A tentação de vender o Ricardo Quaresma deve ser grande, assim como deve ser grande o medo dos danos desportivos devastadores que isso poderia causar à equipa e da previsível revolta dos adeptos.
1-Faz agora um ano, gastei grande parte da tinta destas páginas a tentar dizer à distância ao teimoso do sr. Co Adriaanse que o Ricardo Quaresma era o MVP e o jogador imprescindível do FC Porto. O Quaresma vegetava então na reserva ou na bancada, porque esse originalíssimo holandês não gostava dos brincos ou dos penteados dele, ou porque achava que o génio futebolístico de Quaresma poderia ofuscar o seu génio táctico. Com o apoio quase geral da crítica desportiva — que sempre esteve do seu lado —, Adriaanse conseguiu fazer estabelecer como doutrina que Quaresma não era jogador de equipa. Mas aconteceu que, tendo-se visto à rasca em dois jogos consecutivos, Adriaanse mandou saltar o Quaresma do banco e ele resolveu-lhe os dois jogos, a golpes de génio. E foi aí que o holandês sem currículo nem vitórias percebeu finalmente que, se algum dia queria poder dizer ao menos que tinha sido campeão de Portugal, não poderia continuar a deixar no banco o homem que lhe resolvia jogos. E foi assim que Adriaanse foi campeão à boleia do FC Porto e de Ricardo Quaresma e com os críticos rendidos à perspicácia do homem que tinha feito do Quaresma «um jogador de equipa». Lendas... A verdade é que foi preciso que Adriaanse tivesse um daqueles seus ataques de personalite aguda e se fosse embora para que o FC Porto — a mesmíssima equipa que ele tinha ao seu dispor — desatasse a jogar futebol, a ganhar jogos e a marcar golos, apesar de, avisadamente, ter abandonado o tão elogiado sistema ofensivo de 3x3x4, que tinha a particularidade de só se aguentar lá trás graças a um super-Pepe e não conseguir marcar golos lá à frente. E foi só depois de ele se ir embora que o Quaresma se instalou definitivamente na equipa, com a liberdade de criação de que necessita, e que também Anderson passou a ter oportunidades de expor o seu deslumbrante talento — até que a banal entrada de katsouranis (conforme a classificou o CD da Liga), o remeteu para o estaleiro durante longos e saudosos meses. De uma coisa eu estou certo: a grande aquisição do FC Porto esta época foi ter-se visto livre desse crânio do Adriaanse.
Agora fala-se, à boca cheia e à boca pequena, que o Quaresma já está de malas aviadas para o Atlético de Madrid. É verdade que houve uns vagos desmentidos e as declarações do próprio interessado (?) afirmando a sua vontade de ficar. Nele, isso só revela sensatez, porque do FC Porto para o Atlético de Madrid iria de cavalo para burro, e quem gosta tanto de jogar futebol como ele, não pode pôr o dinheiro acima de tudo. Mas também há outros indícios preocupantes: o FC Porto deve precisar urgentemente de dinheiro fresco para acorrer a apertos de tesouraria que o fantástico défice de seis milhões de contos na gestão do último ano comprovam. Há uma subscrição em curso de obrigações até ao montante de três milhões de contos, mas destina-se, na sua maior parte, a resgatar o último empréstimo obrigacionista lançado no mercado e falta ver se esta consegue ser toda vendida. Manifestamente, vai faltar dinheiro e não se vê outra forma de o realizar que não através da venda dos anéis. No FC Porto há quatro jogadores com hipóteses de mercado ao nível do seu valor: Pepe, Lucho, Anderson e Quaresma. Noutro patamar de preços, há também o Helton, agora que chegou à selecção do Brasil — embora um bom observador perceba que o Helton, pese a todas as suas evidentes qualidades, tem um pequeno-grande defeito, semelhante ao do Ricardo (e é por isso que, apesar de todas as notícias fabricadas, o Ricardo nunca encontrou um interessado firme lá fora): não domina o jogo aéreo. Assim, dos quatro que têm mercado assegurado, os mais tentadores são o Anderson e o Quaresma, porque são dois desequilibradores natos e ambos ainda muito novos. O Anderson está gravemente lesionado e ninguém sabe quando e em que condições regressará, pelo que a sua venda no final da época é, neste momento, incerta. Resta o Quaresma, que está disponível e em grande forma e que permitiria, saindo já em Dezembro, equilibrar a tesouraria até Julho.
