e todos, que são a imagem de marca dos campeões. O empate de Guimarães, cedido por sobranceria e desleixo, parece ter sido um mal que veio por bem: de então para cá, a equipa absorveu a lição: não basta ser melhor, não basta jogar melhor. Há muitos outros factores, como a arbitragem de Istambul ou o futebol de praia (à beira-mar) imposto por Duarte Gomes em Coimbra, que também entram em jogo quando não se espera. A forma como o incrível obstáculo de Coimbra foi ultrapassado foi simplesmente brilhante.

2- Tenho uma profunda irritação pela obsessão dos repórteres de serviço aos flash interview em tentar sempre encontrar casos de arbitragem onde eles não existiram, pondo na boca dos entrevistados aquilo que mais não são do que desejos ou opiniões dos próprios entrevistadores. Em Coimbra, o repórter Pedro Neves de Sousa, a pretexto do tal lance de confusão em que nada se conseguiu ver ou perceber, acontecido na área do FC Porto aos 90+3 minutos e resultante de uma falta marcada ao contrário, conseguiu pôr na boca de um jogador da Académica e do seu treinador reclamações sobre uma pretensa mão e invisível penalty e queixas da arbitragem absolutamente ridículas e até intelectualmente desonestas. Achei graça que não lhe ocorresse também perguntar a Villas Boas pelo penalty não marcado a favor do Porto, pelo golo mal anulado ou por esse livre inventado três minutos depois da hora. Ou perguntar-lhe se ele não achava que a decisão de fazer o jogo naquele relvado tinha sido objectivamente uma decisão que prejudicava gravemente e logo à partida o FC Porto. Ou perguntar a Jorge Costa como é que ele podia considerar o resultado injusto se, a perder por 0-1 desde os 43 minutos, a sua equipa só voltara a fazer um ataque e um remate abaliza, de livre, aos 90 minutos, enquanto o FC Porto, nesse intervalo de tempo, desperdiçara três remates de baliza aberta e um penalty. São critérios — jornalísticos, certamente.

3- Durante esta semana vamos escutar vários recados dos benfiquistas com destino à arbitragem do jogo do Dragão. Já começaram, aliás, e na perspectiva de haver greve dos árbitros, a dizer que, para eles, até era melhor vir um árbitro da bancada. Pergunto: são capazes de recordar quando foi a última vez que o Benfica teve queixas de arbitragem de um jogo no Dragão ou nas Antas? E quando foi a última vez que o FC Porto teve queixas?



P.S - A Declaração de Independência dos Estados Unidos é parte integrante da Constituição americana, escrita oito anos depois, e funciona como texto interpretativo e remissivo desta. A Declaração contém os princípios fundamentais da democracia americana (que os tribunais aplicam em caso de conflito de interpretação constitucional), e a Constituição contém as regras de organização do sistema político da União.

Julgo que o ex-árbitro Calheiros já tinha saído do activo quando da sua célebre viagem num avião do FC Porto ao Brasil. Mas não o posso jurar, nem isso interessa: interessaria era provar que essa viagem, foi o preço pago pelo FC Porto em troca de um favor de arbitragem concreto—e isso ninguém o fez.

Sim, é possível que, escrevendo sobre futebol — o que não é propriamente nem uma ciência exacta nem uma escrita determinante — me escapem pormenores de facto ou acontecimentos passados irrelevantes. Não tenho tempo de, ao contrário do que fazem o Quintela e o Ricardo Araújo Pereira, passar a vida a vasculhar arquivos de inutilidades. Quando vejo alguém a citar uma arbitragem que terá prejudicado o seu clube em 1989, um penalty que ficou por marcar em 2003 ou coisa semelhante, fico sempre a pensar se não terão nada de mais útil de que se ocuparem. É claro que há árbitros que também não esqueci, de tal forma as suas arbitragens ao longo dos anos foram sempre em prejuízo do meu clube: Lucílio Baptista, Bruno Paixão, Jorge Coroado ou o inesquecível Carlos Valente, a quem o Benfica tanto deve. Mas nem sequer fixei o nome do árbitro que este fim-de-semana perdoou um penalty ao Benfica contra o Paços de Ferreira, numa altura em que havia 1-0 e o Paços dominava por completo o Benfica. Mas sei, com toda a certeza, que esse facto não entrará no próximo relatório benfiquista sobre as malfeitorias dos árbitros. Sei que os que citam o que lhes interessa, convictos que os outros já não se lembram, também se esquecem de citar o que não lhes interessa — o que torna a sua suposta sabedoria enciclopédica numa ciência desonesta.

