1- Aproveito a interrupção do futebol a sério, para a disputa da final do Torneio Sport Lisboa e Baptista, para falar com mais tempo e espaço de um tema que já tenho aflorado várias vezes: a epidemia dos penalties por bola na mão.
Durante o recente SC Braga-FC Porto, Álvaro Pereira, querendo evitar um cruzamento para a sua área, estendeu a perna para cortar a passagem da bola, já em desequilibrio. E a bola, cruzada a não mais de três metros de distância, bateu-lhe na perna e dai ressaltou para o braço, sem que ele pudesse, humanamente, evitá-lo: livre e cartão amarelo, decidiu o árbitro (por sorte do FC Porto, a jogada não foi dentro da área ou o jogo podia ter tido outro desfecho). Ora, esta decisão da arbitragem é totalmente absurda, não tem qualquer sustentação na lei nem nas regras da FIFA e resulta apenas de uma doutrina perniciosa que se vem instalando entre nós, com o apoio militante da imprensa e dos comentadores dos jogos. Mas que, de facto, desvirtua as regras do jogo e, não poucas vezes, tem desvirtuado resultados. Antes de prosseguir na minha tese, e para beneficio de discussão, convém recordar o que diz a lei e como a interpreta a FIFA.
O que a lei original diz é simples e vem na regra 12: «Constitui infracção punível com livre directo jogar a bola com a mão.» Porem, e tal como sucedeu com a Constituição dos Estados Unidos, as poucas e simples regras originais (que, aparentemente, o bom senso e a boa fé chegariam para interpretar), tiveram de ser acrescentadas por sucessivas decisões doutrinais, que acabaram a confirmar nada mais do que o espírito original da lei. E foi assim, que eu, por exemplo, cresci com uma interpretação desta regra que foi, durante muito tempo, inteiramente pacifica: «jogar a bola com a mão», implica também o braço; e «jogar a bola» implica uma atitude voluntária (assim como, se um jogador dominar a bola com o peito ou o usar para passar a bola a um companheiro, ele jogou a bola; mas se esta apenas foi chutada contra o seu peito, sem responsabilidade sua, ele não jogou a bola com o peito). Na lei 12 trata-se do mesmo principio: jogar a bola com o braço ou mão, pressupõe uma atitude voluntária, um movimento do braço ou da mão em direcção à bola. Ficar estático e simplesmente levar com a bola no braço ou na mão não é falta.
Diz a versão brasileira da lei 12 [site da CBF]: «...Também será concedido tiro de livre directo se um jogador.., tocar na bola com as mãos intencionalmente...»
E diz a versão portuguesa [site da Liga de Clubes]: «Tocar a bola com as mãos implica um acto de liberado, em que o jogador toma contacto com a bola com as mãos ou os braços.»
«Intencionalmente» ou «deliberadamente»: com ou sem Acordo Ortográfico, toda a gente entende que, tanto portugueses como brasileiros exigem o mesmo: um acto voluntário de um jogador em jogar com a mão ou o braço. Mas, para que dúvidas não restem (a não ser aos que as querem manter), o texto da Liga de Clubes, seguindo as instruções da FIFA, explicita que, para assinalar ou não a falta, o árbitro «deve ter em consideração os seguintes critérios:
- o movimento da mão na direcção da bola (e não a bola na direcção da mão);
- a distancia entre o adversário e a bola (bola inesperada);
- que a posição da mão não pressupõe necessariamente uma infracção.»
A esta luz, é curioso analisar o célebre penalty que o árbitro, segundo todas as opiniões, terá deixado de marcar contra o Chelsea na Luz, por mão do John Tcrry. Recordemos: perante um centro iminente de Gaitan, Terry fez-se ao lance de braços bem abertos, ostensivamente abertos; a bola, cruzada por Gaitan, foi bater num dos braços de John Terry, que, todavia, não os mexeu. Isto, para a totalidade da critica foi penalty evidente, que o árbitro só não mareou porque não quis, como disse Jorge Jesus (e até se comparou com lance idêntico, em que David Luiz enfrentou um outro cruzamento de um jogador benfiquista com os braços deliberadamente atrás das costas).
