sábado, abril 30, 2011

UM TRIBUTO A BRUNO ALVES E A LIONEL MESSI (30 MARÇO 2010)

1- Muito raras vezes vi um jogador de futebol fazer um percurso tão extraordinário quanto Bruno Alves. Quando, há uns anos, o então inofensivo Benfica quebrou um jejum de largos anos e ganhou no Dragão por 2-0, Bruno Alves estava praticamente a ensaiar os seus primeiros passos no F.C.Porto e a sua prestação foi má demais: teve culpas num golo, ofereceu outro e acabou expulso depois de agredir Nuno Gomes, num acesso de descontrolo. Achei então que não havia futuro para ele no F.C.Porto. Mas - e com Jesualdo Ferreira - ele soube contrariar um destino que parecia traçado: em dois ou três anos, transformou-se num dos melhores centrais do mundo. É inigualável em poder de impulsão e jogo aéreo, inultrapassável em entrega ao jogo e atitude competitiva, e brilhante na ocupação do espaço que defende e na leitura da construção do jogo de trás para a frente. É verdade que muitas vezes se excede na forma como entra às jogadas e aos adversários, mas só quem nunca jogou futebol e nada entende do jogo pode confundir isso com violência ou anti-jogo. Muitos outros que aí estão, bem menos exuberantes e generosos na entrega ao jogo, procuram, não a bola, mas as canelas dos adversários, à socapa, disfarçadamente, cobardemente - mas magoando e deixando mossas. Ele, não: nunca partiu a perna a um adversário (o Mossoró ou o Anderson que o digam…), nunca remeteu alguém para o estaleiro e passa jogos inteiros (que ninguém repara) sem cometer uma única falta. Sim, tem mau feitio a jogar - mas nisto, como em tudo o resto, eu prefiro mil vezes as pessoas com mau feitio e bom carácter do que o oposto. Também John McEnroe, que foi o maior tenista de todos os tempos, tinha mau feitio e era perseguido pela imprensa politicamente correcta - que hoje o venera como comentador e lenda viva do ténis que valia a pena ver.

As virgens pudicas que por aí proliferam quiseram, uma vez mais, crucificar Bruno Alves pela sua actuação no Algarve. Eu vi e revi os tão citados quatro lances em que dizem que ele deveria ter sido expulso e em nenhum deles vi jogo subterrâneo e sujo, vontade deliberada de aleijar o adversário (excepto, no ultimo, uma tentativa de intimidação). Vi, sim, excesso de atitude e de entrega, raiva pelo decurso do jogo. Reacções condenáveis e decerto puníveis, mas não mais do que isso. Não mais do que o desespero de um vencedor perante a derrota, como quando apontou para o emblema do clube e mostrou os quatro dedos, um por cada campeonato que ele e os seus companheiros conquistaram - e que deveriam merecer mais respeito das indignadas virgens. Primeiro, diziam que ele já não se entregava à defesa da camisola que veste porque o clube o não deixou sair; mas depois, e afinal, é de excesso de entrega que é acusado. Mas em Junho próximo, quando ele estiver vestido com as cores da Selecção, o País vai torcer para que Bruno Alves seja igual a si próprio e para que todos os outros se entreguem ao jogo como ele. E se, depois do Mundial e como tantos desejam, ele sair mesmo para o estrangeiro, aí vira herói nacional e a mesma imprensa que agora o massacra vai passar a idolatrá-lo. Tão certo como eu me chamar Miguel. Força, Bruno, não se preocupe: ao contrário do que possa parecer, as vozes de virgens não chegam ao céu.