Mas, de facto, não tenho tempo nem vocação ou paciência para manter actualizado um arquivo de casos do nosso futebol. Acontece que trabalho bem e tenho coisas bem mais interessantes para fazer. E, como é sabido, não ganho dinheiro fácil a fazer publicidade e menos ainda em papéis de espermatozóide do espaço em anúncios publicitários que são um atentado à inteligência de qualquer um.

O que agora me interessa é isto: começo a ficar farto de viver aqui neste jornal com dois rafeiros atiçados permanentemente às canelas, dois censores encartados do que escrevo, obcecados em fazer a exegese completa dos milhares de páginas que em todo o lado escrevi nos últimos anos, para depois, citarem coisas truncadas, descontextualizadas e sobre assuntos totalmente diferentes, a fim de tentarem provar nem sei bem o quê. Embora haja que distinguir (reconheço que o RAP é um tipo com talento e piada, enquanto o Quintela não se lhe conhece dom algum que não o de fazer de Sancho Pança dele), ambos funcionam em matilha Benfica/Sporting, organizada apenas para tentar que eu e o Rui Moreira um dia enchamos o saco e nos vamos embora. Sei que é isso que eles querem, mas também não é isso que me impedirá de um dia me fartar de vez de os aturar. Se todas as semanas há dois colaboradores do jornal onde eu também escrevo cuja única função é a actividade pidesca de vasculhar tudo o que eu escrevi ou escrevo, a fim de me tentarem intimidar ou silenciar, talvez não faça sentido algum coincidirmos aqui.

Há cerca de ano e meio atrás, antes da dupla Quintela/RAP ter feito de mim o objecto principal das suas esforçadas tentativas de aliviarem as desilusões futebolísticas dos seus clubes de estimação, tive a honra de ser por eles convidado para ir aos Gatos Fedorentos e tive o desplante de ser, juntamente com o actual Presidente da República (e este por dever de função) o único de todos os convidados a recusar o convite. Verdadeira contradição é terem convidado um tipo a quem depois transformaram num alvo a abater. Verdadeira não-contradição foi o facto de eu já então ter optado por recusar um convite tão honroso que, do primeiro-ministro à líder da oposição, não houve Zé Careca neste país que se recusasse a ir lá a correr. Hoje, eles dirão que foi um erro terem-me convidado e não sabem porque o fizeram. Mas eu sei bem porque recusei.

terça-feira, agosto 02, 2011

CARTA DE ISTAMBUL (26 OUTUBRO 2010)

1- Em Istambul, no infernal estádio do Besiktas, o FC Porto de André Villas Boas assinalou, não apenas talvez o melhor jogo da época até à data, mas também um jogo do qual se podem extrair muitas e proveitosas lições. Mesmo não esquecendo que enfrentou um adversário desfalcado dos seus três melhores jogadores, não é possível diminuir o mérito de uma vitória que foi toda ela fruto de uma grande experiência europeia e da continuidade de um espírito de conquista que é a imagem de marca daquele clube, desde há vários anos, com diferentes treinadores e diferentes jogadores.

A primeira lição a reter é que, afinal, é bem frequente vermos que as arbitragens europeias são bem piores do que as caseiras (isto, para não falar já do desastre que foram as arbitragens do recente Mundial). Lição: os erros dos árbitros não olham a fronteiras nem a competições e não têm de ser sempre sinonimo de suspeitas, de maquinações, de jogadas ocultas do sistema — como aqui se jura de cada vez que os donos da «verdade desportiva» se sentem prejudicados, às vezes por coisas tão banais como um fora-de -jogo mal assinalado.

