quarta-feira, outubro 05, 2011

CONVERSA A DOIS (11 JANEIRO 2011)

1- VOLTOU o campeonato e encerrou-se a sua primeira volta e várias coisas parece terem ficado já definidas lá em cima da tabela. O título tem apenas dois possíveis destinatários: FC Porto e Benfica, separados por oito pontos — ou o equivalente a três derrotas portistas. O Sporting tem o terceiro lugar praticamente garantido, com novas derrotas de Guimarães e Braga e o empate caseiro do Nacional, que remeteram estes perseguidores para distancias entre os seis e os dez pontos (é verdade que o União de Leiria está apenas a quatro, mas tudo indica ser uma classificação e distância provisórias). A treze pontos do FC Porto, o Sporting está afastado do título e tem, como disse, o terceiro lugar quase garantido. Significa isto que, para mais já afastado da Taça, o único objectivo interno dos leões é conseguir roubar o segundo lugar ao Benfica, recuperando os cinco pontos que tem em atraso.

Este ano temos, pois, que os três grandes estão sozinhos na luta cimeira, sem penetras pelo meio, sendo que Benfica e Sporting têm de recuperar terreno perdido e o FC Porto tem apenas de controlar o seu avanço, não alimentando as esperanças de um Benfica que, após um começo desastroso, culminado com os 0-5 do Dragão, encontrou o trilho seguro das vitórias e fechou a primeira volta apenas com menos três pontos do que tinha na mesma altura na campanha vitoriosa da época passada.

Um Benfica que tinha a ambição de ver o FC Porto confirmar a sua derrapagem de forma, patente nos últimos jogos e, em especial, na surpreendente derrota caseira com o Nacional, para a Taça da Liga. Foi uma esperança vã, porque não é provável que se registem duas exibições tão fracas e duas injustiças tão grandes consecutivamente.

Tal como o Nacional, também o Marítimo nada fez que justificasse poder ganhar o jogo. A diferença é que não beneficiou de um monumental frango para chegar à igualdade e desafiar o destino (embora tenha beneficiado de um golo de livre inexistente, oferecido pelo árbitro e colocando o resultado num perigoso 2-1). E a diferença também é que, após meia hora de nada, a fazer antever uma prestação igual às quatro anteriores, o FC Porto despertou graças a um golo de Guarín, vindo do outro mundo. Aliás, o próprio Guarín, que já tinha sido um dos melhores contra o Nacional, parece ter vindo de outro mundo, assinando uma exibição soberba, como nunca se tinha visto e de que, sinceramente, não o julgava capaz. Queiram os deuses que tenha sido eu que andei enganado dois anos, pois que também ando há ano e meio a escrever que o FC Porto precisa de alguém que faça melhor a função de trinco do que o titular habitual Fernando — incapaz de qualquer veleidade ofensiva e limitando o seu raio de acção a uma zona central recuada, onde apenas destrói jogo e acumula faltas. Guarín e Hulk desbarataram a defensiva madeirense e permitiram confirmar as grandes esperanças depositadas no miúdo James, a crescer de jogo para jogo, numa inesperada função de vagabundo de luxo, entre o meio-campo e o ataque. E esta equipa, agora desfalcada do seu falcão e do sumptuoso Álvaro Pereira, bem precisa que figuras como Guarín e James apareçam como alternativas seguras. Estiveram também em bom plano Helton, Sapunaru (até se lesionar numa bola dividida que lhe valeu lesão, amarelo e o livre que resultou no golo do Marítimo), João Moutinho (apesar de um golo fácil perdido num remate ao poste) e Belluschi (apesar de duas grandes possibilidades de golo desperdiçadas em remates sem sentido). Estiveram mal, e mais uma vez, Rolando e Emídio Rafael. Otamendi foi regular e Varela mostrou estar ainda a milhas do que vale. Tudo visto, o FC Porto confirmou a sua dificuldade em entrar nos jogos contra equipas fechadas numa atitude de dinamitar tudo de início. Mas, uma vez o caminho do golo encontrado, graças a uma meia-distância tão rara de acontecer, o que não faltaram depois foram oportunidades para um resultado bem superior (e ficaram a dever-nos a repetição da última jogada do encontro, para confirmar se o golo anulado então era mesmo off-side).

