segunda-feira, setembro 05, 2011

OS DEUSES DO ESTÁDIO (30 NOVEMBRO 2010)

1- À hora a que os deuses vão descer ao estádio, em Camp Nou, eu vou estar a trabalhar e sem hipótese de espreitar a televisão. Espero vê-lo depois em gravação, mas tarde de mais para poder deixar aqui as minhas impressões. E tenho muita pena, porque de certeza que há-de ser um grande jogo, visto por 400 milhões de adeptos do grande futebol em todo o planeta. O negócio universal que é o futebol alimenta-se de jogos destes e é por isso que um jogo assim nunca pode degenerar num mau jogo: seria um suicídio promocional para todos os profissionais pagos a peso de ouro que vão estar em campo.

2- Pois, está bem que terá sido emocionante, como qualquer clássico de resultado incerto sempre é, mas o Sporting-FC Porto foi um mau jogo de futebol. O Sporting deu o que pode e o que tem; o FC Porto deu menos do que pode e do que tem, confirmando as impressões que aqui foi deixando nas últimas duas semanas de que a equipa está em descompressão ou em pausa de forma, após ter passado com distinção o primeiro terço da época — onde garantiu tranquilamente a qualificação para a segunda fase da Liga Europa, uma vantagem confortável na liderança do campeonato e a humilhação infligida ao Benfica.

O FC Porto deste ano, como já sucedia na temporada passada, é uma boa equipa, com um notável e tradicional espírito de conquista, mas uma equipa desequilibrada. Ali coabitam grandes jogadores, como Falcão, Hulk e Álvaro Pereira, bons jogadores intermitentes, como Belluschi, Varela e Fucile, e os restantes, que são apenas razoáveis ou menos até (e fora os que esperam ainda por uma verdadeira oportunidade para se mostrarem plenamente). Para mim, o ponto fraco desta equipa está no centro da defesa — onde Bruno Alves disfarçava as limitações de Rolando e onde Villas Boas tarda a dar entrada de pleno direito àquele que parece o melhor dos centrais existentes: Otamendi. E está no meio-campo, onde apenas existe um médio de ataque à altura das necessidades, o Belluschi, e onde o médio defensivo, Fernando, voltou a dar em Alvalade uma cabal demonstração das suas limitações, defensivas e ofensivas, constituindo, por si só, o maior factor de perigo para a propria equipa, errando passes a fio, alguns permitindo o contra-ataque imediato, e acumulando faltas em locais perigosos para compensar a sua falta de velocidade e capacidade de antecipação.

O resultado acabou por ser bem melhor do que a exibição e penso que não adianta queixarmo-nos do golo precedido de off-side do adversário ou da expulsão de Maicon, que me pareceu forçada, mas que nasce de uma asneira imperdoável do próprio. A verdade é que estamos a jogar bem menos do que há três semanas e, se bem que seja absolutamente legítimo e normal que as equipas atravessem momentos de pausa na forma, o problema aqui é que, quando os motores da equipa descansam, não há quem os substitua em condições. Por isso, pela segunda vez na Liga, o FC Porto viu um jogador expulso numa altura crucial, perdeu pontos e o seu treinador foi mais cedo para a cabina. Porque o mais difícil de digerir são as culpas próprias.

3- Durante os seus anos de FC Porto, defendi sempre que o verdadeiro lugar de Raul Meireles era a trinco. Este fim-de-semana, vi-o jogar nessa posição pelo Liverpool contra o Tottenham. Ele salvou golos lá atrás, carregou todo o jogo para a frente, com passes em profundidade e em constante progressão, marcou os cantos e o livre que deu o golo aos reds. Enfim, jogou box to box — aquilo que um verdadeiro trinco tem de fazer, hoje. E mais: rematou à baliza e querem crer que — ele, que em Portugal tinha fama de grande rematador de meia distância, embora em cada dez remates atirasse nove para a bancada — ali, não só acerta todos na baliza, como o faz sempre com perigo? Qual será o mistério? Não me digam que é trabalho...

4- Trabalho foi o que não se viu na equipa do Benfica, em Israel — ao contrário do Braga contra o Arsenal. Viu-se sim, arrogância, displicência e esse velho convencimento que os benfiquistas têm de que, devido a algum privilégio especial de que gozarão, tudo lhes virá cair à mão sem grande esforço. Anunciaram-se candidatos a campeões europeus e ficaram na primeira fase, num grupo tão fácil que nem de encomenda. Terão aprendido a lição? Qual quê! Isto é o grande Benfica, não tem lições a aprender com ninguém!

5- A tão anunciada reportagem de Nuno Luz, da SIC, sobre José Mourinho, valeu bem a pena. Sempre acreditei que só podemos julgar seriamente os outros através do testemunho de quem lhe é próximo. Nuno Luz fê-lo e, ao ouvirmos o testemunho dos colegas de trabalho de Mourinho ou dos seus antigos jogadores, como Jorge Costa, Costinha e Vítor Baía, pelo FC Porto, ou Didier Drogba, JohnTerry, Paulo Ferreira e Frank Lampard, pelo Chelsea, ou ainda de Stankovic, Javier Zanetti e Marco Materazzi, pelo Inter, deu para entender bem porquê que José Mourinho é um vencedor: porque, como disse Maradona, nenhum jogador que alguma vez tenha trabalhado com ele, disse mal dele. Mourinho é organizado, é inteligente, é metódico, acredita no valor do trabalho duro e sério. Ele é tudo isso, e mais o que faz a diferença: é um líder, um condutor de homens. O treinador com quem John Terry confessou que pela primeira vez desabafou sobre a sua vida privada ou o treinador, que acabado de ganhar a Champions e já de saída do estádio e do Inter, parou o carro quando viu Materazzi sozinho e foi-se abraçar a ele a chorar, numa cena arrepiante de tão humana e simples. «Vai em frente!», disse-lhe então Materazzi. E ele foi, ele vai: em frente eternamente, com esse vício de vencer que é a sua imagem de marca e esse defeito tão pouco português. (Escrevo isto dois dias antes do Barcelona-Real Madrid e convencido de que ele não sairá derrotado de Camp Nou. Mas, mesmo que perca contra esse também grande treinador que é Guardiola ou contra essa que é talvez a melhor equipa de clube de todos os tempos, mesmo até que, como já aconteceu algumas vezes, o futebol dele me desiluda, José Mourinho merece o nosso reconhecimento, num momento em que tantas são as razões de descrença em nós próprios).

6- Há várias maneiras de agredir cobardemente os adversários sem ser arremessando uma bola de golfe. Uma das maneiras é arremessando um boato, uma calúnia, uma falsidade. Porque anda para aí a ser espalhada por essa subespécie de fanáticos benfiquistas a calúnia de que eu teria coberto ou encoberto os lançadores de bolas de golfe contra o autocarro do Benfica, reproduzo o que aqui escrevi sobre isso no passado dia 9, após o jogo do Dragão:

«Só uma pequena nuvem a cobrir um céu absolutamente azul: a presença dos cobardes lançadores de bolas de golfe, que se dizem portistas. Mas é para isto, também, que servem os presidentes: Pinto da Costa tem de dizer, alto e bom som, a esses energúmenos que eles envergonham e prejudicam o clube».

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