Em Istambul, o árbitro espanhol teve o azar de errar sempre para o mesmo lado e de ter cometido dois erros de catedral, daqueles quase impossíveis de explicar: um golo lindíssimo, sem qualquer sombra de irregularidade, anulado ao FC Porto, e um penalty flagrante e expulsão devida perdoados ao Besiktas.

A segunda lição é que, como tantas vezes o escrevi, uma grande equipa, quando quer mesmo ganhar, ganha contra os erros do árbitro. Em Istambul, isso foi particularmente difícil porque esses erros impediram por duas vezes o 0-2 que teria matado o jogo e deixaram o FC Porto toda a segunda parte em inferioridade numérica. Mas a forma como a equipa esfriou a cabeça na cabina, ao intervalo, se adaptou às circunstâncias, cerrou os dentes e partiu para a machadada final foi simplesmente brilhante.

Na véspera, em Lyon, viu-se como o Benfica, também com um a menos desde a mesma altura, soçobrou por completo as mãos dos franceses, sem fazer um só remate à baliza e limitando as suas tentativas de ataque às rotineiras simulações de penalty do Saviola - que o sistema europeu não protege. Dir-me-ão, e é verdade, que o Lyon não é o Besiktas, mas é por isso que o Benfica está na Champions e o FC Porto na liga Europa, e não o inverso: se é para esperar equipas da UEFA na Liga dos Campeões, não vale a pena estar lá.

Tendo de jogar toda a segunda parte com um a menos e naquele ambiente infernal, Villas Boas fez o clássico: substituiu o central expulso por outro central, o Otamendi (que, em minha opinião, devia lá estar desde o início porque é evidente que é o melhor central da equipa), e tirou o ponta-de-lança. Podia, em vez disso, ter tirado um estremo (e a apagada exibição do Rodriguéz, mais uma,bem o justificava...). Mas, quando se dispõe de alguém com a velocidade, o físico, a capacidade de explosão, a potência de remate e a técnica individual do Hulk, compreende-se que era difícil a Villas Boas não resistir à tentação de lhe confiar toda a produção ofensiva da equipa. O esquema de jogo passou a ser submetido a três regras simples: máxima concentração e entreajuda na defesa; muita atenção no meio-campo para as intercepções dos passes do adversário e para não transviar os próprios: e, no resto e sempre que possível, bola para a frente e o Hulk que resolvesse.

Muito raramente uma equipa dispõe de um jogador que, por si só, possa assegurar as despesas do contra-ataque e, abandonado à sua sorte em território Comanche seja capaz de manter em sobressalto toda uma defesa ou, melhor ainda, capaz de ganhar o jogo, atacando sozinho. O FC Porto tem a sorte de dispor de um jogador assim. O último que me lembro de ali ver capaz do mesmo chamava-se Rabah Madjer e, até hoje, foi o melhor jogador que vi jogar com a camisola azul e branca. Enquanto o Hulk por cá estiver e assim estiver, é fatal que eu me hei-de lembrar sempre do crime de lesa-futebol cometido pelo dr. Ricardo Costa e seus cúmplices nessa infame história do túnel da verdade desportiva. Só me consola pensar que, como pessoa de escrúpulos que há-de ser, ele deve morrer de vergonha de vergonha de sair à rua nos dias seguintes a estas exibições de Hulk...

