Talvez que repor os cavalheiros no poder —o que seria normal e exigível
num clube com a dimensão e o passado do Benfica—fosse o primeiro passo a
dar para regressar aos tempos em que o Benfica orgulhava Portugal
1. O RESULTADO
certo e justo do Benfica-Porto era 1-1, pela simples razão de que ambas
as equipas marcaram um golo: o do Porto num espectacular remate de
McCarthy, o do Benfica num espectacular frango do Baía, que, não
obstante a rapidez dos seus reflexos subsequentes, não conseguiu evitar
que a bola entrasse por completo na baliza. Não o posso jurar a 100 por
cento, como ninguém o pode, mas foi a convicção, a quase certeza, com
que fiquei, vendo e revendo o lance da única perspectiva de onde é
possível tirar conclusões: de lado .Acontece que nem o árbitro nem o
auxiliar dispuseram quer dessa perspectiva de visão quer das repetições
do lance de que nós todos dispusemos depois. Daí que seja apenas lícita
a primeira conclusão: foi golo. Mas não a segunda: o árbitro e o seu
auxiliar não o quiseram deliberadamente ver. Como aqui deixei dito, no
domingo, em bate-papo com a Leonor Pinhão, nunca pensei que o resultado
do jogo, fosse ele qual fosse, pudesse decidir já o campeonato, como o
afirmou depois o especialista José Veiga (já lá iremos...). Em função do
erro de avaliação do árbitro que, de facto, adulterou o resultado, esse
erro só a final se poderá saber que importância teve: se o Benfica vier
a ganhar o campeonato ou se o FC Porto o ganhar com mais de quatro
pontos de avanço sobre o Benfica não terá tido importância alguma; só se
o FC Porto for campeão com menos de quatro pontos sobre o Benfica é que
se poderá dizer que este erro foi decisivo. Cá estarei então para o
reconhecer, como agora estou para reconhecer que foi golo e,
consequentemente, o resultado não traduz o que realmente aconteceu.
2. O ÁRBITRO
Excepção feita aos chamados casos do jogo, Olegário Benquerença passou
os 90 minutos, com especial ênfase na primeira parte, a arbitrar contra
o FC Porto. Em todos os lances divididos decidiu a favor do Benfica;
voltou atrás por três vezes para marcar faltas contra o Porto, depois de
os jogadores do Benfica terem prosseguido com a jogada e depois de
perderem a bola, em benefício do infractor; inventou três livres
perigosos à entrada da área contra o Porto, que não existiram;
transformou pontapés de baliza a favor do Porto em cantos a favor do
Benfica, fazendo o contrário na baliza oposta; guardou os primeiros
quatro cartões do jogo para jogadores do Porto e todos eles mal
mostrados, com isso inibindo, evidedentemente, esses jogadores em
tarefas defensivas; reservou o mesmo cartão vermelho para Nuno Gomes e
Pepe, quando o primeiro entrou a pontapé sobre o adversário, para lhe
tirar a bola das mãos, e o segundo se limitou a desviar-se e depois a
empurrá-lo,num gesto de autodefesa. Toda a gente refere um penalty não
assinalado contra o Benfica, quando Seitaridis terá agarrado Karadas, ao
minuto 1 da segunda parte. Com a mesma sinceridade com que confesso que
vi a bola dentro da baliza de Baía, também digo que, visto e revisto
este outro lance inúmeras vezes, não consegui ver em imagem alguma
Seitaridis a agarrar Karadas. Pelo contrário: vi o norueguês rematar à
baliza em muito melhor estilo do que lhe é habitual e a falhar
incrivelmente um golo quase feito e que representou, aliás, a única
verdadeira oportunidade de golo criada pelo Benfica em todo o jogo.