Tudo isto são especulações minhas, embora, como disse, apoiadas em notícias recorrentes, in e off the record, e em deduções que, infelizmente, me parecem lógicas. A tentação de o vender já deve ser grande, assim como deve ser grande o medo dos danos desportivos devastadores que isso poderia causar à equipa e da previsivel revolta dos adeptos, a quem primeiro seria necessário explicar muito bem como se esfumaram os milhões ganhos há dois anos com a venda de toda a equipa campeã europeia e como se consegue perder seis milhões de contos num ano de gestão corrente. E também seria preciso explicar a venda por 12, 15, ou mesmo 18 milhões de euros, de um jogador que vale bem mais do que isso. Por 15 milhões foi vendido o Paulo Ferreira há dois anos!
2- Como aqui previ, terça-feira passada, o FC Porto foi ganhar, e autoritariamente, a Moscovo. Não foi uma previsão feita à toa nem um acto de adivinhação: à força de a seguir atentamente, aprendi a ler os sinais da mentalidade e do estado de espírito deste clube e daquele balneário, independentemente das transformações naturais que vão ocorrendo. E senti que o FC Porto estava a crescer e a evoluir, paulatinamente de regresso ao espírito de campeão que José Mourinho ali instalou. Jesualdo Ferreira tem sido impecável no aproveitamento das potencialidades da equipa e na sua transformação dos esquemas loucos de Adriaanse para um sistema natural de jogo. Não foi apenas o jogo de Moscovo que o mostrou, foram vários jogos anteriores e mesmo o jogo subsequente, aquela infinita chatice do Restelo, onde, sem ter jogado nada, a equipa mostrou que também sabe, quando é necessário, descansar em serviço sem perder de vista a vitória. Verdadeiramente, até agora, só discordo de Jesualdo Ferreira em questões de pormenor, como a desaposta dele em Vieirinha, uma das grandes promessas do início da época.
3- Também penso ser justo e consensual dizer que Paulo Bento continua a demonstrar talento e inteligência como treinador, à frente de uma equipa que, nunca é de mais lembrá-lo, tem um orçamento que é metade ou um terço do que tem a equipa do FC Porto. Paulo Bento não tem um Pepe, um Lucho, um Anderson ou um Quaresma. Tem o que tem e duvido que alguém conseguisse melhor com o que ele tem. Ainda anteontem mostrou como é que, a partir do banco, é possível ir à procura de uma vitória que não se desenhava em campo. Também, com toda a franqueza, achei que a vitória, que o Sporting só procurou nos últimos quinze minutos, ficou a dever-se ao grande simulador Liedson (como lhe chamou José Mourinho), que lá arrancou uma falta completamente forçada e denunciada. Aliás, a partir dos minutos finais do jogo, tornou-se evidente que essa era a táctica do Sporting — para o que contou com a compreensão e apoio de um árbitro que, se a memória não me falha, já é tradicional nestas coisas. E lá vieram mais dois pontos arrancados de livre ao cair do pano, naquela que foi a quinta vitória tangencial do Sporting em oito, e a quarta por 1-0.
Se o critério de aposta fosse a qualidade do futebol até aqui exibido, eu apostaria no favoritismo do Benfica para o derby da próxima sexta-feira, em Alvalade. Apesar de toda a sua irregularidade exibicional e de resultados, manda a verdade que se diga que o Benfica tem mostrado, em várias ocasiões, uma qualidade de jogo que ao Sporting só vi uma vez e contra o Inter. Mas, como todos sabemos e ainda agora se viu na Figueira da Foz, há uma diferença entre merecer ganhar e conseguir ganhar.
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