Victor Fernandez tem um claro problema de abundância de bons jogadores. O que, sendo um bom problema, não deixa de o ser. Mas, sejam quais forem as soluções encontradas, há dois jogadores de quem não deve prescindir como soluções correntes: Carlos Alberto e McCarthy
1. Os corações de alguns benfiquistas andavam impantes, com as três vitórias na abertura do campeonato, a par das sucessivas escorregadelas dos rivais. E digo alguns porque outros, dos meus conhecimentos, não esqueceram que o Benfica começou a época falhando os dois jogos que mais interessavam: a conquista da Supertaça Cândido de Oliveira contra o FC Porto e, sobretudo, o apuramento para a fase final da Liga dos Campeões, baqueando em voo rasante às mãos de um modesto Anderlecht. E também não lhes passou despercebido que as três vitórias consecutivas foram obtidas, as do campeonato, contra candidatos à despromoção e, a da Taça UEFA, contra uma equipa eslava com nome de biscoito. E, enfim, também não deixaram que os resultados iludissem a pobreza franciscana das exibições. Em poucas palavras, o Benfica tem mostrado muito pouco futebol para uma ambição rapidamente elevada aos mais altos cumes, por via de quatro vitórias banalíssimas. Talvez por isso, a anunciada «enchente» do Estádio da Luz para o jogo com o Braga (tão bem promovida pela imprensa) traduziu-se, afinal, por pouco mais de meia casa. Mas, não obstante os sinais reclamando menos euforia e mais lucidez, logo na imprensa de sábado de manhã o benfiquista Fyssas achava-se suficientemente confiante para proclamar «não temos medo de ninguém!» e, sábado à noite, o presidente Luís Filipe Vieira, a pretexto dos protestos de Pinto da Costa contra a Comissão de Arbitragem da Liga, declarava, triunfante: «O nosso primeiro lugar já começa a incomodar.» E eis que... Eis que, sábado à noite, o FC Porto arrancava finalmente a primeira vitória do campeonato, em Guimarães. E reza a tradição que, ano em que o Porto ganha em Guimarães, é campeão. É verdade que só ganhou a nove minutos do fim, teve de marcar três golos para que um valesse, arrastou-se durante a primeira meia hora do jogo, fazendo temer novo fiasco, mas depois arrancou a sério e só Palatsi e a falta de sorte evitaram um resultado desnivelado, que teria sido inteiramente justo. De Guimarães soprou assim o primeiro cheirinho a Porto e tanto bastou para que, no domingo, o Benfica tremesse na Luz, diante do Braga, pondo fim à sua série de vitórias e só não averbando a primeira derrota porque o árbitro apitou mal um fora de jogo num remate de João Tomás que só acabou no fundo da baliza de Moreira. E domingo à noite, feito o balanço da jornada, o FC Porto tinha ganho dois pontos ao Benfica, dois ao Sporting e três ao Boavista. Foi blackjack da banca contra todos. Agora é que as coisas vão começar a sério.
2. O FC Porto arrancou finalmente, ou parece ter arrancado, no limite psicológico para o fazer. Novo jogo sem vitória poderia ter consequências desastrosas numa equipa que se prepara para continuar num ciclo terrível, iniciado em Guimarães, continuado depois de amanhã em Londres e 10 dias mais tarde na Luz. Mas a vitória do FC Porto em Guimarães parece ter tido mais que ver com a melhoria individual de alguns jogadores que com uma alteração táctica ou de atitude da equipa. Durante a primeira meia hora, aliás, o futebol produzido, à semelhança do dos jogos anteriores, foi de uma vagareza, falta de imaginação e de coragem confrangedoras. Mas, depois, despertou pela primeira vez o génio de Diego, que ainda não havia sido visto; Derlei deu mostras de querer regressar aos seus bons velhos tempos; Quaresma conseguiu um jogo sólido e eficaz, quase de princípio a fim, e Bosingwa (cuja inclusão eu defendi aqui, no último artigo) deixou Seitaridis a milhas de distância, defendendo com muito mais eficácia e revolucionando o corredor direito. No resto das suas escolhas creio que Victor Fernandez andou mais mal que bem: Ricardo Costa falhou, novamente, abrindo buracos sem fim no lado esquerdo da defesa, Hugo Leal voltou a mostrar a sua falta de utilidade e Hélder Postiga, para além de mais uma exibição rigorosamente inofensiva, permitiu-se ainda ser expulso, por insultos, sem razão nem sentido (nem educação...) dirigidos ao árbitro auxiliar. Já aqui o escrevi mas vale a pena voltar ao caso do Hélder Postiga, até porque, tão novo que é, tudo pode ainda ser revisto. Quando saiu para Inglaterra, há dois anos, escrevi que, em minha opinião, o fazia prematuramente: tratava-se de um bom avançado, com boa técnica e sentido de jogo na zona nevrálgica da área, mas faltava-lhe aprender a matar, a colocar-se e jogar com o objectivo quase único do golo. A sua passagem por Inglaterra foi o desastre que se sabe, explicado por José Mourinho com a sua falta de combatividade para um futebol onde os strikers não têm vida fácil. Apesar disso Pinto da Costa — que tem um fetiche particular em ir buscar de volta ao estrangeiro jogadores que vendeu, exactamente porque não gosta de os vender...