domingo, abril 02, 2006

O Sporting Club Calimero (28 Março 2006)



Na Luz, ouvi Co Adriaanse dizer que o Benfica tinha ganho porque tinha sido melhor. Quando será que ouviremos os grandes senhores do Sporting algum dia dizerem coisa
semelhante?

1- Nunca assisti, e seguramente nunca irei assistir em dias da minha vida, a um jogo em que o Sporting perca e a culpa não seja do árbitro. Sucedem-se os presidentes, os dirigentes, os treinadores e os jogadores, e a culpa dos maus resultados nunca é deles, mas sempre dos árbitros. Já faz parte da cultura sportinguista, está de tal maneira entranhado naquelas almas que já nem se dão conta das figuras ridículas, às vezes mesmo patéticas, que fazem. A única vez, nos últimos anos, que alguém desafinou na orquestra caíram-lhe todos em cima indignados. Foi quando Filipe Soares Franco se lembrou de dizer o que toda a gente, menos os sportinguistas, tinham visto: que, no derby lisboeta do ano passado, não foi o Luisão que fez falta sobre o Ricardo, mas o Ricardo que saiu em falso a uma bola alta - coisa que não é assim tão rara.

Agora, a propósito do jogo da Taça com o FC Porto, lá veio o Ricardo dizer que só não ganharam porque "não nos deixaram ganhar". O árbitro, pois claro. Até podia ser que fosse verdade que o árbitro os tivesse prejudicado, mas nem assim isso teria impedido que o Sporting pudesse ter ganho, bastando para tal que tivesse jogado mais ao ataque e não apenas no sistema Liedson resolve, que parece ser o único que conhece; ou que tivesse procurado e criado mais oportunidades de golo, em lugar de se limitar a esperar por um erro do adversário, conforme sucedeu; ou, mais simples ainda, que o João Moutinho tivesse convertido o penalty que o Baía defendeu ou que o próprio Ricardo tivesse conseguido defender apenas um dos cinco penalties convertidos pelos portistas. Mas não: a verdade fica melhor servida se se disser que foi o árbitro que não os deixou ganhar.

E, então, o que fez de tão terrível o árbitro, Olegário Benquerença? Não assinalou um canto a favor do FC Porto na primeira parte e um a favor do Sporting na segunda; deixou passar um lance duvidoso do Tonel sobre o McCarthy na área sportinguista, que eu não acho que tivesse sido suficiente para penalty, mas que, ao contrário não deixaria de ter sido reclamado como tal pelos sportinguistas; deixou passar uma mão do Pepe que seria penalty, se de facto ocorreu dentro da área, mas que é precedida imediata mente de uma falta do Polga sobre o McCarthy, que permite lançar o contra-ataque; mostrou e bem o segundo amarelo ao Caneira, quando ele, já tudo sanado, resolveu ir meter-se numa discussão entre o Rodrigo Tello e o Raul Meireles, tendo todos logicamente visto o cartão; e expulsou o Bosingwa por uma falta que ele não cometeu. Eis tudo. É preciso lata, descaramento e total falta de desportivismo para vir dizer no fim que foi o árbitro que não os deixou ganhar. A obsessão pelos árbitros é tamanha, entre as gentes do Sporting, que, ainda o jogo da Taça mal tinha acabado e já os dirigentes sportinguistas se estavam a queixar do próximo árbitro, para o jogo do campeonato, em casa e contra o pobre Penafiel! Faz-me lembrar a anedota daquele anarquista que a cada país que chegava perguntava: "Há governo? Se há, eu sou contra."

2- Quando me acusam de ser um portista faccioso, eu rio-me por dentro. É que eu, pelo menos, não escondo que sou portista e é nessa exclusiva qualidade que aqui escrevo. Mas o que dizer dos supostos imparciais e independentes que também escreveram que o Sporting tinha justas reclamações da arbitragem de Olegário Benquerença? Eu, pelo menos, reconheço que o jogo não valeu nada, o Porto não jogou nada e, mais uma vez, Adriaanse demonstrou uma total falta de ideias e de estratégia para ser capaz de ganhar um jogo importante. Mas eles acaso viram um Sporting dominador, a jogar bem, a criar oportunidades e a não ganhar por culpa do árbitro? Porquê que aos protagonistas do FC Porto nunca ninguém se lembra de perguntar se têm queixas da arbitragem e aos do Sporting são todos questionados sobre isso: o presidente, o vice-presidente, o candidato a presidente, o director do futebol, o adjunto, o treinador e os jogadores, só faltando o massagista e o roupeiro? Porquê que, quando eles se queixam que ficou um penalty por marcar, ninguém tem coragem de lhes lembrar que a jogada começa numa falta que ficou por marcar contra o Sporting? Porquê que, quando o Ricardo diz que não ganharam porque não os deixaram, ninguém tem coragem de lhe dizer que se ele tivesse conseguido defender um dos penalties, como o Baía fez, podiam ter ganho? Porquê que quando o Paulo Bento tem o desplante de se queixar da inferioridade numérica, ninguém se atreve a lembrar-lhe que ela durou exactamente um minuto de jogo jogado?

E o que dizer da miserável história inventada pelo Record da bola supostamente atirada pelo Baía à cara do Ricardo? Olhem bem para a fotografia: vê-se a mão do Baía em posição de quem acabou de lançar a bola devagar na vertical para que o Ricardo a agarre tranquilamente; e vê-se o Ricardo de braços caídos e a desviar a cara. Das duas, uma: ou o Ricardo não tem reflexos para agarrar uma bola que qualquer criança agarraria e então não se percebe que seja um guarda-redes tão extraordinário como dizem que é, ou então fez de propósito para fazer passar por agressão o que só com toda a má-fé do mundo pode ser visto como tal. Mas, pelos vistos, houve quem quisesse ver isso mesmo. É gente que, do futebol só gosta de inventar casos e suspeitas e suscitar lamúrias e queixumes de maus perdedores. É a gente que tem dado cabo do futebol português.

Ainda bem que eu nunca serei presidente do FC Porto. É que se o fosse, acho que um dia acabava por perder a paciência e retirava a equipa das competições. Deixava os cavalheiros e os regeneradores a falar sozinhos e a dividirem entre si os campeonatos, como nos tempos do antigamente, de que eles têm tantas saudades.

3- E assim, estudadamente, vai-se preparando o ambiente para o Sporting-Porto de 8 de Abril. Vai-se preparando o ambiente propício à nomeação de um Lucílio Baptista ou semelhante. Há duas coisas que eu seria capaz de apostar acerca desse Sporting-Porto que aí vem: uma, é que o FC Porto não vai acabar o jogo com onze jogadores; outra é que, se o Sporting não ganhar, todo o seu povo vai atribuir as culpas ao árbitro.

Na Luz, depois de perder com o Benfica, ouvi Co Adriaanse dizer uma coisa, com a qual nem sequer concordei, mas que, de forma alguma me irritou: que o Benfica tinha ganho porque tinha sido melhor. Quando será que ouviremos os grandes senhores do Sporting algum dia dizerem coisa semelhante?

Dúvidas, certezas e verdades oficiais (21 Março 2006)



A única certeza que o juiz-de-linha teve naquele lance é que de forma alguma poderia correr o risco de validar um golo ao Rio Ave que depois pudesse ser contestado pelo povo benfiquista.


1- Desde há muito tempo que se aprende no jornalismo a técnica para transformar um acontecimento controverso numa verdade acima de qualquer controvérsia. É fácil: distorce-se o facto, de modo a que as dúvidas suscitadas comecem por parecer sem importância, antes de desaparecerem de vez - em lugar de um facto duvidoso passa-se a ter uma certeza. Depois, a certeza é repetida como tal, tantas vezes quantas as necessárias para que se transforme em verdade - não numa verdade inquestionável, mas ao menos numa verdade que já ninguém se dá ao trabalho de questionar.

É assim que, há mais de um ano, os jornalistas benfiquistas conseguiram estabelecer a "verdade" de que a bola rematada por Petit entrou na baliza de Baía, no jogo da Luz do ano passado. Ora, a verdadeira "verdade" é que, tal como aqui o escrevi na altura, a bola deu, de facto, a impressão de ter entrado na baliza, mas nem o árbitro ou o juiz-de--linha o poderiam ter visto de onde estavam, nem, até hoje, apareceu uma única imagem ou outra prova que o pudesse confirmar com toda a certeza. E, na dúvida sobre se foi golo ou não, o que deve o árbitro fazer? Tanto quanto sei, as regras da FIFA mandam que deixe seguir o jogo.

