Este FC Porto, que ainda há meses atrás entrava em campo com uma
confiança e uma segurança que eram logo meio caminho andado para a
vitória, agora soçobra ao primeiro golpe e navega à vista
ESTE FC Porto, de Victor Fernandez, é uma equipa desconcertante, difícil
de entender racionalmente emais difícil ainda de aceitar pelos seus
adeptos. Dizia-me há dias um deles que «dá dó ver jogar esta equipa ». E
dá dó, porquê? Não creio que seja porque todos os portistas estivessem à
espera de uma temporada sequer próxima das duas últimas: quando olhamos
friamente para o panorama actual do futebol europeu, pós-Lei Bosman, e
quando medimos o potencial comparativo dos grandes clubes europeus com
os portugueses, somos forçados a chegar à conclusão de que um clube
português conseguir ser, num espaço de dezassete anos, duas vezes
campeão europeu e, no meio, ganhar uma Taça UEFA, uma Supertaça Europeia
e umaTaça Intercontinental, é uma probabilidade bem menos do que
razoável. Menos ainda o é repetir num futuro próximo as duas épocas de
absoluta glória, interna e externa, que o FC Porto registou nos anos de
2003 e 2004. Aliás, sempre achei curioso que, enquanto o FC Porto
atravessava o caminho da glória e se impunha como potência
internacional, hoje conhecido nos quatro cantos do mundo como o foi o
Benfica dos anos sessenta, aqui se continuasse tranquilamente a
filosofar e a escrever sobre a crise e a amargura do panorama actual do
futebol português. Como se o FC Porto não fizesse parte do futebol
português e o estado deste se pudesse resumir ao estado do futebol do
Sporting e do Benfica!
Nenhum portista esperaria, pois, que a história pudesse continuar a
seguir a direito, depois de Mourinho e depois de Deco.As coisas são como
são e todos tivemos consciência de que, às vezes, há personagens
irrepetíveis emomentos irrepetíveis. Não existe outro José Mourinho,
como não existe outro Deco, e não existe outra estrutura e outro tempo
como o que ambos encontraram no FC Porto e que permitiu a todas as
partes potenciar até ao limite as suas capacidades. O momento mágico de
2003- 2004 é irrepetível: nem o FC Porto encontrará outro José Mourinho
nem José Mourinho encontrará outro FC Porto como esse. A vida é assim
mesmo, feita de encontros e desencontros.
Mas aconteceu que a ambição de Pinto da Costa se revelou, a meu ver,
maior do que a dos adeptos. Se alguém se mostrou inconformado com a
perspectiva do final dos tempos de glória e com o regresso à
«normalidade», foi ele, mais do que o adepto comum. E aconteceu que, em
lugar de se limitar a encaixar as mais-valias tornadas possíveis pela
triunfante campanha europeia, ele decidiu recomeçar tudo outra vez,
investindo em novos jogadores, nova equipa, novas esperanças. Com a
compra de jogadores como Diego, Fabiano, Seitaridis, Quaresma, ele
relançou os sonhos e pôs os portistas a esperar – tal como a direcção do
clube – que o horizonte mínimo expectável para esta época se fixasse no
título nacional e na passagem aos quartos-de-final da Liga dos Campeões.
E é aí que as coisas se têm revelado bem mais complexas e menos
evidentes do que se esperava.
O facto primeiro é que a nova equipa, que precisava de ser reconstruída,
perdeu o primeiro mês de readaptação com o episódio rocambolesco de
DelNeri.O facto segundo é que quando Victor Fernandez precisava não só
de iniciar esse trabalho novo, como também de fazer esquecer os
devaneios de Del Neri, teve de entrar imediatamenteemcompetição a sério
e viuse «raziado» pela partida de jogadores fundamentais para as
respectivas Selecções Nacionais, onde os jogadores não apenas se
desgastaram, como ainda se lesionaram( Costinha falhou a pré-época
devida aumalesão contraídanoEuro, Nuno Valente e Luis Fabiano estão
parados por lesões ao serviço de quem não lhes paga o ordenado).O facto
terceiro é que, tendo privilegiado um critério de aquisições que apostou
preferencialmente na juventude dos jogadores (Pepe, Fabiano, Carlos
Alberto, Bosingwa, Raul Meireles,Postiga, Diego, Quaresma) – um critério
adequado, quer do ponto de vista de formação desportiva, quer do ponto
de vista da valorização futura – o FC Porto paga o preço correspondente
de ter demasiada juventude e pouca maturidade na afirmação do carácter
da equipa, e isso vê-se claramente nos jogos internacionais.
