Não há presidente que se preze que, nesta altura do ano, não faça as malas e rume ao Brasil para tratar dos interesses do clube. E nem precisam de ir com o treinador, porque de jogadores percebem eles. Se vão sempre ao Brasil é porque, como não se cansam de nos explicar, lá o mercado é abundante e barato. E podiam acrescentar que é provavelmente o único país onde percebem a língua e é bem mais agradável ir em trabalho ao Brasil que à Costa do Marfim, aos Camarões ou à Lituânia
1- Um leitor habitual de jornais desportivos, rotinado em destrinçar aquilo que são verdadeiras notícias daquilo que são mensagens passadas sob a forma de notícias, diverte-se muito nesta época chamada de defeso. Há de tudo: jogadores que querem melhorar o seu contrato com o clube e fazem constar que «têm muito mercado» à espera deles, quando não têm ninguém; jogadores estrangeiros que aparecem com alvo potencial de clubes portugueses mas cujo valor é desconhecido ou duvidoso e que logo são descritos como estando também debaixo da mira de algum grande europeu; clubes, chamados grandes, e de que toda a gente sabe que não têm dinheiro para grandes compras, mas que todos os dias deixam saber que «estão muito atentos ao mercado » e vão lançando nomes sonantes para o ar, para ver se enganam tolos. Enfim, há de tudo, num permanente jogo de bluff e piedosas mentiras que, acima de tudo, se destina a dar dinheiro aos empresários e encher de emoção a época dos presidentes. Uma das notícias mais clássicas nesta época e que a mim me faz sempre sorrir é precisamente a das constantes idas ao Brasil, «para compras», dos desconhecidos presidentes dos clubes pequenos e mais que pequenos. Não há presidente que se preze que, nesta altura do ano, não faça as malas e rume ao Brasil para tratar dos interesses do clube. E nem precisam de ir com o treinador, porque de jogadores percebem eles. Se vão sempre ao Brasil é porque, como não se cansam de nos explicar, lá o mercado é abundante e barato. E podiam acrescentar que é provavelmente o único país onde percebem a língua e é bem mais agradável irem trabalho ao Brasil que à Costa do Marfim, aos Camarões ou à Lituânia. Com tanta atracção pelo Brasil, não admira que haja centenas de jogadores brasileiros a actuar em Portugal, em todas as divisões profissionais. E, como os exemplos vêm de cima, temos desde logo o caso exemplar do FC Porto, que na última década, e com a contenção relativa dos anos Mourinho, tem sido o maior importador de brasileiros para o futebol português de que há memória. Confirmando-se a compra da última descoberta, Anderson de seu nome, o FC Porto tem actualmente, e só para o meio-campo, nada menos que oito brasileiros! Este Anderson é, aliás, um caso exemplar de como as coisas funcionam. Até há uns 10 dias atrás ninguém sabia quem era, ninguém tinha ouvido falar dele, ninguém jamais o vira jogar. Mas bastou que Jorge Mendes comprasse 70 por cento do seu passe por um milhão de contos para que o miúdo de 17 anos se transformasse automaticamente no «novo Ronaldinho Gaúcho» e que tenha, supostamente, despertado a cobiça desenfreada de Sporting, Benfica e FC Porto. Parece que assinava ontem pelos dragões, juntando-se aos compatriotas também centro-campistas Jorginho e Paulo Assunção, chegados agora ao plantel, e a Leo Lima, Ibson e Leandro do Bomfim, chegados em Janeiro: seis brasileiros para o meio-campo em apenas seis meses! Mas o mais engraçado é que «o novo Ronaldinho Gaúcho» joga na mesma posição que «o novo Pelé branco», — o Diego—contratado por uma fortuna na época passada com a missão de tentar fazer esquecer o verdadeiro Anderson, aquele que, de facto, fazia a diferença: Anderson Luiz de Souza, vulgo Deco. Como se sabe, foi um sucesso.