Peguemos agora no exemplo oposto. Eu não posso também jurar que a bola cruzada pelo jogador do Rio Ave e que acabaria anteontem no fundo da baliza do Benfica (deixando-o em péssima situação, não apenas no campeonato mas no acesso à Liga dos Campeões) não estava realmente com-pletamente fora-como mandam as regras, para que pudesse ser assinalada como tal. Mas fiquei com a impressão nítida de que, de forma alguma, a bola esteve comple-tamente fora. O que mandam as regras? Que, na dúvida, se deixe seguir a jogada. O que é estranho aqui, portanto, é que o juiz-de-li-nha não tenha tido dúvida alguma. É que o único ângulo em que ele poderia ter essa certeza era estando colocado exactamente no prolongamento da linha final. Porém, acontece que, decorrendo a jogada do lado oposto, se ele estivesse no prolongamento da linha final, teria, entre ele e a bola, dois postes, dois defesas do Benfica e o guarda-redes Moretto. Ou seja: não pode ter visto nada. De onde lhe veio essa certeza ou esse instinto de levantar a bandeirola para anular um golo que a todos pareceu limpo (excepto ao Nuno Gomes, que protesta sempre com tudo...) é um mistério que, se acontecido em beneficio de outras cores, daria direito a um rol sem fim de suspeitas e declarações incendiárias dos senhores do costume.

Esta semana os jornalistas benfiquistas estabeleceram como verdade que o Benfica foi prejudicado em dois jogos consecutivos, contra a Naval e contra o Guimarães. Transformaram dúvidas em certezas, desejos ou opiniões próprias em verdades oficiais. Contra a Naval queixam-se de um penalty por derrube a Léo. Mas as imagens mostram que o jogador da Naval primeiro toca na bola e desvia-a e só depois é que a sua perna estendida derruba Léo. O que mandam as regras?

Contra o Vitória de Guimarães, queixam-se de que o golo do Vitória foi precedido de um passe feito com braço. Mas, dos cinco jogadores do Benfica à roda do lance, só o guarda-redes e Nuno Gomes protestaram (e este protesta sempre contra tudo). E o mais que as imagens, repetidas infindavelmente, mostram é que o jogador do Guimarães salta para dar com o joelho na bola e que esta, talvez, talvez, lhe tenha batido também algures na mão, no braço, no cotovelo, no ombro (há alguém que possa dizer ao certo?).

E assim, estabelecendo estas "verdades", preparou-se o terreno para Vila do Conde. A única certeza que o juiz-de-linha teve naquele lance é que de forma alguma poderia correr o risco de validar um golo ao Rio Ave que depois pudesse ser contestado pelo povo benfiquista. A mesma certeza que teve o árbitro quando conseguiu não ver nem jogo perigoso nem pé em riste, quando o Mantorras obriga o adversário a baixar a cabeça para não ser pon-tapeado e mesmo assim ainda leva com a bota dele na cara, após o remate milagroso do angolano.

Claro que a justiça também é sempre importante. Não vi o jogo contra o Guimarães, mas, nos outros dois, é incontestável que o Benfica fez o suficiente para merecer ganhar ambos, ou os adversários não fizeram nada para justificar outra coisa que não a derrota. O problema está em que foi por erros próprios, e não por culpa do árbitro, que o Benfica empatou com a Naval; e foi por culpa exclusiva do trio de arbitragem que o Benfica ganhou ao Rio Ave.

2- 0 FC Porto-Sporting de amanhã, para a Taça, é um jogo interessante por diversos motivos e tem obrigação de não trair esse interesse. O FC Porto de Adriaanse joga muito melhor futebol que o Sporting de Paulo Bento, mas, ao contrário deste, tem-se mostrado incapaz de vencer jogos decisivos. Tendo o dobro do orçamento do Sporting, é fatal que o FC Porto tenha também muito melhor equipa e muito mais e melhores soluções. Uma equipa que se pode dar ao luxo de deixar de fora, como sucedeu no último jogo, jogadores como Helton, César Peixoto, Ricardo Costa, Ibson, Diego, Jorginho, Alan, Ivanildo, Hugo Almeida ou Lisandro, todos pagos a bom dinheiro, tem obrigação estrita de ganhar amanhã e ganhar depois em Alvalade. Mas este FC Porto é uma caixinha de surpresas, para o bem e para o mal: perde quando está confiante, ganha quando está em crise anunciada, perde jogos que estavam ganhos, ataca quando não precisa, defende quando não deve.

Já o Sporting de Paulo Bento é o contrário: é previsível e seguro até à chatice profunda. Joga para ganhar e nada mais lhe interessa, como de novo se viu em Leiria. Mas cumpre os três requisitos, os três C tão caros aos treinadores portugueses: coeso, coerente e consistente - como eles gostam de dizer, e seja isso o que for. Dificilmente teremos um jogo aberto, mas vamos ter um jogo onde a vitória só interessa a ambos e vai ser interessante ver como é que cada um justifica as suas pretensões.

3- Uma coisa é forçoso reconhecer, para melhor, no FC Porto de Co Adriaanse: é a equipa mais disciplinada do campeonato. Houve agora, no Funchal, a injustíssima expulsão do Pepe, por duas faltas que não cometeu (mas o árbitro era Lucílio Baptista...) e, à parte isso, creio que é a equipa com menos cartões do campeonato, ou deve andar lá perto. Desapareceram os cotovelos, verdadeiros ou inventados, do McCarthy (e, com eles, misteriosamente desapareceram também todos os cotovelos e todos os "su-maríssimos" do nosso futebol...) e a equipa foge das faltas inúteis e do futebol violento: contra o Paços de Ferreira julgo que o FC Porto terá estabelecido um recorde na SuperLiga - oito faltas cometidas em todo o jogo!

Ninguém protesta com o árbitro, decida ele o que quiser (golo mal anulado contra o Nacional, com 0-0; penalty inexistente no último minuto contra o Braga, a custar dois pontos; penalty inexistente e amarelo absurdo ao Pepe contra o Marítimo; penalty não assinalado, contra o Paços, etc, tudo sem mais do que um levantar de braços). E o exemplo vem de cima: Co Adriaanse deve ser o único treinador da SuperLiga que até hoje nunca se queixou de uma decisão do árbitro nem justificou um mau resultado com a arbitragem; Reinaldo Teles jamais abriu a boca desde o início do campeonato; e McCarthy até teve o gesto impensável de aconselhar o árbitro a rever a sua decisão de expulsar um adversário e marcar um penalty a favor do Porto, que não tinha existido.

São coisas de que ninguém fala e é pena.

Não basta ganhar (14 Março 2006)



0 presidente do Benfica, digo eu, deveria talvez meditar nas razões pelas quais o seu antecessor Borges Coutinho foi campeão da Europa e pôs o país inteiro a admirar e a respeitar o Benfica.



1- Em Liverpool, Luís Filipe Vieira teve uma jornada em cheio, ganhando ao mesmo tempo em vários tabuleiros. Primeiro, e obviamente, ganhou o jogo e a eliminatória com tudo o que isso representa para o Benfica em termos de notoriedade prestígio e ganhos financeiros. Em segundo lugar, ganhou duas apostas individuais: uma, em Simão Sabrosa e na decisão de não o ter vendido em Janeiro, precisamente para o Liverpool. Quando se quer fazer carreira na Europa é essencial gerir bem o tempo certo para vender os grandes jogadores: pressionado por todos os lados, também Pinto da Costa recusou vender Deco em 2003 e isso valeu-lhe a conquista da Liga dos Campeões. A outra aposta individual ganha é, a meu ver, a de Ronald Koeman. Eu sei que muitos benfiquistas que já lhe tinham encomendado a alma antes da vitória sobre o Manchester e da recuperação no Campeonato continuam cépticos e voltaram a alimentar ás suas dúvidas ou discordâncias após a derrota com o Sporting, ou mesmo após este empate com a Naval. Mas Koeman tem mostrado que, tal como se diz dos grandes jogadores (veja-se o caso de Simão, justamente), também ele é homem dos grandes jogos. Talvez lhe falte a ciência de jogar internamente contra equipas-autocarro - uma espécie de jogo, ou de antijogo, a que, de facto, os holandeses não estão habituados. Mas nos grandes jogos, e ao contrário do seu compatriota Adriaanse, ele tem mostrado que sabe o que fazer e que nada acontece por acaso. É verdade que teve muita sorte nos primeiros vinte minutos de Anfield Road, como ele próprio reconheceu, mas a partir daí foi claro que Koeman sabia exactamente o que esperar do Liverpool e preparou-se para os enfrentar e derrotar.

