1- A três jogos do fim do campeonato, tudo parece indicar que les jeux sont faits: o Benfica já não roubará o título ao FC Porto, o SC Braga já não ameaçará o segundo lugar e a entrada directa na Champions do Benfica, e o Sporting não alcançará o terceiro lugar do Braga e o último a poder dar acesso à mais lucrativa prova internacional, no ano que vem. E, bem vistas as coisas, eu penso que esta hierarquia dos quatro primeiros reflecte aquilo que aconteceu ao longo de uma prova que, nunca é de mais lembrá-lo, se disputa em trinta jornadas, e não em quinze, vinte ou vinte e cinco. De nada serve ter sido episodicamente o melhor e o mais credível candidato, ou até, como gostam de proclamar os benfiquistas, de ter jogado o melhor futebol visto no decorrer da Liga, se depois não há pedalada para aguentar a luta até final e não fraquejar na hora da verdade.
No momento em que celebra trinta anos de uma presidência que é já mítica, com um rol de triunfos em todas as modalidades e todos os escalões nunca visto nem imaginado possível, Pinto da Costa prepara-se para, uma vez mais, conquistar o principal título do principal desporto que move os portugueses. Mais um título que nos afasta ainda mais do Benfica em número total de títulos do futebol e que nos aproxima mais na incrível recuperação encetada trinta anos atrás no número de campeonatos nacionais conquistados - até ao dia, que eu espero viver ainda, em que o FC Porto tenha mais campeonatos nacionais de futebol do que o Benfica.
Para celebrar este número redondo e impressionante de anos na presidência do clube, Pinto da Costa teria merecido mais uma época como a do ano passado, em que o clube praticamente ganhou tudo o que havia para ganhar no futebol e ainda juntou ao futebol os títulos de campeão nacional em todas as modalidades profissionais praticadas basquetebol, andebol, hóquei. Esta época, e embora não esteja de modo algum afastada a possibilidade de repetir os triunfos nas quatro modalidades profissionais, o futebol ficará, todavia, muito aquém da época passada em que, nesta altura, estávamos a disputar a final da liga Europa e da Taça de Portugal, que acabaríamos por vencer, e estávamos já consagrados campeões nacionais, depois do histórico triunfo na Luz, seguido de chuveiro em pleno relvado.
Esta época, depois da previsível perca da Supertaça Europeia frente ao Barcelona, e depois das frustrantes eliminações na Liga dos Campeões, Liga Europa, Taça de Portugal e Taça da Liga, os portistas preparam-se para festejar, vá lá, um campeonato nacional que sabe a pouco e sabe a coisa imprevista, pois que durante mais tempo ele pareceu mais perdido do que achado. Por exclusão de partes e erros alheios, vai ser um campeonato ganho com justiça mas sem o brilhantismo nem a autoridade de outros tempos. Nem por isso deixa de ser mais um campeonato conquistado e, só por ser conquistado ao Benfica, dobra de prazer.
No caminho para um título que já não parece poder escapar, lá se venceu o Beira-Mar, com uma exibicão que não foi boa nem má, mas que chegou e sobejou para um triunfo justíssimo. O Beira-Mar, de facto, apenas teve uma oportunidade de golo — se se puder classificar como tal uma jogada em que o avançado aveirense, em lugar de servir um companheiro isolado, preferiu rematar à baliza. O penalty que dava a vantagem de 1-0 ao intervalo, apesar dos esforços dos comentadores da TVI, existiu mesmo e cortou uma jogada de golo iminente. E mesmo o cerrado critério disciplinar do árbitro com os jogadores portistas (três cartões amarelos em quatro faltas cometidas pela equipa até ao minuto 50!), não impediu que se corressem os riscos necessários para assegurar a vitória. Muito bem jogou Hulk, uma vez mais decisivo, mas também Alex Sandro e James; razoavelmente bem jogaram Helton, Sapunaru, Maicon, Fernando e Danilo; assim assim jogaram Otamendi, Lucho, e Moutinho (muitos passes falhados); e mal jogaram Deffour, Janko e Varela, qualquer deles confirmando aquilo que deu para ver ao longo de toda a época: que não têm valor para a equipa campeã nacional. Dentro de um mês e pouco, quando abrir a época das transferências, vai ser absolutamente decisivo saber geri-la com pinças para não se cometerem os mesmos erros de há um ano atrás — o mais gritante dos quais foi ler formado um plantel que é o pior servido de pontas-de-lança entre todas as dezasseis equipas que participam na Liga.
