terça-feira, dezembro 09, 2003

Iníquo e indigno? (2-12-2003)

1- Anderson Luís de Sousa, vulgo Deco, é um daqueles raros jogadores de futebol pelos quais vale a pena pagar bilhete para ir ver o jogo. Jogue ele pelo Benfica, pelo F. C. Porto, pela Selecção Nacional ou pelo Barcelona, Deco será sempre um jogador de excepção, que alia a uma fome quase voraz de jogar futebol, um talento para o improviso, o imprevisto, o golpe de génio, aquilo distingue os poucos jogadores de futebol que passam à história e são lembrados, muitos anos depois de terem arrumado as botas e permanecerem apenas na memória daqueles que os viram jogar. Mas Deco será também — na definição do relator da sentença do Conselho de Disciplina que o condenou a três jogos de suspensão por ele, num gesto de revolta e de despedida do jogo, ter lançado a bota em direcção ao árbitro que injustamente o despediu do Boavista-Porto — um «indivíduo » do pior: «iníquo, indigno, intimidatório e consabidamente descabelado», o qual «continua a não interiorizar o desígnio de pautar a sua intervenção no jogo de modo a não merecer nova censura». Por isso, e porque os sub-21 destruíram a cabina do estádio de Clermont- Férrand em sinal de alegria pela vitória sobre a França, o relator do processo de Deco resolveu aplicar-lhe de castigo, não um, nem dois mas sim três jogos de suspensão. Para que sirva de exemplo e para que aprenda a corrigir-se e a não ser indigno, iníquo e consabidamente descabelado. Do ponto de vista do sr. relator (cujo nome, felizmente, ignoro), a sentença é, de facto, exemplar. É sabido que a CD — um órgão montado e dominado pela «entente cordiale » entre o Benfica e o Boavista — existe basicamente para extravasar o ódio ao F. C. Porto, sem qualquer pudor de ver as suas «descabeladas » sentenças contra jogadores do Porto serem depois, uma por uma, corrigidas superiormente pelo Conselho de Justiça, embora sempre a destempo de reparar os danos causados pela sanha disciplinar contra o azul e branco: a seu crédito, nos últimos três anos, o F. C. Porto já deve ter uma dúzia de jogos de castigo que os seus jogadores cumpriram por determinação da CD e que, a destempo, o CJ julgou injustificáveis. Isso pouco importa ou envergonha os pseudo-juízes da CD: nem a caricata sentença do McCarthy lhes serviu de reflexão. Eles estão lá, basicamente, para, no que puderem, castigar os jogadores do F. C. Porto como não castigam nenhuns outros e mesmo, se necessário ou irresistível, não se limitarem a castigá-los mas também a ofendê-los. Está fácil de ver que, se dependesse deste senhor, nunca mais o Deco pisaria relvados portugueses com a camisola do F. C. Porto. A arte e o talento que exibe, a par dos danos que causa a terceiros, tornam-no íniquo, indigno e descabelado para a práctica do futebol. Seria motivo de relexão para gente séria o facto de o Deco — um jogador criativo, que vive com o ataque e o golo como objectivos e que é um dos mais castigados com faltas em todo o campeonato — ser simultaneamente um dos mais castigados com carões dos árbitros e castigos da CD. Como muito bem sabemos, uma coisa não joga com a outra: um jogador criativo joga com paixão, não faz antijogo. Um Deco não é um Fernando Aguiar. Mas, como ele próprio diz e com razão, muitos árbitros acham que manifestam autoridade, revelam personalidade e sem dúvida devem impor-se aos olhos de quem os nomeia e classifica, quando lhe mostram o amarelo por uma falta por ele cometida no calor da luta ou por um protesto mais do que humano, ao mesmo tempo que ignoram um rol de faltas de jogadores banais ou medíocres que o massacram para ver se conseguem secar o seu talento a golpes de c a - nela. O Deco leva uma, leva duas, leva três, leva quatro: e os árbitros sempre impávidos, até ao momento em que ele responde também ou explode em protesto e aí avançam com a cartolina em riste e ar de grandes justiçeiros. Como escreveu há dias José Manuel Freitas, o problema do Deco é jogar no Porto. Se jogasse no Benfica ou no Sporting, já haveria uma campanha pública de «deixem jogar o Deco!». Mas o F. C. Porto e o Deco não têm culpa de que o Benfica e Luís Filipe Vieira o tenham deixado sair para o Porto, via Salgueiros, e ninguém tem culpa de que ele, manifestamente, se entregue ao jogo com uma paixão e uma febre de futebol construtivo que já não é muito comum neste tempo de mercenários e burocratas do futebol. Mas, mesmo assim... Mesmo assim, não é admissível nem tolerável que um obscuro conselheiro de uma nebulosa Comissão Disciplinar, chamado a julgar um jogador, não se limite a punir a sua actuação como atleta mas ainda se permita atacar e ofender pessoalmente o jogador. Quem é este senhor para julgar que o Deco é um «indivíduo indigno »? Que poderes ou qualificações de mérito lhe assistem, que lhe deve o futebol em particular, que formação é a sua, que percebe ele de futebol ou de disciplina ou de justiça para se atrever a qualificar um jogador como íniquo, indigno e descabelado? Que paródia de disciplina é esta, que descabelada, indigna e iníqua justiça vem a ser esta? Por muito que custe ao senhor, ele ficará apenas na pequena e triste história dos odiozinhos do nosso futebol. Mas o Deco, pelo muito que já deu ao futebol português, pelo muito que já fez vibrar todos aqueles que, independentemente da paixão clubista, gostam deste jogo, ficará para a história onde o senhor relator da CD vale zero. E, por muito que lhe custe, com ou sem Deco, com ou sem os castigos e os insultos contra o Deco, ele e o F. C. Porto hão-de voltar a ser campeões este ano. Porque às vezes, às vezes ainda, o mérito e o talento triunfam sobre a inveja e a mediocridade.