Porém, não ficaram por aqui os motivos de satisfação pessoal do presidente benfiquista. Aproveitando a social opportunity da deslocação a Liverpool, ele levou consigo todos os presidentes que votam na Liga de Clubes - com excepção de Sporting, FC Porto e do próprio presidente da Liga - e deve ter trazido consigo na bagagem, a troco da viagem, de uns almoços e da oportunidade de projecção social, o número suficiente de votos para garantir que, nas próximas eleições, por si ou por pau-mandado, o Benfica passará a dominar por completo a Liga de Clubes. Sozinho, desta vez, sem necessidade de fazer sociedade com o Boavista ou o major.

Com tantos triunfos simultâneos garantidos à conta de uma simples deslocação a Liverpool, o presidente do Benfica sentiu-se imediatamente tão "confortável", como dizem os banqueiros, que desatou imediatamente a disparar sobre os não-presentes na comitiva: partiu para Liverpool com um insólito comício em pleno aeroporto, cujo objectivo era ofender o presidente do FC Porto e diminuir o presidente da Liga - o seu aliado de ontem, hoje descartável; e regressou de Liverpool para logo se lançar num descabelado e deselegantíssimo ataque ao presidente do Sporting, seu amigo de ontem, a propósito da questão de saber qual dos dois clubes estará mais falido e qual deles terá recebido mais ajudas da Câmara de Lisboa, para o respectivo estádio (aqui, eu posso ajudar, tendo feito as contas: cerca de 13 milhões de contos, em dinheiro ou espécie, recebeu o Benfica, e cerca de 7 milhões o Sporting).

Ora, este comportamento do presidente do Benfica dá que pensar, sobretudo por ter sido numa altura em que ele deveria estar bem-disposto, tranquilo, satisfeito por ver resultados do seu esforço à frente do clube. E não me custa nada reconhecer o que, aliás, já aqui escrevi anteriormente: acho que Luís Filipe Vieira tem feito um trabalho notável no Benfica. Está a ressuscitar o clube, à custa de uma dedicação incansável, como ainda agora se viu, chegando de Liverpool para partir menos de 48 horas depois para a China, ao serviço do Benfica. Além disso, tem tido ideias e iniciativas, onde anteriormente, só havia espalhafato e incompetência, e não consta que receba ordenado nem comissões ou participação nos lucros.

Só que, aparentemente, o presidente do Benfica, habituado a subir a pulso na vida, não se dá mal com o esforço, mas dá-se mal com a recompensa. Não sabe ganhar, da mesma forma que sabe lutar pela vitória. É claro e nítido que ele não quer apenas recuperar o Benfica, mas quer também mandar em todo o futebol português, através do controlo da Liga, como aliás disse desde logo. É clara e nítida a influência determinante que o Benfica já tem hoje em sectores decisivos dos bastidores do futebol (basta ver como o José Veiga se dirige aos árbitros, como se fossem seus empregados, quando não gosta do trabalho deles...). Mas parece que isso não basta: Vieira agora quererá o poder todo para si, despreza os aliados de ontem e quer ver os inimigos, não apenas vencidos no campo, mas pessoalmente arrasados. É capaz de ser palha de mais para a sua carroça.

O presidente do Benfica, digo eu, deveria talvez meditar nas razões pelas quais o seu antecessor Borges Coutinho foi campeão da Europa e pôs o país inteiro a admirar e a respeitar o Benfica. E deveria meditar naquilo que Bobby Robson, um cavalheiro do futebol, disse acerca de José Mourinho, seu antigo discípulo e actual amigo: que, se quer ser respeitado e admirado em Inglaterra, inclusive para benefício do Chelsea, não basta a Mourinho ganhar - tem também de saber ganhar, e, quando for o caso, de saber perder. O mundo inteiro acaba de ver que o Barcelona foi, em dois jogos, melhor equipa que o Chelsea e com um futebol muito mais atractivo. Só Mourinho continuou a insistir que o que fez a diferença foi a expulsão de Del Horno em Stanford Bridge - e mesmo essa, foi ele o único a não reconhecer que tinha sido justa. Independentemente da nossa fatal inclinação para estarmos sempre do lado dos compatriotas no exílio, é forçoso reconhecer que Mourinho se tem posto demasiadas vezes a jeito para levar com a enxurrada de críticas da imprensa inglesa. Certamente que muitas delas são movidas pela inveja ou pela xenofobia, mas também não há dúvida alguma de que os ingleses, alguns pelo menos, não têm o fair play como expressão de circunstância. Quando não se sabe ganhar, quando se confunde orgulho com arrogância, pode-se até ganhar tudo, mas os únicos que hão-de admirar as vitórias são os da própria tribo.

2- Numa jornada sem nenhum interesse, registei: - o chatíssimo jogo de Setúbal, onde o FC Porto só podia naturalmente vencer;

- a sétima vitória consecutiva do Sporting sobre um Boavista desfalcado e através de mais um jogo sem classe e com discretas, mas importantes, decisões favoráveis da arbitragem (as quais, passam naturalmente em silêncio, por parte dos dirigentes leoninos, sempre prontos a inversamente reclamarem aos gritos, nem que seja um canto mal decidido);

- o habitual e comovente esforço dos comentadores televisivos para desculparem as más exibições do Benfica com pretensos erros de arbitragem, cujo juízo chega a ser despudorado (olha, se fossem eles a arbitrar os jogos do Benfica!);

- a total incapacidade e falta de vontade de jogadores como os da Naval ou Setúbal - apesar de tudo, profissionais da I Liga - de terem o mínimo de cultura de futebol de ataque, com verdadeiro terror de ultrapassar a linha de meio campo e fazendo remates à baliza que envergonhariam qualquer miúdo de liceu. Se é para isto que querem estar na Superliga, mais valia não estarem.

A lição de Madrid (07 Março 2006)




Florentino Pérez percebeu a mensagem e por isso se demitiu. 0 que seria de desejar é que a lição da sua queda fosse devidamente meditada por presidentes, agentes e jogadores. Não se esqueçam: nenhum clube sobrevive muito tempo se os donos da bola deixarem de ser os adeptos.


FLORENTINO PEREZ foi dos melhores presidentes que o Real Madrid alguma vez teve. Eleito em 2000 para a presidência do Real, reeleito em 2004, a sua gestão chegou agora ao fim, por decisão própria e após seis anos que mudaram o clube. Quando chegou, o Real estava falido, quando saiu agora, o Real Madrid é o clube mais rico do Mundo, segundo a consultora Deloitte and Touch, que o situa mesmo à frente do Manchester United. Para aí chegar, e fazendo jus à sua fama de grande gestor de empresas, Florentino Pérez começou por congeminar a operação imobiliária com terrenos circundantes ao Estádio de Chamartin, com isso invertendo logo a situação financeira do clube. Depois, e começando com o rapto de Figo ao Barcelona, lançou-se na célebre política de contratar um "galáctico por ano". De facto, contratou mais do que isso: dezassete em seis anos - mesmo assim muito menos que alguns clubes portugueses que chegam a contratar os mesmos dezassete... em cada ano, para depois lhes pagarem grande parte do ordenado para eles jogarem por empréstimo noutros clubes. Mas Florentino só comprou do bom e do melhor: Figo, Ronaldo, Zidane, Beckham, Owen, Robinho, etc. e mais etc, num total de 400 milhões de euros de investimentos só em jogadores: 65 milhões de compras por época (13 milhões de contos!).

Esta política, que muitos anteviram como suicidaria, teve o efeito oposto e esperado por Florentino: transformou o Real Madrid num clube milionário. O génio de Florentino Pérez foi conseguir desligar os resultados financeiros do clube dos resultados desportivos, das assistências e dos direitos televisivos. Se assim não fosse, aliás, o Real não poderia ter continuado a crescer e a sustentar os gastos com as suas vedetas: o estádio, por exemplo, já não pode levar mais ninguém e existem trinta mil pessoas em lista de espera para comprar um lugar cativo em Chamartin, o que levou a Direcção a exigir aos actuais titulares de lugares um número minímo de presenças no estádio todas as épocas, sob pena de perderem o seu lugar a favor dos que esperam. Em vez das receitas clássicas, Florentino apostou tudo no marketing e merchandising, partindo de princípio que havia cerca de 70 milhões de simpatizantes do Real em todo o Mundo e de que qualquer um deles estaria disposto a comprar uma camisola do clube com o nome de um dos seus ídolos - ou duas ou três, se o Real conseguisse ter sempre, em cada equipa, dois ou três potenciais vencedores da Bola de Ouro. Hoje, as receitas do marketing, do merchandising e dos direitos de imagem representam mais de 65 por cento do total de receitas anuais. E o mercado não pára de crescer - sobretudo a Oriente, como o Manchester United já tinha descoberto, e o que leva a equipa, todos os inícios de época, a empreender aquelas desgastantes digressões pelo Extremo Oriente, que fazem o desespero dos treinadores, mas que são uma montra vital para afirmar os interesses imperiais do Madrid naquele canto do Mundo.

