terça-feira, agosto 02, 2011

CARTA DE ISTAMBUL (26 OUTUBRO 2010)

1- Em Istambul, no infernal estádio do Besiktas, o FC Porto de André Villas Boas assinalou, não apenas talvez o melhor jogo da época até à data, mas também um jogo do qual se podem extrair muitas e proveitosas lições. Mesmo não esquecendo que enfrentou um adversário desfalcado dos seus três melhores jogadores, não é possível diminuir o mérito de uma vitória que foi toda ela fruto de uma grande experiência europeia e da continuidade de um espírito de conquista que é a imagem de marca daquele clube, desde há vários anos, com diferentes treinadores e diferentes jogadores.

A primeira lição a reter é que, afinal, é bem frequente vermos que as arbitragens europeias são bem piores do que as caseiras (isto, para não falar já do desastre que foram as arbitragens do recente Mundial). Lição: os erros dos árbitros não olham a fronteiras nem a competições e não têm de ser sempre sinonimo de suspeitas, de maquinações, de jogadas ocultas do sistema — como aqui se jura de cada vez que os donos da «verdade desportiva» se sentem prejudicados, às vezes por coisas tão banais como um fora-de -jogo mal assinalado.

Em Istambul, o árbitro espanhol teve o azar de errar sempre para o mesmo lado e de ter cometido dois erros de catedral, daqueles quase impossíveis de explicar: um golo lindíssimo, sem qualquer sombra de irregularidade, anulado ao FC Porto, e um penalty flagrante e expulsão devida perdoados ao Besiktas.

A segunda lição é que, como tantas vezes o escrevi, uma grande equipa, quando quer mesmo ganhar, ganha contra os erros do árbitro. Em Istambul, isso foi particularmente difícil porque esses erros impediram por duas vezes o 0-2 que teria matado o jogo e deixaram o FC Porto toda a segunda parte em inferioridade numérica. Mas a forma como a equipa esfriou a cabeça na cabina, ao intervalo, se adaptou às circunstâncias, cerrou os dentes e partiu para a machadada final foi simplesmente brilhante.

Na véspera, em Lyon, viu-se como o Benfica, também com um a menos desde a mesma altura, soçobrou por completo as mãos dos franceses, sem fazer um só remate à baliza e limitando as suas tentativas de ataque às rotineiras simulações de penalty do Saviola - que o sistema europeu não protege. Dir-me-ão, e é verdade, que o Lyon não é o Besiktas, mas é por isso que o Benfica está na Champions e o FC Porto na liga Europa, e não o inverso: se é para esperar equipas da UEFA na Liga dos Campeões, não vale a pena estar lá.

Tendo de jogar toda a segunda parte com um a menos e naquele ambiente infernal, Villas Boas fez o clássico: substituiu o central expulso por outro central, o Otamendi (que, em minha opinião, devia lá estar desde o início porque é evidente que é o melhor central da equipa), e tirou o ponta-de-lança. Podia, em vez disso, ter tirado um estremo (e a apagada exibição do Rodriguéz, mais uma,bem o justificava...). Mas, quando se dispõe de alguém com a velocidade, o físico, a capacidade de explosão, a potência de remate e a técnica individual do Hulk, compreende-se que era difícil a Villas Boas não resistir à tentação de lhe confiar toda a produção ofensiva da equipa. O esquema de jogo passou a ser submetido a três regras simples: máxima concentração e entreajuda na defesa; muita atenção no meio-campo para as intercepções dos passes do adversário e para não transviar os próprios: e, no resto e sempre que possível, bola para a frente e o Hulk que resolvesse.

Muito raramente uma equipa dispõe de um jogador que, por si só, possa assegurar as despesas do contra-ataque e, abandonado à sua sorte em território Comanche seja capaz de manter em sobressalto toda uma defesa ou, melhor ainda, capaz de ganhar o jogo, atacando sozinho. O FC Porto tem a sorte de dispor de um jogador assim. O último que me lembro de ali ver capaz do mesmo chamava-se Rabah Madjer e, até hoje, foi o melhor jogador que vi jogar com a camisola azul e branca. Enquanto o Hulk por cá estiver e assim estiver, é fatal que eu me hei-de lembrar sempre do crime de lesa-futebol cometido pelo dr. Ricardo Costa e seus cúmplices nessa infame história do túnel da verdade desportiva. Só me consola pensar que, como pessoa de escrúpulos que há-de ser, ele deve morrer de vergonha de vergonha de sair à rua nos dias seguintes a estas exibições de Hulk...

