1- Foi um Pinto da Costa anormalmente compreensivo e generoso para com os adversários que, no final do jogo do Estoril, apareceu a comentar os seus mil jogos de Campeonato enquanto presidente do FC Porto. Tão compreensivo e generoso que chegou a profetizar que o Sporting ainda vai regressar à luta por este campeonato e a declarar que gostaria de ver o Benfica numa final europeia. Pois eu, não: tenho a certeza de que o Sporting já não conta para a disputa deste título e não tenho o menor desejo de ver o Benfica em final alguma. Mas compreendo o momento de generosidade de Pinto da Costa, depois do alívio da vitória no Estoril, a juntar-se ao orgulho da marca dos mil jogos.
Como toda a gente da minha idade, tenho as piores recordações das descidas do FC Porto à Amoreira. Se a memória me não falha, o campo era bem mais pequeno então - o que proporcionava a um rapaz cabo-verdiano chamado Oscar ensaiar remates de meio-campo que acabavam no fundo da baliza portista, semeando o terror e a desgraça nessas visitas dos azuis e brancos à Costa do Sol. Farto de assim ser gozado e humilhado, o FC Porto acabou por lançar mão de um remédio radical: comprou o Oscar ao Estoril. Escusado será dizer que, pelo Porto, ele nunca obteve golos daqueles e nunca, aliás, chegou a conquistar um lugar na equipa. Mas ficou a tradição do medo de jogar no Estoril.
A medo, comecei então a ver este Estoril-Porto dos tempos modernos e estremeci quando, logo aos dez minutos e pela segunda vez em cinco dias, uma bola sobrevoou a pequena área do guarda-redes e acabou no fundo da nossa baliza: em grande forma em tudo o resto, Helton mostra que ainda não conseguiu ultrapassar as suas limitações no jogo aéreo. Passados outros dez minutos, a cena repetiu-se e só por pouco não dava o 2-0 para o Estoril. Depois, sim, o FC Porto tomou conta do jogo e fez vinte minutos infernais na segunda parte, virando o resultado e triunfando com toda a justiça. E, porque tantas vezes se critica, e tantas sem razão, uma palavra para a arbitragem de João Capela, que foi simplesmente irrepreensível.
Notas comuns aos dois jogos dos portistas na semana passada:
- uma estratégia de jogo muito mais colectiva desde a saída de Hulk, exigindo mais de todos e bastante mais imaginação e variedade de jogo na frente de ataque, agora que o Incrível já lá não mora para resolver as coisas sozinho, como tantas vezes fez;
-um Jackson Martinez em superação constante, que já fora decisivo contra o Sporting com aquele maravilhoso golo de bicicleta em vólei, e voltou a sê-lo contra o Dinamo de Kiev e o Estoril. Tendo sido dos que ficaram assustados com o preço da sua aquisição, agora vou gostosamente constatando que os meus receios não tinham razão de ser. Não apenas ele tem o faro do golo, como junta a isso, que é essencial num ponta-de-lança, um reportório técnico que desconcerta os adversários e serve a equipa como se viu anteontem na magnífica assistência para o golo de Varela;
- James sempre em grande nível, com um futebol perfumado e elegante, por vezes letal, e ainda com o plus de ser um jogador sem tatuagens nem penteados à moicano ou à poupa-rabuda, sem tiques de vedeta e a olhar sempre à procura das câmaras. Um miúdo genial e simples;
- Lucho em acentuada queda, física e criativa, disfarçada com dois passes para golo contra o Dinamo, mas sem nada mais de bom a registar no resto do tempo dos dois jogos em questão;
- Otamendi a subir de forma e Maicon a descer, em ambos os jogos, permitindo cabeceamentos nas suas costas (um fatal, o outro quase);
- Mangala totalmente inadaptado à função de defesa esquerdo, com precipitações perigosas e fora de tom.
Tudo ponderado, o saldo destes primeiros tempos de orfandade de Hulk é francamente positivo. Os oitavos de final da Champions estão já aí, ao virar da esquina, e um bom resultado em Kiev, para a semana, deixará a equipa muitíssimo bem encaminhada para o sempre importante primeiro lugar no grupo.