Pois bem, a verdade é que, face ao que reza a lei, o árbitro não marcou o penalty, não porque não quis, mas porque não era penalty. «A posição das mãos ou dos braços não pressupõe necessariamente uma infracção.»: John Terry podia ter colocado os braços na posição que quisesse, antes de a bola partir; se os tivesse aberto depois da bola partir, ai sim, é que o arbitro tinha que pressupor um gesto, um movimento, uma atitude deliberada de cortar a bola com a mão, John Terry estava certíssimo no que fez e que só mostra que conhece bem as regras do futebol; David Luiz é que estava errado: não precisa de recolher os braços atrás do corpo para, previamente, afastar suspeitas. E os críticos e comentadores, peço desculpa de o dizer, deviam conhecer melhor as leis do futebol, antes de partirem para conclusões inflamadas e ditadas, não por razão, mas por paixão. E estou à vontade para o dizer porque sempre defendi esta interpretação e, nomeadamente, quando, ao arrepio de alguma critica, sustentei que a bola no braço de Cardozo, dentro da área, no último Benfica-FC Porto, não foi penalty.
Esta questão torna-se importante porque cada vez mais se acentua aquilo que já é uma óbvia estratégia planeada de algumas equipas para apostarem deliberadamente nesta espécie inventada de penalties, tentando, por sistema, jogar a bola em direcção às mãos ou braços dos adversários. Foi desta forma, com uma quantidade inimaginável de livres e penalties assim sacados (incluindo o penalty decisivo do último jogo, no Bessa), que o Benfica de Trapattoni se fez campeão. E foi por ter tido a sorte de encontrar no jogo de Alvalade contra o Legia um árbitro que conhecia a lei e que, ao arrepio daquilo que os sportinguistas tantas vezes reclamam, não assinalou um penalty destes (no limite da interpretação...) por mão de Polga, que o Sporting pôde seguir em frente na Liga Europa e estar agora nas meias finais.
2- Por razões de ausência no estrangeiro, escrevo este texto com três dias de antecedência em relação ao habitual e num momento em que, relativamente ao escândalo que atingiu o Sporting, a PJ investiga um eventual envolvimento do presidente Godinho Lopes no inimaginável esquema montado pelo vice Paulo Pereira Cristóvão, destinado a implicar um árbitro numa suposta corrupção montada por ele. Não sei, obviamente, se o presidente do Sporting está envolvido ou não - e espero bem que não. Mas de uma coisa ninguém o livra: da responsabilidade de ter escolhido para a sua equipa alguém cujo curriculum era por demais conhecido e muito pouco recomendável. E, assim como em tempos defendi que Pinto da Costa se deveria demitir, não por ser culpado de qualquer coisa no Apito Dourado (como se provou que não era), mas sim por ser responsável pela escolha da Dª Carolina Salgado para o estatuto de primeira dama do FC Porto, permitindo-lhe causar danos de imagem irreparáveis ao clube, também agora penso que o presidente do Sporting se deveria demitir, assumindo a sua responsabilidade na escolha que fez.
Porque os danos que Cristóvão causou ao Sporting são igualmente irreparáveis. E, se bem que eu não cometa a injustiça de confundir um clube sério com um seu dirigente, a verdade é que o Sporting perdeu aqui toda a sua tão apregoada virgindade na matéria. Daqui em diante, de cada vez que o Sporting investir contra os árbitros, como geneticamente o faz, ficaremos sempre na dúvida de saber de que lado está a seriedade. E o senhor secretário de Estado que cometeu a imprudência de, ainda há umas semanas, ter recebido solenemente Godinho Lopes e Paulo Pereira Cristóvão, para os ouvir debitar as habituais lamúrias e suspeitas acerca dos árbitros, onde será que agora enterra a cabeça de vergonha? Ou não a tem (a vergonha)?
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