1- Meus senhores, todos os que gostam de futebol: o que vocês viram domingo à noite no Dragão é o melhor que o nosso futebol tem para apresentar. Só não foi um jogo inesquecível porque apenas uma equipa jogou: a outra foi sovada, cilindrada, reduzida ao estado de zombie. Mas que bem que jogou o FC Porto, caramba!
Eu sei que para os nossos inimigos (não adversários, que isso é coisa diferente e mais digna), estes 5-0 não vão servir de nada, nem ensinar coisa alguma nem ajudá-los a meter viola alguma ao saco. Vai passar-se o mesmo que se passou sempre, apesar dos quinze campeonatos ganhos no último quarto de século, dos dois títulos de campeão europeu e campeão do mundo, da Taça UEFA e de tantas e tantas noites de glória azul e branca: assente a poeira deste jogo, disfarçada a vergonha e presumindo esquecida a evidência que todos viram, vão voltar ao disco rachado há vinte e cinco anos — a viagem do Calheiros ao Brasil, a fruta e o chocolate, o árbitro que foi beber um cafezinho antes do palpitante Beira-Mar-FC Porto de 2004 (tão palpitante que até pusemos a reserva a jogar), o sistema, mais as influências e tudo o resto que já estamos carecas de ouvir. Por um lado, fico contente: é sinal que o seu ódio vesgo é tamanho, que nunca irão aprender a lição e nós iremos continuar a ganhar. Mas, por outro lado, fico preocupado, porque sei que esta incapacidade dos nossos inimigos reconhecerem o mérito do FC Porto, mesmo depois de serem cabazados com 5-0, é um decalque do país que hoje somos e das razões da sua falência: os medíocres odeiam a competição, a competitividade, a necessidade de se baterem contra adversários que não conseguem acompanhar. Preferem os direitos adquiridos, o tempo em que tudo lhes vinha parar à mão sem concorrência. Então, vá de desqualificar, caluniar, tentar manchar o sucesso dos intrometidos.
2- Jorge Jesus foi injusto quando quis reduzir tudo o que se viu à «noite inspirada do Hulk» (melhor do que isso, só o site oficial do Benfica, esse jornalismo de referência, resumindo o massacre a uma questão de «falta de sorte»). Para começar, não foi uma noite inspirada do Hulk (mais uma!): foi uma noite de sonho. Depois, por mais fantástica que tenha sido a exibição desse fantástico brasileiro descoberto na obscuridade do futebol japonês e revelado na grande escola de sucesso que é o FC Porto, a verdade é que ele não fez tudo sozinho. Inventou e assistiu o primeiro golo, construiu e cobrou o quarto e inventou sozinho o quinto. Mas, no intervalo, um novo Belluschi foi genial a assistir o Falcão para o segundo e terceiro golos, e o Falcão foi fabuloso a cobrar o segundo de calcanhar e o terceiro à matador. E, no intervalo, a defesa do FC Porto foi absolutamente inultrapassável, com o Sapunaru a fazer a melhor exibição que já lhe vi, o Álvaro Pereira sublime, como de costume, o Helton a fazer uma grande defesa àúnica oportunidade e remate à baliza do Benfica (na sequência, é claro, de uma bola parada), o Guarín a fazer também o melhor jogo de sempre. Não houve um jogador a destoar, não houve uma má exibição individual, e houve, acima de tudo, uma grande equipa, muitíssimo bem preparada.
3- Parabéns, André Villas Boas! Muitos e muitos parabéns! Antes, durante e depois do jogo, fez um trabalho simplesmente perfeito. Antes, preparando o Sapunaru para que ele conseguisse secarpor completo o Fábio Coentrão, na hipótese de este aparecer a jogar adiantado, como sucedeu na primeira parte, e preparando a equipa para jogar sempre próxima, concentradíssima na pressão alta e rapidíssima a explorar os espaços na retaguarda do Benfica. E impecável ainda no elogio que fez ao mérito do Benfica campeão de 2010, sem esquecer o jeito que lhe deu o miserável episódio do túnel da Luz — hoje, e por razões bem à vista de todos, uma das mais vergonhosas páginas do futebol português. Impecável ainda, porque, ao contrário do que é habitual nos nossos treinadores em situações semelhantes, não tratou de se precaver com a desculpa dos dois dias a menos de descanso que a equipa do FC Porto teve em relação à do Benfica, antes dizendo logo que isso não iria servir de desculpa, corressem mal as coisas. E impecável no final, pela forma comedida e cavalheiresca com que tratou uma histórica vitória.