2- Como o tenho dito repetidamente, sou um adversário dos imensos plantéis que caracterizam as equipas portuguesas, pequenas e grandes, em comparação com as boas equipas europeias, onde o plantel principal não vai além de 20 jogadores, reforçados, quando necessário, pelos jovens das equipas B ou dos juniores. Não só os grandes plantéis impedem o aparecimento e a formação dos jogadores formados nas escolas e preparados nas equipas B como, além disso, contribuem para uma gestão impossível da equipa, geram insatisfações, frustrações e mau ambiente de balneário e, obviamente, arruínam qualquer orçamento. Mas, por mais que isto seja sabido e demonstrado, por mais que os treinadores estrangeiros que cá chegam de novo repitam que não querem trabalhar com mais de 23, 24 jogadores, os presidentes insistem em dar-lhes 33 ou mais, como se com isso mostrassem que trabalharam bem, fizeram excelentes negócios e «deram ao treinador todas as condições». Não deram; apenas complicaram a sua tarefa. O pobre Co Adriaanse, novo treinador portista, habituado a uma equipa modesta, onde cada jogador é um investimento que tem de dar rendimento, já estragou as suas férias a ver intermináveis vídeos para poder decidir, com um mínimo de justiça, como é que dos 36 que tem à sua espera vai eliminar sumariamente 11 ou 12, para ficar só com o número máximo que consegue treinar. Como é que, pensará ele, se fez um plantel que conta com cinco centrais, três laterais-esquerdos, sete pontas-de-lança e treze médios mas onde, por exemplo, não existe um único lateral-direito? O que fazer com jogadores como o Jankauskas e o Postiga, que custaram à volta de um milhão de contos cada um e valem um máximo de três golos por época? Para quê três guarda-redes, quando existem outros três na equipa B? O que fazer com jogadores que foram contratados esta época por quatro ou cinco anos e não jogaram mais de uma hora, casos de Raul Meireles, Areias, Pittbull, Leo Lima, Hugo Leal, Leandro do Bomfim?
3- Quem, como eu, apanhasse a meio o noticiário das televisões, domingo à noite, teria caído de espanto com a notícia de que Tiago Monteiro tinha subido ao pódio no Grande Prémio dos Estados Unidos, em Indianápolis. Desde o comentário de Marcelo Rebelo de Sousa aos parabéns logo enviados por José Sócrates, à notícia repetida exaustivamente durante a transmissão do Brasil-México de que pela primeira vez um português tinha subido ao pódio na Fórmula 1, tudo me levou a crer que, de facto, se tratava de um dia histórico para o desporto português e até já visualizava Jorge Sampaio, de lágrima ao canto do olho, a condecorar Tiago Monteiro com a ordem de qualquer coisa. E até eu, que gosto de automobilismo mas acho a Fórmula 1 a competição mais chata do mundo, logo a seguir ao halterofilismo, dispus-me a assistir ao resumo alargado da prova, na RTP, para viver devidamente o momento de orgulho nacional. E foi só então que percebi a dimensão do embuste: o Tiago Monteiro não tinha subido ao pódio numa corrida normal, com todos a competir, mas apenas com seis, e depois de uma jogada antidesportiva patrocinada pela Ferrari e pela Jordan — a equipa de Monteiro. Não está em causa, obviamente, o comportamento de Tiago Monteiro, que é pago para correr e nada tem que ver com as jogadas de bastidores. Nem está em causa o mérito de, uma vez mais e pela nona consecutiva, ter levado o carro até ao fim. Mas aquilo em que ele participou não foi uma corrida mas sim, como lhe chamou a imprensa europeia, uma «farsa» e «a corrida da vergonha». Foi como se a Selecção Nacional tivesse vencido um Brasil com apenas seis jogadores de início. Eu até compreendo a alegria do Tiago Monteiro no pódio mas, para dizer a verdade, as suas comemorações, no meio dos apupos da multidão e perante a vergonha calada dos vencedores da Ferrari, até foi um bocado constrangente. A pior maneira de tirar valor a quem o tem é inventar-lhe proezas não alcançadas. Lá virá o dia, espero, em que o Tiago Monteiro chegue ao pódio após uma corrida verdadeira e uma luta leal entre todos. Mas, anteontem, aquele pódio não honrava ninguém.
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