terça-feira, abril 12, 2005

TUDO DEPENDE DA PERSPECTIVA (22 FEVEREIRO 2005)

Dizem que houve um penalty «nítido» contra o FC Porto, não assinalado no Restelo. E como foi ele — foi rasteira, empurrão, puxanço? Com a mão, com o braço, com o pé, com o joelho? Quem viu, quem pode descrever ao certo o que se passou, para além da simples presunção?



1- Por vontade expressa da co­municação social (e, devo dizê-lo, particularmente des­te jornal) está criado mais um caso de arbitragem palpitante: um, su­posto ou real ,penalty não assinalado contra o FC Porto, nos instantes fi­nais do Belenenses-FC Porto.

Se assinalado e convertido, o penalty teria tirado dois pontos ao FC Porto, permitindo, provavel­mente (ainda não sei o resultado do Benfica-Guimarães), que o Benfica chegasse às Antas, se-gunda-feira próxima, na confor­tável posição psicológica de líder isolado. Mas não foi assinalado e daí o desespero.

Ora vejamos: o treinador do Belenenses, Carlos Carvalhal, diz que até do banco viu o penalty; Trapattoni, treinador do Benfica, diz que na televisão lhe pareceu penalty; José Manuel Freitas, aqui em A BOLA, achou o penalty tão flagrante que não hesitou em pu­xar para título da crónica do jogo a opinião de que o árbitro foi o protagonista do jogo. Foi? Eu acho que não. Tirando esse lance, em que ele, a cinco metros da jogada, não viu o que Carvalhal diz ter visto do banco, o árbitro não teve qualquer decisão com influência no jogo. O que faz com que, de fac­to, tenha havido outros intérpre­tes principais. Desde logo mais uma triste e apagada exibição do FC Porto, salva por um canto te­leguiado do Quaresma e uma cabeçada fulminante do Costinha. Depois — facto que apareceu como despiciendo em todas as crí­ticas — a ainda pior exibição do Belenenses, que até ao minuto 85

não criou a mais pequena velei­dade de oportunidade de golo e que, no fim, queria empatar com um penalty caído do céu (e é clás­sica esta tentação de transferir para o árbitro a responsabilidade pela incompetência própria). E, fi­nalmente, se querem um prota­gonista sério, porque não Vítor Baía, que, com duas defesas fan­tásticas, quando finalmente o Be­lenenses ousou rematar à baliza (de livre, claro), mostrou que, con­tra ventos e marés, como dizia o ex, continua a ser o melhor guar-da-redes português?

Mas não. Tratando-se do FC Porto, a única coisa que interes­sa reter do jogo é o pretenso pe­nalty e, consequentemente, mais um árbitro potencial arguido do apito dourado. Mas, só para que percebam como as opiniões são in­fluenciadas pela filiação clubística, eu direi, contraditoriamente, que não encontrarão um único portista que ache que aquilo foi penalty. Pessoalmente o que eu vi foi um dos inúmeros lances du­vidosos dentro da área, entre um avançado e um defesa — ainda mais duvidoso porque, neste caso, era um lance de desespero, qua­se ao cair do pano e por parte de uma equipa que até aí demons­trara não ter solução alguma para poder chegar ao golo por métodos, digamos, normais. Ora, mandam a experiência e a prudência que árbitro algum marque um possí­vel penalty daqueles, na frontei­ra de todas as dúvidas. Mas, en­tre os que comentaram que foi nítido, não encontrei descrição al­guma dessa nitidez: foi rasteira, empurrão, puxanço? Com a mão, com o braço, com o pé, com o joe­lho? Quem viu, quem pode des­crever ao certo o que se passou, para além da simples presunção? De uma coisa tenho a certeza: ár­bitro algum, nas competições in­ternacionais, assinalaria este penalty (e daí, por exemplo, a revolta ingénua dos sportinguistas com a arbitragem do jogo contra o Feyenoord — estão habituados a cri­térios mais generosos cada vez que o Liedson cai na área...).

Uma semana antes, em Braga, também os bracarenses e o seu treinador reclamaram um penalty «nítido» não assinalado contra o Benfica, ao cair do pano. Mas aí, curiosamente, a coisa passou como um fait-divers ou nem isso. Parece que os penalties reclama­dos contra uns são sempre mais notícia que os penalties reclama­dos contra outros. Nada a que a gente não esteja habituada. Uns e outros.



2- Em todo o jogo de Leiria, que me lembre, o Sporting não criou uma só oportu­nidade de golo, em contraste com o União, que viu Ricardo negar-lhe o golo por três ou quatro ve­zes. Mesmo assim, no final do jogo o repórter televisivo de serviço não encontrou melhor pergunta para pôr a José Peseiro que saber se o empate do Sporting se tinha ficado a dever a «cansaço» ou «fal­ta de sorte». (Repare-se no por­menor elucidativo de a pergunta já conter e antecipar a desculpa para o entrevistado: cansaço ou falta de sorte. E porque não falta de ambiçao ou faltaa de talen­to?) Assim ajudado pelo repórter, José Peseiro — que parece ter um efeito intimidatório sobre alguns perguntadores— obviamente agarrou na deixa que lhe dava mais jeito: «Foi falta de sorte», de­clarou ele. Porque, acrescentou, o Sporting, no resto, «teve uma atitude de campeão». Foi, foi mes­mo? E somos todos ceguinhos, não?



3- Como era de prever, o Con­selho de Justiça da FPF, chamado a decidir o pri­meiro dos sumaríssimos em que o Conselho de Disciplina da Liga inventou a nova tese jurídica de que, se alguém recorre de um cas­tigo, ele é logo agravado preven­tivamente, arrasou esta douta doutrina ad hoc, escrevendo que ela equivalia, na prática, a negar o direito de defesa e de recurso. O beneficiado, para já, foi Nem, do Sporting de Braga, metido ao ba­rulho para melhor embrulhar as punições agravadas de McCarthy e Pedro Emanuel. Mas, se decidiu assim para Nem, é fatal que assim terá de decidir para McCarthy. Nesse caso, e se tivessem um minimo de vergonha, o que os exce­lentíssimos conselheiros discipli­nares da Liga deveriam fazer era demitir-se no acto.

Leonor Pinhão perguntava aqui, no outro dia e em tom ino­cente, se «nós» defendemos que as cotoveladas fiquem impunes. Não, não defendemos. Defendemos que sejam castigadas. Mas, para que não fiquem dúvidas, defendemos também:



- Que não sejam apenas as cotoveladas a ser castigadas mas também as cuspidelas ou as entradas a matar sobre os adversários;.

- Que sejam castigadas todas e não apenas as dos jogadores do FC Porto;

- E que não se inventem prazos,leis e doutrinas novas para aplicar aos jogadores do FCPorto à medida das conveniências dos adversários.



É tão simples como isto. Ou será que é confuso?



P. S. — Obrigações profissio­nais levam-me a estar ausente desta coluna na próxima terça-feira. Pior: levam-me para onde, provavelmente, nem terei acesso às transmissões televisivas do FC Porto-Inter e do FC Porto-Benfica. Aqui fica o aviso, não vão al­guns espíritos pensar que, por as coisas poderem ter corrido mal para as minhas cores, eu desertei da opinião. Aliás, a previsão nor­mal é que as coisas corram mal contra o Inter e bem contra o Benfica. O que fugir disto será anormal.

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