Terceiro vector decisivo desta política foi a exploração dos direitos de imagem dos "galácticos" ao serviço do Real. Florentino não se limitou a contratá-los a peso de ouro, excedendo tudo aquilo a que o mercado estava habituado, pagando o preço de um avião a jacto por um investimento patrimonial tão frágil quanto o pode ser um jogador de futebol - sujeito a lesões, a baixas de forma, a inadaptação ao clube ou ao treinador ou a excessos pessoais que limitam o seu rendimento desportivo. Além das fortunas que pagou para os contratar, Florentino aceitou pagar também outras fortunas impensáveis para os manter ao serviço: 25.000 euros por dia é um ordenado corrente no Real Madrid, para as estrelas de topo. Em troca, o ex-presidente do Real obteve dos jogadores uma joint venture para a exploração e partilha conjunta com o clube da totalidade ou quase totalidade dos seus direitos de imagem.

As verdadeiramente grandes vedetas do futebol mundial, hoje em dia, não se limitam a explorar directamente campanhas publicitárias, que é um método que tende a saturar o público (veja-se o caso do seleccionador nacional, Luiz Felipe Scolari, que se desdobra em anúncios para tudo e mais alguma coisa, explorando até ao tutano a imagem de "patriota" português construída durante o Euro-2004). As grandes vedetas, como David Beckham, facturam bem mais ainda do que o próprio ordenado ou do que facturam em publicidade directa por calçarem determinado tipo de botas durante os jogos, vestirem determinado tipo de marcas depois dos jogos, andarem neste carro, passarem férias em tal sítio, jogarem golf no campo tal, fretarem um jacto privado de marca tal (que, obviamente, não pagam, como tudo o resto), ou até por revelarem em entrevistas que ouvem a música de Fulano ou vêem os filmes de Beltrano. Isto, para não falar dos "direitos de presença" que cobram por aparecer em festas, clubes, restaurantes, discotecas, lançamentos de produtos, ou até por desfilarem em acontecimentos de moda.

Hoje, os jogadores de futebol de topo são muito mais do que simples desportistas ou até profissionais exemplares. São verdadeiras fábricas ambulantes da própria imagem, que vendem tão bem ou melhor do que os talentos futebolísticos. Não admira, pois, que os vejamos constantemente a mudarem de penteado, a exibirem tatuagens novas ou a vestirem roupas de modelo único, criados exclusivamente para eles. E, nisto também, há os bons e os maus, os bons profissionais, que se sabem aconselhar e seguem uma linha "trandy", e os outros, os que não têm nem gosto nem conselheiros de gosto-e de que temos abundantes exemplos no futebol português da actualidade. Claro que os ingleses, os "galácticos" do Real ou do Barça e, obviamente, os italianos, fazem isto por gosto e profissionalmente. Eles sabem, ou ensínam-lhes, o que mexe com a moda, o que atrai as atenções, o que inspira imitadores. Ainda no Man. United, David Beckham percebeu o que era necessário fazer para ser uma estrela pop, mais do que uma simples estrela de futebol: quando entrava em campo, o que primeiro tinha de atrair as atenções dos adeptos era o corte de cabelo, a cor das botas, o tamanho dos calções, a nova tatuagem. Daí que, em desespero de causa, sir Alex Ferguson tenha tido o célebre desabafo de "não sei treinar um jogador de futebol que muda de penteado todas as semanas!".

Florentino Pérez também não sabia treinar David Beckham, mas sabia exactamente o que fazer com ele e como rentabilizar a sua imagem. Por isso, foi buscá-lo ao Manchester e começou imediatamente a facturar com a simples cerimónia de apresentação, com bilhetes vendidos para 20.000 sócios e transmissão em directo na televisão.

Porém, na estratégia de gestão brilhantemente congeminada por Florentino só havia um senão: era preciso que, para além dos fabulosos ordenados e lucros dos direitos de imagem, os "galácticos" não se esquecessem de que tinham de continuar a treinar no duro, a fazer sacrifícios pessoais e a realizar grandes jogos para justificarem o seu estatuto de vedetas planetárias. E eles esqueceram-se. Aos olhos dos sócios e adeptos de sempre do Real, eles transformaram-se numa colecção de simples mercenários, mais procupados com o dinheiro, a fama e o exibicionismo do que com as suas obrigações contratuais perante o clube e os seus sócios. No fundo, o que os sócios recordaram a Florentino é que o essencial de um clube não são os jogadores, por mais fabulosos que sejam ou por mais vedetas que se julguem: são os adeptos, os que vão ao estádio e seguem a equipa pelos vários cantos do Mundo, os que pagam as quotas e os lugares cativos, os cachecóis e camisolas, os que, ao contrário das vedetas, serão do clube até morrer e com ele só gastam dinheiro. O toque a finados no Real foi a derrota em Saragoça por 0-4, para a Taça do Rei, e o comentário de um suplente vindo da "cantera", que, depois de ter obtido um golo para o Real, comentou que "parecia que tinha sido golo do adversário", de tal forma os seus companheiros ficaram indiferentes, sem sequer o cumprimentarem. Florentino Pérez percebeu a mensagem e por isso se demitiu. O que seria de desejar é que a lição da sua queda fosse devidamente meditada por presidentes, agentes e jogadores. Não se esqueçam: nenhum clube sobrevive muito tempo se os donos da bola deixarem de ser os adeptos.

UM PERDEDOR E UM GANHADOR (28 Fevereiro 2006)



A falta de sorte, os efeitos caprichosos desta nova bola, o talento que Robert tem para cobrar livres e a falta de fé de Baía em corrigir o seu movimento a tempo ditaram uma derrota que foi muito pouco justificada pelo que o Benfica jogou.Este Benfica de anteontem seria tranquilamente digerido sem espinhas por um FC Porto normal,orientado por alguém com ideias normais - tais como ganhar de vez em quando.

1- As estatísticas não ajudam Co Adriaanse nem legitimam as suas ideias, decerto geniais. Anote-se:

- em dez jogos contra o seu compatriota e rival Ronald Koeman, perdeu oito, empatou dois,ganhou nenhum;

- em nove jogos de importância máxima feitos com o FCPorto esta época, perdeu cinco, empatou três, ganhou um;

- nos cinco jogos feitos com os outros três clubes que têm dominado o topo deste Campeonato, perdeu dois, empatou três, ganhou nenhum;

- nos sete últimos jogos do Campeonato, com o "revolucionário" sistema de quatro avançados (tão elogiado por tantos comentadores que certamente não são do FC Porto), perdeu dois, empatou dois e ganhou três, tendo marcado um total de seis golos - o que não chega sequer a dar média de um por jogo.

Quando as pessoas têm ideias próprias e delas não abdicam diz--se que têm personalidade. Quando essas ideias estão erradas ou dão o resultado adverso do pretendido, e mesmo assim se insiste nelas, em vez de personalidade, diz-se que a pessoa tem manias. E, quando, de falhanço em falhanço, se continua a insistir nas mesmas ideias, com prejuízo dos outros, a mania passa a teimosia. Esse é o problema de Co Adriaanse. Ele ainda não percebeu que o FC Porto não é o Az Alkmaar ou qualquer outra equipa sem nome, sem orçamento e sem responsabilidades para poder servir de cobaia às experiências revolucionárias do seu treinador. Ainda não percebeu bem que a equipa que lhe caiu do céu vir treinar, ao contrário do seu treinador que nunca conquistou nada, está recheada de títulos e era, há menos de dois anos atrás, campeã da Europa e, há um ano, campeã do Mundo. Manifestamente, parece-me haver um erro de interpretação, ou de tradução, de Co Adriaanse relativamente ao contrato de trabalho assinado com o FC Porto: é ele que tem de provar que está ao nível do FC Porto e não este que tem de se adaptar ao génio infrutífero do seu treinador.

Na breve antevisão do jogo que aqui publiquei no próprio domingo, escrevi que Co Adriaanse, se realmente queria começar a mostrar que é capaz de conquistar alguma coisa e vencer algum jogo importante, deveria jogar na Luz em 4x3x3 e pôr os melhores nos seus lugares, em vez de continuar a teimar que vai ficar para a história do futebol como o treinador que jogava em todo o lado de peito aberto... e em todo o lado fracassava. Ao escrevê-lo, porém, e ao contrário do que o próprio Ronald Koeman previu, eu já sabia que ele ia insistir no tal esquema de três defesas e quatro avançados, quanto mais não fosse para mostrar a tal personalidade que a tantos deslumbra e serve. E assim foi.

