domingo, outubro 09, 2011

NÃO HÁ ÓPERA, HÁ HULK (18 JANEIRO 2011)

1- É um facto que os adeptos nem sempre têm razão. Mas, quem a tem — os treinadores, os presidentes? Os adeptos de futebol têm até menos direitos que os adeptos da ópera: ambos assistem a espectáculos e ambos são espectáculos caros, mas assistir a um jogo de futebol é bem mais desconfortável do que ir à ópera. Mesmo assim, na ópera não são toleráveis espectáculos de manutenção, com os intérpretes a pouparem energias para o próximo, como sucede no futebol, tantas vezes. E, por isso, na ópera, o público, quando não gosta, não está com mais medidas: distribui uma pateada pelos intérpretes — suprema humilhação de quem faz disso vida (e acreditem que vida bem mais difícil e menos compensadora do que a de um futebolista de clube de topo).

Há grandes clubes, pequenos clubes e outrora-grandes clubes. Nos pequenos clubes, quando as coisas vão mal, muda-se o treinador; nos outrora-grandes clubes, como o Sporting, insulta-se o presidente e este vai-se embora; nos grandes clubes, como o FC Porto, quando não gosta do que vê, mesmo ganhando, o público manifesta-se e é suposto o treinador entender o recado e não ralhar com o público. Sob pena de se começar a ver as bancadas a despovoarem—se. É um lugar exigente e ingrato, o de treinador de um grande clube? É sim, mas ninguém disse que era fácil.

Reza a sua lenda, que André Villas Boas conseguiu entrar no Dragão quando, jovem adepto descontente com a não utilização de Domingos por parte do treinador Bobby Robson (tal qual como eu, na altura), abordou o treinador inglês para reclamar o seu ponto de vista. Ninguém melhor do que ele pode, pois, saber que os adeptos do FC Porto são particularmente exigentes. Mas isso não é um mal, é um bem: nos longínquos tempos do Benfica de Eusébio, eu era um miúdo que ia à Luz ver o FC Porto ser invariavelmente sovado pela máquina encarnada. Admirava-me então que os adeptos do Benfica não ficassem satisfeitos por ganhar apenas por 1-0 ou 2-1, enquanto que eu, como todos os adeptos portistas, já me contentava com um 0-0, mesmo que com dez a defender dentro da área os 90 minutos e o saudoso Hernâni lançando esporádicos contra-ataques, com fabulosos passes em profundidade de 60 metros para o único avançado esquecido lá à frente. Aprendi depois que há uma relação directa entre as duas coisas: quanto maior é o grau de exigência dos adeptos, maior é a qualidade da equipa e a sua cultura de vitória. Por isso mesmo é que o FC Porto é, de há vinte anos para cá, o clube português com adeptos mais exigentes e que mais percebem de futebol. Os adeptos dos outros passam o tempo a argumentar com arbitragens (não todas: não, por exemplo, a de Elmano Santos este domingo, em Coimbra), com o sistema, com coisas obscuras e constantes insinuações. Nós preocupamo-nos com os nossos jogos, olhamos para o campo e sabemos distinguir muito bem quando é que a equipa está bem ou está mal, quem se esforça e quem finge esforçar-se, quem presta e quem jamais prestará. E, como se recordará Villas Boas do seu episódio com Robson, às vezes vemos isso bem melhor do que os treinadores, apesar de nos faltar uma quantidade de informações internas que, tantas outras vezes, nos levam a erros de análise.

Não era preciso ser grande treinador de bancada para ver que o FC Porto anda há quase dois meses a jogar bem menos do que nos três meses anteriores e a ganhar quase sempre no fio da navalha. O problema não é o dos ciclos nem o do cansaço acumulado pelos titulares — também sabemos disso e compreendemo-lo. O problema é a falta de qualidade da segunda linha, dos que deviam estar preparados para substituir com o mínimo de danos os titulares habituais. Por exemplo: Villas Boas não pode ignorar que quem derrotou o Pinhalnovense (de uma segunda divisão, que é, de facto, a terceira), não foi a equipa, composta por metade de titulares, metade suplentes, que recebeu a meritória equipa do distrito de Setúbal, no Dragão: foi Hulk e apenas Hulk. No resto, quer colectivamente, quer individualmente quase todos, não se viu diferença alguma entre as equipas. E isso é preocupante, tanto mais que não foi a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que se assistiu a tal coisa. Não se trata de exigir ópera, apenas de esperar o mínimo exigível (e ainda bem que nas meias-finais da Taça nos saiu o Benfica: era profundamente injusto chegar ao Jamor sem ter tido necessidade de fazer o mínimo esforço para tal).