Compreendo que André Villas Boas defenda que Hulk só pode fazer o que faz com um grande colectivo atrás dele. Está a defender a equipa e está a defender o seu próprio trabalho - e uma e outro merecem, sem dúvida, essa defesa. Mas todos sabemos que os grandes desequilibradores facilitam a tarefa das equipas e dos treinadores; não é por acaso que o Messi, sem ser ponta-de-lança foi o melhor marcador do campeonato espanhol do ano passado e lá segue igual nesta época. Agora, independentemente do génio que o Hulk deixou em campo (ovacionado pelo fantástico público do Besiktas), volto a dizer que o que mais gostei de ver foi a atitude da equipa - tão diferente da de Guimarães, onde só acordou quando se viu empatada e em inferioridade numérica. Os jogadores perceberam que eram melhores que o adversário e que, mesmo enfrentando aquela arbitragem, não havia razão alguma para não saírem dali com a vitória. É essa atitude de conquista que ninguém mais tem entre nós, por muito que Jorge Jesus se esforce por fazer crer não sei a quem que o seu Benfica é das melhores equipas da Europa (não é sequer das trinta melhores...). Claro que , em Istambul, nem todos estiveram ao nível mais alto. Volto a insistir, por exemplo, que não entendo a titularidade inquestionável do Fernando (que, até ser expulso por acumular faltas que a sua ausência de velocidade e noção de tempo de entrada à bola lhe impõem, foi um autêntico passador). Continuo a não conseguir enxergar as soberbas exibições invisíveis de João Moutinho. E há muito que já não espero nada do Cristián Rodriguéz e só me pergunto em que será ele melhor do que Varela, James ou Candeias, agora brilhando ao serviço do Portimonense? Os treinadores falam tanto em gestão do plantei para aqui, gestão do plantei para ali, e depois custa-me a entender como é que uns mantêm lugar cativo jogando pouco ou mal e outros só dispõem de fugazes oportunidades que até nos deixam água na boca. Foi assim que, com Jesualdo Ferreira, desapareceram jogadores tão promissores como Candeias ou Sérgio Oliveira. E é assim que, com André Villas Boas, também desespero por poder ver mais de jogadores como Otamendi, Souza ou James Rodriguéz. Mas, enfim, cada um tem os seus preferidos e os seus malquistos.

Não sei se dizer isto me transforma num Bin Laden. Mas, se um tipo que escreve sobre futebol num jornal não pode dizer quem são os seus jogadores preferidos e os outros, se não pode dizer como é que gosta de ver a sua equipa jogar e como é que não gosta de a ver jogar, então escreve sobre quê? Faz como o Ricardo Araújo Pereira, que jamais escreve sobre futebol, propriamente dito, e ate assume que está aqui só para tentar chatear, a mim e ao Rui Moreira?

2- Lamento a falha, mas não vi o Sporting ganhar ín extremis ao Rio Ave, no seu Estádio de Alvalade, nem o Benfica ganhar, no seu Estádio do Algarve, ao Portimonense. Ao pôr-do-sol de domingo, estava a caçar patos no meio do mato. Escondido atrás de uns arbustos, vi a noite cair e tudo ficar escuro no silêncio à minha volta, até nascer uma fantástica lua cheia cor de laranja, vinda dos lados de Espanha. Em alturas dessas, tenho pena de quem confunde o futebol com a vida.

3- E ontem à noite, de regresso ao campeonato, o FC Porto prolongou o espírito de Istambul; exibição séria, respeito pelo público, futebol de categoria e vitória convincente. Mais um festival particular da dupla Hulk-Falcão, apenas levemente diminuído por mais uma falha do Fernando. André Villas Boas parece ter escutado as minhas súplicas e deu-nos um cheirinho de James e Souza: gostei.

Já cheira a campeão. Este FC Porto é bem melhor do que este Benfica e, ganhando no Dragão daqui a duas jornadas, fica aberta a SCUT para o título.

A "REVOLUÇÃO" DE PAULO BENTO (19 OUTUBRO 2010)

1- Tenho esta tese – certamente alimentada pelo desconhecimento concreto das coisas – de que, salvo raras excepções, um treinador de futebol não conta assim tanto como os adeptos imaginam. Julgo que nenhum treinador consegue grandes resultados duradouros com uma fraca equipa ou uma má organização do clube; e que,com uma boa equipa e uma organização a apoiá-lo, a maioria consegue bons resultados. Claro que, depois, há diferenças de desempenho do treinador e é isso que acaba por contar, em condições de igualdade: a capacidade de preparar fisicamente a equipa, de ser capaz de tirar de cada jogador o melhor que ele pode dar, de motivar os jogadores nos treinos e nos jogos ou (a qualidade mais rara de todas) de ser capaz de alterar o curso de um jogo durante 90 minutos, através de substituições ou de alteração de posições ou forma de jogar. Mas o essencial é uma boa equipa, uma boa organização e ...sorte.

