terça-feira, julho 05, 2011

NA HORA EXACTA (10 AGOSTO 2010)

1- Escrevi na semana passada que, pelo que me tinha sido dado ver do jogo do FC Porto contra o Bordéus e pelo que ia lendo das crónicas dos jogos de pré-época do Benfica, me parecia que os portistas não estavam preparados para se baterem contra os encarnados ao nível mais alto e que só um milagre os conseguiria fazer recuperar o atraso numa semana. Na verdade, toda a gente pensava o mesmo, mas eu até nem pensava exactamente assim: tratou-se também de uma provocaçãozinha à equipa, para ajudar a despertar o Dragão e apelar ao espírito de conquista e de brio que é uma das imagens de marca das equipas do FC Porto, venha quem vier, saia quem sair.
Mas nem eu, claro, nem ninguém, estava à espera de tamanha demonstração de superioridade dos azuis sobre os vermelhos. Já em Abril passado, no final do campeonato e com tudo já decidido, o Benfica também fora sovado no Dragão (apesar de jogar metade do jogo contra dez), em outra demonstração de raça e brio dos azuis e brancos. Razão teve o Sílvio Cervan para escrever que estava apreensivo com o jogo de sábado, porque via os portistas descrentes e os benfiquistas eufóricos, para não dizer arrogantes (que ele não diria nunca, claro). Foi, de facto, mais e muito melhor do que se poderia esperar: muito mais futebol, muito melhor qualidade. Até aos 28 minutos, assistiu-se a um massacre dos portistas e, na segunda parte, quando se antevia uma reacção do Benfica e o cansaço dos portistas, aconteceu afinal nova e prolongada demonstração de superioridade azul, com o Benfica a conseguir a sua única oportunidade de golo em todo o jogo a cinco minutos do fim. 2-0 foi pouco, demasiado pouco.

A vitória clara dos portistas significou mais do que a conquista de mais uma Supertaça — a competição em que o FC Porto é o grande açambarcador. Como todos terão percebido, ela funcionou como uma espécie de carta de alforria de André Villas Boas e, simultaneamente, um aviso sério ao excesso de confiança dos benfiquistas e de Jorge Jesus (que teve o fairplay de reconhecer o mérito da vitória do adversário). Depois de uma semana em que foi alvo de muitas dúvidas e das palavras, no mínimo deselegantes, de Mourinho, Villas Boas precisava deste triunfo quase desesperadamente. Ele foi absolutamente decisivo para estabelecer uma base de confiança indispensável entre os adeptos e os jogadores para com o treinador e deste consigo próprio. Ao mesmo tempo, mostrou que as notícias sobre o esplendor benfiquista eram, como de costume, exageradas, e que este Benfica, por melhor que seja (e é, relativamente a épocas passadas), continua ao alcance de um FC Porto a jogar à dragão. Já se tinha visto no final da época passada e voltou a ver-se agora, no início desta. O Benfica ficou a saber que tem adversário no Porto. Pode começar o campeonato e que ganhe o melhor.

2- André Villas Boas derrotou o Benfica com uma equipe em que o único elemento novo era João Moutinho. E de fora ainda ficaram Rúben Micael e os dois jogadores em situação de vai-não-vai: Raul Meireles e Fucile. Dito assim, até parece que o neófito treinador conseguiu já melhor do que Jesualdo Ferreira, mas a observação é injusta. Jesualdo jogou longo tempo sem jogadores como Rodríguez, Hulk, Rúben e, sobretudo, Silvestre Varela, a grande estrela do jogo de Aveiro.

