quarta-feira, fevereiro 27, 2013

A GESTÃO INTELIGENTE (27 MARÇO 2012)

1- Ponto prévio: já tinha decidido não falar hoje de arbitragens, antes mesmo de conhecer a devassa pessoal e terrorista de que os árbitros portugueses estão a ser alvo na Net, e para a qual não pode haver qualquer espécie de contemporização nem ensaio justificativo. A minha decisão, porém, é anterior a isso e prende-se com a constatação de que a eterna discussão sobre arbitragens não só não conduz a lado algum (eu penso uma coisa, um benfiquista pensa outra e um sportinguista outra ainda, sem que jamais se atinja um consenso), como também contribui para que os principais culpados de resultados inconvenientes sacudam a água do capote para cima dos árbitros. Sempre defendi que as queixas da arbitragem só têm justificação quando uma equipa manifestamente fez tudo o que podia e devia por um bom resultado e só não o alcançou por influência directa de erros grosseiros de arbitragem (e isso não inclui, por exemplo, o fora de jogo de centímetros ou o penalty que ninguém pode garantir ter sido mão na bola e não bola na mão).

Ora, o que vemos, no meio desta imensa cacofonia dos últimos tempos é que, na Luz, para a Taça da Liga, o FC Porto teve o Benfica totalmente à sua mercê e retraiu-se, não lhe sabendo ou ousando dar a estocada final e mandando a culpa da derrota para cima do árbitro, enquanto que contra a Académica e contra o Paços de Ferreira, deu-se ao luxo de desperdiçar toda a primeira parte, consentiu dois empates e depois queixou-se do árbitro. O Sporting não jogou nada contra o Gil Vicente, perdeu 2-0 e reagiu como se tivesse sido o árbitro a impedir-lhe uma vitória merecidíssima. O mesmo fez o Benfica em Coimbra e em Olhão - onde até acusou um árbitro que deu nove minutos de descontos na segunda parte(!) de ter «pactuado com o antijogo do adversário». Excepção feita ao Benfica-Porto da Taça da Liga, aquilo que apetece dizer é «Não têm vergonha de jogar tão pouco? E se os árbitros arbitrassem como vocês jogam?"

Não vou, pois, falar das arbitragens dos dois últimos jogos do FC Porto para não ajudar mais a uma festa que tem tido aspectos verdadeiramente ridículos, algumas vezes, graves. Falarei apenas do caso do Sporting com Bruno Paixão, a sua recente descoberta, e porque é revelador da coerência de alguns. Há anos que toda a gente sabe e vê que o árbitro de Setúbal não tem competência mínima para actuar na primeira Iiga. Desde Campo Maior, onde um central emprestado pelo Benfica e quase promovido a herói nacional, esteve à beira de até enforcar o Jardel perante a complacência de Bruno Paixão, que se tornou claro que ele aliava a falta de competência à falta de isenção. Mas lá foi seguindo paulatinamente a sua carreira e a sua ascensão até internacional, perante o encolher de ombros geral e apenas por uma razão: porque era inimigo de estimação do FC Porto. Nesse jogo de Campo Maior, o FC Porto perderia dois pontos que vieram a ser decisivos para as contas finais de um título agarrado pelo... Sporting! E, ainda há um mês atrás e também em Barcelos, Bruno Paixão foi determinante na perca de três pontos pelo FC Porto, os quais, talvez venham também a revelar-se decisivos nas contas finais deste título. Comparada com essa, a actuação de Bruno Paixão no Gil-Sporting foi verdadeiramente soft - tanto mais que ali o Sporting não jogava nada e nada tinha já a perder. Mas foi o que se viu: um charivari de todo o tamanho, pedidos de audiência ao ministro, ameaças de morte anónimas a Bruno Paixão e à sua família, como se o Sporting é que tivesse perdido um título em Campo Maior e se arriscasse a perder outro em Barcelos, graças a este árbitro. E o mesmo se diga de Lucílio Baptista, um árbitro que anos a fio prejudicou o FC Porto e que, num feito digno do Guinness, foi quatro vezes consecutivas nomeado para arbitrar jogos do Porto com o Sporting, em todos errando sistematicamente a favor dos leões. A ele deve o Sporting uma Taça de Portugal ganha ao Porto, no Jamor, e no final da qual, Mourinho exclamou : «Não sei se o problema deste árbitro é comigo ou com o FC Porto...» Mas foi preciso Bruno Paixão marcar dois penalties consecutivos contra o Sporting em Barcelos (um dos quais inquestionável),e foi preciso Lucílio Baptista atribuir uma Taça da Liga ao Benfica, numa final com o Sporting, para que os sportinguistas, subitamente, se dessem conta da sua existência, como se ambos não tivessem um historial antes disso...

