sábado, maio 04, 2013

CONTAS FINAIS (22 MAIO 2012)

1- O fim-de-semana fechou uma série de contas pendentes e o saldo final pendeu mais para os lados dos Davids contra os Golias, do imprevisto contra o previsível. Em Portugal, a final da Taça escapou das mãos triunfantes dos sportinguistas, que já a erguiam, e, após um interregno de 72 anos, transformou-se no segundo troféu nacional de toda a história dessa gloriosa Associação Académica. Também em Itália, o Nápoles renasceu de vinte anos de escuridão, desde os tempos de Maradona, para arrebatar a Taça ao recém campeão Juventus, impedindo-lhe assim a dobradinha. Em França, um desconhecido Montpellier conseguiu na última jornada, e pela primeira vez na sua história, ganhar o título de campeão, sonegado ao multimilionário PSG, do xeque Mansour (36 milhões de orçamento anual do novo campeão contra 130 apenas gastos em aquisições pelo PSG).

E, em Munique, nove anos e 2500 milhões de euros mais tarde, o emergente da catastroika Roman Abramovich, tendo pela segunda vez despedido um treinador português a meio da competição, conseguiu ver o seu adjunto levar outra vez o Chelsea à final e à decisão por penalties. Só que desta vez não havia um diletante Anelka para cobrar o penalty em tom displicente, permitindo a defesa de Van der Sar e a entrega do troféu ao Man. United. Desta vez, e jogando no estádio do adversário, o bem mais poderoso, futebolísticamente, Bayern de Munique, o Chelsea resistiu a tudo - a um golo, que parecia decisivo, aos 82 minutos, ironicamente marcado pelo pior jogador do Bayern, Thomas Muller, através de um cabeceamento falhado, resistiu a um penalty falhado de Robben, já no prolongamento (o mesmo acontecera a Messi, na meia final, em Barcelona). E acabou por ganhar no desempate por penalties, numa vitória injusta, feia quanto o é o seu futebol e apenas tornada possível pelos dois foras-de-série que ainda moram em Stamford Bridge: o guarda redes Petr Cech e o marfinense Didier Drogba, o melhor ponta-de-lança da última década da história do futebol. Dá-me ideia de que aquilo que levou o insignificante Di Matteo a conseguir triunfar onde Mourinho e Villas Boas (sobretudo este) falharam, é que ele não se preocupou em jogar para a plateia ou para os pergaminhos: percebeu que, apesar de todos os milhões do russo, o Chelsea não tinha jogadores nem equipa para fazer figura de grande senhor na Europa dos poderosos. Com o campeonato já praticamente perdido quando recebeu a equipe do portugues, Di Matteo concentrou-se apenas na Liga dos Campeões e em jogar apenas para o resultado. Em nenhum momento dos quartos-de-final pareceu superior ao Benfica, apenas mais letal; na meia-final com o Barcelona, embora tivesse encontrado os catalães já desgastados por uma grande época, não deve ter tido mais do que um jogador durante meia-hora para além da linha do meio campo, em 180 minutos de eliminatória: defendeu forte e feio e confiou em que uma só oportunidade de golo seria suficiente para Drogba resolver tudo. E a mesma receita aplicou na final contra o Bayern, com os mesmos felizes resultados. Há muito que não havia um campeão europeu tão pouco entusiasmante como este Chelsea de Abramovich e Di Matteo.

Restou-nos a nós (não a todos, enfim...), o orgulho de portugueses de ver a enorme exibição de Pedro Proença: rigorosa, incontroversa, elegante e sem exibicionismos. Mas quem viu, por exemplo, as inúmeras fitas do Capel na final do Jamor no dia seguinte, ou as já habituais cotoveladas impunes do João Pereira, os protestos do banco do Sporting a toda e qualquer decisão do árbitro Pedro Baptista que não eram favoráveis ao Sporting, percebe bem por que razão os árbitros portugueses se saem melhor no estrangeiro.