2- Numa noite cinzenta e chuvosa de Novembro de 2003, assisti ao vivo à inauguração do Estádio do Dragão e ao baptismo no futebol sénior de um miúdo argentino de 17 anos, chamado Lionel Messi, que nessa noite se estreou pelo Barcelona. Dois anos e meio depois, na antevisão do Mundial da Alemanha e respondendo a um inquérito da A Bola junto dos seus colunistas sobre quem iria ser o melhor jogador do Mundial, eu respondi Lionel Messi. Mas o seleccionador argentino não comungava do meu entusiasmo e deixou Messi sentado no banco, até a Argentina ser enviada para casa, sem honra nem glória. Em 2009, no auge da Ronaldofobia, atrevi-me a escrever aqui um texto ao arrepio da histeria patriótico-futebolística herdada do consulado de Scolari, dizendo que, perdoassem-me pelo crime de lesa-pátria, mas, apesar de achar que Cristiano Ronaldo era, indiscutivelmente, um fora-de-série, para mim, o melhor jogador do mundo chamava-se… Lionel Messi. Com um ano de atraso, finalmente, lá vi os crânios que entendem disto concordarem comigo. Foi preciso que Messi tenha marcado um «golo à Maradona» e que tenha ganho a Liga dos Campeões — porque parece que não pode haver títulos individuais sem títulos colectivos, o que julgo bastante redutor (foi assim que o banal Canavarro conseguiu ser eleito o melhor do mundo em 2007, só por ter sido campeão do mundo pela Itália).

Agora, que Messi assinou um segundo «golo à Maradona» e dois hat-tricks seguidos na Liga espanhola, intervalados por dois golos num jogo da Liga dos Campeões, discute-se se ele não será mesmo o melhor jogador de todos os tempos. Tem apenas 24 anos e muito tempo para manter viva a discussão. Mas, se é preciso responder já à pergunta, a minha resposta é que provavelmente sim. O melhor jogador que eu alguma vez vi jogar, o mais completo, o mais genial e regular na sua generalidade, foi Johan Cruyff. Maradona era mais espectacular, mas menos eficaz, Pelé e Eusébio mais instinto e talento bruto, mas menos inteligência de jogo. Mas, se pensarmos em como os espaços eram maiores, o ritmo mais lento e as marcações menos impiedosas, talvez nenhum deles conseguisse fazer o que Messi hoje faz. Ele integra-se no jogo a uma velocidade instantânea, que os defesas não conseguem acompanhar, e é capaz de decidir, em cada instante, se joga para a equipa ou se joga sozinho, direito ao golo. E, quando opta pela solidão e pela investida direito à baliza adversária, quando tira partido de cada centímetro vago e de cada subtil desequilíbrio do defesa à sua frente, o pequeno Messi cresce à dimensão de um dançarino de tango no bairro de Palermo, Buenos Aires. Parece empurrado pelos deuses, senhor de um destino que ninguém, nem ele mesmo, consegue já travar. Na verdade, não sei se algum dia voltaremos a ver um jogador como ele. Deus proteja Lionel Messi!


3- Ouvi o António-Pedro Vasconcelos falar do «começo do hooliganismo» a propósito dos incidentes com os Super Dragões no Algarve. Deve estar a brincar: se há algum marco histórico para isso, o hooliganismo por cá começou quando um adepto do Benfica matou um do Sporting numa final da Taça, lançando um very-light direito à claque sportinguista. Continuou quando uma das claques benfiquistas foi buscar o material armazenado no Estádio da Luz e invadiu um autocarro com a equipa de hóquei em patins do F.C.Porto lá dentro, agredindo os jogadores com bastões e tacos de basebol e deixando um jogador em coma. E continuou ainda quando dois adeptos sportinguistas morreram quando desabou um varandim de Alvalade onde estavam a apedrejar o autocarro do F.C.Porto - continuando depois a apedrejar o médico do F.C.Porto que assistia os adeptos sportinguistas caídos no chão. Ou quando o carro do presidente do F.C.Porto e o autocarro do clube foram emboscados e apedrejados há poucas semanas, num viaduto da A-5, a caminho do Estoril, para um jogo da Taça da Liga. Por onde tem andado o António-Pedro?


