quarta-feira, dezembro 31, 2008

VOLTA, QUARESMA... (16 DEZEMBRO 2008)

1 - Em Maio ou Junho, quando se começou a falar na iminente ida de Ricardo Quaresma para Itália, escrevi aqui um texto intitulado «Fica, Quaresma», onde, sem grandes esperanças embora, tentava expor as razões pelas quais, em meu entender, o melhor jogador do FC Porto deveria ponderar muito bem o passo que ia dar. E, entre outras razões, antecipava que ele não iria encontrar em Itália e no Inter as facilidades que tinha no Porto; que teria de trabalhar o dobro e jogar bem, não na maioria dos jogos, mas em todos, se queria um lugar de titular; que o seu tipo de jogo teria muito menos sucesso face à capacidade defensiva do futebol italiano, sem paralelo no mundo; que lá a imprensa desportiva não era condescendente como aqui, mas muitíssimo mais exigente; que o custo de vida em Milão é o dobro do que é no Porto, pelo que, a menos que lhe pagassem o dobro do que recebia no FC Porto, não iria sequer ganhar financeiramente com a troca. Não acrescentei, mas podia tê-lo feito, outro tipo de argumento: o de que essa conversa de que a linguagem do futebol é universal é uma treta. Quem quer que emigre, não tem de se preocupar apenas com o trabalho que vai fazer: tem de se preocupar também com a vida que vai ter, porque a vida não é só trabalho. E é frequente ver-se jogadores portugueses, a maioria nos seus verdes anos, que emigram para países de cuja cultura e hábitos de vida tudo ignoram e depois têm dificuldades terríveis de adaptação, porque descobrem que não basta ter um Porsche e ser contratado por um grande clube mundial para ficar bem na vida: mais vale ser Princípe em Portugal, ainda que pior pago, do que valido no estrangeiro, coberto de ouro e de solidão.

A notícia de que Ricardo Quaresma, um talento do futebol mundial, foi considerado pela imprensa desportiva italiana a decepção da época, não me surpreendeu, pois. Assim como o facto de ele ter passado de titular a meio titular, de meio titular a suplente e de suplente a não convocado por Mourinho. E ainda tem a sorte de ter um treinador que fala a língua dele e conhece bem o seu futebol!

Não me surpreendeu, mas deixou-me triste, porque eu sei o que vale o Ricardo Quaresma e julgo saber as dificuldades de integração que ele experimenta — tanto na vida em Milão, como na própria equipa, pejada de vedetas à espreita de uma oportunidade e onde era manifesto, quando ele jogava, que os próprios colegas o deixavam de lado. E assim vegeta, sem utilidade alguma, um dos mais talentosos jogadores da sua geração, que não tem lugar na sua equipa nem, por arrasto, na Selecção portuguesa. E o FC Porto, cuja SAD tão desesperadamente tentou vendê-lo, que acabou por o fazer a preço de saldo, vive na saudade de Quaresma — entretanto substituído por Cristian Rodriguéz, que veio ganhar mais do que Quaresma e que, se houvesse prémio semelhante em Portugal, era o mais sério candidato a decepção do ano! Eis um negocio onde, até ver, todas as partes saíram a perder. Bem avisada andaria a SAD do FC Porto se tentasse agora com o Inter um negócio «tipo Suazo». Antes que o Benfica o faça...


2 - Para vencer a Taça de Portugal basta a qualquer um dos «grandes» fazer não mais do que dois bons jogos, em média: uma eliminatória difícil (normalmente contra um dos outros dois grandes) e depois a final. O FC Porto já teve o seu primeiro jogo difícil, que foi em Alvalade, e passou, pelo que já vai nos quartos-de-final. O Sporting teve o primeiro jogo difícil contra o FC Porto e ficou. O Benfica ficou pelos oitavos, sem ter chegado a ter nenhum jogo de dificuldade máxima — como, aliás, nunca tem tido nas recentes edições. Escapou uma vez nos penalties, na Luz e contra o modesto Penafiel, mas não aprendeu a lição e à segunda vez que foi aos penalties, os deuses da fortuna acharam que já era de mais.

Eu confesso que só vi parte do prolongamento da «final antecipada da Taça» (como, num acesso de fervor clubista lhe chamou Fernando Seara) pois que à mesma hora do Leixões-Benfica estava a dar o Barcelona-Real Madrid, e facilmente se adivinha para onde iria a atenção de um amante de futebol que não fosse adepto benfiquista ou leixonense...Mas o pouco que vi deu-me para desconfiar que o Benfica estava a contar demasiadamente com a sorte nos penalties e a não fazer tudo o que devia para resolver as coisas antes disso.

