sábado, dezembro 06, 2003

A lição espanhola ( 7-10-2003)

1- Creio que foi o jornal Marca quem, a propósito do F. C.Porto-Real
Madrid, escreveu que o mal do F. C. Porto é a falta de competitividade
do campeonato português. Ou seja, só episodicamente o F. C. Porto é
sujeito à pressão de grandes jogos e grandes equipas. Enquanto o Real
encontra todas as semanas, no campeonato espanhol, equipas que tudo
fazem para o vencer (mesmo que isso implique poderem acabar
desbaratadas), já o F. C. Porto, no campeonato português, encontra em 95
por cento dos jogos equipas que apenas pretendem não perder. Se o F. C.
Porto jogasse na Liga espanhola, certamente perderia muitos mais jogos
do que perde aqui, mas teria muito mais hipóteses de vencer o Real
Madrid do que as que tem quando, ocasionalmente, de três em três anos,
tem o azar de o apanhar pela frente na Liga dos Campeões.

É certo que não foi só por isso que, uma vez mais, os portistas
baquearam sem apelo nem agravo às mãos dos madrilenos. Mas isso ajuda
a perceber muitas coisas. Desta vez, o F. C. Porto até entrou sem medo do
adversário, jogando o que pode e sabe - ao contrário do que sucedeu na
final da Supertaça, contra o Milan. Teve tanta posse de bola como o
adversário, tantos remates, tantas oportunidades de golo, e até um golo
anulado em obediência ao princípio de que, em caso de dúvida, o Collina
e os árbitros de que a UEFA gosta, decidem sempre a favor dos mais
poderosos. Perdeu, sobretudo, porque, a juntar à falta de rotina de
altíssima competição, o Porto encontrou pela frente a maior constelação
de génios que alguma vez se reuniu numa só equipa de futebol. O Real é
uma equipa de assassinos perfeitos que, a perder, a ser dominada e
aparentemente adormecida, é capaz de em seis minutos e dois golpes
perfeitos e mortais, inverter as coisas e deixar o adversário à beira de
um ataque de depressão.

O F. C. Porto sucumbiu, não a uma avalancha de jogo do Real, mas sim a
três golpes cirúrgicos, que tiveram tanto de indefensável como de
previsível e natural. Mas, no resto, fez o melhor que podia, muito para
além do que qualquer outro dos chamados grandes de Portugal seria capaz
de fazer. Esteve uma hora por cima do adversário, atacou e criou
oportunidades de golo e, de facto, só falhou numa coisa: uma coisa que
esta época está a fazer a diferença para pior e se está gritantemente a
transformar num problema insolúvel: a péssima prestação dos laterais,
associada a um esquema de jogo de 4x4x2. Já aqui falei do assunto e vale
a pena voltar a ele.


2 É evidente que não pode haver qualquer comparação entre a Académica e
o Real Madrid. É a tal diferença entre a competitividade de um e outro
campeonato (que faz com que, por exemplo, seja o F. C. Porto, que neste
momento já leva o dobro de jogos disputados em relação à Académica,
quem, mesmo assim, assume de princípio a fim, todas as despesas do jogo,
enquanto a Académica se limita a esperar pela sorte grande e pelas
distracções dos juízes de linha para evitar um massacre). Mas, salvas as
distâncias comparativas, que são imensas, é notável constatar o que
melhorou o jogo portista com a simples introdução de um extremo (César
Peixoto) e o consequente regresso ao 4x3x3, que tão espectaculares
resultados trouxe na época passada.

Muitas das grandes equipas europeias jogam em 4x4x2, mas um 4x4x2 que
não significa a desertificação das faixas laterais para o ataque, que
são preenchidas ou por médios-ala ou pelos laterais. O próprio Real
Madrid, quando à primeira vista se dispõe num 4x4x2, só aparentemente
ataca com dois avançados e quatro médios em apoio. De facto, tanto
Michel Salgado, como sobretudo Roberto Carlos (para mim, o melhor
jogador do mundo há vários anos), são verdadeiros extremos, fazendo todo
o corredor e cruzando a preceito para a área. Mas no F. C. Porto de 2003
os laterais não só defendem mal como atacam pior. Paulo Ferreira, que
foi uma das revelações da época passada, está uma sombra de si mesmo,
enquanto Nuno Valente, esse nem sequer tenta atacar, limitando-se a
atrasar todas as bolas que recebe e a defender chegou a ser penoso
assistir à tortura a que Figo o submeteu. Com isto, o F. C. Porto, na
versão 4x4x2 é uma equipa sem dimensão lateral, com todo o jogo ofensivo
canalizado pelo centro, de modo que até os criativos, como o Deco e o
Maniche, não podem abrir diagonais de penetração nas alas, porque não
está lá ninguém. Viu-se como a jogar em 4x3x3 contra a Académica, o
Deco subiu imediatamente de rendimento, ganhando uma nova dimensão
De 25 metros para cada lado aonde colocar os seus passes mortíferos.

