Parabéns, então,sr. João Ferreira:o senhor conseguiu,finalmente, decidir este campeonato,que não havia maneira de se decidir
1- Ontem, ao minuto 35 do jogo de Alvalade, o sr. João Ferreira decidiu abrir o caminho do título ao Benfíca, juntando-se a uma vasta campanha nacional em curso que tem como objectivo levar o Benfica ao título, nem que seja por decreto-lei.
Quando digo que decidiu, quero dizer exactamente que a anedótica expulsão de McCarthy - a mais inacreditável expulsão que eu vi em quarenta anos a ver futebol - não foi um deslize de momento, uma precipitação do árbitro. Não: ele teve vários dias para meditar na importância do jogo que estava a dirigir. Ele sabia que jogavam dois candidatos ao título e que a derrota de um deles - o Sporting-significaria que esse estava fora da corrida, e a derrota do outro - o FC Porto - significaria que ambos ficavam, com toda a probabilidade, afastados do título. E sabia, como qualquer árbitro sabe, que, num derby, reduzir uma equipe a 10 jogadores, ainda para mais a visitante, e quando ainda falta mais de uma hora para jogar, equivale praticamente a sentenciar o vencedor. Por isso, uma decisão tão determinante no desfecho quanto essa, tem de assentar num facto absolutamente incontestável por todas as partes. Ora, por mais jogos que arbitre, nunca mais o sr. João Ferreira terá oportunidade e necessidade de expulsar um jogador por ele acertar com o braço na anca de um adversário, quando este está sentado em cima dele e delibera-damente o impede de se levantar. Sobretudo quando, minutos antes, o mesmo sr. João Ferreira fez que não viu uma entrada para aleijar do Beto sobre o Quaresma - que não tinha sido, aliás, a primeira. E, como se dez contra onze não fosse já suficiente, o mesmo sr. João Ferreira, culminando uma arbitragem escandalosamente caseira em tudo, desde o critério disciplinar à avaliação das faltas, ainda tratou de expulsar também o Seitaridis, "esquecendo-se" que, não tendo ele cortado com a mão uma bola que fosse a caminho da baliza, a sanção correspondente era o cartão amarelo e não o vermelho. Podia ser até, que o Sporting viesse a ganhar o jogo com toda a naturalidade e justiça. Mas ele não deixou que as coisas acontecessem com naturalidade e justiça.
De uma assentada, o sr. João Ferreira conseguiu atingir duplamente o FC Porto: tomando decisões que se revelaram determinantes na derrota e privando a equipa de contar com McCarthy para os jogos seguintes. Numa e noutra coisa, ele não é, aliás, original: esta época têm sido inúmeros os jogos em que decisões "infelizes" dos árbitros têm resultado em perdas de pontos para o FC Porto: ainda no penúltimo jogo, contra o Nacional (ninguém falou nisso porque a exibição foi tão má que não cabiam desculpas), mas a verdade, verdadinha, e que o árbitro lisboeta perdoou mnpenalty sobre o Jorge Costa, quando havia 0-1, e fez vista grossa a uma falta sobre o Ricardo Costa que tornou possível o segundo golo do Nacional. E, quanto ao McCarthy, uma coligação de gente que não gosta de ver jogar grandes jogadores se eles forem do FC Porto - que inclui árbitros, juizes do CD da Liga, adeptos e o presidente do Benfica - têm-se esforçado e conseguido, abusando do poder discricionário de que gozam, para impedir que ele jogue, transformando - o numa espécie de carniceiro do futebol, massacrando inocentes defesas que, coitadinhos, tal como o Rui Jorge ontem, que nada fazem para provocar as suas agressões selvagens.
Parabéns, então, Sr. João Ferreira: o senhor conseguiu, finalmente, decidir este campeonato que não havia maneira de se decidir.
2 - Depois do descalabro dos 0-4 com o Nacional da Madeira, José Couceiro tinha dois testes de fogo - daqueles jogos onde o risco é total e, por isso, não há escapatória possível: ou se vale ou não se vale. O teste podia parecer um bocado injusto, para quem acabou de chegar ao clube, recebeu a herança que se sabe e tem apenas dois anos de experiência nas funções. Mas, quando se aceita treinar o campeão nacional e europeu, deve-se estar preparado para desafios desses e não para uma vida tranquila -de outro modo, teria ficado em Setúbal, onde jamais teria de jogar para o títuloou para a sobrevivência na Liga dos Campeões.