Já o Benfica, tem quase sempre uma grande entrada nos jogos e uma grande ponta final. Em Leiria, bastaram-me dois minutos e um cruzamento perfeito do Fábio Coentrão com o Saviola a desperdiçar o golo de cabeça, para perceber que seria por ali, pelo flanco direito da defensiva leiriense — onde um desgraçado moço do Burkina-Fasso de nome impro-nunciável fazia frente à armada argentina mais o Fábio — que o Ben-fica rapidamente resolveria a questão. Porém voltou-me a acontecer um estranho fenómeno que ultimamente me acontece com a leitura vespertina do jornal Público e a visão dos jogos do Benfica (duas coisas que tenho de fazer por dever de ofício): adormeci redondo. Fui despertado pelo grito do golo de Saviola, apenas para confirmar que tinha começado numa jogada frente ao pobre moço do Burkina-Fasso, antes conhecido por Alto-Volta. Tentei manter-me acordado para ver a sequência e o próximo golo, mas não consegui. Voltei a ser despertado pela subida do som da publicidade ao intervalo e constatei que ainda havia 0-1. Fui lavar a cara, fazer um café e estoicamente dispus-me a ver toda a segunda parte, sem desfalecimentos. Consegui não voltar a adormecer, mas também não aconteceu nada que me compensasse do esforço: o Benfica de Buenos Aires parecia satisfeito com o estado das coisas e tinha deixado de jogar, e o Leiria tinha, segundo abalizada opinião, «tomado conta do jogo». Isto é, tinha a posse de bola, ganhava uns cantos e fingia que criava perigo, servido por uma dupla atacante formada por um camaronês e um chinês, em perfeita harmonia futebolística. Ainda houve um momento em que, aproveitando uma balda do Roberto, só não empataram porque têm treinado pouco os cabeceamentos abaliza a dois metros de distância e sem guarda-redes. Mas foi momento único: estava eu a perguntar-me se não haveria por ali um ucraniano alto, esquecido das obras da A-17, quando Pedro Caixinha «resolve arriscar» e tira um médio para meter no ataque um loiro alto, com nome terminado em ov (que vim a saber não ser ucraniano, mas sim estónio — o que, para o caso, veio a ser rigorosamente igual... ao litro). Com a entrada de mais um avançado do Leiria, o Benfica logo chegou ao 2-0, e, quando Caixinha insistiu, tirando o tal defesa do Burkina de nome impronunciá-vel e acrescentando ainda um avançado, para depois poder dizer que «tinha metido toda a carne no as-sador», o Benfica logo chegou ao 3-0 e só não foi por aí adiante, deixando o I-Pãd esturricado, porque já não houve tempo. Achei que aquilo tinha sido coisa soporífera e fácil, mas não: lendo depois o Fernando Guerra, aqui escrevendo que tinha sido uma exibição «à campeão», «ao nível da época passada», «empolgante», «um desempenho fantástico» e uma «actuação notável», percebi que, afinal, tinha estado a dormir na melhor parte do jogo. Vá lá adivinhar-se uma coisa destas!

P.S.1 - A BOLA entendeu, e muito bem, começar a fazer umas estatísticas muita completas de cada jogo — que servem para quem o não viu ou viu mal ter uma ideia mais fundamentada do que, de facto, aconteceu. Só que, salvo melhor opinião, essas estatísticas contêm coisas que não interessam e não contêm outras que interessam. Entre as que não interessam, estão os passes ou os toques (com análise individual e colectiva): a quantidade de passes ou toques na bola não diz nada sobre o que jogou uma equipe ou um jogador (lembro-me de ter contado uma vez o desempe -nho do Jardel, num jogo ao serviço do FC Porto — tocou cinco vezes na bola... e marcou três golos). Outras coisas que, a meu ver, não interessam nada, são os passes certos ou errados, as faltas sofridas (que, estranhamente, nunca são iguais às cometidas pelo adversário), ou os lançamentos laterais (!). Em contrapartida, não existe aquele que é, por exemplo, o primeiro registo fornecido nas transmissões inglesas e que é também o maior indicador sobre a verdade de um jogo: as oportunidades de golo. Não existe a destrinça, também essencial, entre remates à baliza e remates que acertam na baliza (há jogadores que rematam à baliza só para se livrarem da bola ou para entrarem nas estatísticas). Não existe registo dos livres perigosos à entrada da área. Não existe, absurdamente, registo dos remates à trave ou aos postes e que, muitas vezes, não constam igualmente da crónica dos jogos. E não existe registo dos golos anulados. E, já agora, não consta, logo a abrir as crónicas dos jogos, a indicação de quatro informações que julgo essenciais: assistência ao jogo, condições climatéricas, dimensões do campo e estado do relvado.

Com toda a humildade, aqui deixo as minhas sugestões de alteração.

P.S.2 - Mesmo a fechar: muitos parabéns a José Mourinho, um português especial.

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