quarta-feira, fevereiro 20, 2013

A CAMINHO DO ABISMO (07 FEVEREIRO 2012)

1- Esta semana ficou a saber-se que o passivo do Sporting atingiu os 370 milhões de euros e os capitais próprios 183 milhões negativos - ou seja, a falência, ainda não declarada; que o Vitória de Guimarães falhou a tentativa de se vender aos árabes e está igualmente falido, não pagando salários há três meses - sensivelmente a mesma situação do seu homónimo de Setúbal; que o Marítimo, clube sustentado pelo dinheiros dos contribuintes via governo regional (como todos os outros da Madeira), pagou a Segurança Social com um cheque careca, publicamente anunciado pelo seu presidente, e mais uma série de casos que seria cansativo estar a enumerar. Ou seja, agora que a banca fechou o crédito, a bolha especulativa do futebol português ameaça rebentar com todo o estrondo. Nada que não fosse de prever e que não tenha sido previsto por muita gente, há muito tempo.

Entre todos os clubes cuja situação financeira se conhece como dramática, avultam dois históricos do futebol português: o Vitória de Guimarães e o Sporting. À sua dimensão, ambos têm sido, nos últimos anos, dois casos lineares de má gestão, todavia com uma subtil diferença: enquanto o presidente do Vitória de Guimarães se pode gabar de ter levado à falência financeira e à irrelevância desportiva um clube que é o quarto em assis-tências, com uma massa associativa notável — portanto, sem atenuantes que se conheçam - o caso do Sporting é diferente. Como aqui o escrevi há tempos, e para grande indignação dos meus amigos sportinguistas, o problema de fundo do Sporting é o de um definhamento progressivo e natural, a partir do momento em que o clube viu ser-lhe roubado pelo FC Porto o segundo lugar em tudo, incluindo no estatuto de challenger do Benfica. O Sporting, por mais que isto custe ouvir aos sportinguistas (mas é apenas a minha opinião...), há muito que perdeu o estatuto de grande do futebol português e eu duvido que algum dia o consiga recuperar. Hoje, discute com o Braga o lugar de primeiro dos clubes médios, fingindo acreditar que ainda pode atingir a galáxia onde vivem Benfica e Porto. E, de cada vez, que o Sporting e os seus dirigentes, num assomo de orgulho fundado em defuntas glórias, tenta recuperar num passe de magia todo o caminho perdido ao longo dos anos como este ano sucedeu com o investimento de tudo ou nada na equipa de futebol — o resultado é afundar-se mais ainda na depressão financeira, sem retorno desportivo. Ou seja: um passo mais em direcção ao abismo.

Julgo que há aqui também uma grande responsabilidade da comunicação social, que assistiu a tudo isto sem nada questionar. Durante muito tempo, por exemplo, interroguei-me aqui sobre o que seria o célebre Projecto Roquette, que nos era apresentado como um ovo de Colombo para a ressurreição do Sporting. Continuo sem saber o que era, mas agora sei o que foi: o princípio do descontrole financeiro e a construção de um estádio que, sob qualquer ponto de vista, foi um erro monumental. O mesmo em relação à gestão de Dias da Cunha, a quem a comunicação social ampliou sempre, sem se interrogar, cada catalinada que ele dizia, em tom de superioridade: hoje sabemos também que a sua gestão foi o golpe final na falência por declarar. Os meus leitores habituais sabem o quanto tenho sempre questionado os actos de gestão da SAD do FC Porto, que me parecem errados, irresponsáveis ou ruinosos. Mas, apesar de tudo, o FC Porto não está na mesma situação do Sporting. Longe disso e com duas importantíssimas diferenças: primeiro, tem obtido resultados desportivos como nunca outro clube português obteve; segundo, dispõe de um good will, como dizem os economistas, que leva a que o nome FC Porto tenha um valor e uma apetência de mercado que tomara o Sporting! Fosse eu sportinguista e aquilo que fui escrevendo teria sido bem diferente... É sem dúvida um triste sinal da situação em que caiu o Sporting que agora se discuta a serio a hipótese de vender o clube aos chineses. Assim como o é o facto de o presidente do Vitória de Guimarães ter jogado todas as suas esperanças (inclusive a de conseguir pagar salários aos jogadores), na hipótese de um qualquer sheik árabe vir aí comprar o clube. Eis o cúmulo da humilhação a que conduziram gestões irresponsáveis: dois dos clubes com maiores pergaminhos no nosso futebol estão reduzidos à condição de suplicantes de dinheiro árabe ou chinês, o que quer que seja, sem lhes importar sequer se esse dinheiro é lavagem de negócios obscuros ou presentes envenenados para servir outros fins. E, enquanto vivem na esperança da quimera de ouro, os seus clubes desabam desportivamente. Seria de esperar outra coisa?