Ora, se, quanto ao teste de ontem em Alvalade, forças cósmicas impediram que se pudesse fazer um juízo certo, já o primeiro desses testes de fogo, em S. Siro, traduziu-se por um fiasco total, ao ponto de, em abono da verdade e sem nenhum azedume, ter de se reconhecer que o principal responsável pela eliminação do F.C.Porto da Liga dos Campeões foi exactamente José Couceiro. A falta de experiência em jogos a este nível tolheu-o de medo, e o medo, inevitavelmente, deu-lhe para recorrer à solução clássica (e sempre falhada) dos treinadores portugueses nestas circunstâncias: abdicar do ataque, reforçar a defesa e confiar num milagre. E, porque assim o mereceu, falhou. E falhou tanto mais, quanto o jogo deixou a sensação de que aquele Inter estava ao alcance mesmo deste F.C.Porto.
Couceiro falhou desde logo na inclusão de jogadores ou em nítida crise de forma-Costinha, Nu-no Valente - ou sem categoria para aquele jogo - Diego, Cláudio e, depois, Postiga. Falhou ao ensaiar um sistema nunca testado de três centrais, que só lançou a confusão, e ao abdicar da sua arma mais mortífera, Ricardo Quaresma. Falhou, depois, ao fazer entrar Postiga para o centro e fazer derivar McCarthy para extremo, com isso não ganhando um extremo e perdendo o único ponta-de-lança. E falhou, finalmente, porque, tendo transmitido à equipe a atitude de prudência e medo que era a sua, quando se chegou à hora do tudo-ou-nada, com 2-1 a favor do Inter, a equipe pareceu satisfeita, incapaz de ir à procura do empate e do favor do destino, limitando-se a esperar lá atrás pelo K.O. final e libertador. Foi claramente um jogo em que uma equipe é derrotada à partida pela atitude mental do seu treinador. Que, ao menos, tenha ficado a lição para o futuro.
3 - Outro exemplo do que acima fica dito foi a maneira como o V Setúbal se entregou a perder nas mãos do Benfica. Os dois golos nascem de duas entre as inúmeras ofertas da defesa, e a expulsão de Veríssimo nasce igualmente de uma bola perdida para o avançado benfiquista, em zona proibida. Como se isso não bastasse, José Rachão resolveu, na segunda parte, retirar do meio-campo o construtor de todo o jogo ofensivo do Vitória, Jorginho, e pô-lo a fazer figura de corpo presente entre os centrais do Benfica, à espera de bolas que nunca chegaram. Se uma equipe quisesse pensar cientificamente como é que devia fazer para perder um jogo, teria feito exactamente o que o Vitória fez frente ao Benfica. E, quando penso que o Vitória, o Nacional, o Boavista e o Guimarães - tudo equipas que fizeram a vida negra ao FC Porto se entregaram tão docilmente nas mãos do Benfica, quando vejo arbitragens como a de ontem em Alvalade, só posso concordar com o que aqui se escrevia no domingo: já há um cheirinho a campeão.
4 - Deve ser esse cheirinho a campeão que justificou o tom da entrevista do presidente do Benfica à Sport TV quarta-feira passada. Eu, que já aqui elogiei uma anterior entrevista televisiva de Luís Filipe Vieira, desta vez só posso é lamentar o facciosismo, a intolerância e o tom de dono do mundo de que ele deu provas desta vez. Nem o mais irracional e perturbado dos adeptos conseguiria fazer afirmações como as dele. Na opinião dele, por exemplo, as cotoveladas dos jogadores do Benfica não existem por definição, enquanto as de jogadores do FC Porto deveriam ser punidas com "seis, sete ou oito jogos" (as que ninguém, tirando ele, viu), ou com a "irradiação" (as que, de facto, existiram). Fiquei até com a impressão de que, se ele mandasse ainda mais na Liga e na Comissão Disciplinar, este ano o FC Porto nem sequer seria autorizado a disputar o campeonato.
5 - Será que Scolari não vê mesmo nenhum jogo de clubes portugueses - ao vivo ou, ao menos, pela televisão? Deve ser verdade, porque só isso justifica que o seleccionador continue, imperturbável, a convocar jogadores que o país inteiro vê que estão em gritante crise de forma (para dizer o mínimo) - casos de Ricardo, Costinha, Nuno Valente ou Postiga.
José Mourinho tem razão: de facto, não há lugar mais cómodo do que o de seleccionador nacional. Sobretudo, da forma como Scolari o exerce: uma vez por mês, se tanto, faz uma convocatória, onde estão sempre os mesmos, sem necessidade de se actualizar nem rever escolhas ou fazer novas experiências; depois, dá-lhes dois dias de treino ligeiro e põe-os a jogar contra equipas menores e quase sempre com exibições medíocres; findo o jogo, fecha a loja e descansa até à próxima convocatória. Realmente, não deve haver emprego menos cansativo e mais bem pago. O que o salva é a sorte que ele tem: para o Europeu, já estava apurado à cabeça (de outro modo, a avaliar pelos resultados dos amigáveis, nunca lá teria chegado); e, para o Mundial, com o grupo que nos calhou, até o primo do Rato Mickey nos conseguiria apurar.
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