2- Exemplar: o novo e magnífico Estádio do Algarve, construído para o Euro-2004, foi inaugurado sem futebol, pela simples razão de que, nem agora nem num futuro próximo se vislumbram as equipes que lá hão-de jogar. E o ministro Arnaut deu o pontapé de saída de um jogo que não existitu e de uma festa de inauguração descrita como«um exito».Um«êxito»: um estádio novo sem destinatários.

3- Outra vez exemplar: há anos atrás, o Vitória de Guimarães, cultivando as suas necessariamente boas relações com a autarquia local, recebeu em doação (embora juridicamente ainda confusa) o respectivo estádio municipal. Veio o Euro-2004 e Guimarães — cidade e clube — quiseram fazer parte da festa. Vai daí e, inteiramente como dinheiro dos contribuintes e munícipes, a autarquia gastou 4,5 milhões de contos a remodelar o estádio, sem que o clube tenha gasto um tostão que fosse. No fim, a autarquia quis que o clube, ao menos, pagasse os painéis electrónicos, que custavam mais 600.000 contos, mas Pimenta Machado respondeu que não, com o argumento implícito de que o estádio era do clube para o usufruto, mas da autarquia para as despesas e investimentos. A Câmara vai assim ter de repor o subsídio recebido de Bruxelas para os painéis, porque o estádio juridicamente parece que não lhe pertence e o clube diz que não tem nada a ver com o assunto, embora os painéis lhe dêem jeito. Finalmente, propunha-se a câmara, para minimizar os gastos, cobrar o aluguer do estádio durante o Euro-2004. Não — responde Pimenta Machado—porque o estádio é nosso e quem tem o direito de cobrar somos nós. E eis como do investimento público se fazem lucros privados. Por favor, tenham ao menos, alguns comentadores, a distância suficiente para perceber as razões daqueles que sempre foram e são contra o Euro, antes de correrem a chamar-lhes antipatriotas. Não era por haver circo em Roma que Roma era bem governada. Pelo contrário, quanto piores eram os imperadores, mais faustoso era o circo.

4- A mim parece-me que dificilmente o sorteio do Europeu poderia ter-nos corrido melhor. Mas já ouvi falar em sorteio azarado, sorte madrasta e na possibilidade de os «heróis» da Selecção repetirem a saga dos de quinhentos. Este espírito, supostamente patriótico, que pretende transformar em proezas imensas o que é simplesmente normal e em heróis aqueles que desempenham bem um trabalho pago a peso de oiro, não me parece a melhor forma de encarar as coisas. Temos um país que gastou biliões para organizar o Europeu, uma Selecção a que nada tem faltado e que joga em casa, um treinador que é campeão do mundo, e teremos, em Junho, quase dois anos de experiências de toda a ordem para preparar o Campeonato, sem a responsabilidade da qualificação. Se não é agora que temos o direito de esperar resultados, será quando?

1 comentário:

Anónimo disse...

ava desculpa mas nao era isso q eu estava procurando so gostei dos reloginho do lado