Trata-se, pois, de esperar o mínimo exigível — atingido, por exemplo, este domingo, contra a Naval (embora, mais uma vez, me tenha ficado a dúvida se teríamos vencido sem mais dois momentos de génio do Incrível...). A verdade é que não me lembro de uma equipa do FC Porto tão dependente de um só homem. Álvaro Pereira e Falcão são igualmente dois fantásticos jogadores, mas magoam-se e cansam-se, como todos os humanos. O Hulk não. Quem concebeu, executou e apoiou aquela emboscada do túnel da Luz no ano passado, sabia muito bem o que estava a fazer. É por isso que não me cansarei de repetir que foi, para mim, dos momentos mais vergonhosos do futebol português nos últimos anos.

2- Mas tem havido outros momentos vergonhosos — que curiosamente, têm sempre o mesmo intérprete, o tal que se proclama campeão da «verdade desportiva» : a compra do jogo ao clube -satélite do Estoril, transferido para o Algarve, com o consequente e decisivo empurrão do Benfica para o título e para a despromoção do Estoril, e a consequente demissão do treinador do clube abusado, que não quis calar a revolta; a tentativa, a meias com o Vitória de Guimarães, de obter no Conselho de Disciplina o acesso administrativo à Champions, à custa do campeão FC Porto, que tinha esmagado a concorrência; ou as recorrentes compras dejogadores de clubes menores, consumadas ou anunciadas na véspera de defrontarem o Benfica.

Esta semana assistimos a mais dois episódios desta história de honra. Domingo, o Benfica foi jogar a Coimbra, sendo anunciada a iminente compra do jogador academista Nuno Coelho, dois dias antes do jogo: pois o dito já não jogou contra o Benfica. Mas o impensável sucedera quatro dias antes, quando o Benfica recebeu o Olhanense para a Taça: o defesa Jardel, titular absoluto do Olhanense, entrou na Luz como jogador dos algarvios e pilar da sua defesa no jogo contra o Benfica. Acabou sentado no camarote da direcção do Benfica, como nova aquisição do campeão nacional — que, entretanto, destroçava tranquilamente a defesa do Olhanense (que o dispensou... por 75.000 euros!). Talvez no Panamá ou no Ruanda existam casos semelhantes; no futebol profissional a sério, onde o fair-play não é para apregoar em comunicados, uma moscambilha destas não passava sem consequências. Imaginem só o que por aí iria, se tem sido o FC Porto a congeminar uma coisa destas contra os seus dois adversários da semana?! A negociar a compra do melhor jogador do clube adversário com o próprio, ao longo de todo o dia do jogo, acabando depois a sentá-lo no seu camarote de honra?!

3- Foi tão justo o prémio de Mourinho como o foi o de Leonel Messi. Se ter sido campeão do mundo de selecções pela Espanha não bastou a Del Bosque para afastar o mérito maior de José Mourinho, porque razão o mesmo título conquistado por Xavi e Iniesta lhes bastaria para suplantar a fantástica época de Messi? Aliás, estas cogitações e considerações estratégicas na escolha dos melhores sempre me fizeram confusão: Mourinho foi, ou não, o treinador do ano? Claro que foi e por isso ganhou. E Messi, alguém viu melhor jogador do que ele em 2010? Alguém já viu melhor jogador do que ele, desde Maradona e ano após ano?

4- Já o prémio de melhor jogador da semana em Portugal (Hulk à parte), vai para Mokas — jogador amador e canalizador profissional, autor do golo que colocou o Merelinense nos quartos-de-final da Taça, à custa do Varzim. Um clube com um orçamento mensal de dez mil euros a dois passos do sonho impossível.

5- Outro prémio mereciam também Hélder Rodrigues (3º) e Ruben Faria (6º), dois portugueses com duas prestações tão incríveis quanto incompreensíveis no Dakar Argentina-Chile, uma das mais fantásticas provas desportivas do planeta.

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