4- O «jogo do título» foi previsivelmente táctico e fraco do ponto de vista futebolístico. Ganhou a única das duas equipas que tem cultura de futebol de ataque - e, sem atacar, dificilmente se voa até ao topo. O melhor de tudo foi, de longe, a arbitragem de Pedro Proença e os seus auxiliares: firme mas tranquila, isenta, personalizada, sem alardes. Um único senão: a falta de um amarelo a Di María, por tantas e tão impudicas simulações de faltas e agressões, iniciadas logo aos 4 minutos.


5- Hulk voltou em grande estilo: um golo e três assistências para golo - a última das quais anulada sem motivo sequer aparente (e já lá vão quatro golos limpinhos anulados ao Falcão - assim é difícil ganhar a Bola de Prata!).

Já disse, e não volto atrás, que seria injusto e até pouco sério especular sobre o que teria sido o campeonato se o dr. Ricardo Costa não tem resolvido ser parte decisiva nele: o melhor futebol visto ao longo do ano foi do Benfica e ponto final. Mas não posso deixar de dizer que acho simplesmente indecoroso que tantos arautos da «verdade desportiva» tenham gasto tanta energia e tanta inteligência a tentar convencer-nos que um pontapé no traseiro de um steward infiltrado no túnel da Luz, como agente provocador, merecesse quatro meses de suspensão daquele que é (para quem gosta de futebol…) um dos jogadores emocionantes do nosso tão pouco emocionante campeonato. Espero voltar ao tema em breve, mas, por ora, só queria registar isto: a prestação de Hulk no Restelo foi a única coisa que correu mal ao Benfica, no fim-de-semana passado. Agradeçam ao dr. Ricardo Costa.

terça-feira, abril 19, 2011

QUAL SERÁ O PRÉMIO DOS SRS. ADMINISTRADORES, ESTE ANO? (23 MARÇO 2010)

1- Filmados lado a lado no final do jogo, no Estádio do Algarve, Pinto da Costa e Adelino Caldeira eram a imagem exuberante da derrota. Não apenas da derrota no jogo, na Taça da Liga ou na época toda, mas da derrota inapelável de um modelo de gestão que consiste em destroçar a equipa todos os anos, vendendo todos os grandes jogadores para comprar carregamentos de indigentes futebolistas sul-americanos.

Agora, que tanto se fala dos prémios dos gestores, públicos e privados, e que os actuais dirigentes da SAD do F.C.Porto estão a explicar em tribunal a legitimidade de prémios auto-atribuídos há anos atrás, vale a pena levantar a questão que já aqui levantei há tempos: se os administradores da SAD do F.C.P. recebem prémios quando o clube gera lucro (o que acontece uma vez por década) e também o recebem quando o clube gera prejuízo mas obtém vitórias desportivas, o que deverão eles fazer quando, como vai ser o caso, acumulam prejuízos financeiros e desaires desportivos? A mim, parece- me que deveriam reembolsar o clube dos prémios recebidos anteriormente. Ou isto é uma gestão por objectivos, mas sem riscos?

O que eles vão fazer, porém, já todos sabemos: apresentar aos sócios a cabeça de Jesualdo Ferreira, para assim tentarem desviar as atenções dos erros próprios de que são responsáveis. Jesualdo aguentou até onde pôde e até ganhou três campeonatos com equipas refeitas cada época. Mas bastou que o Benfica abrisse os cordões à bolsa, para que os contentores de argentinos do dr. Caldeira mostrassem a sua total impotência, não apenas para manter a hegemonia, mas para lutar de igual para igual.