2- Já na final inédita do Jamor, as forças estavam ainda mais desequilibradas, tanto mais que, enquanto que a Académica tinha acabado de conseguir o seu grande objectivo da época — a permanência, obtida in articulo mortis — já o Sporting jogava ali a única oportunidade de ganhar qualquer coisa nos últimos anos e depois de uma época em que tanto prometera e anunciara. Pareceu-me, mas talvez tenha sido impressão minha, que os sportinguistas encararam a final num certo tom de favas contadas que, tradicionalmente, acaba por ser a razão primeira dos seus fiascos. E, assim parecendo, mais infelizes foram ainda as declarações de véspera de Sá Pinto sobre Adrien, o jogador que iria jogar a final emprestado pela Académica. Dizer que ele não tinha o direito de se mostrar optimista quanto ao desfecho do jogo, pois que era jogador do Sporting e era o Sporting que lhe pagava o ordenado, só tem uma interpretação possível e muito feia: que o Sporting esperava que Adrien fosse mais fiel ao patrão do que à verdade desportiva, à camisola e aos companheiros e treinador com que ia disputar a final. Antes da Batalha de Trafalgar, Nelson fez a sua célebre proclamação aos marinheiros embarcados, dizendo-lhes que a Inglaterra esperava que cada um cumprisse o seu dever para com ele. Antes do Jamor, Sá Pinto ensaiou uma variante: o Sporting esperava que cada um cumprisse o seu dever para com ele, inclusive os que iam jogar pelo adversário. Não há dúvida de que ultimamente o fair play anda muito esquecido pelas bandas do viscondado de Alvalade...

A Académica mereceu levar a Taça para Coimbra. Porque fez um melhor caminho até ao Jamor, com destaque para a histórica eliminação do FC Porto por 3-0, enquanto que o Sporting só lá chegou porque, por exemplo, teve duas arbitragens muito simpáticas nos dois jogos das meias-finais com o Nacional (dessas que nenhum sportinguista regista para memória futura). E porque, no jogo da final, a Académica mostrou melhor atitude e até melhor futebol até à linha de meio-campo. Daí para a frente é que não existiu, quase. Mesmo assim, quando surgiu a primeira oportunidade de golo criada pelo Sporting, já a Académica podia estar a ganhar por 3-0, se Edinho não tivesse conseguido a proeza de falhar dois golos feitos, um deles de forma verdadeiramente inacreditável. Um ressalto, uma bola de sorte, uma de cisão errada do árbitro, uma boa execução de bola parada, qualquer factor desses podia sempre alterar o jogo a favor do Sporting. Mas a verdade é que, fora uma possibilidade dessas (que existe para os dois lados), em nenhum momento o Sporting mostrou futebol suficiente para justificar a conquista da Taça. E, para quem ainda se lembra bem da jogatana que o FC Porto ali fez, há um ano atrás, esmagando o Vitória de Guimarães por 6-2 (e o 7-2 mal anulado), com um futebol que jamais voltei a ver esta época, em lado algum...

3- Enfim, há prémios de consolação para todos: se o FC Porto voltou a ganhar o campeonato de futebol que mais interessa - o dos seniores - o Sporting ficou com o dos juniores, o Porto com o dos juvenis e o Benfica com o dos iniciados. Vale o que vale, embora não seja grande coisa, pois é sabido que (menos no Sporting do que nos outros) as jovens esperanças saídas deste campeonato costumam ter como destino inelutável a emigração ou o empréstimo a clubes menores, onde a sua formação ao mais alto nível competitivo é irremediavelmente interrompida. Quando assim não sucede , a excepção é de tal forma realçada que aí temos o caso notável digno do Guiness, de termos um ponta-de-lança chamado por Paulo Bento para a fase final do Europeu, o Nelson Oliveira, que tem a particularidade extraordinária de jamais ter marcado um golo na Liga portuguesa ou qualquer outra. Também não admira, visto ser jogador do Benfica: um clube português que, em trinta jogos do campeonato, não teve um só golo marcado por um português!

4- E depois admiram-se por estarem arruinados. E escandalizam-se porque a Olivedesportos e a televisão só lhes paga uma ninharia pelas transmissões. Rangem os doentes, falam alto e ameaçam. E depois descobrem que o nosso mercado publicitário é tão fraco que nos arriscamos, para a época que vem, a não ter nenhum jogo do campeonato em sinal aberto, pelas simples razão de que nenhuma das três televisões quer concorrer ao negócio, supostamente fabuloso.

5- O Benfica perdeu dois campeonatos que contava ganhar facilmente: o futebol para o FC Porto e o vólei (onde os portistas não competem) para o Sp. Espinho (depois do Fonte Bastarda!). E perdeu o andebol para o FC Porto.

Mas nem tudo está ainda perdido: amanhã, no Dragão Caixa, pode roubar o título do basquete ao FC Porto, na negra do play-off. E, no hóquei em patins, está a um passo de interromper o infernal círculo de dez campeonatos consecutivos do FC Porto. Se não conseguir evitar a repetição destes últimos dois títulos pelos portistas, será uma época igualzinha à anterior — e a outras anteriores. Malditas arbitragens!

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