O efeito mais imediato deste sistema superofensivo foi uma repetição do já visto nos jogos anteriores: a incapacidade de marcar golos e de criar oportunidades em número suficiente para tal. A inflação de avançados conduziu a que faltassem os espaços e as ideias, ao ponto de dois deles, o Ivanildo e o Adriano, terem passado o jogo todo sem saber para onde ir e o que fazer ao certo. E, enquanto sobravam avançados na frente, atrapalhando-se uns aos outros, faltava um médio a meio-campo para segurar o jogo e os lançar, e a defesa só não soçobrou porque o Nuno Gomes e o Simão não deram uma prá caixa e mais uma vez ficou à vista que todo este sistema de jogo está dependente de um super-Pepe e um super-Paulo Assunção. A eles deve Co Adriaanse não ter saído da Luz vergado a uma derrota ainda maior, quando, num acesso de total descontrolo, resolveu tirar o Quaresma, que era o único a tentar abrir a defesa do Benfica pelos lados, e meter em campo nada menos do que quatro pontas-de-lança - o McCarthy, o Adriano, o Hugo Almeida e o Li-sandro. Ao mesmo tempo que, inevitavelmente, mandava entrar também o fantasma do Jorginho, com tudo isso abrindo verdadeiras avenidas para o contra-ataque encarnado.

Uma vez mais, como já me tinha ocorrido no jogo do Dragão da primeira volta, dei comigo a pensar que Adriaanse vai para estes jogos sem ter feito nenhuma das três coisas essenciais no trabalho de casa de um treinador: não estuda os adversários, não elabora um plano de jogo, muito menos adaptável em função dos acontecimentos que vão ocorrendo, e não prepara os lances de bola parada - que nas outras equipas, a começar pelo Benfica, contribuem largamente para a percentagem de golos e neste FC Porto raramente resultam em golo. Chegou a ser confrangedor ver a forma como eram cobrados os livres e os cantos a favor do FC Porto. Agora começo a perceber porquê os treinos no Olival são sempre à porta fechada...

2- A desculpa de Co Adriaanse para a derrota vai ser o Vítor Baía - até me admira como é que não o disse logo a seguir ao jogo, como é seu hábito. O fim injustíssimo da carreira de Baía foi cientificamente preparado por Adriaanse. Primeiro, tirando-o da baliza após um lance infeliz na Amadora, sem lhe dar hipótese de se redimir. Depois, deixando-o de fora em todos os jogos fáceis, para o relançar num teste de fogo como o da Luz, onde qualquer deslize dele teria consequências praticamente irreversíveis. É claro que Adriaanse não teve culpa que o Helton se tivesse lesionado logo na pior altura, mas teve responsabilidade directa na forma como abalou os indíces de confiança de Baía, deixando-o psicologicamente impre-parado para regressar neste jogo. Depois, a falta de sorte, os efeitos caprichosos desta nova bola, o talento, parece que único, que Ro-bert tem para cobrar livres, e a falta de fé de Baía em corrigir o seu movimento a tempo, fizeram o resto. Ditaram uma derrota, que pode ter sido merecida pelo que o FC Porto não jogou, mas que foi muito pouco justificada pelo que o Benfica jogou. Este Benfica de anteontem seria tranquilamente digerido sem espinhas por um FC Porto normal, orientado por alguém com ideias normais - tais como ganhar de vez em quando.

3- Eis uma coisa que não se pode dizer de José Mourinho. Ele é o verdadeiro exemplo do ganhador, de alguém que, acima de tudo, está ali para ganhar - sempre, se possível. Ao contrário de Adriaanse, Mourinho estuda os adversários ao detalhe e para cada jogo tem uma estratégia montada, a qual tem o dom de antecipar quase sempre o que o adversário vai fazer em cada situação. É por isso que ele vence tantas vezes: porque é um perfeccionista, um profissional completo, um viciado na vitória. Mas há um reverso da medalha, como há sempre. Um, é que Mourinho tem dificuldade em saber perder. O outro é que, quando não há fantasistas na equipa, o futebol dele, se bem que continue vencedor, fica como o futebol do Chelsea: terrivelmente previsível e aborrecido, "industrializado", como alguém o definiu há dias. Já aqui escrevi há tempos que tenho a convicção de que o FC Porto de Mourinho venceria tranquilamente o Chelsea de Mourinho.

Esta semana, o Barcelona de Ryjkaard e de Ronaldinho, Deco, Messi e Eto'o, destroçou por completo o futebol científico e sem alma do Chelsea. E só não o esmagou, porque na baliza dos londrinos está um dos três melhores guarda-redes do Mundo. Ainda bem para o futebol, porque o que o Barcelona foi dizer a Stamford Bridge é que o talento, o génio e o improviso ainda são armas determinantes neste jogo.

A sangue-frio José Mourinho tinha obrigação de o ter reconhecido e ter cumprimentado o adversário. Desculpar-se com a expulsão de Del Horno e atacar o árbitro foi uma atitude de mau perdedor. Primeiro, porque o Del Horno foi muito bem expulso, pela simples razão de que, não conseguindo aguentar mais a tourada que o Messi lhe estava a dar, resolveu ver se o arrumava de vez. E, segundo, porque antes e depois da expulsão de Del Horno, a superioridade do Barcelona foi tão flagrante, a qualidade e beleza do seu jogo tão superiores, que qualquer outro desfecho seria uma tremenda injustiça. Resta a Mourinho provar em Camp Nou que o Chelsea é mais do que uma equipa quase vulgar, com um grande treinador.

A HORA DA VERDADE (21 Fevereiro 2006)




Se, entre hoje e domingo, tudo correr mal para as cores benfiquistas, é certo e sabido que quem semeou os ventos de ilusão não colherá as tempestades de desilusão. Isso está guardado para um bode expiatório mais conveniente...


1- Hoje à noite o Benfica tem um teste elucidativo sobre o seu verdadeiro valor. Teve-o também antes contra o Manchester United, onde passou com distinção, é facto, mas o Manchester desta época e, sobretudo, o de Dezembro passado, é uma pálida imitação dos "red devils" de um passado recente, que tudo atemorizavam. O Liverpool, para além de campeão europeu em título, é melhor equipa e mais calculista. Contra ele, o Benfica tem de jogar o seu máximo e então se verá se o seu máximo está ou não ao mais alto nível europeu.

Ao iniciar com uma derrota inapelável este terrível ciclo de nove dias em que tudo se pode sonhar e tudo se pode perder, o Benfica de Ronald Koeman parece ter lançado a descrença entre os seus - adeptos e jornalistas. De repente, a tão louvada equipa de há três semanas atrás parece já não inspirar confiança a ninguém e o seu treinador virou um saco de pancada ao alcance de todas as frustrações.

Acusa-se Koeman de mudar constantemente a equipa, como se ele fosse responsável pelas lesões e castigos ou pela chegada de uma mini-enxurrada de reforços em Dezembro, anunciados pela Direcção como o suplemento que faltava para a conquista da Liga dos Campeões e que ele, logicamente, tinha de experimentar e utilizar. E esquecendo-se até de que foi uma dessas inesperadas "revoluções" na formação da equipa que conduziu à também inesperada vitória contra o Manchester. Até se acusa Koeman de já ter experimentado quatro guarda-redes, como se fosse ele o culpado pelas lesões de Quim e de Moreira, pela manifesta impreparação de Nereu, ou pela "épica" contratação de Moretto, delirantemente saudada pela massa associativa e afins.

Embora não me motive muito perceber o que se passa em casa alheia, a mim parece-me que, mais prosaicamente, a questão das esperanças traídas no Benfica tem sobretudo a ver com a ilusão criada sobre o valor real da equipa. Tudo começou na época passada, com um Campeonato e uma Taça ganhos de forma que foi tudo menos convincente mas que, por temor ou reverência, ninguém se atreveu a questionar. Por isso, quando Luís Filipe Vieira disse que esta era uma equipa de campeões, toda a gente fingiu que sim, e, quando, reforços acrescentados, ele passou a dizer que esta era uma equipa capaz de chegar à final e talvez ganhar a Champions, continuaram todos a fingir que acreditavam. Depois, houve a vitória sobre o Manchester e a série de sete triunfos consecutivos na Liga portuguesa e foi ver o José Veiga, de peito feito, a anunciar a inevitável revalidação do título e a Europa ao virar da esquina. Mas ninguém se deteve a pensar quantos, desses sete jogos, foram ganhos sem dúvidas de arbitragem e através de exibições convincentes, porque é um crime de lesa-majestade questionar o mérito dos triunfos benfiquistas. E assim se criou a verdade oficial de que estava aí um grande Benfica, que nada nem ninguém conseguiriam parar. Agora, três súbitas derrotas depois, cai-se no extremo oposto. E na pior altura, quando a equipa mais precisava da confiança dos seus. Mas, se entre hoje e domingo, tudo correr mal para os benfiquistas, é certo e sabido que quem semeou os ventos de ilusão não colherá as tempestades de desilusão. Isso está guardado para um bode expiatório mais conveniente.