O mesmo espírito de «não nos preocupemos muito, que isto há-de se resolver por si» tinha eu visto horas antes no Cinfães-FC Porto. E nem o facto de o FC Porto estar a jogar com a segunda linha impede a comparação, porque o Cinfães, apesar do valor inesperado demonstrado em campo, não é propriamente o Leixões. É um clube da 3ª Divisão, ou seja, do quarto escalão do futebol português. E houve jogadores portistas que não demonstraram, ao longo de todo o jogo, qualquer superioridade técnica sobre os seus adversários. Pelo contrário, comparativamente com um jogador da casa, de seu nome Mauro, eu fiquei com a impressão de que há vários jogadores no plantel do FC Porto que estão longe de lhe chegar aos calcanhares.

Felizmente (e esta é uma das características de que eu gosto em Jesualdo Ferreira, que não diz, nem a quente, a primeira coisa que lhe vem à cabeça), o treinador do FC Porto disse, no final, exactamente o que eu estava a pensar e que deveria ser dito. Primeiro, louvando o comportamento do adversário, o estado do relvado a fazer vergonha a muitos clubes da 1ª Divisão, e a festa da Taça que se viveu no estádio e na vila de Cinfães (onde estava mais gente que na «final antecipada» de Matosinhos), com aquelas reconfortantes imagens de público sobrando para os morros, para as árvores, para as casas e varandas circundantes. E depois, louvando e bem o desempenho de Guarín (uma boa surpresa para mim), em contraste com a atitude, que não deixou de criticar com toda clareza, de alguns ditos profissionais que estiveram em campo com a camisola azul e branca. Esta é, aliás, uma atitude que já vem de trás, muito antes da era Jesualdo Ferreira. Há jogadores do FC Porto, «segundas linhas», que, quando são chamados a substituir os titulares e têm uma oportunidade para mostrar o que valem, optam antes por se comportar como se o clube não lhes pagasse para jogar na Taça ou enfrentar equipas tidas como «menores». E depois, às vezes, acontecem os desastres, como com os Fátimas ou Torreenses...Eu se fosse a Jesualdo Ferreira (que percebeu muito bem quem eles eram) punha-os a treinar esta semana de manhã e de tarde. Só lhes fazia bem, para eles aprenderem que a camisola do clube é para respeitar sempre e, já agora, aprenderem também a respeitar o público, que, arrostando com chuva e frio, paga bilhete para os ir ver jogar.


3 - Se ganhar amanhã na Amadora (e, para isso, é preciso entrar desde o início com atitude de conquista, de quem não tem tempo a perder), o FC Porto chega a Dezembro na posição confortável de ser o único dos grandes que se mantém em prova e bem lançado em todas as competições. No campeonato ficará em 2º lugar, ex-aequo com o Leixões e a dois pontos do Benfica, com a vantagem de já ter jogado na Luz e em Alvalade; na Taça de Portugal, está nos quartos e é agora o grande favorito à vitória no Jamor, lá mais para o Verão; na Champions, proporcionou uma sensacional inversão de marcha, acabando por terminar o grupo em 1º lugar — o que este ano, todavia, não é garantia de tarefa menos difícil nos oitavos.

Com uma equipa que todos reconhecem mais fraca do que a da época passada — sem Bosingwa, Paulo Assunção, Quaresma — com um onze que eu, pessoalmente, acho desequilibrado, com bons e fracos jogadores, com Lucho e Lisandro, dois dos melhores, longe dos níveis da temporada passada, o saldo é francamente positivo. E, sendo-o nestas circunstâncias, o principal responsável só pode ser Jesualdo Ferreira — eternamente desvalorizado pela crítica. Fosse ele treinador do Sporting e descarregasse nos árbitros de cada vez que as coisas corressem mal, teria todas as atenções e elogios; fosse ele treinador do Benfica e isso lhe bastaria para ser incensado como mestre entre os mestres. Mas ele não gosta de falar sem razão e é treinador do FC Porto...

Olhe, professor, aqui tem um adepto. Crítico, claro, e sempre que o entender justo, porque é a minha maneira. Mas adepto e reconhecido.

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