Tivesse o árbitro apitado para esse suposto penalty e de seguida Karadas
tivesse feito o golo, que seria anulado em benefício de um penalt y— e
este tivesse sido falhado —, teríamos agora todos os benfiquistas a
gritar que o árbitro lhes tinha anulado um golo. Há também um lance, que
precede a marcação de um canto na área do Porto, em que se vê
nitidamente o Pepe a chegar uma cotovelada ao Karadas e depois este a
agarrar-lhe o pescoço, projectando-o para o chão. Jorge Coroado — esse
grande especialista em dizer agora mal das arbitragens dos ex-colegas —
viu aqui outro penalty. Só se esqueceu de três coisas: primeiro, a
cotovelada do Pepe acontece antes de o canto ser marcado — o que
significa que a bola não estava em jogo, logo não podia haver lugar à
marcação de um penalty mas, quanto muito, a uma acção disciplinar;
segundo, o próprio canto que dá origem a esta jogada foi um dos tais mal
assinalados por Benquerença; terceiro, como todos sabemos, jogadas como
aquela sucedem nos nossos jogos em todos os instantes que precedem a
marcação de cantos, só se estranhando que não se tenha passado em
revista os cantos contra o Benfica, porque lá estariam, seguramente,
jogadas idênticas. Dependendo da vontade do realizador televisivo, é
possível, entre nós, descobrir ou apagar, em cada jogo, vários penalties
destes. A
3. ORGANIZAÇÃO DO JOGO
O que se passou com a organização do jogo, por parte do Benfica e, em
especial, quanto à questão dos bilhetes, foi a criação de um precedente
muito grave, em termos de desportivismo, de responsabilidade e de
seriedade. O que se passou foi o seguinte: o FC Porto adoptou o
comportamento que há anos vigorava informalmente entre as direcções do
clube e as do Sporting e do Benfica, e a qual se manteve sempre em
funcionamento, mesmo nos piores tempos das relações bilaterais. Esse
procedimento consistia em um director do FC Porto contactar um director
do Benfica e fazer-lhe directamente o pedido de bilhetes (no caso
concreto foram 3500, muito aquém do máximo regulamentarmente
estabelecido). Na segunda volta era a vez de o Benfica fazer o mesmo,
sendo que a base de confiança estabelecida era tão pacífica que os
bilhetes eram mutuamente requisitados a crédito, só no final da época se
saldando as contas entre os clubes. Foi o que aconteceu agora,
envolvendo pessoas de um lado e do outro cujos nomes não vou revelar
porque me foi pedido segredo. Estavam as coisas a rolar como
habitualmente quando alguém resolve lembrar a Luís Filipe Vieira que,
segundo os regulamentos, o FC Porto deveria ter pedido os bilhetes, por
escrito, até 12 dias antes — o que, de facto, não sucedeu porque a
direcção azul confiou, como era hábito, no acordo estabelecido
telefonicamente. Mas, desautorizando o seu próprio director envolvido no
acordo e quebrando uma prática civilizada estabelecida com mútuas
vantagens, Vieira viu aqui uma oportunidade para abrir uma guerrilha em
volta do jogo e veio declarar solenemente que «nesta casa não
funcionamos com telefonemas». Ou, por outras palavras, com esta direcção
do Benfica não há acordos de cavalheiros. Elucidativo. Mas aconteceu que
as claques do Porto foram mais espertas ainda e minaram a manobra do
presidente do Benfica, indo comprar bilhetes... ao próprio Benfica.
Vendo o tiro sair-lhe pela culatra, o presidente do Benfica decidiu-se
pela fuga em frente, agravando o clima de tensão e mesmo de incitamento
implícito à violência, começando com a acusação patética de que os
bilhetes (vendidos pelo próprio Benfica...) seriam falsos e depois
exigindo que, em lugar de reunir todos os adeptos do Porto, estes fossem
dispersos pelo estádio, no lugar correspondente aos seus bilhetes. O
resultado final foi que a polícia se viu obrigada a enlatar 3000 adeptos
portistas num sector reservado aos tais 1008 — o número de portistas que
Vieira estava disposto a consentir. Se o jogo se realizou e se decorreu
sem acidentes, deve-se exclusivamente aos adeptos deu-me de outro lado,
que, felizmente, deram uma lição de civismo à direcção do Benfica. Só
gostava que me explicassem porque é que, depois de uma semana em que a
direcção e o presidente do SL Benfica se afadigaram em manobras,
declarações e comunicados destinados a estabelecer um clima de guerra e
de violência à volta do jogo, enquanto a direcção e o presidente do FC
Porto se limitaram a recorrer às instâncias competentes, no mais
remetendo-se a um silêncio e contenção irrepreensíveis, houve
articulistas disponíveis para lamentar as atitudes de... ambos os lados.
Será crime de lesa-majestade reconhecer que a direcção do Benfica se
portou mal?
4. O «SHOW» PRIVADO DE VEIGA E VIEIRA
De José Veiga eu já conhecia o currículo e adivinhava as maneiras.
Reconheço-lhe a dificuldade particular de um cristão-novo benfiquista,
que outrora, na sua paixão portista, chegou a alimentar o patético sonho
de substituir Pinto da Costa à frente do FC Porto. Mas não o sabia um
comentador desportivo tão arguto que conseguiu ver o Benfica «a dominar
o FC Porto durante praticamente os 90 minutos». Não lhe conhecia o
destempero de querer bater nos árbitros no final do jogo (como todos
vimos, menos, obviamente, o CD da Liga). Não o conhecia tão bem
informado sobre os árbitros, que até sabe o dia do aniversário deles
(talvez para lhes mandar os tais «presentes suspeitos», de que falou).
Quanto à ordinarice rasteira que mostrou no final do jogo, com
considerações sobre a vida privada de Pinto da Costa, isso, francamente,
já esperava dele: condiz com o personagem. O que francamente me
surpreendeu foi ver um presidente da tal instituição chamada SL Benfica,
que nos seus tempos mais gloriosos foi dirigida por um cavalheiro
chamado Borges Coutinho, vir secundar e acrescentar, a propósito de um
simples jogo de futebol, as afirmações rascas e as ameaças
inqualificáveis sobre a vida pessoal do presidente de um clube rival,
lançadas ao vento por esse tal Veiga. Mas, agora que sabemos que no
Benfica deixou de haver acordos de cavalheiros, compreende-se melhor as
razões para 11 anos de frustrações. Talvez que repor os cavalheiros no
poder — o que seria normal e exigível num clube com a dimensão e o
passado do Benfica— fosse o primeiro passo a dar para regressar aos
tempos em que o Benfica orgulhava Portugal.
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