É verdade que Jesualdo parece, ele próprio, perdido já. A sorte não o tem ajudado este ano (25 jogadores lesionados ao longo da época num plantel de 28, Hulk emboscado no túnel da Luz e afastado num momento crucial, e a própria sorte dos jogos decisivos, tudo tem estado contra ele). No Algarve, a história de Alvalade e Londres repetiu-se, quase igual: um golo oferecido logo aos 9 minutos, no primeiro remate do Benfica, e outro, no segundo remate, também a 50 metros e à beira do intervalo, dão cabo de qualquer estratégia e qualquer ânimo. Mas quem é que o manda meter o Nuno à baliza, numa final? Já Mourinho tinha feito o mesmo, numa final do Jamor, em 2004 e pagou isso com a derrota - e já então, o guarda-redes suplente que avançou chamava-se... Nuno. Eu conheço a explicação, mas ela não faz sentido algum: o Beto mostrou que estava em condições de substituir o Helton e é, como todos sabemos, muito melhor guarda-redes que o Nuno. Os sócios, os que pagam quotas e lugares cativos, querem é vitórias e essas conseguem-se com os melhores jogadores a jogar e não com aqueles que têm direito estabelecido a uma atenção especial do treinador. E, depois, se Jesualdo percebeu que tinha de tirar o Rúben Micael ao intervalo (desaparecido em combate há um mês), estando, ainda por cima, a perder por 2-0, qual foi a ideia de meter o Valeri, em lugar do Orlando Sá, para terminar com a solidão pungente do Falcao? Ó professor, o sr. ainda não entendeu que o Valeri não serve nem para marcar cantos?

Concedo que o Benfica não mereceu, de forma alguma, uma vitória por 3-0: nada fez por isso, ela caiu-lhe ao colo. Num jogo mau de mais, jogou tão mal ou quase quanto o F.C.Porto. Mas era ao F.C.Porto que cabia a despesa do jogo, apesar de jogar em ambiente hostil e apesar da notícia terrível da lesão do Varela. Sobretudo, depois que Jorge Jesus fez o favor de ter dispensado de início o Saviola e o Cardozo — com isso pretendendo não apenas poupar uma equipa muito mais desgastada, mas também, quero crer, para compensar as ausências de Hulk e Varela no F.C.Porto e assim jogar com armas iguais.

Ao contrário do que disse Jesualdo no final, o F.C.Porto não teve «uma atitude à F.C.Porto». Quem a teve, em parte, foi o Benfica — e foi isso que fez a diferença. O F.C.Porto não teve nem atitude nem futebol. Nem crença nem ciência. É uma equipa em queda a pique.


2- Em Marselha, sim, o Benfica teve uma verdadeira «atitude à F.C.Porto» e Jorge Jesus teve qualquer coisa de Mourinho, na confiança que soube dar aos jogadores, na coragem durante o jogo e no conhecimento perfeito do adversário que revelou ter. Eu tinha apostado com amigos na vitória do Benfica (e na eliminação do Sporting...) e não fiquei surpreendido. Claro que o Benfica é melhor equipa que o Marselha, mas isso, às vezes, não quer dizer nada — o F.C.Porto também é melhor equipa que o Sporting e levou 3-0 em Alvalade... Apostei na vitória do Benfica exactamente pela atitude de conquista e vitória que tem mostrado ao longo de toda a época e que, há muito, muito tempo, ninguém lhe conhecia. Isso, mais a capacidade incrível de atacar em velocidade e em segundas vagas consecutivas, é o que mais me impressiona no trabalho de Jorge Jesus. Junto-lhe a ausência de arrogância de que tem dado mostras ao longo da época e a regeneração de jogadores por quem eu não dava muito, e confesso que ele me surpreendeu e imenso. Pena aqueles gestos desnecessários e que tão mal lhe ficaram durante o Benfica-Nacional... Mas ninguém mais do que ele merece o título que aí vem.


3- E, assim, para grande irritação de alguns portistas, reafirmo, uma vez mais, os elogios que tenho feito, desde o início da época, ao futebol jogado pelo Benfica. Isso não me incomoda nada: acima de tudo, gosto de futebol e tento (sabendo que muitas vezes o não consigo) ser justo com o que vejo.