2- Benfica jogava em Guimarães sob o peso de ter três jogadores ameaçados de não poderem defrontar o FC Porto caso vissem um cartão amarelo. Lucílio Baptista foi a escolha adequada para a ocasião (mas digo desde já que nenhum daqueles três mereceu um amarelo). Mas, no resto, Lucílio não deixou os seus predicados por mãos alheias: num jogo sem dureza nem indisciplina, com faltas distribuídas por igual por ambas as equipas, Lucílio Baptista conseguiu marcar o dobro de faltas ao Vitória, deixando inúmeras por assinalar contra o Benfica, e mostrar sete cartões amarelos a jogadores do Guimarães contra apenas um aos benfiquistas.

3- E, a propósito do "Apito Dourado", essa megainvestigação judicial, que parece ter o condão de vir a arrastar-se durante anos, tornando alguns eternamente suspeitos (ou até mesmo já condenados, a quem isso convém) e outros estranhamente imunes às suspeitas, aguardei com alguma curiosidade o despacho de pronúncia, no que se refere ao presidente do FC Porto. Mas, afinal e como aqui antecipei desde o início, a montanha pariu um rato, ou pior ainda, pariu a insustentável continuação das suspeitas por confir mar. Mais de um ano de investigações decorrido, depois daquele imenso aparato policial-mediático para ouvir o "suspeitíssimo" Pinto da Costa, depois de dezenas ou centenas de milhares de contos gastos aos contribuintes, depois de não sei quantas prorrogações de prazo a favor do Ministério Público, depois do reforço extraordinário dos meios de investigação, a "task force" judicial de Gondomar conclui apenas em extrair certidões do processo para que outros continuem a investigar Pinto da Costa. E, quanto a factos novos, indícios novos, provas recolhidas, nada. A suspeita "gravíssima" mantém-se rigorosamente a mesma de há um ano atrás: em 2004, o FC Porto de José Mourinho, já virtual campeão nacional, com alguns onze pontos de avanço sobre o segundo classificado, o Benfica, a semanas de se tornar campeão europeu, terá subornado, com recurso a "meninas" o árbitro do encontro no Dragão contra o E. Amadora, em vias de despromoção, como forma de garantir a vitória no jogo - parece que, de outra maneira, não conseguiriam ganhar. E é nisto que se gasta o tempo e o dinheiro dos contribuintes: não fazendo justiça, mas mantendo eternas as suspeitas que a tantos convém. Mas também a verdade é que, à luz do qu está em causa - e é apenas isto só acredita, ou finge acredita quem quer.

4- E, pé ante pé, o Sporting está a cinco pontos do FC Porto e poderá ficar a dois se, domingo na Luz, a equipa de Adriaanse falhar mais uma vez num jogo decisivo. Dou-me conta, já há um tempo, que muito pouco ou quase nada tenho escrito sobre o Sporting esta época. A razão é simples e vai parecer escandalosa aos olhos dos indefectíveis sportinguistas, mas acarreto as consequências de porventura vir a ter de engolir o que vou escrever: não vejo que o Sporting tenha futebol para ser campeão nacional, esta época.

Estão em segundo lugar, já só a cinco pontos e ainda vão receber o FC Porto em Alvalade? Pois, é facto. Mas, mesmo assim, não me convencem. Ainda esta semana o que vi, contra o Paços de Ferreira e em Alvalade, foi uma equipa que chegou ao golo num penalty duvidoso e caído dos céus, que dele viveu toda a segunda parte, sem criar uma só oportunidade de golo e que, já próximo do final, marcou o segundo golo numa jogada precedida de falta e ainda um terceiro depois da hora. Um 3-0 absolutamente enganador, num jogo que não mereceu sequer ganhar. Como disse, é possível que ainda tenha de engolir esta opinião. Mas, se isso acontecer, é porque o FC Porto entregou o ouro ao bandido.

REGRESSO À NORMALIDADE (14 Fevereiro 2006)



Como diz António Oliveira, há mais honra em descer à Honra sem dever nada a ninguém que em ficar na Betandwin devendo dinheiro a todos.


1- A jornada 22 do campeonato veio repor a hierarquia habitual do nosso futebol, deixando os três grandes lá em cima, ordenados pela respectiva ordem de grandeza (isto é uma piada a benfiquistas e sportinguistas...).

Jogando muito pouco e marcando em dois livres, o Sporting desembaraçou-se naturalmente de um Vitória de Setúbal que, depois do raide benfiquista às suas fileiras, consentido e promovido pelo inesquecível Chumbita Nunes, entrou em queda vertical. Jogando mais que o habitual e com menos azar e revoluções estratégicas que o costume, também o FC Porto cumpriu a sua obrigação de vencer um Belenenses que é uma equipa cuja permanência mais ou menos tranquila na primeira divisão só por si demonstra como é fraca a nossa Liga. E, jogando em casa contra o já condenado Penafiel, o Benfica ganhou também sem problemas de maior, muito embora o resultado seja francamente desproporcionado face ao que se passou e bem pudesse ter sido dispensado aquele terceiro golo, que deve ficar como exemplo extremo daquilo que o futebol não pode ser (tivesse sido o Penafiel, ou qualquer outro adversário, a marcar assim e o Estádio da Luz vinha abaixo). Cabe, entretanto, uma palavra de elogio ao presidente do Penafiel, o antigo e excepcional jogador António Oliveira, que assumiu tranquilamente a mais que provável inevitabilidade da descida, evitando a saída fácil de despedir o treinador, as loucuras de contratações que depois não poderiam ser sustentadas na Liga de Honra, e evitando também o recurso habitual de atirar para cima das arbitragens a responsabilidade pelo inêxito. Até porque, como ele diz, há mais honra em descer à Honra sem dever nada a ninguém que em ficar na Betandwin de devendo dinheiro a todos. Recado entregue a muita gente com orelhas a arder.

No grupo imediatamente abaixo os resultados da jornada foram diferentes. Enquanto o Boavista somou a quinta vitória consecutiva e já só está a um ponto da zona europeia, confirmando os créditos de Carlos Brito, já o Sp. Braga, mesmo jogando em casa e contra 10 durante meia hora, perdeu dois pontos, que não chegam para compensar o ponto que tão injusta e falsamente conquistara uma semana antes, no Dragão. Tendo vendido quase toda a defesa no defeso de Natal, parece inevitável que tenha iniciado uma curva descendente, que, a consumar-se, será de difícil travagem e difícil digestão. Enfim, o Nacional sucumbiu com aparato, após uma terrível semana passada entre Alvalade e a Luz, com apenas um golo sofrido em 220 minutos de jogo!

2- A derrota do Nacional na Luz, nos penalties, e a derrota ao cair do pano do Paredes em Alvalade fazem-me lembrar a remodelação que há muito defendo no injustíssimo regulamento da Taça de Portugal. Defendo a introdução de um sistema duplo: primeiro com discriminação positiva a favor dos mais fracos; e depois, já no final, com igualitarização dos quatro semifinalistas. Assim: até às meias-finais as eliminatórias, a um só jogo, seriam sempre no terreno do clube de divisão inferior ou, sendo ambos da mesma divisão, no terreno daquele que, no momento do sorteio, estivesse mais mal classificado no respectivo campeonato. Quanto às meias-finais, seriam jogadas a duas mãos.

Isto permitiria, por um lado, descentralizar e democratizar a Taça, levando-a, regularmente e não excepcionalmente, a lugares onde o grande futebol não chega, e, simultaneamente, dar mais interesse desportivo e mais emoção à competição e, eventualmente até, melhores receitas aos clubes. Por outro lado, o facto de as meias-finais serem a duas mãos daria mais verdade desportiva ao desfecho e mais mérito aos finalistas do Jamor, para além de reintroduzir, ao menos por uma eliminatória, o sistema de eliminação a duas mãos, que actualmente, e com grande saudade minha, não existe em competição alguma.

Este sistema tornaria impossível, por exemplo, voltar a suceder aquilo que sucedeu ao Benfica há dois anos, quando a sorte nos sucessivos sorteios o levou até à final sem nunca ter saído da Luz (e até a final foi jogada no seu campo de treinos habitual, o Estádio Nacional, e, visto o outro finalista ser o FC Porto, escolheu-se para árbitro Lucílio Baptista, que actuou conforme a expectativa). Seguramente que, de todos os trofeus arrecadados no Estádio da Luz, este foi aquele cuja conquista menos mérito teve.