Compreendo que André Villas Boas defenda que Hulk só pode fazer o que faz com um grande colectivo atrás dele. Está a defender a equipa e está a defender o seu próprio trabalho - e uma e outro merecem, sem dúvida, essa defesa. Mas todos sabemos que os grandes desequilibradores facilitam a tarefa das equipas e dos treinadores; não é por acaso que o Messi, sem ser ponta-de-lança foi o melhor marcador do campeonato espanhol do ano passado e lá segue igual nesta época. Agora, independentemente do génio que o Hulk deixou em campo (ovacionado pelo fantástico público do Besiktas), volto a dizer que o que mais gostei de ver foi a atitude da equipa - tão diferente da de Guimarães, onde só acordou quando se viu empatada e em inferioridade numérica. Os jogadores perceberam que eram melhores que o adversário e que, mesmo enfrentando aquela arbitragem, não havia razão alguma para não saírem dali com a vitória. É essa atitude de conquista que ninguém mais tem entre nós, por muito que Jorge Jesus se esforce por fazer crer não sei a quem que o seu Benfica é das melhores equipas da Europa (não é sequer das trinta melhores...). Claro que , em Istambul, nem todos estiveram ao nível mais alto. Volto a insistir, por exemplo, que não entendo a titularidade inquestionável do Fernando (que, até ser expulso por acumular faltas que a sua ausência de velocidade e noção de tempo de entrada à bola lhe impõem, foi um autêntico passador). Continuo a não conseguir enxergar as soberbas exibições invisíveis de João Moutinho. E há muito que já não espero nada do Cristián Rodriguéz e só me pergunto em que será ele melhor do que Varela, James ou Candeias, agora brilhando ao serviço do Portimonense? Os treinadores falam tanto em gestão do plantei para aqui, gestão do plantei para ali, e depois custa-me a entender como é que uns mantêm lugar cativo jogando pouco ou mal e outros só dispõem de fugazes oportunidades que até nos deixam água na boca. Foi assim que, com Jesualdo Ferreira, desapareceram jogadores tão promissores como Candeias ou Sérgio Oliveira. E é assim que, com André Villas Boas, também desespero por poder ver mais de jogadores como Otamendi, Souza ou James Rodriguéz. Mas, enfim, cada um tem os seus preferidos e os seus malquistos.

Não sei se dizer isto me transforma num Bin Laden. Mas, se um tipo que escreve sobre futebol num jornal não pode dizer quem são os seus jogadores preferidos e os outros, se não pode dizer como é que gosta de ver a sua equipa jogar e como é que não gosta de a ver jogar, então escreve sobre quê? Faz como o Ricardo Araújo Pereira, que jamais escreve sobre futebol, propriamente dito, e ate assume que está aqui só para tentar chatear, a mim e ao Rui Moreira?

2- Lamento a falha, mas não vi o Sporting ganhar ín extremis ao Rio Ave, no seu Estádio de Alvalade, nem o Benfica ganhar, no seu Estádio do Algarve, ao Portimonense. Ao pôr-do-sol de domingo, estava a caçar patos no meio do mato. Escondido atrás de uns arbustos, vi a noite cair e tudo ficar escuro no silêncio à minha volta, até nascer uma fantástica lua cheia cor de laranja, vinda dos lados de Espanha. Em alturas dessas, tenho pena de quem confunde o futebol com a vida.

3- E ontem à noite, de regresso ao campeonato, o FC Porto prolongou o espírito de Istambul; exibição séria, respeito pelo público, futebol de categoria e vitória convincente. Mais um festival particular da dupla Hulk-Falcão, apenas levemente diminuído por mais uma falha do Fernando. André Villas Boas parece ter escutado as minhas súplicas e deu-nos um cheirinho de James e Souza: gostei.

Já cheira a campeão. Este FC Porto é bem melhor do que este Benfica e, ganhando no Dragão daqui a duas jornadas, fica aberta a SCUT para o título.

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