terça-feira, outubro 18, 2011

O PIRÓMANO, O QUEIMADO E OS BOMBEIROS VOLUNTÁRIOS (01 FEVEREIRO 2011)

1- “Vieira aquece o clássico”, titulava A BOLA na edição de domingo, acrescentando a abrir o texto:”Filipe Vieira ao ataque, a poucos dias do Benfica visitar o Dragão.” Ora, se não estou enganado, este é o terceiro Benfica-Porto consecutivo que é antecedido por declarações do presidente do Benfica, destinadas a aquecer o clássico – e que, felizmente, têm sempre encontrado do outro lado, por parte de Pinto da Costa, uma resposta de absoluto silêncio.

Salvo melhor opinião, o clássico não precisa de ser aquecido, previamente e fora do estádio, e os resultados do voluntarismo térmico do presidente do Benfica têm sido, aliás, contraproducentes para as suas cores: 1-3, para o campeonato na época passada; 0-2 na Supertaça, já esta época; e 0-5, para o campeonato deste ano. Os únicos resultados previsíveis e visíveis dos ataques prévios do presidente do Benfica são as reacções correspondentes de alguns adeptos do Porto, que acham que atacando à pedrada o autocarro do Benfica ou atirando bolas de golfe ao seu guarda-redes, também estão a contribuir saudavelmente para aquecer o espectáculo. Mas a verdade é que quem chega o fósforo à palha, não pode depois vir queixar-se do incêndio.

Luís Filipe Vieira não é nenhum incendiário: é uma pessoa normal, civilizada e cordata. Não tem de comprar guerras extra-futebol, que nada de bom trazem ao futebol ou até ao seu clube. Nunca é de mais lembrar o exemplo do seu antecessor Vale e Azevedo, que chegou a presidente do Benfica apenas com um programa de governo: o ódio ao FC Porto. E o que conseguiu ele? Títulos, zero. Prestígio para o clube, zero. Conseguiu sim, um ódio generalizado ao Benfica da parte de todos os não benfiquistas, o encobrimento que precisava para as suas manobras de esbulho ao próprio clube e a divisão interna.

Vieira não tem nada a ver com isso e devia fugir das semelhanças de atitude. Não tem de se queixar da hipocrisia da Comissão Disciplinar da Liga, mandando instaurar um inquérito ao treinador do Benfica e ao jogador do Nacional, porque ele sabe que o País inteiro viu o murro de Jorge Jesus a Luís Alberto, enquanto Hulk e Sapunaru, emboscados no túnel da Luz, foram logo previamente suspensos por agressões que, até hoje, ninguém viu claramente. E estou à vontade para dizer isto, porque ainda a semana passada aqui defendi, e mantenho, que o assunto deve ser passado adiante, com um aviso ou uma multa simbólica. Mas não deve nem pode ser alvo do tratamento, esse sim hipócrita, que defende que o presidente do Benfica: como, se todos vimos? Uma coisa é defender, como eu defendo, que o incidente, ocorrido a quente, não deve ser tratado como uma falta disciplinar gravíssima; outra coisa é passar da posição de réu à de acusador, como se o Benfica estivesse acima e fora da tão invocada justiça desportiva.

E também não entendo, francamente, como é que Vieira pode falar, sem concretizar, no “aliciamento de um jogador” por parte de “um clube”, queixando-se que a CD da Liga nada fez. De quem estaria ele a falar? Com certeza que não era dos recentes e inqulificáveis aliciamentos levados a cabo pelo Benfica, junto do jogador Nuno Coelho, da Académica, poucos dias antes do jogo entre ambos, ou do aliciamento de Jardel, do Olhanense, no próprio dia do jogo entre os dois clubes. Aí, sim, é que o silêncio e a passividade da CD se tornaram ensurdecedores e escandalosos.

Curioso é que, na época passada, Luís Filipe Vieira usou de uma inabitual continência nos seus habitualmente tumultuosos discursos, de cada vez que visita uma casa do Benfica (como se o povo lhe pedisse sangue e ele não conseguisse resistir. E, enquanto ele ficava calado, o Benfica ia ganhando e jogando bem, à vista de todos. Pelo que, seria talvez digno de estudo perceber se é por ele se calar que o Benfica ganha ou se é por o Benfica não ganhar que ele não se cala. Seja qual for a verdadeira relação de causa-efeito, o que eu sei é que, se amanhã o Benfica se calar no Dragão, como eu tanto desejo, Vieira ficará a falar sozinho. E isso é sempre triste.

