1- E, subitamente, uma Selecção pela qual eu (e tantos mais) não dava grande coisa, aí está à beira da final do Europeu - ou mesmo, porque não, da vitória. Ausente de Portugal, tendo deixado este texto escrito de antemão, não sei ainda que adversário nos calhará nas meias-finais — mas desejo ardentemente que seja a França e não a Espanha, assim como desejei apanhar os checos e não os gregos nos quartos-de-final.
Apesar de aqui ter escrito que tinha gostado da nossa exibição contra a Turquia no ensaio final, e não obstante a derrota, a verdade é que não tinha grandes esperanças que sobrevivêssemos ao grupo da morte. E, se o jogo inaugural contra a Alemanha não fez senão aumentar a descrença, já o pontapé salvador de Varela à beira do fim do jogo contra a Dinamarca ressuscitou a esperança, libertou-nos do fantasma da bola que não entrava e, talvez o mais importante, deu aos próprios jogadores a fé e a vontade de, como dizia o MRPP, «ousar lutar, ousar vencer».
O futebol é, de facto, um jogo de surpresas constantes e esse é um dos seus fascínios: se Varela não tem falhado o primeiro remate com o pé esquerdo, talvez a bola não tivesse entrado como entrou com a emenda de pé direito; e, não entrando aquele golo, o Europeu poderia ter acabado para nós, ali mesmo. Mas a bola entrou e ganhámos o jogo e a seguir soubemos aproveitar o suicídio táctico da Holanda para também os vencer com todo o mérito. Uns dias antes, tinha visto também o ensaio final da Holanda, esmagando a Irlanda do Norte por 6-0 e, francamente, não vi como poderíamos sobreviver num grupo com eles, os alemães e mesmo os dinamarqueses, que nos tinham vencido na qualificação. Mas sobrevivemos e ganhámos o prémio dessa primeira etapa ultrapassada: saiu-nos a mais fraca das sete outras equipas nos quartos-de-final e, ainda para mais, desfalcada do seu melhor jogador de campo, Tomás Rosicky. Continuo convencido que teria sido bem mais difícil contra a Grécia. A sorte que não tivemos na fase de grupos, tivemo-la depois nos quartos.
A primeira parte do jogo com os checos foi insípida, até incompreensível da nossa parte, e de tal forma arrastada e aborrecida que, tendo-me ausentado a dois minutos do intervalo, perdi a que foi a melhor jogada do nosso ataque e de Cristiano Ronaldo. Mas a segunda parte, empolgante desde o primeiro minuto, não deixou quaisquer dúvidas de que, apesar do enorme Petr Cech, só podíamos ganhar o jogo. Jogámos para ganhar e ganhámos — o que, felizmente, ainda é o mais frequente de acontecer no futebol, quando se joga assim. Mais uma grande exibição de Ronaldo, mais uma grande exibicão de Moutinho - e de Pepe e Nani, a maior parte do tempo. Mas ao contrario do que aconteceu contra a Holanda, desta vez nem todos estiveram tão bem: houve elos mais fracos, que foram visíveis e a quem precisaria de ser dado descanso. Acho que, paradoxalmente ou talvez não, a chave da nossa mudança de atitude na segunda parte talvez tenha sido a lesão de Hélder Postiga acontecida por volta dos trinta minutos e sem que eu tenha dado por ele até então.
Para mim, o mais confiável dos três pontas-de-lança que Paulo Bento levou para o Euro é o Hugo Almeida e foi com grande alívio, devo dizê-lo, que o vi substituir Postiga por Hugo Almeida e não por Nelson Oliveira. É que Hugo Almeida não só mostrou muito mais serviço frente à baliza, muito mais poder de luta e de ameaça, como isso exigiu maior atenção da defesa checa em relação ao nosso ponta-de-lança, contribuindo decisivamente para libertar Ronaldo para terrenos interiores e de finalização. Fantástico o nosso golo: a desmarcação e cruzamento de Moutinho, a entrada de Ronaldo, como segunda vaga de Hugo Almeida, cabeceando de baixo para cima, quase um penalty de cabeça.
