quarta-feira, junho 01, 2005

Deus não dorme! (31 Maio 2005)

Quando Paulo Costa sossegou, depois do intervalo, o Vitória pôde, enfim, jogar de igual para igual e, consequentemente, levar a Taça. O jogo foi, assim, um paradigma do que sucedeu em toda a época: quando o Benfica se viu obrigado a jogar de igual para igual demonstrou a sua incapacidade



1- Paulo Costa bem tentou: vestido com um ridículo equipamento azul-bebé, o árbitro da final da Taça achou que a sua missão não era a de assegurar condições de igualdade entre as partes mas sim a de começar desde logo a prestar vassalagem aos novos campeões. E, se assim o pensou, melhor o fez: aos três minutos de jogo, e prolongando uma tendência esta época muito em voga, ofereceu ao Benfica a possibilidade de começar o jogo a vencer sem nada ter feito para tal, através de um penalty de fabricação já tão gasta que só os árbitros que querem é que ainda se deixam enganar. Mas isso foi apenas o início de uma primeira parte que chegou aroçaro escândalo: oito decisõe serradas e todas, olha a coincidência, favoráveis ao Benfica! A boa gente de Setúbal, adeptos de um clube de que o País inteiro gosta, começou a pensar que não havia nada a fazer: apesar da superioridade futebolística gritantemente patenteada pelo Vitória sobre o «justíssimo campeão nacional», tudo pareceria ir esbarrar contra aquela muralha de «transparência» e «verdade futebolística ». Felizmente para a história da Taça de Portugal, Paulo Costa sossegou ao intervalo e o Vitória pôde, enfim, jogar de igual para igual e, consequentemente, levar a Taça. O jogo foi um paradigma eloquente do que sucedeu em toda a época, com o epílogo de fazer do Benfica o menos brilhante campeão nacional de todos os tempos. Mas, ao menos anteontem, fez-se justiça no Jamor.

2- Nem sempre, é verdade, esta questão da justiça no desporto é pacífica. Por exemplo, toda a gente vibrou coma sensacional recuperação do Liverpool contra o Milan, no jogo que determinou o sucessor do FC Porto como campeão da Europa. Porém, analisando o jogo todo, mais o prolongamento, o que se verifica é que o Liverpool jogou apenas 15 minutos contra o destino, nos quais conseguiu recuperar de 0-3 para 3-3, e, mal o conseguiu, voltou a encostar-se às cordas, lá atrás, apostando tudo nos penalties. Todas as despesas do jogo pertenceram ao Milan, todo o esforço para vencer foi doMilan e foi dele também o melhor futebol e, claramente, os melhores jogadores. Mas perderam nos penalties e, por isso, o Liverpool entrou na história e na lenda e remeteu o Milan à posição de «grande derrotado»—sem sequer o ter sido. «The winner takes it all...» Não obsta que seria uma verdadeira aberração se o Liverpool, por inércia burocrática ou esperteza saloia da federação inglesa, viesse a ser impedido de defender para o ano o seu título de campeão europeu. A hipótese é tão aberrante que quase desacreditaria a verdade da próxima edição da Champions.

