segunda-feira, maio 06, 2013

HERÓIS DO MAR? (5 JUNHO 2012)

1- Diz-se que os portugueses não têm pela sua Selecção a mesma paixão que têm pelos seus clubes. Isso é verdade e eu não fujo à regra, talvez porque nunca vi a Selecção ganhar nada e já vi o meu clube ganhar várias coisas, tais como dois Campeonatos da Europa e dois títulos mundiais. Tenho a sorte de ser apaixonado por um clube a quem, ódios e invejas à parte, o futebol português, e mesmo o nome de Portugal, devem bem mais do que à sua Selecção.

Por outro lado, há uma coisa que me irrita profundamente quando se trata da Selecção e, em especial, de fases finais de Europeus ou Mundiais, que é esta onda daquilo a que eu chamo patrioteirismo barato — e que, para quem não sabe o que seja ao certo, está exuberantemente transcrito naquele insuportável texto que um miúdo lê aos jogadores da Selecção, abraçados em pose de dádiva à nação, imaginado por uma das milhentas campanhas de publicidade (pagas, todas) com as quais os elementos da Selecção exibem o seu inultrapassável amor pátrio e algumas empresas tentam extrair benefícios de imagem dele.

Não suporto a confusão deliberada que se faz entre um simples campeonato de futebol e o serviço de Portugal, entre o destino da Selecção e o prestígio da nação, entre os jogadores (pagos e bem pagos para representarem Portugal) e os heróis do mar, que nos juram ser eles. Para mim, patriotismo é pagar todos os impostos que se devem e, quando necessário e seja a que nível for, representar o seu país sem esperar outra recompensa que não a noção de dever e de honra cumpridos.

Sinceramente que me custa o espectáculo de ver tratar por heróis da nação, a quem constantemente se canta o hino e se louvam os feitos, banais cidadãos que só têm de diferente a arte de jogar bem futebol e de, por via disso, receberem num ano o que o comum dos outros ganha numa vida, exibindo carros, penteados, tatuagens e roupas que, francamente, seriam motivo de chacota pública se não fossem eles os modelos.

Também sei que esta histeria patrioteira com o futebol não é exclusivo de Portugal e contagia até países bem mais civilizados do que o nosso. Mas isso não impede que eu continue a achar que há aqui uma enorme confusão de valores e uma diarreia de atenção mediática que, no meu caso pessoal, faz com que, a certa altura, eu já só queira que o campeonato acabe rapidamente para que a gente deixe de ser massacrado com a Selecção e se possa ocupar de outros assuntos, já nem digo mais importantes, mas ao menos diferentes.

Posto isto, é evidente que eu também gosto de ver jogar a Selecção e obviamente torço há décadas para que um dia ela possa ganhar qualquer coisa que fique nos registos e não apenas nas eternas promessas. Aparentemente, tal não será ainda o caso desta vez. Esta é uma Selecção com dois grandes jogadores (Nani e Ronaldo), alguns bons e alguns apenas razoáveis. Fraca no meio-campo, desequilibrada entre sectores e com um deficit tremendo de ponta-de-lança, que é uma questão por resolver desde que Pauleta se retirou. Já vi selecções bem melhores do que esta, não sendo necessário, para tal recuar à da 66. Para além disso e pelo menos há já largos anos, que esta é uma Selecção que não tem um fio de jogo reconhecível nem uma continuidade exibicional que dê garantias. E que, muitas vezes, parece um simples amontoado de onze jogadores sem plano de jogo, sem lances treinados ou ensaiados e que parece esperar eternamente um golpe de génio de Ronaldo ou Nani.

Isso, mais o grupo terrível em que fomos aterrar, não nos deixa (julgo que a nenhum de nós) grandes esperanças de simplesmente passarmos a fase de grupos. Mas antes assim do que, como sucedeu no passado, partirmos como favoritos ou candidatos autonomeados e depois soçobrarmos num mar de equívocos e desilusões. Com esta Selecção e neste Campeonato da Europa, tudo o que vier a mais do que a eliminação no grupo já será uma boa surpresa. E nem digo isto por causa da derrota no ensaio-geral contra a Turquia, onde a exibição me pareceu bem melhor do que o resultado.