O que me incomoda, sim, é que os elogios aproveitem a tantos benfiquistas que os não merecem. Daqueles que, inversamente, nunca foram capazes de reconhecer mérito às vitórias portistas dos últimos anos e que agora estão empenhados em mostrar que têm tão mau vencer como antes tinham mau perder. Para não ir mais longe, fico-me por dois cronistas benfiquistas deste jornal: Sílvio Cervan e Araújo Pereira. As suas crónicas são um permanente incitamento ao ódio anti-portista, uma viscosa repetição do jogo de ressabiamentos e suspeitas permanentes com que alimentaram anos a fio a sua incapacidade de ganhar — uma doença contagiosa e malsã. Ainda esta semana, em lugar de celebrarem justamente a vitória de Marselha, ambos preferiram lançar as habituais suspeitas prévias sobre o árbitro do jogo do Algarve — que, por acaso, foi o primeiro classificado dos últimos dois anos (o Araújo Pereira chegou ao ponto de afirmar que ia haver um Super Dragão à solta no relvado). E o mesmo tipo de discurso adequado a acirrar os ânimos andou a fazer, uma vez mais, o presidente do Benfica — perante o silêncio absoluto, já habitual e que se recomenda, do lado do F.C.Porto. E depois «escandalizam-se» se as claques (que eles protegem e incentivam) proporcionam aqueles espectáculos degradantes que afastam do futebol os que lá vão para se divertirem, verem um bom jogo e vibrarem com o seu clube.


4- É, como disse, uma doença contagiosa e que, pelos vistos, também infecta os autoproclamados «cavalheiros». Viu-se agora com as declarações irresponsáveis do dirigente sportinguista Salema Garção, que culminaram na forma como as claques verdes receberam os adeptos do Atlético Madrid, em Alvalade: à pedrada. Mesmo que Alvalade não venha a ser interditado pela UEFA, a mim parece-me que tarda a demissão de Salema Garção — e por iniciativa própria. Eu conheço quem tenha deixado de ir ao jogo depois de ouvir na rádio o relato dos incidentes estimulados pelo dirigente sportinguista. E, salvo melhor opinião, não é para isso que servem os dirigentes.


5- Desta vez, Fernando Mendes concretizou: disse ao «Diário de Notícias», preto no branco, quais os clubes por onde passou e onde o doping era o pão nosso de cada dia — Belenenses e Boavista. O Boavista ganhou assim um campeonato ao F.C.Porto: não há uma «Pastilha Dourada» que o investigue?


PS: O Benfica, com o rei na barriga, vem agora reclamar da cobertura dos seus jogos pela Sport TV. Bem, quem reclama sou eu: os comentários do Marselha-Benfica, por momentos, fizeram-me regressar ao tempo do Estado Novo e do patrioteirismo mais saloio que imaginar se possa. A obsessão do comentador com o trabalho do árbitro (chegou a sugerir que ele queria agradar a Platini, por o Marselha ser francês) atingiu tamanho delírio, que se transformou num insuportável ruído de fundo permanente, que nem deixava prestar atenção ao jogo. Na última meia hora tive de o ver em silêncio, porque já não consegui suportar mais.

domingo, abril 17, 2011

LIÇÕES DE VIDA (16 MARÇO 2010)

Retomando as crónicas do ponto onde parei. A crónica de 17 Março 2010.

1- Há duas coisas que eu acho que o F.C.Porto não pode mesmo fazer mais: voltar a atravessar o túnel da Luz sem uma escolta de policias, testemunhas e operadores de filmagem, e voltar a jogar em Inglaterra para a Liga dos Campeões.