Volto a dizer que estas considerações de treinador de bancada são apenas
o olhar de um espectador atento, com a legitimidade própria dos
treinadores de bancada. Ou seja, toda e nenhuma: nenhuma, porque não
têm qualificações para tal; toda, porque no dia em que não houver
treinadores de bancada, também não haverá espectadores de bancada.
Limito-me, pois, a dizer aquilo que vejo e sinto: que prefiro a versão
4x3x3 do F. C. Porto de José Mourinho, que aliás me parece naturalmente
adaptada à equipa e aos jogadores que tem. Se tivéssemos, já não digo um
Roberto Carlos, mas um Esquerdinha a lateral-esquerdo e um João Pinto
dos velhos tempos, mesmo a cruzar mal, do lado direito, talvez aí eu
mudasse de opinião.

Mas, considerações tácticas à parte, a lição que saltou à vista, na
visita do Real às Antas, é esta: nunca, em circunstâncias normais, a
melhor equipa portuguesa do momento, vários furos acima da concorrência
interna, estará em condições de evitar uma derrota natural contra os
grandes da Europa. Já todos sabemos porquê, seria altura de começar a
pensar a sério nas soluções.


PS - Sinceramente, quero acabar de vez com esta polémica com Pedro
Santana Lopes e é meu desejo nunca mais regressar a ela. Diz ele que eu
o desiludi - paciência, são ossos do ofício. No meu caso, não se trata
de desilusão, mas de uma coisa mais séria e que eu prezo acima de tudo:
não admito que me chamem mentiroso. Posso enganar-me, posso errar
involuntariamente, posso até ser injusto nas apreciações que faço. Mas
não minto, sabendo que estou a mentir. Ora, quando eu comecei por
escrever denunciando os apoios que Santana Lopes se dispunha a dar à
construção do novo Estádio da Luz e descrevi quais eram, ele acusou-me
de mentir e de falar sem conhecimento de causa. Aí, pedi-lhe
publicamente que me enviasse os contratos celebrados entre a CML e o
Benfica e Sporting, única forma de se demonstrar se eu mentia ou não.
Pedi e voltei a pedir: não me respondeu. Diz agora que não o fez porque
isso constituiria um gesto de cortesia, que eu não justificava. Mas está
enganado: eu voltei a pedir, terceira vez e agora formalmente para o seu
gabinete, os referidos documentos, ao abrigo da Lei de Acesso aos
Documentos Administrativos. Era um direito que me assistia e não uma
cortesia, mas continuei sem resposta. Diz agora que eu os podia ter
obtido por outras vias. Que a cerimónia de assinatura foi pública (o que
não significa que os documentos tenham sido públicos); diz que os
documentos estão, «com certeza» na internet ou no Boletim Municipal,
coisa que desconhecia e de que permito duvidar; diz, enfim, que foram
facultados à imprensa (sendo verdade, é extraordinário que ninguém, em
toda a imprensa, tenha achado conveniente publicá-los ou pronunciar-se
sobre contratos que envolvem a disponibilidade de dinheiros e património
público a favor de particulares). Mas também não percebo porquê que, se
foram facultados à imprensa, o não foram a mim, que os pedi três vezes.

O que é facto, é que acabei por obter os documentos por outra via e,
depois de os ter lido com toda atenção, voltei a escrever sobre o
assunto, apenas para dizer, em defesa da minha honra, que não tinha
mentido: que tudo o que havia escrito estava nos contratos. E que, se
Santana Lopes voltasse a insistir no assunto e voltasse a chamar-me
mentiroso, os publicava, para verem quem mentia. Ele fê-lo e eu
publiquei-os. Nada mais. Tudo o resto, tudo o que ele agora diz - que eu
me esqueci de referir que os contratos foram aprovados pela Assembleia
Municipal, que o Estádio da Luz já estava em construção quando ele
chegou à CML, que o Sporting só recebeu direitos de urbanização sobre
29.000 metros quadrados e não os 45.000 que pretendia - é secundário,
irrelevante e aliás do domínio público. O essencial é que ele não foi
capaz, nem podia, de desmentir um só dos factos que eu disse desde o
início. Disse que ele tinha congeminado uma solução que classificou como
sua e imaginativa, em cumprimento de uma promessa eleitoral de ajudar o
Benfica e que se traduziu numa imensa e, a meu ver, totalmente
injustificável generosidade com coisa pública. Ele podia e pode defender
a sua opção. Não pode e não deve é negá-la e chamar mentiroso a quem não
mentiu.
Uma última nota, para responder a uma das suas descabidas considerações:
escreveu ele que o meu último texto sobre este assunto poderá ter sido
influenciado «por alguma pressão incómoda a certos dias da semana que
lhe começam agora a cobrar». Está-se a referir aos Jornais Nacionais de
terça-feira, na TVI, onde passei a ter, à mesma hora, a concorrência do
próprio Santana Lopes na SIC. Pois saiba que nisso somos completamente
diferentes: nunca me movi, nem deixaria que alguém me cobrasse,
audiências, sondagens ou índices de popularidade. No meu trabalho, só
deixo que me cobrem o profissionalismo, a seriedade, a independência e a
qualidade. A sua concorrência não me causa nem conseguirá causar pressão
alguma, seja cómoda ou incómoda. Ele, que se preocupa tanto com isso, é
que deve estar a sentir uma pressão incómoda pelo facto de, nas três
primeiras semanas em que concorreu comigo, ter ficado sempre atrás nas
audiências. Mas não se preocupe demais, porque não está nos meus planos
querer ser Presidente da República.

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