Será que, quando reclama justiça para o Apito Dourado, Luís Filipe Vieira está a incluir os casos em que ele próprio e José Veiga aparecem implicados, ou o seu critério de justiça só abrange o Norte e, mais especificamente, Pinto da Costa?
1- Esta deve ter sido uma das piores semanas da centenária existência do Sport Lisboa e Benfica. Por razões desportivas, mas, sobretudo, por razões extradesportivas e que mexem com a justiça — a pior imagem possível para um clube que, pela voz do seu presidente, está autonomeado campeão da «transparência e do rigor».
Terça-feira foi a cena do arresto dos bens do seu director desportivo, José Veiga, às ordens do Tribunal Cível de Cascais, que acabaria por motivar a demissão de Veiga. A este respeito, devo dizer, primeiro que tudo, que não concordo com a divulgação das imagens do arresto por parte da TVI. Não eram imprescindíveis à notícia e constituíram uma desnecessária humilhação e desrespeito pelo seu direito à privacidade — que não desaparece por se tratar de figura pública. Agora, também é verdade que Veiga só se sujeitou ao arresto dos bens móveis para garantir eventual crédito de 1,5 milhões de euros porque, seguramente, não tinha a casa em seu nome. E eu desconfio sempre dos motivos que levam quem não teme a não ter em seu nome os bens de que é dono: quase sempre a intenção é fugir ao fisco ou aos credores.
Seja como for, a defesa de Veiga foi contraditória nos seus próprios termos: disse que se demitia porque não queria escudar-se atrás do seu cargo no Benfica, mas, ao mesmo tempo, disse que aquilo só tinha acontecido por ele ser quem era no Benfica. Ou seja, escudou-se, de facto, atrás do Benfica para justificar um aperto decorrente da sua vida comercial privada. Custa-me a perceber como é que alguém ainda conseguiu ver na demissão um acto de coragem e de dignidade!
Pior ainda foi a defesa de Veiga feita por Luís Filipe Vieira, recuperando pela enésima vez a sua cassete encravada para os momentos difíceis, de modo a insinuar que tudo está relacionado com o Apito Dourado e a mão invisível de Pinto da Costa. Ou seja, foi a mando de Pinto da Costa e daqueles que Vieira gostaria de ver como os únicos implicados no Apito Dourado, que um banco luxemburguês se lembrou, já há uns anos, de reclamar este crédito, que o maior escritório de advogados do País se lembrou de pedir o arresto dos bens de José Veiga, e que uma juíza do Tribunal de Cascais, consultadas as razões do requerente, entendeu decretar o arresto. Tudo isto parece absurdo para qualquer pessoa que entenda como funciona a vida comercial e a justiça. Mas não para o presidente do Benfica, que tanto reclama que a justiça funcione: para ele, e vezes de mais, dá ideia de que a instituição e quem a serve deve estar acima da lei e fora de alcance da justiça comum.
Ainda o primeiro episódio Veiga estava ao rubro e eis que ele e Luís Filipe Vieira são ouvidos, logo no dia seguinte, pela Judiciária italiana, por suspeitas de fuga ao fisco, envolvendo a Juventus, no contrato de empréstimo de Micolli ao Benfica.
Quinta-feira, sem deixar respirar ninguém, foi a vez do vereador da CML, José Sá Fernandes, denunciar que a vereação presidida por Carmona Rodrigues havia pago ao Benfica 8 milhões de euros a mais do que constava no contrato (já de si inacreditável de benesses) que Santana Lopes havia negociado com o clube para a construção do novo Estádio da Luz. Interrogado sobre o assunto, o presidente do Benfica limitou-se a assobiar para o ar e a dizer «ele que apresente as provas». Justamente: Sá Fernandes tinha-as apresentado.
Sábado, equipada com o fatal traje de minhoca desenterrada, a equipa de futebol saiu derrotada de Braga, depois de uma exibição confrangedora. Tão confrangedora que o próprio Vieira não resisitiu a chamar-lhes «rapazinhos» que não sabem o que é a camisola — muito embora, logo a seguir, se tenha lançado na habitual explicação sobre os resultados falsificados que impedem o «maior clube do Mundo» de exibir em pleno todo o seu esplendor e reclamar, de direito, a vassalagem a que se acha predestinado.
Enfim, ontem, ainda nem sete dias estavam decorridos sobre o começo de todas as tragédias, e eis que José Veiga é detido para responder, em processo-crime desta vez, às suspeitas de ter desviado, quando ainda «empresário», cinco milhões de euros do negócio da ida de João Pinto para o Sporting. Há muito, muito tempo, estava ainda longe de imaginar que José Veiga viesse a ter a importância no Benfica que lhe deu Luís Filipe Vieira, escrevi que um dia gostaria, só para dissipar dúvidas, de saber quanto pagava de impostos o empresário José Veiga. Hoje, sei que ficou a dever, provados em tribunal, dois milhões de euros e que, ao que parece, ainda a montanha não foi toda escavada. Aliás, esta azia ao fisco parece ser natureza do Benfica e de vários dos seus dirigentes, ao longo dos anos. Será que também se acham acima das obrigações fiscais, só porque se auto-designam arautos da «transparência e do rigor» e do combate a Pinto da Costa?
2-Ao fim de meses e meses de paralisia, o Apito Dourado mexeu-se, mas poucochinho: o juiz de Gondomar decretou finalmente a abertura da instrução contraditória (fase processual de defesa dos arguidos), no que respeita aos processos pendentes naquela comarca. Por outras comarcas do País há processos já com a instrução a decorrer, outros arquivados por falta de indícios de crime e outros já aguardando marcação de julgamento.
Luís Filipe Vieira tem reclamado sem cessar o avanço do processo — quer na justiça criminal, quer na justiça desportiva. E eu, como já aqui o escrevi, estou de acordo, mas com uma ressalva: todos, mas todos os suspeitos, devem ser investigados e, quando for o caso, acusados — quer num, quer noutro foro. Mas todos, e não apenas os que residem a norte ou nas ilhas.
Ora, como se sabe, o Apito Dourado não parece conter outras provas que não as escutas telefónicas feitas a alguns agentes desportivos e que têm sido objecto de criteriosas fugas de informação para a imprensa. E é aqui que eu não compreendo o zelo justiceiro do presidente do Benfica e a complacência com que a comunicação social o deixa desempenhar o papel de Robin ds Bosques da «verdade desportiva»:
— Se há alguma escuta no processo em que, claramente, um dirigente de clube negoceia a nomeação de um árbitro do seu agrado para um jogo do seu clube, essa é a da transcrição da eloquente conversa entre o então presidente da Liga, Valentim Loureiro, e o seu apoiante n.º 1 — justa- mente o presidente do Benfica. Curiosamente, sobre esta conversa não racaiu qualquer investigação nem abertura de processo...
— Se há alguma escuta onde, claramente, se detectam indícios seguros de tráfico de influências e batota desportiva é a das escandalosas conversas divulgadas entre Valentim Loureiro e o então presidente do Estoril-Praia, José Veiga. Curiosamente, também nenhum andamento processual foi dado a este assunto...
Será que, quando reclama justiça para o Apito Dourado, Luís Filipe Vieira está a incluir os casos em que ele próprio e José Veiga aparecem implicados, ou o seu critério de justiça só abrange o Norte e, mais especificamente, Pinto da Costa?
3-E esta noite o FC Porto vai ganhar ao CSKA em Moscovo.
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