A estes factos, que concorrem objectivamente para a letargia exibicional
da equipa, podemos acrescentar outros, que sendo mais subjectivos, me
parecem todavia também detectáveis facilmente. É o caso da condição
física da equipa, que, longe de ir melhorando com o tempo e os jogos,
antes parece irse degradando progressivamente, com a sobrecarga de
jogos. No espaço de oito dias, viu-se como o FC Porto apenas durou meia
parte contra o Benfica e o Penafiel e vinte minutos contra o PSG. Há ali
jogadores que mais parecem estar em fim de época, de tal maneira é
visível o esforço que fazem para tentar aguentar umjogo inteiro: o
Seitaridis, que há um mês que não ultrapassa a linha do meio-campo,
limitando as suas acções «ofensivas »... a atrasar a bola para o Vítor
Baía; o Jorge Costa, que faz das tripas coração para estabelecer alguma
ordem no centro de uma defesa órfã da segurança que dava o Ricardo
Carvalho; oCostinha, que se arrasta a olhonue cuja influência no jogo se
limita às imediações da área defensiva (viu-se como o Bosingwa o
substituiucommuitomais eficácia, contra o Penafiel); o Maniche, que
andou com a equipa ao colo no início da temporada e que agora começa a
acusar claramente a sobrecarga de esforços; o Diego, que ainda continua
ao ritmo tropical, não durando mais de trinta minutos; e o Derlei, que
passou de alma da equipa a fantasma de corpo presente, tendo
interrompido o seu regresso à forma e à condição física com aquela
entrada venenosa do Toñito, no «amigável» de pré época contra o
Boavista. São demasiados jogadores em sub-rendimento, os suficientes
para se poder falar da espinha dorsal da equipa, que parece presa por
arames e arrastada por uma vontade a que o corpo não responde. Há
qualquer coisa que está a falhar na recuperação ena condição física dos
jogadores e isso é evidente.
São muitos factores a funcionarem contra Victor Fernandez.É difícil
formar uma equipa ganhadora quando metade dela não tem condição física,
quando metade é constituída por jogadores novos e inexperientes e
quando, ainda por cima, a sorte não tem ajudado em momentos decisivos.
No Mónaco, como em Londres e Paris, o Valência, o Chelsea e o PSG
chegaram ao golo no primeiro remate que fizeram à baliza de Baía e em
todos os jogos tiveram menos posse de bola, menos ataques e menos
remates que o FC Porto. E, todavia, assim que chegaram ao primeiro golo,
tornou- se claro que a vitória não lhes escaparia. Porque este FC Porto,
que ainda há meses atrás entrava em campo com uma confiança e uma
segurança que eram logo meio caminho andado para a vitória, agora
soçobra ao primeiro golpe e navega à vista.
E, embora haja coisas pontuais em que Fernandez insiste, a meu ver, sem
razão (Derlei e Costinha não estão em condições, Carlos Alberto e
McCarthy são indispensáveis, Diego é apenas uma promessa), é difícil, de
facto, perceber onde e como é que as coisas poderiam ser imediatamente
invertidas. Mas têm de o ser rapidamente, sob pena de, dentro de um mês
ou quinze dias, o FC Porto ficar afastado, sem honra nem glória, da
defesa do título europeu que tão brilhantemente conquistou. O que muito
iria encher de satisfação os «tubarões» da Europa, que nunca digeriram
bem a vitória de um clube intermédio numa competição que têm como
coutada sua.
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