3- Uma semana depois continuava-se ainda a falar dos «graves incidentes» ocorridos na Avenida dos Aliados, entre claques do FC Porto e do Benfica, durante os festejos do título na cidade do Porto. Moralistas ofendidos e pregadores de ocasião quiseram ver nos tais «graves incidentes» a demonstração final daquilo que há anos vêm proclamando: «a selvajaria dos portistas» e a sua incapacidade de aceitar a derrota. Ora, francamente, eu vejo nisto, sim, a tentativa de tomar os preconceitos por realidades e um sintoma preocupante daquilo que é a incapacidade da gente de Lisboa entender a do Porto e vice-versa. Não sou daqueles, como Jorge Olímpio Bento, que acham que a vitória do Benfica representa «a vitória da capital e do seu cortejo de interesses, das forças do centralismo sobre as energias que afirmam e exaltam localmente o pulsar da nação» (!). Sou portuense, por nascimento e família, e portista desde sempre: mas não sou provinciano nem confundo o que não pode ser confundido nem reduzido a chavões que a história e a estatística desmentem. Mas também não sou daqueles portuenses que, quando se instalam em Lisboa, quase têm vergonha das suas origens e passam a achar que a capital é a civilização e o Porto a província. Vejamos as coisas com um mínimo de calma e de boa-fé. Primeiro que tudo, ao ouvir falar dos «graves incidentes» na Avenida dos Aliados, e sem saber o que tinha acontecido, pensei que tinha ocorrido alguma tragédia, com mortos e feridos. Qual quê! Felizmente, o balanço foi: mortos, zero; feridos graves, zero; feridos ligeiros, zero. Eis o que retira desde logo o adjectivo «grave» aos incidentes. Se pensarmos no contexto de um campeonato decidido a seis minutos do fim, com50 mil adeptos derrotados da claque local a três quilómetros de 30 mil adeptos forasteiros celebrando a vitória, julgo que, em qualquer parte do mundo, se trataria de uma situação potencialmente explosiva e que não haveria ninguém que não se desse por contente por o saldo final se traduzirem zero — zero mortos, zero feridos. Dir-me-ão que isso deveria ser o normal e eu, claro, só posso concordar. Mas, infelizmente, não é esse o mundo em que vivemos, seja no Porto, em Lisboa ou em qualquer outra cidade do mundo. Resta, pois, apenas a «ofensa» de os Superdragões não terem deixado adeptos benfiquistas festejarem a vitória na Avenida dos Aliados, por todos comentada como grave atentado à democracia e aos direitos do «Benfica universal».Vejamos: o Benfica, pela voz do seu presidente, anunciou antes do jogo que, em caso de vitória, festejaria no Bessa, na Rotunda da Boavista, na Avenida da Boavista, no Castelo do Queijo e em todo o percurso daí até ao aeroporto. Para quem não conhece, esclareço que a Rotunda da Boavista é o equivalente, em Lisboa, ao Marquês de Pombal, a Avenida da Boavista à Avenida da Liberdade e o Castelo do Queijo, à falta de comparação possível, será o Terreiro do Paço. Não se tratava, portanto, de celebrar em ruas laterais ou praças escondidas. Por sua vez, os Superdragões anunciaram, também antes do jogo, que, fosse qual fosse o desfecho, se concentrariam na Avenida dos Aliados. E porquê a Avenida dos Aliados? Não só porque é o tradicional local de festejo dos portistas mas sobretudo porque aí se situam os Paços do Concelho, que simbolizam a cidade e onde tradicionalmente o FC Porto e o Boavista entregam à cidade os seus títulos. Ora, o Benfica será a nação, ou até um clube universal, mas não é um clube da cidade do Porto. E, por isso, querer festejar nos Paços do Concelho do Porto um título benfiquista seria o mesmo que os adeptos do Porto quererem festejar o triunfo na Praça do Município de Lisboa — onde o Benfica e o Sporting vão sempre também festejar os seus títulos e ser recebidos pelo presidente da câmara de Lisboa. Assim anunciados os festejos, passou-se o seguinte: que o autocarro do Benfica percorreu todos os pontos previamente indicados, sendo acompanhado pelos seus adeptos, sem a ocorrência de qualquer incidente ou provocação por parte dos adeptos do Porto. E que, no lugar onde os adeptos do Porto tinham indicado que estariam, aí sim, apareceram adeptos do Benfica, que vinham ao quê? Exercer um direito democrático de manifestação, respondem os que acham que ao Benfica tudo é devido e nada é de mais. Não, vinham provocar e tentar humilhar, digo eu. E podem-me dizer o que quiserem que desta não saio. Sei muito bem como é que se provocam incidentes destes e o que se pretende com eles. Já vi escrito, e com justiça, que o presidente do Benfica se soube portar à altura na hora da vitória. Mas não vi escrito, e também seria justo, que todos os dirigentes, técnicos e jogadores dos clubes vencidos — Porto, Sporting, Braga — igualmente souberam aceitar a derrota tranquilamente. Para quê, então, tentar chegar o rastilho a um fogo que não ardeu?

4- E começa a época de todas as minhas angústias: a do corrupio de entradas e saídas no FC Porto. A par de algumas boas perspectivas, tanto nas saídas como nas entradas, anunciam-se algumas outras que fazem antever a repetição de erros anteriores. Um deles é a insistência na recuperação de emigrantes, de que a última época nos deu dois exemplos negativos: Hélder Postiga e Hugo Leal. Agora anuncia-se o Fernando Meira. Santo Deus, para quê o Fernando Meira, que falta faz ele ao FC Porto? Outra teimosia que tem saído cara é a de tentar ressuscitar no FC Porto os falhados do Benfica: depois do Iuran e do Jankauskas, agora ameaçam-nos com o Sokota — seguramente para jogar na bancada ou fazer figura de corpo presente em campo. E, ao mesmo tempo que se pretende comprar um ponta-de-lança que vale dois golos por época, insiste-se em mandar embora o McCarthy, que é o único ponta-de-lança com categoria que passou pelo Porto desde o Jardel. Parece que para o ano vai haver lugar para todos: o Postiga, o Sokota, o Hugo Almeida, o Lizandro López, oBruno Morais e, se calhar também, o Jankauskas. Só não vai haver lugar para o único valor seguro, aquele que rende pontos na Liga dos Campeões, aquele que os adversários tanto temem, que a Comissão Disciplinar da Liga se esforça para deixar jogar o menos que pode: McCarthy. Resta esperar que Co Adriaanse veja com atenção os vídeos e se oponha a esta auto mutilação. Se ainda fora tempo.

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