É evidente que o Eduardo não voltará a ter oportunidade de jogar na fase final nem acredito que o seleccionador aposte num ponta-de-lança que chega à Selecção sem ter marcado um único golo no campeonato - o que deve ser caso único no mundo inteiro. Mas é preocupante, sobretudo, a incapacidade endémica de chegar ao golo, complicando sempre oque podia ser simples, mostrando uma quase absoluta incapacidade de rematar com perigo e uma fatal tendência de dar sempre mais um toque, fazer mais uma finta ou mais um passe lateral quando tudo o que se pede é um remate a acreditar no golo. E é preocupante que Ronaldo tenha o monopólio absoluto da cobrança de livres e penalties sem correspondência alguma com a sua taxa de sucesso. E são preocupantes os frequentes desentendimentos posicionais entre os defesas, sobretudo os centrais, levando-nos a encaixar golos quase infantis.

Defendo que as grandes competições entre selecções, o Europeu e o Mundial, deveriam ser disputadas a meio da época e não no final, quando os melhores jogadores estão estoirados por alguns 60 jogos nas pernas e a suspirar por férias e descanso. E acho contra-producentes estes longos estágios de preparação. Aliás, o inesquecível exemplo da Dinamarca campeã europeia, com os seus jogadores convocados três dias antes do primeiro jogo, serviu para pôr em causa a suposta razão científica que aconselhará tão longos estágios.

A verdade é que, a avaliar pelos dois jogos de preparação feitos pela nossa Selecção, chegamos à Polónia sem que se entenda para que serviu ao certo tão longa concentração. A menos que os resultados sejam invisíveis até se tornarem evidentes. Oxalá seja o caso. Sábado já começaremos a sabê-lo e todos esperamos que se confirme a tradição de jogarmos melhor contra os melhores.

2- Foi Scolari quem inventou a histeria patrioteira entre nós. Fê-lo como forma de se impor em terra alheia, de conquistar adeptos pessoais, antes mesmo de adeptos para a Selecção. A outra coisa que fez para tal, e de forma clara, foi desafiar o FC Porto, enfrentá-lo, na certeza de que assim teria consigo a grande maioria dos adeptos portugueses e da comunicação social desportiva. Para isso — e como muito bem sabemos e nos lembramos — Scolari congeminou o sacrifício e humilhação de Vítor Baía, capitão e símbolo do FC Porto. Para defesa dos seus próprios interesses, o grande sargentão nao hesitou em privar um jogador com a categoria de Vítor Baía da possibilidade de ter representado Portugal em mais um Europeu e um Mundial. O que fez foi uma vilania fácil, mas ao menos assumido como opção sua. A explicação que agora vem dar e onde, perfidamente, chuta a responsabilidade para Pinto da Costa, não se importando sequer de passar como pau-mandado, confirma a sua natureza e tudo aquilo que sobre ele escrevi na altura. Nunca gostei de Scolari, nem sequer como treinador, e o tempo só me deu razão.

3- Escreveu aqui Bagão Félix, a propósito dos célebres incidentes no final do Porto - Benfica em basquetebol: «O que se passou no final do decisivo jogo foi miserável. Independentemente de reais ou inventados rastilhos e intimidações, nada desculpa o insólito de os atletas do Benfica terem recebido o troféu entrincheirados entre quatro paredes.» «Reais ou imaginários rastilhos e intimidações», sr. conselheiro de Estado? O sr. não viu as imagens do comportamento do treinador e do roupeiro do Benfica, logo após o apito final? E «independentemente», sr. conselheiro? O sr. acha que, se o jogo tem sido na Luz e o desfecho o oposto e se o treinador do Porto tem, em gestos eloquentes e repetidos, mandado os adeptos benfiquistas «levar no c...», «independentemente» disso, teria havido condições para entregar a taça aos do Porto, em pleno recinto e com os seus aplausos, por exemplo? Caramba, será assim tão difícil não cometer o pecado de bradar aos céus que consiste «em não reconhecer a verdade vista como tal»?

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