A questão inglesa já vem muito de trás. Que me lembre, desde os tempos de José Maria Pedroto, quando tudo a que se aspirava, quando se tinha de jogar nas Ilhas, era «aguentar» os primeiros vinte minutos. A humildade era tanta, o espírito de derrotados à partida era tamanho, que já se considerava uma proeza aguentar os vinte minutos iniciais sem sofrer golos e sem ser logo postos fora da eliminatória. Trinta anos depois, por incrível que pareça, nada de essencial mudou. As equipas mudam, os treinadores conhecem bem melhor os adversários, o clube acumula títulos e experiência internacional e, todavia, não há nada a fazer: assim que pisa um relvado inglês, o F.C.Porto borra-se de medo. A mesma equipa, os mesmos jogadores que, noutros palcos e até perante adversários mais temíveis, conseguem tantas vezes agigantar-se e contrariar o destino aparente, chega a Inglaterra e parece um bando de rapazes que aprendeu a jogar à bola em jogos de amigos, domingo à tarde, e que, de repente, tem de enfrentar um grupo de profissionais da coisa. Trinta anos de tareias, de humilhações, sem uma única vitória para inglês ver, já é mais do que um cadastro de frustração desportiva, é um caso clínico grave.

Não creio, de forma alguma, que a explicação tenha estado na surpreendente inclusão de Nuno André Coelho a trinco — o coelho que Jesualdo Ferreira sacou da cartola. É verdade que não é normal que o treinador aproveite um jogo daquela importância para fazer a estreia absoluta a titular de um jogador, e logo numa posição onde ele nunca tinha estado. E também é verdade que esta ideia de inovar nos jogos mais difíceis lá fora, experimentando um esquema que a equipa não conhece, é, desde há muito, solução sagrada (e sempre falhada) dos treinadores portugueses. Mas não foi por aí que o F.C.Porto soçobrou daquela maneira indecorosa. Para já, Nuno André nem sequer esteve mal, dentro do desastre global. Pior, bem pior foi ver o Fucile oferecer quatro golos, o Rolando à deriva, completamente perdido, o Rúben transido de medo sem acertar um passe, o Hulk a insistir em marrar de cabeça baixa, como um touro cego. Não era preciso ser psicólogo para observar desde o início o desastre que se preparava e as suas razões: os passes sistematicamente curtos revelavam o cagaço de jogar de que a equipa estava possuída, a incapacidade de transportar o jogo para a frente e sair a atacar mostrava quanto os rapazes tinham pudor e terror de poder despertar a besta. E só quando, enfim, o Arsenal chegou aos 2-0, aproveitando tranquilamente duas ofertas daquele pobre corpo expedicionário português, é que os bons rapazes do Porto descontraíram e começaram a mostrar que também percebiam umas coisinhas daquilo — porém, sem nunca se atreverem a cometer a ofensa de poderem vir a profanar o véu da noiva. Como se o facto de também eles darem uns toques e trocarem bem a bola chegasse para salvar a honra e voltar a casa «de cabeça erguida». Desgraçadamente, porém, nem a sorte estava com as nossas cores, nem os ingleses costumam levar isto a feijões: em Inglaterra, joga-se para ganhar, joga-se até ao fim e respeita-se muito os pagadores de bilhetes e os patrocinadores, que são quem permite pagar aqueles fabulosos ordenados aos artistas. E os gunners não tiveram piedade e, pelo sim pelo não, preferiram desconfiar do jogo inócuo dos portistas e do respeitinho que estes, todavia, bem mostravam: três, quatro, cinco. E não se fala mais nisso.

É claro que precisamos, contudo, de ser realistas: o Arsenal é um dos melhores clubes do mundo, tem um orçamento e receitas dez vezes superiores às do F.C.Porto e, jogador por jogador, é infinitamente melhor equipa (e ainda lhe faltavam o Van Persie e o Fabregas). Em cinco jogos, ganhará sempre quatro ao F.C.Porto. O que não precisa é de ser de forma tão humilhante.

Não alinho no coro dos executores públicos de Jesualdo Ferreira. Desde o princípio, sempre o apoiei — criticamente, embora. Mas não penso que a equipa seja melhor do que ele ou que ele esteja aquém do que ela merece. É uma equipa com muitas limitações de qualidade, algumas gritantes, e que sempre aqui assinalei: a última vez, na semana passada. Acho que Jesualdo conseguiu sempre, ao longo dos últimos quatro anos, o máximo que a equipa podia dar: chegar aos oitavos-de-final da Liga dos Campeões. E ainda ganhou três campeonatos. Agora, sobre o futuro, falaremos mais adiante.