Para mim, aliás, João Moutinho foi, juntamente com Hulk, o mais fraco elemento da equipa. Terei de ser convencido de que a sua compra não foi, de facto, um mau negócio, pois que o seu futebol nunca me convenceu por aí alem. Escreveu-se aqui em A BOLA que, no jogo de Aveiro, ele «foi incansável a jogar sem bola». Tratando-se de um médio, jogando numa zona por onde passa quase todo o jogo obrigatoriamente, aquela frase certeira, para mim, quer apenas dizer que ele foi incansável sem bola, talvez, mas inexistente com ela — e, até ver, o futebol joga-se prioritariamente com bola. É verdade que os adeptos o adoram e que ele já fala à dragão. Peço desculpa para dizer que isso é o que menos me convence: sobre a lealdade dos jogadores aos clubes que lhes pagam e às cores que representam, já todos conhecemos a verdade dos sentimentos. E o João Moutinho é um bom exemplo disso. Se ele falar menos à dragão e for menos incansável a jogar sem bola, eu começarei a ficar mais convencido. Até lá, continuo a pensar isto: que falta que nos faz agora o Nuno André Coelho!

3- Se o FC Porto jogou muito e bem, o Benfica jogou pouco, mal e feio. E este último aspecto merece algumas considerações. Para começar, o antidesportivismo: julgo que a Luz teria vindo abaixo se alguma equipa adversária tivesse lá jogado com a falta de desportivismo com que os benfiquistas jogaram em Aveiro. É difícil entender, por exemplo, como é que a dois minutos do fim e com o jogo decidido, os jogadores do Benfica não põem a bola fora, vendo o Falcão no chão, torcendo-se de dores com uma cãibra. Fizeram o mesmo duas outras vezes antes, pelo que o público da Luz fica já a saber que esta é a regra da sua equipa e não tem que se admirar ou protestar se os adversários lhe fizerem o mesmo.

Feio também foi o festival de pancadaria protagonizado pelo Benfica, perante a complacência de João Ferreira, o árbitro do túnel da Luz. O mesmo indivíduo que, na confusão do túnel da Luz conseguiu descortinar uma pseudo - agressão do Hulk a um segurança, tão grave que justificou uma suspensão de três meses, não conseguiu ver ali, à frente dele, nem a cotovelada do Cardozo no Sapunaru, nem o pontapé do Armar no Belluschi, nem o pontapé por trás do David Luiz no Sapunaru, com o jogo parado, nem a pisadela voluntária do César Peixoto num adversário caído. Mas, sobretudo, não conseguiu ver nada, absolutamente nada, que justificasse um amarelo em todo o jogo ao Carlos Martins, que passou 90 minutos a distribuir pancada por todos os adversários que se cruzavam com ele (sete entradas para amarelo, contei eu!). Se este fosse um jogo do Mundial, o Benfica teria acabado com sete jogadores em campo, aqui acabou com os onze. Mas o mais irónico é que estamos a falar de um campeão nacional que terminou quase metade dos seus jogos na época passada contra equipas em inferioridade numérica, por expulsão de jogadores. A Luz viria abaixo se o critério disciplinar de João Ferreira se aplicasse aos adversários do Benfica, à vista do seu público. Mas a procissão vai ainda antes do adro e, por isso, convém que se pergunte desde já: esta arbitragem foi apenas um erro individual que será devidamente castigado ou pretende fixar um padrão de conduta de todas as arbitragens para os jogos do Benfica? Acho que Vítor Pereira tem obrigação de esclarecer desde já as coisas. A ver se podemos esperar uma época mais tranquila e com menos casos. É que uma coisa é certa: uma arbitragem como a que João Ferreira protagonizou na final da Supertaça não é admissível. E só não está toda a imprensa aos berros com isso porque o beneficiado foi o Benfica.

4- Pouco mais de um mês passado sobre a sua prestação ao serviço do Uruguai no Mundial, e pouco menos de duas semanas depois de se apresentarem ao serviço no Porto, Fucile e Álvaro Pereira, acompanhados por Cristián Rodríguez, já partiram novamente ao serviço da selecção uruguaia— suponho que para um jogo particular. A isto chama-se explorar os clubes, e um dia a FIFA terá de olhar com atenção para o problema, sob pena de um dia os clubes falirem e acabarem as selecções, tal como as conhecemos.

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