1- DEFINITIVAMENTE, o FC Porto não se dá bem com a Taça da Liga, Taça Bwin, Taça Lucílio Baptista, ou lá como lhe queiram chamar: na estreia, fomos eliminados a penalties pelo Fátima; no ano passado, perdemos a final quando o guarda-redes Nuno, logo aos oito minutos, resolver abrir a capoeira ao Benfica e ainda lhes oferecer outro frango de seguida; e este ano abrimos com mais um tardio peru de Natal, assinado Kieszek (que nem o merecia). Talvez seja a maldição desta competição, ou a do Nacional a jogar no Porto, ou a de Anselmo, que mal o vi entrar em campo anteontem, a quinze minutos do fim, logo me cheirou a tragédia.
Talvez tenha sido um pouco de tudo isso a estar na origem da interrupção inesperada da bonita série de invencibilidade que tinha tudo para conseguir chegar a um ano de vida e 50 jogos a fio. Mas, pelo menos, uma razão há que não pode ser arrolada para justificar o acidente de anteontem no Dragão: o mérito do adversário. De facto, e pese a crónica indignação de Jokanovic, com tudo e todos, o Nacional não fez rigorosamente nada que justificasse tão imprevista vitória. Até ao primeiro golo, um frango caído literalmente do céu, não tinha feito um único ataque digno desse nome e um único remate à baliza, limitando-se a defender com dez homens, monótona e impavidamente. Aos 78 minutos empatou sem saber como, aos 84 pôs-se a ganhar numa oferta da defesa azul e ainda podia ter chegado ao 3-1, se Olegário Benquerença tem assinalado um penalty sem espinhas. Notável: jogar apenas os seis minutos finais de um jogo e ganhá-lo não é para todos.
Onde estará então a razão que possa explicar o que aconteceu à equipa, com metade de titulares, que André Villas Boas fez alinhar no Dragão e que perante 30.000 adeptos, a somar aos 6.000 que tinham assistido ao treino da véspera, brindou todos com uma entrada ao pé-coxinho no ano de 2011? Bem, só quem não percebe nada de futebol ou quem não tenha visto os últimos jogos do FC Porto antes da pausa natalícia e ao longo de todo o mês de Dezembro, é que não encontra explicação. Estava-se mesmo a ver que, mais jogo menos jogo, a invencibilidade iria cair: de jogo para jogo, as exibições eram piores, as vitórias mais sofridas e as lacunas da equipa mais gritantemente expostas, à medida que Villas Boas teve de ir rodando jogadores titulares.
Porque, ao contrário do que ele generosamente afirmou após esta derrota, o plantel do FC Porto não é equilibrado. Já a época passada sustentei esta tese, que continuo a manter contra a grande maioria dos portistas: este plantel é profundamente desequilibrado. Tem três grandes jogadores, sete ou oito razoáveis ou promissores, e o resto são jogadores absolutamente banais, ao nível de uma equipa do fundo da tabela. Contra o Nacional, dos três grandes jogadores, faltaram dois (Álvaro e Falcão), e o que se viu? Que o flanco esquerdo da defesa, mesmo a jogar só contra um avançado fixo, desabou por completo: Sereno e Emídio Rafael foram um passador sem fundo, por onde o Nacional construiu calmamente o segundo golo e o penalty não assinalado. E na frente do ataque, Walter confirmou, uma vez mais, a estranheza da sua contratação, por um preço e com tamanhas dificuldades que não se entendem: é baixo e pesado de mais para ter impulso no jogo aéreo; lento e sem imaginação para inventar espaços de desmarcação entre os defesas; pobre tecnicamente e revelando enormes dificuldades de execução, inclusive no tal pontapé canhão de que vinha creditado e jamais se viu por aqui. Sim, eu sei, o período de adaptação, uma cidade diferente, um país diferente, um futebol diferente, uma alimentação diferente, etc e tal. Mas eu permito-me duvidar de que quem nunca fez ginástica num tapete consiga um dia dar o salto mortal. Melhores do que ele há pelo menos uma dúzia de pontas-de-lança brasileiros aí a jogarem numa televisão perto de si.