3- Não tivesse eu visto na televisão o Inter-Juventus e teria acreditado nas patrióticas descrições dos correspondentes da nossa imprensa desportiva, que fizeram de Figo o "autor de meio golo" e senhor de uma notável exibição, a destoar de todos os outros da equipa. Não vi nada disso, vi que o Inter não jogou nada e Figo teve um ou outro fogacho inconsequente e marcou um canto banal a que o seu colega Walter Samuel correspondeu com um cabeceamento superior - o tal meio golo de Figo.

Este patrioteirismo jornalístico, que leva a escrever coisas como "o treinador do Milan optou por fazer descansar Rui Costa", quando ele simplesmente optou por deixá-lo no banco de suplentes, não ajuda a termos verdadeira compreensão do que se passa e até talvez, em alguns casos, tenha contribuído para dar aos nossos candidatos a emigrantes futebolísticos uma falsa impressão de facilidades de triunfar lá fora, que depois se transforma em amargas ilusões. Veja-se o sucedido com a legião portuguesa do Dínamo de Moscovo - em que Costinha acaba de ser a última baixa - e cuja imagem deixada por terras da Rússia deve ter assegurado o fim definitivo daquela galinha dos ovos de oiro.

E, por falar em emigrantes do emigrantes do futebol, há coisas que dão que pensar. Quantos italianos alinharam de início pelo Inter contra a Juventus? Um. Quantos ingleses alinharam pelo Chelsea contra o Liverpool? Um. Quantos portugueses alinharam de início pelo Benfica contra o Penafiel? Dois. O capital não tem pátria, o futebol também não. Nós, os espectadores, é que nos esforçamos por fingir que não vemos.

PS. - Manuel Fernandes, Marel e Simão estão em risco: se levarem mais um amarelo não jogam contra o FC Porto, na Luz. Vamos ficar muito atentos à arbitragem do V. Guimarães-Benfica.

De tudo um pouco (07 Fevereiro 2006)




É óbvio que os Super Dragões se transformaram num poder paralelo dentro do FC Porto e é óbvio que, se isso aconteceu, foi porque tal lhes foi permitido e estimulado ao mais alto nível: quem semeia ventos colhe tempestades

1- Já vi este filme várias vezes: o FC Porto ataca, ataca, ataca, o adversário só defende e, no final, repartem os pontos. Se houvesse justiça no futebol, o FC Porto teria ontem esmagado o Braga por 5-0 ou 6-0. Três bolas nos postes, três defesas maravilhosas de Paulo Santos, três remates de golo ao lado, três jogadas duvidosas na área do Braga. Mas não chegou: mesmo um sistema de jogo maluco - que depende exclusivamente de um super-Pepe para aguentar uma defesa com três homens e um ataque com quatro - não chegou para a vitória. O Braga fez o primeiro remate à baliza do FC Porto exactamente ao minuto 60, permitindo que Helton fizesse enfim, ao fim de três jogos, uma defesa como titular. Depois, Adriaanse deu ordem para recuar, tal como tinha feito contra o Inter, emSan Siro, tirando um ponta-de-lança e metendo um defesa- central. E que defesa!- nada menos do que Bruno Alves, um dos autores da vitória do Benfica no Dragão - e que, na sua única intervenção relevante, deu origem ao penalty do empate, provando que não é Pepe quem quer. Aceita-se o penalty, mas, pelo mesmo critério de Bruno Paixão, daí até final, ainda houve tempo para dois lances semelhantes na área do Braga, um sobre Ivanildo, outro sobre Raul Meireles, que, esses, digamos que passaram despercebidos ao senhor de Setúbal, o inesquecível Barão de Campo Maior. E (porque não?), aceitemos também que lhes passou despercebido o offside que esteve na origem do penalty decisivo. Resta o que resta: o "Campeonato está relançado", como se vai escrever hoje, aí por todo o lado. Viva o Campeonato!

2- É óbvio que os Super-Dragões se transformaram num poder paralelo dentro do FC Porto e é óbvio que, se isso aconteceu, foi porque tal lhes foi permitido e estimulado ao mais alto nível: quem semeia ventos colhe tempestades. Mas é também evidente que, à parte as atitudes arruaceiras que são o sinal de marca e a razão de existir das claques organizadas, o que os Super Dragões hoje dizem sobre a vida interna do clube (e não apenas sobre o treinador) é aquilo que o grosso dos adeptos pensa, mas não está organizado para dizer. Daí que, obrigado a ponderar entre os serviços prestados no passado e os danos potenciais do presente, Pinto da Costa tenha optado por os abandonar. Até ver.

3- Uma das coisas que o futebol tem de desconcertante e atraente é a alternância constante das suas verdades. Numa semana é-se bestial, na outra é-se besta. Durante nove jogos consecutivos, o Benfica acumulou vitórias e foi enchendo o estádio, incendiando as esperanças dos seus adeptos e inchando os seus dirigentes: Vieira passou a falar abertamente no título europeu já este ano e Veiga estava de peito feito, ridicularizando os adversários e falando já como inevitável bicampeão nacional. E, de repente, em dois jogos apenas, tudo ruiu: a sequência de vitórias transformou-se em duas derrotas consecutivas, o intransponível Moretto e a defesa de aço encaixaram seis golos em 180 minutos, as fabulosas contratações de Inverno viraram decepção, o regresso tão desejado do capitão Simão Sabrosa acabou por se traduzir em mal disfarçada desconfiança sobre a sua dedicação ao emblema e a sua utilidade na equipa, o FC Porto continuou em primeiro e até aconteceu o impensável, que foi serem alcançados pelo Sporting. E, todavia, se olharmos com atenção, nem uma coisa foi o apogeu, nem a outra o caos. As nove vitórias consecutivas, tirando a do Manchester, nunca foram consequência de grandes exibições ou de flagrante superioridade, mas sim vitórias tangenciais, muitas vezes ditadas pelo acaso ou dúvidas de arbitragem. E se, contra o Sporting, a equipa estranhamente pareceu nem sequer chegar a entrar no jogo, já contra o Leiria, a meu ver, fez uma das suas melhores exibições, com períodos de grande futebol, acabando derrotado pela tremenda eficácia do adversário no contra-ataque. E a verdade é que os seis golos sofridos e tão comentados, quatro foram em contra-ataque, um de penalty e outro num remate de meia-distância: nenhum resultou de ataque organizado e envolvente.

4- Três mil pessoas assistiram ao último treino do Vitória de Guimarães e 17.000 ao seu jogo contra o Belenenses. É simplesmente notável a dedicação dos adeptos vimaranenses a um clube que jamais foi campeão nacional nem esteve nunca à beira de o ser e que hoje é apoiado na esperança de alcançar o mínimo expectável: que a equipa não caia na II Divisão. Agora, a tarefa parece mais difícil do que nunca. Não apenas porque estão a sete pontos da linha-de-água, mas sobretudo porque a equipa não mostra argumentos para ultrapassar a situação. Escrevi-o aqui logo no início da época, e após ver apenas um jogo do Vitória, que me parecia que iam ter grandes dificuldades este ano para se aguentarem na Superliga. Dispensado Jaime Pacheco, renovada a equipa com uma abundância de contratações em Dezembro, parece-me que nada de assinalável mudou. E, ao contrário do que diz o seu actual treinador, Vítor Pontes, a mim parece-me que o problema principal é que o Vitória não mostrou nunca, ao longo deste Campeonato, ter futebol para ficar na Superliga. O jogo contra o Belenenses foi mais um para confirmar esta opinião: defesa em alvoroço permanente, meio-campo sistematicamente a transviar passes, ataque absolutamente sem ideias. Não é uma questão de ir à bruxa, porque não é sério pretender que o Vitória tem azar em todos os jogos. Por mais que a ideia possa custar a assimilar, a verdade é que um histórico do futebol português se prepara para descer aos infernos por exclusiva incompetência própria.


5- Depois de Hernâni e de Calado, mais um jogador do Benfica acusou doping. É claro que é mais um que está inocente - assim como o Kennedy, o Abel Xavier e todos os outros. É mais um caso em que o organismo de um atleta português revela características que a medicina desconhecia. E se todos são inocentes até prova em contrário, já era altura também de todos perceberem que as leis são iguais aqui e no mundo inteiro e que a prova de inocência cabe a quem acusa doping e não a quem controla, e que a forma de o fazer está estabelecida na lei, para vigorar para todos. A explicação da cabala já deu o que tinha a dar.