E, agora... Agora, temos seis dias de descanso, mais dois do que França ou a Espanha quando tiverem de nos enfrentar em Donetsk — e isso, nesta fase do campeonato e da época, é, teoricamente, um poderoso factor de desequilíbrio a nosso favor. A este propósito, é engraçado, aliás, como o futebol proporciona opiniões tão desencontradas: ao intervalo do Portugal República-Checa, ouvi os comentadores da Antena 1 dizerem que a nossa Selecção dava mostras de grande cansaço e que, nesse aspecto, os checos pareciam bem melhor; e, aos 20 minutos da segunda parte, ouvi António Tadeia, na RTP, dizer exactamente o contrário: que era de louvar a condição física da nossa equipa, enquanto os checos tinham dado o berro.
E, longe de gozar com as opiniões alheias e contraditórias, devo confessar que, na altura em que foram produzidas, concordei com ambas: na primeira parte, Portugal pareceu-me desvitaminado e abúlico; na segunda parte, vi-o conduzir uma avalanche de futebol ofensivo que deixou os checos de gatas. Se esse vier a ser factor determinante para o jogo das meias finais, queira o destino que nos saia a França e não a Espanha: porque a Espanha sabe, como ninguém, fazer aquilo a que Mourinho chamou «o descanso com bola».
2- Agora, os patriotas encartados não suportam Platini, porque ele ousou apostar numa final Alemanha-Es-panha e logo se tornou suspeito de tudo fazer para a favorecer. Mas quando Platini, de tudo ignorante, atacava o FC Porto, porque engolira sem se informar a propaganda do Benfica e da Comissão Disciplinar da Liga, que o Benfica controlava, aí todos adoravam Platini. Malhas que o destino tece...
3- Já aqui critiquei a reacção de Paulo Bento e de alguns jogadores às críticas feitas à Selecção, por parte de gente como Carlos Queiroz, Manuel José, Luís Figo e Rui Costa. Mas falta também referir o terceiro elemento que é parte desta história: os jornalistas. Já com tréguas estabelecidas, os jornalistas continuam, insaciáveis, à procura de sangue, para melhor vender as suas notícias. A nível interno, já se sabe que nunca deixam de perguntar aos vencidos pela arbitragem; na Selecção e na hora das vitórias, nunca deixam de pedir aos vencedores uma resposta aos «críticos». Mas, no caso concreto, é sempre Manuel José ou Carlos Queiroz, lá bem longe, que eles instigam a abater. A coragem não lhes chega, obviamente, para referir Figo ou Rui Costa, que estão aqui ao lado e que têm bem mais poder.
4- Uma hora depois da vitória de Portugal sobre os checos, já tinha sido reposto no ar o insuportável anúncio da Galp com o menino patriota a incitar os jogadores da Selecção a vingarem a honra pátria. É um monumento ao nacional-pirosismo que tem o dom de roubar a alegria das vitórias do futebol, reduzindo-as a uma coisinha ridícula, insuportável e imbecil. Por favor, parem lá com aquilo!
5- Quando o Euro acabar, vamos voltar ao nosso ram ram futebolístico, que, por enquanto, vai mais ou menos suspenso. Teremos, então, ocasião de meditar sobre as sórdidas histórias que vêm aparecendo à superfície no Sporting e que são tudo menos rábulas de cavalheiros. Ou sobre a meia dúzia de juvenis sul-americanos (colombianos, uruguaios ou argentinos) que se anuncia que o Benfica terá contratado por atacado, para melhor valorizar as suas escolas cos jogadores portugueses. Ou sobre os dois guarda-redes, estrangeiros também, que o FC Porto já comprou para a próxima época, elevando a oito (oito!) o número de guarda-redes profissionais sob contrato — e, dos quais, o melhor, que é português e se chama Beto, não tem lugar na equipa principal. Lá iremos, a seu tempo.
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