2- Melancolicamente de regresso ao nosso futebolzinho, passei o fim-de-semana a ver melancólicos jogos de futebol. Não sei se seria possível melhorar drasticamente a qualidade daquilo que vemos por comparação com os jogos dos grandes campeonatos. É verdade que a diferença de orçamento não permite ter aqui à mão os grandes executantes que vemos em Espanha, em Itália, em Inglaterra, em França ou na Alemanha. Mas também é verdade que a qualidade média dos jogadores portugueses é superior, em regra, à dos demais: por algum estranho fenómeno da genética, os falantes de português, de cá e de lá do Atlântico, têm tendência a nascer com um talento especial para este jogo. E o que me parece é que esse talento podia ser melhor aproveitado — ou, ao menos, o espectáculo melhorado — com algumas coisas simples.

A primeira dessas coisas que me salta logo à cabeça (e da qual já tenho falado várias vezes) é a qualidade dos relvados e, em especial, a sua dimensão. O grande futebol e o futebol ofensivo precisam de espaço; o futebol pequenino, defensivo, anti-jogo, precisa que lhe encurtem os espaços. Se juram (o que não acredito) que todos os campos da Liga Sagres têm obrigatoriamente as dimensões mínimas, então passem a exigir as dimensões máximas: vão ver como o jogo melhora logo.

A segunda coisa passa por reeducar os árbitros para defenderem a qualidade do jogo. Erros, sempre houve e haverá, aqui e em todo o lado, como bem sabemos — a diferença é que aqui os erros são sempre suspeitos. Mas consentir no anti-jogo, não defender os melhores jogadores das entradas dos caceteiros, isso é sempre uma decisão voluntária do árbitro. Em nenhum dos campeonatos a sério eu vejo tantas interrupções por supostas lesões de jogadores como aqui. E é sempre da parte da equipa que está a defender o resultado — o que quer dizer que não é inocente, mas sim uma atitude e uma «táctica» deliberada. Se os jogadores se habituaram a esses truques, se os treinadores só conhecem essa escola, cabe aos árbitros, em última análise, defender o jogo dos batoteiros. E o mesmo se diga das entradas a matar que eles toleram: vejam, por favor, a entrada assassina do Cris sobre o Cristian Rodríguez no Académica-F.C.Porto desta semana e digam- me como é que um árbitro se pode limitar a mostrar um amarelo àquilo!

3- Segundo «A Bola», o Benfica ganhou no Funchal «à campeão». Que foi a única equipa que fez por ganhar, é verdade. Mas, sinceramente, não sei se o teria conseguido sem o que me pareceram dois erros de arbitragem em dois minutos e que resolveram, numa altura decisiva, o que estava embrulhado: um penalty inexistente e desperdiçado e um golo off-side.

Vi a segunda parte do Braga contra o Rio Ave e, por mais que eu reconheça o mérito deste David batendo-se contra os Golias, e por mais que o trabalho de Domingos Paciência me encha de alegria pelo respeito e reconhecimento que lhe tenho, confesso que ainda não foi desta que eu consegui perceber o segundo lugar do Braga. E ainda não foi desta que lhe consegui ver um arremedo de bom futebol. Parece-me evidente que não ganhará o campeonato e também me parece que também já não deixará fugir o segundo lugar. E, infelizmente, também me parece que só um milagre o levará depois a conseguir entrar na Liga dos Campeões. E assim se perderá uma vaga e uma oportunidade para marcar pontos no ranking da UEFA.

sábado, abril 16, 2011

REGRESSO BREVEMENTE

As crónicas do Miguel Sousa Tavares estarão de regresso muito brevemente, começando onde terminei, depois desta pausa por motivos pessoais. Como sempre, as mais actuais terão um desfasamento de dias, para respeitar os direitos do jornal.