6- José Mourinho prepara-se para ser campeão de Inglaterra pela segunda vez consecutiva, em dois anos de trabalho. Vence, arrasa e convence. Rebenta com as estatísticas, subverte os recordes, açambarca os prémios. Só há uma coisa que eu, para os meus botões, não consigo explicar: porque é que adormeço sistematicamente a ver o futebol do Chelsea e porque é que acho que o FC Porto de Mourinho (sobretudo o da Taça UEFA) esmagaria este Chelsea de Mourinho? Mas, se uma equipa vence sempre sem entusiasmar, de quem é o mérito das vitórias?

À DERIVA (31 Janeiro 2006)



No lugar de Pinto da Costa, tudo ponderado, eu sei o que fazia: despedia-o. Porque já deu para ver que não vale a pena esperar por um milagre. Co Adriaanse simplesmente nao serve para o lugar.


1- Infelizmente os vândalos de que fala a direcção do FC Porto existem. Existem em todas as áreas, existem no futebol e existem em todos os clubes. Podem atacar em Touriz ou em Vila do Conde, à facada ou à pedrada. O que os torna particularmente notados no futebol é que o futebol é um movimento de multidões e as multidões são cobardes e primárias. Cada vez são menos os que, por maior que seja a sua paixão clubista, até mesmo irracional, não cedem ao ódio, à bestialidade ou à ordinarice. Os que preferem o espectáculo ao resultado, o relvado aos bastidores, o seu clube honrado do que o seu clube vencedor.

Os assaltantes do treinador portista Co Adriaanse, anteontem em Vila do Conde, fazem parte do número daqueles que deveriam ser para sempre banidos do futebol - ou do que eles imaginam que o futebol seja. Além do mais desonraram o FC Porto e criaram um incidente que vem retirar força ao sentimento com que hoje se identifica uma larga maioria de adeptos.

Numa sociedade civilizada e democrática, de homens livres e não de cobardes, há outra maneira de discordar ou de emitir as suas opiniões: é dizê-las tranquilamente, sem ofensas nem insultos, e depois assinar por baixo.

2- Co Adriaanse transformou-se no problema central do FC Porto, num factor de divisão entre direcção e adeptos e num motivo de irritação surda e crescente que acabará por afastar os portistas do Dragão. Por ele e pelo que aconteceu antes dele.

Há pouco mais de ano e meio o FC Porto encerrava a época de 2003/04 talvez como a melhor época da sua vida: campeão europeu em título, admirado pelo mundo inteiro, com um estádio novo espectacular, uma situação financeira que lhe teria permitido o gesto impensável de pôr o passivo a zeros e recomeçar aos poucos a reconstruir uma grande equipa. Se tivesse saído na altura Pinto da Costa teria tido direito a uma estátua de fazer inveja ao defunto Kim Il-sung. Mas preferiu ficar e continuar, chamando a si, como é normal, a responsabilidade da sucessão de Mourinho e de provar que os êxitos não se deveram exclusivamente ao treinador. Um ano e meio depois o balanço é devastador: viu-se envolvido, mal ou bem, na provação do Apito Dourado, viu o clube incapaz, na época seguinte, de defender com brio o título europeu e de nem sequer ser capaz de conquistar o título nacional mais fácil das últimas décadas, tendo visto este ano a equipa nem ao menos garantir o terceiro lugar na fase de grupos da Liga dos Campeões. No novo estádio, onde Mourinho só consentira um empate com o Corunha, viu o FC Porto perder com o Benfica, o Sp. Braga, o Boavista, o Artmediá, etc, não esquecendo os 4-0 do Nacional. Já vai no quarto treinador experimentado e em cerca de 30 novos jogadores contratados em duas épocas e, logicamente, com tal política, e apesar dos larguíssimos milhões recolhidos em transferências irrepetíveis, viu as contas regressarem ao vermelho e tem hoje uma equipa mais cara que a que foi campeã da Europa.

O que resta de positivo? Vai à frente do campeonato, com quatro pontos de avanço. Pois sim, mas...

Para começar, não é grande proeza ir à frente do campeonato. O campeonato é o que resta, depois da indecente despedida prematura da Europa, pela primeira vez em 12 anos e com os consequentes prejuízos financeiros. Depois, é o mínimo exigível a quem tem um orçamento para o futebol que é 50% superior a um dos rivais e 100% superior ao do outro. Além de que é uma liderança que tem tudo para ser provisória. Empatou em casa com o Sporting e perdeu com o Benfica - o que terá consequências em caso de desempate. E, das quatro deslocações a Lisboa, já perdeu a primeira e faltam-lhe as mais difíceis. Enfim, e sobretudo, tem um problema chamado Co Adriaanse, em quem neste momento ninguém é capaz de apostar um chavo sobre a sua capacidade de levar a equipa ao título e de regresso à lista dos grandes da Europa.

De início, como se recordarão os meus leitores habituais, fiquei entusiasmado com o futebol exibido pela equipa treinada por Adriaanse: o jogo era espectacular, era aberto, ofensivo, entusiasmante. A única dúvida que manifestei era a de saber se a equipa conseguiria manter aquele ritmo ao longo da época e se acumularia o espectáculo com os resultados, visto que a defesa me parecia bem vulnerável. O resto foram dúvidas pontuais: se o Postiga seria mesmo um número 10 e se não haveria melhor ocupação para o Quaresma que o banco de suplentes. Mas, no essencial, dei a Adriaanse bem mais que o benefício da dúvida. Comecei a oscilar na minha crença depois das derrotas na Liga dos Campeões - com o Rangers, com o Artmedia e com o Inter -, todas elas com uma flagrante dose de responsabilidade por parte do treinador. E mudei de campo de vez quando vi a forma quase científica como ele preparou a derrota com o Benfica. Depois disso, e tal como o grosso dos adeptos e a totalidade dos observadores, limitei-me a ir constatando o total desnorte para que caminhava Adriaanse. Desnorte na forma desastrada e desrespeitosa com que trata jogadores que são símbolos do clube e que lhe deveriam ser essenciais na gestão humana da equipa; desnorte na forma como insiste semanas a fio em jogadores sem capacidade para a primeira equipa, para depois, sem aviso algum, os votar ao total esquecimento; desnorte na forma como tira da equipa, sem justificação compreensível, jogadores que acabaram de fazer um grande jogo e, inversamente, insiste noutros que ninguém percebe porque lá estão; desnorte na preparação dos jogos mais complicados, em que parece nunca saber o que esperar do adversário; desnorte, enfim, no sistema de jogo, que já foi 4x3x3,4x2x4, 3x4x3 ou 3x3x4. Se alguma palavra pode definir este percurso errático de Co Adriaanse nestes sete meses que leva à frente do FC Porto, é essa: desnorte. Ninguém sabe para onde vai, ninguém sabe se ele sabe para onde vai.

Entretanto, desmantelou por completo a equipa campeã da Europa (não resta um único a titular!), transformou aquilo numa escola de samba com dois argentinos para disfarçar, não consegue mostrar nenhum estilo de jogo nem jogadas rotinadas no ataque ou nas bolas paradas (e só faz treinos à porta fechada!) e, por mais avançados com que jogue ou que experimente, vive miseravelmente dependente da inspiração de Ricardo Quaresma para conseguir chegar a uns golitos de vez em quando. Quanto ao futebol-espectáculo do início da época, bom, só resta mesmo a breve memória de uma coisa que se tornou confrangedora.

Pelo que Pinto da Costa tem aqui um sério problema, agravado, ainda por cima, por aquela sua bravata de ter prorrogado o contrato de Adriaanse antes que ele tivesse dado provas de competência. Agora, despedi-lo e aos seus é coisa para custar uns dois ou três milhões de euros - além do reconhecimento público de que, pela quarta vez consecutiva, se voltou a enganar na principal das suas atribuições. Não o despedir é assistir conformado a episódios como o do Jorge Costa e o do Baía (e tentar desviar as atenções com ridículos episódios de desprestigiante guerrilha com José Veiga), é ver talentos em crescimento a serem desperdiçados, mais e mais jogadores a serem contratados, na esperança vã de fazer daquele agrupamento um arremedo de equipa ganhadora, e ter de assobiar para o ar para também ele fingir que não vê os lenços brancos que vão varrendo o coração dos adeptos... antes que, em lugar de lenços brancos, haja cada vez mais e mais lugares desertos nas bancadas do Dragão.

No lugar de Pinto da Costa, tudo ponderado, eu sei o que fazia: despedia-o. Porque já deu para ver que não vale a pena esperar por um milagre. Co Adriaanse simplesmente não serve para o lugar.

3- Também na Luz, este fim-de-semana, se escreveu um capítulo desta mesma história: a arrogância só é perdoável quando é sustentada no mérito por todos reconhecido. De outro modo é apenas a jactância dos que se imaginam grandes (e não me refiro a Ronald Koeman, um senhor, tanto nas vitórias como nas derrotas).