André Villas Boas está a provar isso mesmo no FC Porto. Que, sendo-se inteligente e futebolisticamente culto, não cometendo asneiras primárias, é possível, mesmo a um treinador sem experiência quase alguma se sem formação específica, colocar uma boa equipa, apoiada numa organização eficiente, imediata e tranquilamente na liderança. Inversamente, por exemplo, duvido que até José Mourinho – indiscutivelmente , um dos melhores treinadores da sua geração, ou mesmo o melhor – fosse capaz de colocar este Sporting dos últimos ano na liderança: julgo que, ao fim de pouco tempo, ele teria um ataque de nervos e de impotência e bateria com a porta.

Vem isto a propósito do estendal de encomios que Paulo Bento tem justificado apenas porque conseguiu derrotar em casa uma Dinamarca em crise e derrotar fora uma incipiente Islândia. Até já se fala da “revolução de Paulo Benrto!”. Ora, eu, que sempre louvei o estoicismo, a capacidade de resistência e a luta desigual que ele travou no comando do Sporting, acho tudo isto uma exagero absurdo.Paulo Bento não patrocinou qualquer revolução, assegurou a continuidade – que era, aliás, a única coisa sensata que podia fazer de emergência – e teve a sorte que o “pé frio” Queiroz, de facto, não teve. Dir-me-ão, e eu concordo, que teve também o mérito de não complicar tudo, como Queiroz tantas vezes fez, e que trouxe outra alegria aos jogadores. Mas, quando perguntaram ao Cristiano Ronaldo o que tinha mudado com Paulo Bento, ele respondeu que o novo treinador tinha sido capaz de motivar os jogadores a jogarem por Portugal: o mínimo exigível a um treinador de Selecção, aquilo que qualquer um de nós faria, no lugar dele.

No substancial, com quatro treinos e dois jogos em cinco dias, Paulo Bento não teve tempo para mudar o que quer que fosse e, de facto, não o fez. Repare-se: mantece os consagrados, os indiscutíveis da Selecção, Ricardo Caravalho em dupla com Pepe(se falhasse poderia sempre dizer que apenas tinha aproveitado a fórmula Mourinho, no Real Madrid), Fábio Coentrão, Raul Meireles, Nani e Ronaldo. Depois aliviado de Deco, Simão e Miguel, com Bosingwa lesionado e Liedson a suplente do Sporting, chamou quem a crítica reclamava: João Pereira, Moutinho, Carlos Martins e Hélder Postiga (se falhassem estes, poderia defender-se com o consenso geral). Na única decisão de risco que tomou, optou por não correr riscos pada fora: mAnteve na baliza um guarda-redes responsável pelo empate contra Chipre e a derrota contra Noruega. Viu-se em Reiquiavique que foi um erro, mas mais uma vez se pode defender dizendo que não escutou nenhuma voz a pedir a substituição de Eduardo. E teve ainda a sorte, que Queiroz não teve, de contar com Ronaldo – ausente nos dois jogos de Queiroz nas eliminatórias do Europeu e corpo-presente em todo o Mundial.

Pode ser ( e oxalá que sim!) que Paulo Bento venha a revelar-se o seleccionador de que Portugal precisava, neste momento e para a frente. Mas, honestamente, ainda estamos na fase do quod est dmonstrandum.