2- O Barcelona-Real Madrid foi talvez o jogo mais visto da época à escala planetária. No Brasil, onde me encontrava no sábado, e apesar de ser dia de um Vasco-Flamengo para as meias finais da Taça do Rio, as televisões não faziam mais nada o dia inteiro do que falar do derby espanhol e multiplicar as antevisões ao jogo - uma das quais, felizmente, viriam a falhar: a de que, no final e como habitualmente, Mourinho se queixaria da arbitragem.
De facto, José Mourinho não teve razões para se queixar do árbitro nem de coisa alguma. A sua equipa entrou determinada, motivada e sem medo no jogo, e essa entrada foi decisiva para evitar que o Barça instalasse desde logo o seu habitual carrossel de endoidecer merengues. Mourinho precisava desta vitória mata-fantasmas e sem a qual o título não teria o mesmo sabor. Agora, ele prepara-se para uma proeza única nos anais do futebol europeu que é a de ser campeão em quatro países diferentes e, de facto, só lhe falta a Alemanha para poder dizer que ganhou todos os principais campeonatos europeus. E, se conseguir afastar o Bayern (o que não vai ser nada fácil), chegará à sua terceira final da Liga dos Campeões por três equipas de países diferentes. Este bem pode ser mais um ano de José Mourinho. Se juntar ao título espanhol o título europeu, Mourinho terá conseguido ainda o mais difícil de tudo: abalar, pela primeira vez, a hegemonia do Barcelona de Guardiola, que se diria inabalável nos tempos mais próximos.
Num jogo que, em minha opinião, defraudou largamente as expectativas, foi bom ver mais outros três portugueses em plano de destaque: o meio-português Pepe, seguro e sem manifestações de destrambelhamento que por vezes o comprometem; Fábio Coentrão, agora menos loiro e mais discreto; e, claro, Cristiano Ronaldo, a vencer Messi, a chegar ao inacreditável número de 42 golos apontados na Liga, e autor do golo decisivo - um golo à Ronaldo, tirando partido de uma saída extemporânea de Valdez, para usar as suas duas armas letais, a velocidade e o remate, ultrapassando o guarda-redes e chutando nas costas dele (na mesma situação, muito provavelmente, Messi teria optado por um chapéu ou uma finta para dentro, rematando depois).
Foi uma jornada completamente portuguesa, a de Barcelona. E eu, que sou adepto do Barcelona, grande admirador desse senhor e cavalheiro que é Pep Guardiola e que de há muito aqui escrevo que o pequeno Lionel Messi é o melhor jogador de futebol que os meus olhos já viram, eu que não sou de patrioteirismos idiotas, fiquei contente porque ganhou quem mereceu e orgulhoso porque ali estavam portugueses a lembrar ao mundo que não somos apenas um país falido. Agora, o resto já não subscrevo: por exemplo, a vitória sobre «a arrogância catalã» como escreveu o José Manuel Delgado. Qual arrogância catalã? A de ter dado os parabéns ao Real Madrid por uma vitória e um título merecidos, como fez Guardiola? Ou a de se ter rebelado contra Madrid, em 1640, tal como nós o fizemos?
3- O que concluí da leitura da entrevista de Godinho Lopes ao Record é que ele tem medo de Paulo Pereira Cristóvão. Descobrir porquê é a chave da questão.
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