2- É muito raro de ver, mas aconteceu: Pinto da Costa foi o primeiro responsável pela derrota do FC Porto na Taça da Iiga. Ao antecipar que aquilo não era importante e que se deveriam rodar jogadores, ele disse exactamente o que Vítor Pereira queria ouvir. Desresponsabilizado previamente por mais uma competição falhada, o treinador portista avançou para aquilo que chamou «uma gestão inteligente» do plantel, que lhe assegurava uma win win situation: se ganhasse, era um mestre; se perdesse, tinha desculpa. Mas o que não teve desculpa foi a «inteligência» da sua gestão: em obediência ao princípio da rotação na baliza, que, pelos vistos é mais importante do que o princípio de tentar ganhar títulos (nos últimos tempos, e com Nuno Espírito Santo na baliza, perdemos assim uma Taça de Portugal e uma Taça da Liga), substituiu o Helton polo Bracali, guarda-redes fraco e baixinho, que tratou de encaixar três bolas na trave e três golos, todos com defesa, a troco de nada. Continuando sem perceber que o Maicon é o melhor central que tem, resolveu geri-lo no banco, esquecendo-se até que ele era o único que não precisava de descanso, porque estava castigado para Paços de Ferreira. Em lugar dele, meteu o Mangala, verde de mais para jogos destes, e responsável directo por dois golos do Benfica. Num meio-campo misteriosamente despovoado em Janeiro, resolveu insistir no Lucho, de principio a fim - pagando a factura em Paços de Ferreira. Em contrapartida, deixou o jovem James, que toda a Europa cobiça, a descansar uma vez mais no banco e, com ele no flanco esquerdo, em vez de Alvaro Pereira, teria arrumado o Benfica, quando estava a ganhar 2-1 e todo o lado direito da defensiva benfiquista era uma Avenida da Liberdade. Foi penoso ver como, desta vez e sem demoras, os jogadores mostraram que queriam ganhar e que tinham vindo para isso, enquanto que no banco estava um treinador que já partiu derrotado e que não soube ajudar a equipa do fora, quando ela precisou de um mínimo de lucidez estratégica. E assim continua Vítor Pereira: já perdeu ou foi afastado rapidamente do cinco competições e só lhe resta, como consolação, uma vitória pífia sobre o Guimarães, que valeu uma Supertaça nacional. E tudo feito com um ar de naturalidade a que não estávamos habituados.

3- Em Paços de Ferreira, a sensacão foi a de sonhar pela enésima vez o mesmo sonho mau: um campo apertado, tornado ainda mais pequeno por uma equipa em que todos defendiam atrás da linha da bola; um guarda redes pronto para fazer a exibição da época; um FC Porto que inevitavelmente entra a passo, sem pressa e sem rasgo, convencido que o tempo tudo resolve; um meio campo sem força que não pode ser rendido por ausência de reforços; uma segunda parte já jogada a sério e com sucessivas oportunidades desperdiçadas para matar o jogo; até que, com zero ocasiões de golo do adversário, antes ou depois, aparece um canto (um, um canto!): bola batida para a linha da pequena área, o Helton tranquilamente entre os postes, como sempre, e o Rolando batido lá em cima, como de costume, por um jogador com menos 15 centimetros do que ele. E assim se entregam dois pontos. Nunca o campeonalo nos pareceu tão fácil de ganhar e nunca nos pareceu tão próximo de se perder.

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