2- Francamente,eu não quero acreditar que a direcção do Benfica se prepare para fazer o que veio noticiado em alguns jornais: comprar os 2500 a que tem direito para o jogo do Dragão e, em lugar de os pôr à venda, deixar vazio o sector reservado aos adeptos benfiquistas, privando-os de assistir ao vivo a um dos jogos do título. Depois de apelar aos adeptos para não irem ver a equipa jogar fora de casa, o Benfica daria assim um passo em frente: em vez do apelo, a imposição. E, depois de ameaçar faltar ao próprio jogo e de impedir os adeptos de o ver ao vivo, só ficaria a faltar um apelo à Olivedesportos para que não transmitisse o Porto-Benfica na TV. Eu não acredito que cheguem a isso. E não acredito, porque a direcção do Benfica tem obrigação de saber que uma atitude dessas não pode seguramente passar sem consequências. Primeiro de tudo, o Benfica perderia, logicamente, o direito a voltar a reclamar os bilhetes que por lei lhe cabem nos jogos fora: porque o Benfica não é dono dos bilhetes, é apenas depositário, com a obrigação de os vender aos seus adeptos e de devolver as sobras ao anfitrião, para venda por este. Depois, é evidente que a Liga não poderia branuear um acto que se traduziria num verdadeiro boicote ao futebol e de um antidesportivismo total. E, finalmente, porque o Benfica tem mais de cem anos e ninguém responsável quereria manchar a sua história com uma nódoa destas. O que é preciso é promover a ida dos adeptos aos estádios, promover o futebol dentro e não fora das quatro linhas, acabar com as bolas de golfe e as pedras atiradas aos autocarros, promover o civismo contra o ódio, o desportivismo contra o manobrismo, a honra de lutar pela vitória contra ao medo de perder. E dizer, as vezes que forem precisas, que o futebol não é, nem poder ser, o princípio e o fim de tudo nem o mais importante de coisa alguma.

3- A muita e antiga amizade que Eduardo Barroso tem por António Pedro Vasconcelos não justifica que ele me coloque no mesmo cesto de virtudes que APV, a propósito das escutas. Eduardo Barroso diz que eu também fiz “um apelo para que fosse divulgada” a escuta do Apito Dourado envolvendo Luís Filipe Vieira. Não fiz apelo nenhum desses e não estou no mesmo cesto. Escrevi,sim que, se aquilo que move APV e os divulgadores das escutas é a tal “verdade desportiva”, não sei porque não tratam também de promover a divulgação dessa tão eloquente escuta. Mas eu, ao contrário de Eduardo Barroso, jamais ouvi escuta alguma – fosse na net, telefone, onde quer que fosse. E, ao contrário de APV, jamais promovi a sua publicação ou a sua divulgação, jamais apelei a que outros fossem ouvir ou divulgassem,e,sobretudo, jamais me utilizei de divulgação ilegal do conteúdo das escutas para promover juízos ou julgamentos populares, à margem da justiça comum. Agora, não posso deixar de ler jornais nem escutar noticiários e assim tomar conhecimento do conteúdo das escutas, como toda a gente de bem. Essa escuta ao presidente do Benfica veio publicada no jornal Publico e, no mesmo dia, LFV convocou uma conferência de imprensa, sem direito a perguntas, e onde, não negando o conteúdo da mesma, se limitou a alertar os benfiquistas que aquilo era uma manobra contra o clube e que outras semelhantes se iriam seguir (curiosamente, não se seguiu mais nada...)

E esta foi então a minha participação na “guerra das escutas” – menor que a do próprio Eduardo Barrosoe absolutamente diferente da do APV. O APV foi ouvir na net, apelou a que os outros o fizessem e, sabendo que a sua divulgação era ilegal e o caso era julgado, serviu-se delas num programa televisivo onde declarou que “grave é que as escutas não se possam ouvir legalmente”, porque “são os media que, neste momento, nos defendem da justiça”. Ó Eduardo, já ouviu falar do Juiz Roy Bean – “the law west of Pecos”? Não compare, meu caro amigo, o que não é comparável.

4- Também não quero acreditar na notícia que li e que me fez rebentar de riso: um steart do Estádio da Luz agrediu o Juan Bernabé, o homem da águia Vitória! O quê, um desses imprescindíveis “agentes desportivos”, pacíficos defensores da paz no túnel da Verdade Desportiva, uma dessas vitimas da selvajaria do Hulk, como disse o cómico da MEO, agora agride o tratador da Vitória? Caramba, seis meses de suspensão para a águia Vitória!