Jorge Jesus tinha um dilema de todos conhecido: recuar o Coentrão para defesa esquerdo de forma a tentar travar o furacão Hulk, mas diminuindo drasticamente o poder ofensivo da equipa; ou adiantá-lo e, prescindindo do César Peixoto a defesa (o que seria um suicídio à partida), inventar outra solução para ali. Inventou o David Luís a defesa esquerdo... e foi cilindrado. Não só pelo Hulk, mas também pelo Belluschi: os três primeiros golos do FC Porto, naqueles estonteantes trinta minutos iniciais, aconteceram todos na zona à guarda de David Luís (pode ser que o rapaz, agora com nova cor de cabelo, se dê também a uma coloração de humildade , que bem precisa). Trocou o esquema na segunda parte, mas não foi melhor: o Hulk fez o quarto e quinto golos na cara do Coentrão. Acontece... Agora, e também com grande dose de injustiça, Jesus está transformado no saco de pancada de todos os benfiquistas.
Mas o que já parece mais difícil de justificar é que tenha caído na tentação habitual dos treinadores portugueses, quando se vêm confrontados com os mais difíceis jogos : mexer na equipa habitual para reforçar a defesa e diminuir o seu poder ofensivo. Num jogo que precisava de ganhar, Jesus tirou o Saviola, inventou um novo esquema defensivo, e entrou no Dragão mostrando a todos, e também aos seus jogadores, que estava com medo. Já vi este filme vezes sem fim — e, invariavelmente, acaba mal.
4- Tal como tinha previsto, durante toda a semana os benfiquistas ocuparam-se previamente da arbitragem do jogo. Nenhum árbitro serve ao Benfica: os que não são benfiquistas porque merecem natural desconfiança; os que, como Pedro Proença, são benfiquistas, porque, como explicou Luís Filipe Vieira, ainda são mais de desconfiar. No caso de Pedro Proença, logo trataram de lembrar que, há dois anos atrás, assinalou um penalty numa simulação de Lisandro López, que deu ao Porto o empate final 1-1. É verdade que sim, mas esqueceram-se de acrescentar duas coisas: uma, que toda a gente que estava no estádio ou a seguir o jogo em directo na televisão, ficou convencida de que era mesmo penalty e só o slow-motion posterior mostrou que não era; e que, antes disso e com 0-0, perdoou um penalty incontestado ao Benfica, por derrube de Lucho González. São assim estes arquivistas da verdade desportiva... Também se esqueceram de lembrar que, na jornada anterior deste campeonato, contra o Paços de Ferreira na Luz, um jovem e promissor árbitro, cujo nome sinceramente não fixei, fez apenas isto: perdoou um penal tye amarelo ao Maxi Pereira (que já não jogaria no Dragão) ; perdoou outro penalty e amarelo, por mão intencional, ao Javi Garcia; perdoou o vermelho directo ao David Luiz (que também não jogaria no Dragão), por mais uma das suas impunes agressões à cotovelada; e assinalou um penalty, com consequente expulsão de um jogador do Paços, e que deu o 2-0 final ao Benfica, por uma simulação do Fábio Coentrão — que também deveria ter visto o amarelo. Caramba, é um promissor árbitro!
Já quanto a Pedro Proença, não há nada a dizer, da parte dos benfiquistas: perdoou o segundo amarelo a Maxi Pereira e talvez um penalty ao Salvio por outra mão na bola que pareceu intencional. E, tanto quanto vi, quando o Coentrão derruba o Hulk na área, este está já isolado e só com Roberto pela frente: ouvi dizer que, neste casos, é o vermelho que se mostra e não o amarelo. Enfim, na dúvida ou até sem dúvida, decidiu sempre, sempre e sempre a favor do Benfica. Acontece.
5- E foi um fim-de-semana perfeito e raro. Um dia de caça fantástico, a convite de um grande senhor e um grande benfiquista (não um adepto normal, mas alguém a quem o SL Benfica muito deve). Um homem simples, generoso como raríssimos, a quem devo inúmeras provas de estima e a capacidade de elogiar o FC Porto, quando acha que é justo. Disse-me: «o Porto vai ganhar, porque está a jogar muito mais do que o Benfica».
Depois, outro dia luminoso de caça, céu azul, o campo lindo, com a melhor companhia possível e um almoço de amigos felizes, reunidos num barracão após a caçada, a quem nada — nem o futebol nem a politica — consegue separar. Domingo, ao final do dia, pensei que, de facto, só faltava a vitória do Porto para ser um fim-de-semana perfeito. Mas 5-0 ao Benfica foi de mais! Não era preciso tanto para sentir que vale a pena estar vivo.
6- Só uma pequena nuvem a toldar um céu absolutamente azul: a presença dos cobardes lançadores de bolas de golfe, que se dizem portistas. Mas é para isto, também, que servem os presidentes: Pinto da Costa tem de dizer, alto e bom som, a esses energúmenos que eles envergonham e prejudicam o clube. E para quê atacar um adversário com bolas de golfe quando o destroçamos com as bolas do jogo?
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