O público do Dragão tem uma estranha característica de que ainda anteontem me dei conta mais uma vez: protesta e assobia mais facilmente os grandes desequilibradores quando eles falham os números de génio esperados do que os jogadores banais, quando falham o que ninguém espera que consigam. Era assim com Quaresma e é assim com Hulk— que ouve assobios quando tenta uma grande saída que não resulta bem — enquanto Walter é poupado quando exibe paulatinamente a sua ineficácia. Quando perdermos o Hulk, vão compreender de imediato e da pior maneira que não apenas ele é o grande elemento do ataque, como é também o dinamizador de todo o jogo ofensivo da equipa. E isso tem a ver com outra razão, que também não me canso de referir, contra a opinião dominante: o meio-campo ofensivo do FC Porto é notavelmente falho de criatividade e capacidade de construção ofensiva. Basta lembramo-nos de alguns que por ali passaram em tempos recentes: Lucho, Deco, Alenitchev, Carlos Alberto, Maniche. Vêm ali alguém ao nível de qualquer um destes?
No meio-campo actual do FC Porto só existe um elemento criativo e com alguma capacidade de remate de meia-distância: é o Belluschi, mas só joga a espaços. O João Moutinho joga curto, lento e para o lado, sem profundidade. O Rúben Micael deve ser outro, que não o que jogava no Nacional: este, pura e simplesmente, foge do jogo, numa zona onde só há duas opções: ou assumir riscos ou pedir para ficar no banco (e o pior é que disse recentemente que acha que está a fazer uma boa época...). E o Guarín, que anteontem até foi dos menos maus, não pode voar muito além disso — o que não chega, de forma alguma. Por isso é que tantas vezes vemos o Hulk vir atrás, muito longe da sua zona de morte, buscar o jogo que os médios não entregam na frente. Para agravar as coisas, nenhum dos médios ofensivos (com a excepção intermitente de Belluschi), é capaz de acertar mais do que um remate de meia-distância na baliza, em cada dez tentados — e isso, no futebol profissional de topo, é inadmissível. Mas essa também é uma característica habitual dos jogadores portugueses e, em particular, do FC Porto, que há muito que não dispõe de um grande rematador para a meia-distância e as segundas bolas. É uma fatalidade difícil de aceitar, porque, um profissional de futebol, pago a 50 ou 100 mil euros por mês, não pode rematar à baliza como um amador de futebol de praia e, salvo melhor opinião, isso aprende-se e corrige-se com treino e trabalho. Vejam o Cristiano Ronaldo, que saiu daqui para Inglaterra como um rematador banal e voltou de lá feito um dos melhores do mundo a chutar à baliza. Ou o nosso Raul Meireles, que fazia desesperar os adeptos com invariáveis remates para a bancada e sempre com fama de grande rematador, e agora, após quatro meses de Liverpool, é raro o remate que não acerta na baliza e quase todos perigosos. Qual o segredo dessas transformações? Trabalho e treino, treino e trabalho. E profissionalismo. O Ronaldo era conhecido em Manchester por acabar o treino de equipa e ficar sozinho mais uma hora a treinar remates à baliza.
Também eu, até um pouco depois dos meus tempos de estudante, joguei futebol de amadores e também era médio e tinha de chutar à baliza. Hoje, o único desporto que faço é caçar aves em voo. Mas posso garantir três coisas: uma é que, a 30 metros de distância, é muito mais difícil acertar um tiro numa perdiz de 30 centímetros de comprimento, voando a 90 ou 100 km/hora, do que acertar com uma bola de futebol numa baliza estática, de 7,32 metros de comprimento; outra coisa que garanto é que qualquer caçador razoável acerta muito mais vezes nas perdizes do que os médios do FC Porto acertam nas balizas; e a terceira coisa é que também sei que quanto mais tiros de treino se der entre caçadas, maiores são as hipóteses de depois acertar no alvo, quando é a sério. Nada sai bem feito sem trabalho.
Concluindo, sinto pena que a carreira invicta do FC Porto se tenha interrompido num jogo fácil, às mãos de um adversário que o não mereceu e da forma frustrante como aconteceu. Mas, nada mais. Como disse André Villas Boas, não é esta derrota que pode fazer esquecer, de forma alguma, tudo o que esta equipa já fez de bom e todas as alegrias que me vem dando. Mas a maneira de tornar a vitória útil é reter as suas lições: o plantel, apesar da habitual dúzia de contratações de Verão, é curto e desequilibrado em qualidade; não há substituto, sequer razoável, para o Falcão nem para o Álvaro Pereira; falta um central de categoria e dois verdadeiros médios de ataque, que também saibam rematar à baliza. Respeito todas as opiniões opostas, mas esta é a minha, conhecendo e partilhando as ambições comuns a todos os portistas.
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