terça-feira, março 19, 2013

VI, NÃO VI E ADORMECI (03 ABRIL 2012)

1- Sentei-me a ver o União de Leiria-Sporting e dez minutos depois dormia profundamente. Se o Leiria é o último classificado e outra coisa não seria de esperar do seu soporífero futebol, já o Sporting é aquela equipe que, segundo o seu presidente, não fossem os árbitros e estaria a lutar pelo título. Pois, bem: se assim é, quero declarar que o Dormicum Futebol Clube tem mais hipóteses de lutar por um título que o Sporting. Não é uma andorinha, mesmo vinda de Manchester, que faz a Primavera.

Brincadeira à parte, considero inacreditável que o Secretário de Estado do Desporto receba o presidente do Sporting para este lhe ir fazer o habitual relambório das queixinhas da arbitragem. Partindo do princípio que o Secretário de Estado não estará disponível para receber todos os clubes que se querem queixar da arbitragem (e são todos), a audiência concedida ao presidente do Sporting tresanda a vassalagem à moda antiga, a fazer lembrar os tempos em que os dois grandes de Lisboa cultivavam relações promíscuas com o poder politico, assim garantindo um tratamento privilegiado em relação a todos os outros. Eu sei bem que o hábito ainda não desapareceu por completo (basta ter visto o ar de pessoa da casa com que o ministro Miguel Relvas se passeou terça-feira na tribuna de honra da Luz e, no dia seguinte, na de Alvalade), mas, apesar de tudo, há que manter algumas aparências: que eu saiba, não compete ao Secretário do Desporto ocupar-se da arbitragem das modalidades e é simplesmente ridículo imaginar que ele possa ter estado a ver vídeos seleccionados pelo Sporting na companhia do Engº Godinho Lopes.

Já quanto às declarações do presidente sportinguista, no final da audiência, essas nao tem que enganar: são mesmo para gozar com o pagode. Afirmar, sem tremer de vergonha, que só por causa dos árbitros é que o Sporting não disputa o título de campeão, é tomar por parvos todos os que vêem futebol e percebem alguma coisa deste jogo. O Sporting está no quinto lugar da classificação, atrás de Marítimo, Braga, Benfica e Porto. Todos estes clubes só podem sentir-se ofendidos com tamanho desplante. Estaria a lutar pelo título uma equipa que está no 5º lugar, a catorze pontos do primeiro classificado e que esteve cinco meses sem conseguir ganhar um jogo fora de casa e só de livre e a três minutos do fim conseguiu marcar um golo em cinco jogos consecutivos fora? E no ano passado, quando terminou em 4ºlugar, a uns inimagináveis 27 pontos do campeão? Quantos pontos teria o Secretário de Estado do Desporto de acrescentar por decreto ao Sporting para que ele conseguisse disputar o título?

2- Este sábado aconteceu-me uma coisa impensável: tamanha era a cobertura dada pelos jornais desportivos ao Benfica-Braga desse dia (como se não houvesse outros jogos no sábado e, entre eles, o jogo envolvendo o FC Porto e que poderia dar, como deu, a liderança do campeonato), que eu me convenci que o Porto só jogava domingo. E assim levado ao engano, falhei o primeiro jogo do FC Porto esta época e foi só quando liguei a televisão, minutos antes do Braga-Benfica, que, indo parar ao flash-interwiew do Porto-Olhanenese, me dei conta que, afinal, o jogo já tinha acontecido e terminado com a vitória dos portistas por 2-0. Não fazendo ideia como tinha sido o jogo, fiquei a escutar atentamente o Sérgio Conceição. Disse ele, em substância, que o Olha- nense tinha jogado mal, que o Porto jogou mais, mas que era muito difícil jogar contra os grandes, por causa da arbitragem: teria ficado por mostrar um segundo amarelo a um jogador portista por mão na bola e quando um avançado do Olhanense se ia isolar, a jogada foi interrompida sem razão. Não fosse a arbitragem, e o Olhanense... Fiquei a pensar que já não tenho pachorra para isto: haverá algum treinador que perca e não diga que a culpa é do árbitro? No dia seguinte, li A Bola e lá vinha a fotografia da tal jogada com o atacante de Olhão, onde se via ele a agarrar um jogador portista para não o deixar correr. O relato do jogo, quanto à arbitragem, dizia apenas que tinha sido quase perfeita, não fosse o árbitro ter perdoado um penalty ao Olhanense por falta sobre o Hulk (mais um não assinalado...). E, quanto ao resto, escrevia-se que, em todo o jogo, o Olhanense não criara uma só oportunidade de golo, apenas fizera um remate e inofensivo e só graças ao seu guarda-redes não tinha saído do Dragão esmagado a uma cabazada. Ora, o Sérgio Conceição é treinador apenas há um par de meses e dá-se o caso de ter sido jogador do FC Porto, clube que o potenciou para uma bem sucedida carreira internacional. São duas boas razões para ter um bocado mais de respeito, se não pela verdade, ao menos pelo seu presente e pelo seu passado.