2- Vi a meia hora inicial do Benfica em Barcelos, naturalmente impressionado com a passadeira vermelha que o Gil lhe estendeu desde o primeiro minuto. Sem retirar mérito, por exemplo, ao segundo golo do Benfica, muito bem construído, fiquei com a sensação de que estavam a jogar sozinhos. Já do jogo de Moscovo, só vi bocados da segunda parte e pareceu-me muito pouco Benfica para as necessidades do momento e para as dificuldades daquela espécie de relvado.
Constatei que os dois melhores jogadores do Benfica, ali e neste início de época, são Artur e Lima, dois jogadores que foram buscar ao Braga, um grátis, o outro por módicos três milhões. E depois vi o Braga a jogar em Manchester com nada menos do que cinco jogadores provenientes do FC Porto e gratuitamente. Situação curiosa esta: nós, que somos oficialmente o amigo do Braga, passámos para lá cinco jogadores e não fomos buscar nenhum; e o Benfica, aliado do Guimarães, foi lá buscar dois decisivos, e só mandou para lá o Ruben Amorim.
No jogo de Manchester, cheguei a entusiasmar-me com a perspectiva de finalmente ver o arrogante United de Ferguson ser batido em casa por uma equipa portuguesa. Mas, a partir da meia hora de jogo, perdi a esperança, assim que vi os jogadores do Braga renunciarem ao ataque e mesmo ao contra-ataque, que tão bons frutos tinha dado até aí. Deixando-se encostar voluntariamente às cordas, quando ainda faltava uma hora para o fim, o Braga limitou-se a confiar na sorte e acabou tendo o castigo merecido.
Na taça UEFA, aconteceu o que mais seria de esperar. Equipas que só lá estão por força dos pontos ganhos pelas outras equipas portuguesas que estão na Liga dos Campeões, demonstraram não estar à altura da situação - incluindo o Sporting, que, sob o comando de Oceano, acumulou a sua quarta derrota em outros tantos jogos, três em que o teve como treinador principal e transitório. Não vi o jogo, só li que o Sporting até jogou bem e a derrota foi injusta. Mas, caramba, quem é o Genk? O que deste esquema resulta é que o FC Porto, sempre, e o Benfica e Braga, por vezes, acumulam pontos que revertem em favor das equipas que irão à Taça UEFA; e estas, uma vez lá chegadas, tratam de fazer baixar o ranking, acabando assim por prejudicar a participação dos seus benfeitores na Champions. Mais valia que houvesse dois rankings separados, um para cada competição, abrindo vaga nelas conforme os pontos aí conquistados.
3- A campanha eleitoral do Benfica decorreu como se esperava (sem nenhuma elevação) e terminou como se previa (com um tranquilo passeio de LFV). O juiz Rangel saiu muito abalado — não como benfiquista, mas sim como juiz. E Vieira viu-se obrigado e amarrado a uma declaração de guerra contra a Olivedesportos, cujas consequências estou muito curioso de ver como conseguirá ultrapassar sem se enfiar num tremendo buraco. É bem mais fácil dizer que os direitos televisivos do Benfica valem 30 ou 40 milhões por ano do que arranjar forma de os fazer valer. Em ambiente eleitoral, os adeptos acríticos e os jornalistas militantes são levados a pensar que, basta ir buscar José Eduardo Moniz para o assunto se resolver em duas penadas. Mas a ver vamos até onde e quanto estará a Meo disposta a ir para vencer a guerra contra a Zon. Comigo, escusam de contar, por quatro razões, que desde já anuncio: primeiro, porque acho a Zon melhor que a Meo; segundo, por que Meo é descaradamente benfiquista; terceiro, porque fiquei alérgico à Meo desde as supinamente irritantes campanhas de promoção com os Gatos Fedorentos; e quarto, porque, a não ser para me rir até às lágrimas com os relatores e comentadores do Canal Benfica, não me imagino a suportar jogos de futebol com aquele ruído de fundo que alguns gostariam de confundir com jornalismo.
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