2- José António Camacho voltou a ser desmancha-prazeres de José Mourinho e, desta vez, deixou o português metido num sarilho – para o qual, reconheça-se, ele próprio muito contribuiu. Com a derrota em Navarra, Mourinho ficou a sete pontos do Barça e, pior ainda, com a dificuldade de explicar como é que um ataque que dispõe de Ronaldo, Di Maria, Ozil, Benzema, e, no banco, Kaká (e agora o tão exigido segundo ponta-de-lança, Adebayor) não consegue marcar um golo ao 16º do campeonato espanhol e só consegue marcar dois golos nos últimos três jogos. Vamos ser imparciais – (coisa que muito poucos portugueses conseguem, tratando-se de José Mourinho): ganhar um campeonato a esta equipa do Barcelona, talvez a melhor da história do futebol de todos os tempos, é missão praticamente impossível, com ou sem Hihuaín. É certo que Mourinho conseguiu, no ano passado, não ganhar-lhes o campeonato, mas afastá-los nas meias-finais da Champions, e por isso Florentino Pérez o foi buscar, deitando fora um treinador que, todavia, havia feito um notável campeonato à frente do Madrid. Mas, se bem que se vá tornando uma obsessão madrilista derrotar o Barça, põr-lhe fim ao reinado, os reais pergaminhos do Real também não consentem que, para tal, Mourinho aplique ali a receita de sucesso usada no Inter. Valdano viu o jogo de Camp Nou, onde um Inter menor afastou a melhor equipa do mundo da Champions: viu e, como milhões de adeptos do futebol no mundo inteiro, não gostou do que viu e disse-o. Mourinho jamais lhe perdoou isso, viu em Valdano o potencial chefe dos críticos ao tipo de futebol a que, para ganhar, ele sabia que um dia teria de recorrer. Mourinho foi contratado para fazer aquilo que ele faz melhor que ninguém: ganhar, ganhar sempre. Só que ganhar sempre, sempre, é impossível: nenhum treinador do mundo ganharia um campeonato a este Barcelona. Pode haver sorte, ciência, circunstâncias momentâneas, que permitam derrotar o Barça num ou dois jogos a eliminar; mas, numa competição de fundo, como um campeonato, é impossível.

Tendo esticado a corda contra tudo e contra todos – Valdano, Benzema, os árbitros, os jornalistas, os outros treinadores -, José Mourinho lançou-se ao arrepio das tradições majestáticas do grande Real Madrid, semeando uma floresta de inimigos a perder de vista. E, nesse combate desesperado, só lhe resta uma saída, que é ganhar sozinho, contra todos. A partir de domingo, com a derrota frente ao Osasuna, tornou-se quase inevitável não o conseguir. E o que fará ele se, pela primeira vez na vida, experimentar o amargo sabor da derrota?

3- Confesso que tenho lido distraidamente a infindável e insondável querela da renovação dos estatutos da Federação. Do que percebi, o politicamente correcto está do lado dos renovadores, que tentam impor a modernidade a umas velhas carcassas do norte, que, francamente, já há muito deveriam ter ido para casa. Parecia-me, pois, fácil de decidir de que lado estava a razão. Mas, depois, comecei a estranhar algumas coisas: que alguns daqueles que tanto escreveram sobre a imperiosa necessidade de deixar os governos fora do futebol, agora apoiem com entusiasmo o que, boa ou má, é claramente uma ingerência do Governo na regulação própria das estruturas do futebol; depois, percebi que, renovados os estatutos e atingida a modernidade, afinal a coisa continuaria tal e qual, com Gilberto Madaíl, agora renovado, a dirigir a Federação; e, enfim, dei-me conta de que os advogados benfiquistas habituais são todos entusiásticos defensores da regeneração. E aí, confesso, já comecei a suspeitar que pode acontecer que nem tudo seja o que parece.

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