Mas estes são apenas os primeiros sinais e as primeira vítimas de uma ilusão geral, que vai provocar, seguramente, um violento despertar. Há vários sinais que estão aí, para quem os quiser ver, e que ameaçam todos, grandes incluídos: os fundos de jogadores, que têm sido uma panaceia para os nossos clubes irem às compras, estão sob vigilância e suspeita da FIFA; os direitos televisivos são aqueles que o nosso deprimido mercado pode pagar e não o que se sonhava, como o aprendeu o Benfica, depois das suas bravatas com a Olivedesportos; e as vendas milionárias de jogadores aos potentados europeus parecem vir a tornar-se chão que já deu uvas, como acaba de o perceber o FC Porto, que não conseguiu vender nenhum jogador neste mercado de Janeiro, mas apenas emprestar, grátis e à experiência, o Fucile, o Guarín e o Belluschi.

2- Pois, a saída do Guarín e do Belluschi, em troca do regresso de Lucho, é uma jogada de alto risco. Imagine-se que o Lucho se lesiona: quem é que resta como médios de ataque, criativos e capazes de rematar à baliza as segundas bolas? Ninguém: resta o Defour e o Moutinho, dois médios do tipo pare, escute e olhe, com os quais nenhum ataque consegue ser apoiado a partir de trás. O mesmo se diga do risco corrido com a contratação de um ponta-de-lança que não pode jogar a I.iga Europa, deixando o FC Porto, como já sucedera na Liga dos Campeões, entregue à improvável inspiração do Kleber.

Dito isto, foi muito bom ver em acção as novas aquisições do FC Porto, e só foi pena que Vítor Pereira tenha prosseguido o seu processo de destruição e desmotivação de Iturbe - afastado da l.iga Europa, do campeonato e, agora também até da Taça da Liga. É um perigo um treinador que acha que o Maicon é melhor lateral direito que o Danilo, que acha que o Deffour é melhor que o Belluschi e que acha o Cristian Rodriguez melhor que o James (que só joga por pressões da crítica e dos adeptos).

Depois de ver Danilo contra o Vitória de Setúbal, vai ser difícil a Vítor Pereira tirá-lo da equipa. A aposta é que ele o puxe para médio, para poder manter o Maicon a defesa. Será um disparate, sobretudo para consumo interno: a aposta devia ser a do Maicon no lugar do Rolando ou do Otamendi, mas, para isso, é preciso coragem. Já Lucho, que regressou na sua versão de luxo, tornou-se imediatamente intocável. Com ele em jogo, voltámos a lembrar o que é um médio de ataque, capaz de antecipar a jogada seguinte antes de receber a bola, capaz de rematar à baliza sem ser para se desfazer da bola, capaz de levar todo o jogo para a frente com passes ao primeiro toque, de abrir linhas de desmarcação fatais, que só não foram melhor aproveitadas porque nos flancos estavam o Cristian Rodriguez e o Varela, dois pesos pesados, esforçados mas inúteis. (Mas, assim que entrou o James e I.ucho o desmarcou, logo resultou uma assistência para o segundo golo). E até Janko, não tendo deslumbrado (nem ninguém esperava tal), mostrou as qualidades essenciais de um ponta-de-lança coisa de que também andávamos esquecidos. Enfim, tirando o facto de não termos ponta-de-lança para enfrentar o Manchester City, se l.ucho não se magoar e continuar a mostrar o que se viu no seu regresso, pode ser que toda a equipa suba de rendimento, pois até Moutinho e Deffour melhoraram, por contágio, com l.ucho a mostrar como se faz.

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