— resolveu, já este ano, ir buscar o Postiga de volta e por um preço muito caro. Demasiado caro para que ele, por exemplo, se permita ser expulso por insultar um árbitro auxiliar... Mas o Postiga que voltou, aureolado por duas boas meias partes em jogos da Selecção, é um jogador que, sobre continuar a não marcar golos (tarefa principal da sua função), parece-me muito preguiçoso e blasé, claramente sem a garra de um Derlei, a técnica de um Luís Fabiano ou a eficácia de um McCarthy. E, já que estou a analisar — e, em alguns casos, a contestar — as opções de Victor Fernandez, não posso deixar passar dois casos que me parecem de difícil justificação, como excluídos. O primeiro é, justamente, McCarthy, de quem, como se sabe, reza a lenda que Fernandez não é grande admirador. Mas, primeiro, McCarthy foi muito caro para ser arrumado em definitivo; em segundo lugar, já provou no FC Porto ser um grande jogador e daí a insistência que José Mourinho pôs na sua aquisição, prometendo em troca a Pinto da Costa... a Liga dos Campeões; em terceiro lugar, foi o melhor marcador da Liga do ano passado e da Liga dos Campeões, onde teve papel decisivo, por exemplo, na eliminação do Manchester; em quarto lugar, é o melhor dos pontas-de-lança que o FC Porto tem—já que o Luís Fabiano não parece ser um verdadeiro ponta- de-lança para jogar solitário, antes um segundo avançado de apoio ao cabeça de área, como o é o Derlei ou mesmo o Carlos Alberto. E o Carlos Alberto é, precisamente, o segundo mal excluído, em minha opinião. O pouco que esteve em campo contra o Guimarães ou o Estoril deu para ver (se provas suficientes não houvesse já da época passada) que é um verdadeiro desequilibrador, essencial numa equipa cujo meio-campo se tem mostrado tão previsível. Bem orientado, estimulado e aproveitado, mesmo que não sejam todos os 90 minutos, não tenho dúvidas de que o Carlos Alberto pode vir a ser um dos mais valiosos jogadores do mercado europeu dos tempos mais próximos. É claro que o Victor Fernandez tem um claro problema de abundância, agravado pelo facto de ainda não ter decidido — e não será fácil decidir — por que sistema quer, afinal, optar: um 4x3x3 teoricamente mais ofensivo ou um 4x4x2 em que o motor do ataque resida no meio-campo. A primeira opção é dificultada pelo facto de o FC Porto só dispor de um verdadeiro extremo que dê garantias: o Quaresma (Maciel e César Peixoto queimaram sucessivamente todas as oportunidades que lhes foram concedidas e não justificam mais ilusões). Assim sendo, e colocando o Ricardo Quaresma como extremo, restam a Victor Fernandez duas opções: a que usou em Guimarães — Luís Fabiano e Derlei completando o tridente ofensivo —, sendo que, como disse, nenhum deles é, em minha opinião, um verdadeiro ponta-de-lança; ou então usar o ponta-de-lança McCarthy e prescindir ou do Fabiano ou do Derlei. Nesta hipótese de 4x3x3, o três do meio-campo é mais ou menos pacífico: Costinha, Maniche e Diego, embora eu ache que, nos jogos contra equipas acessíveis, não fosse de excluir um meio-campo mais virado para a frente, com o Maniche como falso trinco e o Diego e o Carlos Alberto como médios-alas. Concordo, porém, que é uma experiência e de risco. Se, porém, Fernandez se inclinar para um aparentemente mais sólido 4x4x2, acho que estes quatro de que falei devem constituir obrigatoriamente o meio-campo: Costinha, Maniche, Diego e Carlos Alberto. Resta saber quem formaria o ataque: uma clássica dupla de avançados centrais — Derlei e Fabiano, com McCarthy a primeiro suplente — ou um só avançado-centro, apoiado por um extremo (Quaresma) e contando, por exemplo, com um Bosingwa capaz de repetir as incursões pelo corredor direito, que fez em Guimarães? E, se o Quaresma fosse opção para a dupla da frente, para quem seria o lugar sobejante: Derlei, Fabiano ou McCarthy? Eis os salutares problemas de abundância que se colocam a este FC Porto. Por serem salutares não quer dizer, porém, que sejam fáceis de resolver, e ainda na semana passada aqui escrevi sobre isto, comparando o FC Porto com o Real Madrid. Mas também não tenho dúvida nenhuma de que são melhores os problemas de abundância de bons jogadores que os da falta deles. E é em situações destas que os treinadores têm de mostrar o que valem.
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