3- Com um penalty caído do céu e de um critério generoso do árbitro, e um golo aos 92 minutos, o Benfica venceu um jogo cujo resultado justo só podia ser o empate. Na segunda parte, por assim dizer, o Braga resgatou os seus méritos como candidato ao título. A meus olhos. E digo isto, porque os últimos dois jogos que vi do Braga (em casa contra o Leiria e contra a Académica), em ambos o vi vencer imerecidamente por 2-1, tendo beneficiado de muita, muita sorte, e decisões erradas da arbitragem que lhe garantiram a vitória. É evidente que eu comungo da onda de elogios a uma equipa que se bale como o Braga se tem batido, uma equipa formada pelas sobras dos grandes (seis jogadores ex-FC Porto!) e com um orçamento que não é nada ao pé do deles. E claro que, não sendo o FC Porto campeão, muito gostaria que fosse o Braga. Mas, constato que esta simpatia geral pelos Davids face aos Golias, leva a que uma equipa como o Braga goze de uma generosidade da crítica, que outros não têm. Tivesse sido o FC Porto a assinar aquela exibição contra a Académica e a beneficiar das decisões do árbitro, aqui mesmo assinaladas na crónica do jogo, e toda a semana só se teria falado da injustiça da liderança. Ser grande também não é sempre fácil!

4- Como toda a gente sabe, esta época tem-se assistido a um inusitado silêncio de Pinto da Costa. Não que ele tenha o hábito de falar demais: fala sempre menos, muito menos, dos que pedem audiências ao governo, dão entrevistas de fundo a cada dois meses e redigem comunicados semanais, no mínimo, com medo que se es- queçam da sua existência. Mas este ano, o presidente do FC Porto tem falado tão pouco que aos olhos de muitos portistas tem sido até de menos. Por responsabilidade sua, ninguém pode dizer que ele ajudou a crispar o ambiente ou acirrar ânimos em vésperas dos jogos importantes. Mas, mesmo assim, há quem ache que se o presidente do FC Porto soltar meia dúzia de frases em toda a época, já será de mais. Há quem ache, convictamente, que existe uma lei não escrita que não confere ao presidente portista o mesmo direito à palavra que os seus homólogos de outros clubes.

Fernando Guerra, aqui na página ao lado, é um desses. Na semana passada, ele construiu toda uma teoria conspirativa à roda do suspeitíssimo facto de Pinto da Costa ter dito umas palavras circunstanciais, algures por aí. Segundo ele, essa «súbita reentrada em cena» do presidente do FC Porto, motivada pelo medo que o Benfica lhe infunde, visou «accionar alarmes, mover influências, activar alianças e declarar medidas de emergência», face ao «perigo medonho» de ter visto o Benfica no topo da classificação, há umas semanas atrás. Já as palavras que, «por coincidência», o presidente do Benfica disse na mesma altura, merecem a Fernando Guerra um tamanho rol de elogios que chega a ser comovente. Luís Filipe Vieira, escreve ele, «é um homem sobreavisado, conhece os truques, mas há caminhos que, por princípio, se recusa a pisar». E o elogio segue: « É notável o seu espírito de sacrifício e a sua inabalável coragem para continuar o combate solitário em frentes agrestes contra inimigos empenhados em atrasarem, por qualquer meio, e explosão futebolística do Benfica» - Eis o crime dos «inimigos»: atrasarem a explosão benfiquista do Benfica, ousarem disputar o título (este ou qualquer outro) com a intocável Instituição. Quando Pinto da Costa abre a boca, por pouco que seja, trata-se de uma conspiração, de «esquemas obscuros». Quando Filipe Vieira abre a boca, trata-se de coragem solitária, de quem não quer pisar os mesmos terrenos.

O mais irónico disto é pensar que, conhecendo Luís Filipe Viera, aposto que ele dispensa bem este tipo de advocacias.

Sem comentários: