segunda-feira, setembro 12, 2011

UM GRANDE SUSPIRO DE NATAL (21 DEZEMBRO 2010)

1- Uff!, deve ter suspirado André Villas-Boas, quando chegou ao fim o jogo de Paços de Fereira.Eu, pelo menos, suspirei. Este é o tipo de jogos que mais temo: campo pequeno, jogos adversários hipermotivados, equipa portista com imensas dificuldades em impor o seu jogo habitual. Depois, havia o desgaste físico acumulado e o desgaste psicológico de quem tem, invariavelmente, a tarefa de assumir as despesas do jogo e de ganhar sempre ou, pelo menos, manter esse recorde de invencibilidade, que já vai em 36 jogos e que não encontra paralelo em toda a Europa.

O FC Porto até entrou muito bem no jogo, mostrando que Villas Boas fez passar a mensagem necessária: era preciso arrumar a questão antes que o cansaço começasse a ditar leis e o adversário alimentasse esperanças. Até aos vinte e poucos minutos, o FC Porto jogou o suficiente e criou oportunidades bastantes para estar a ganhar por 3-0 e não apenas 1-0. Mas, quando Falcao falhou um golo já sem guarda-redes pela frente, acabou o FC Porto. Apenas Hulk e os laterais se mantiveram em plana aceitável: todos os outros desapareceram do jogo e foi uma sorte segurar a vitória até final. Quando Soares Dias apitou o penaly do 2-0, fiquei furioso: o jogo já estava resolvido e já sabia que isso só iria servir para alimentar mais fábulas. Não me enganei: logo no dia seguinte, o título de primeira página de a A ABOLA rezava:«tranquilidade portista só chegou com um penalty muito contestado». Pois, mas faltou acrescentar que: a) o penalty da «tranquilidade» aconteceu ao minuto 90+2; b) a seguir, ainda houve mais um golo de tranquilidade; c) pouco antes desse penalty «muito contestado»(e com razão), houve outro, sem contestação, numa falta clara sobre Hulk e que ele não marcou, como antes não marcara outro em que Falcao deu toda a ideia de ter sido empurrado quando armava o salto para cabecear para o golo. E estas são o género de situações que servem, por exemplo, para Jorge Jesus alimentar a sua tese da dualidade de critérios de penalties. Pontapeado, Hulk não se deixou cair – ao contrário de Fábio Coentrão, na véspera, atirando-se em voo, com grande espalhafato e após falta inexistente, permitindo a Jesus reclar um penalty não marcado. E assim, depois da difícil vitória caseira contra o V.Setúbal, a equipa de André Villas Boas encerra a primeira metade da época periclitante, aparentemente desgastada, mas firme no seu impressionante percurso: 23 vitórias e 3 empates, sete pontos de avanço sobre o Benfica no campeonato, 5 vitórias e 1 empate na Liga Europa, apurada para os quartos-de-final a Taça e com a Supertaça já na vitrina. Não era possível pedir mais. Mesmo que se tenha(espero que episodicamente) perdido o fulgor que durou até Novembro, mesmo que continue a achar que o plantel é desequilibrado e deficitário em sectores como o meio-campo e o centro da defesa, mesmo que muito dependa de nada acontecer com Hulk e Falcao, é a regularidade da vitória e o espírito de conquista – bem patente em jogos em condições tão terríveis como os de Coimbra e Viena – que dão a todos os portistas a quase certeza de que esta equipa está fadada para nos dar mais um ano de alegria.

2- É facto indesmentível que,pelo segundo ano seguido, o sorteio da Taça de Portugal tem sido abusivamente feliz, isto é, cómodo, para o FC Porto – tal como nos anos anteriores sucedeu com o Benfica. Mas, daí a poder imaginar que o sorteio está viciado a favor do Porto é uma coisa que, francamente, só as mentalidades de alguns benfiquistas são capazes de produzir. Primeiro, recebi uma mensagem de um amigo benfiquista todo contente porque, no sorteio da Liga Europa, ao FC Porto tinha calhado o pior adversário possível, enquanto o Benfica, mantendo a sua tradicional sorte nos sorteios europeus, apanhava com o penúltimo classificado do campeonato alemão(mas não devia estar muito contente, pois que é graças aos pontos acumulados pelo FC Porto na Europa que o Benfica pode ir à Champions quando fica em 2ª ou 3º no campeonato...). Dizia ele na sua mensagem que aquilo, sim, tinha sido um sorteio a sério e não com bolas congeladas. Confesso que nem percebi a mensagem. Mas, passados uns dias, leio um outro benfiquista escrevendo qualquer coisa de semelhante e foi só aí que eu decifrei a mensagem e realizei a última perturbação que tira o sono a estes benfiquistas. Mas será que há alguma coisa de que eles não desconfiem?

E se eu me pusesse também a desconfiar, por exemplo, da forma como – através de auto-golos, penalties desperdiçados, ofertas incríveis da defesa e frangos de marca – Vitória de Setúbal, Olhanense e Rio Ave entregaram todos de mão beijada a vitória ao Benfica nos jogos que disputaram na Luz?

3- Vai grande agitação na nação leonina. Uma agitação racionalmente difícil de entender, para além da normalíssima frustração dos adeptos. No momento em que escrevo, não sei o resultado do jogo de ontem à noite em Setúbal. Posso prever que o Sporting o ganhe e que isso acalme um pouco a agitação, sobretudo porque nem Braga nem Guimarães têm revelado regularidade suficiente para ameaçar o terceiro lugar do Sporting. A agitação, pode, pois, acalmar com uma vitória agora. Mas isso não resolve qualquer problema.

O problema do Sporting é que o seu lugar natural é exactamente esse: o terceiro. E apenas a recordação longínqua de grandezas passadas, quando o campeonato era a dois e o Sporting tinha direito a uma quota de 25% que lhe cedia o Benfica, ou,recentemente, quando inacreditáveis erros de gestão desportiva do Benfica permitiram aos leões acumular sucessivos segundos lugares(vistos,não como o primeiro dos últimos, mas o segundo dos primeiros), é que alimentou, em Alvalade, esperanças de mais altos desempenhos, para ue o clube não está actualmente vocacionado. E não está, por razões estruturais e por razões conjunturais – sendo que estas dependam em linha recta daquelas. Conjunturalmente, a questão é simples: quem são os grandes jogadores da actual equipa do Sporting? Apenas um e que já vai ficando pela idade e pelo esforço de carregar sozinho a equipa:Liedson. Ninguém mais, que eu veja. Os restantes, são apenas reformados ainda no activo, ressuscitáveis impossíveis ou jovens promessas demasiado rapidamente eleitos à condição de revelações, que não são. Nem Paulo Bento, nem Paulo Sérgio, nem José Mourinho podem conseguir o milagre de fazer uma boa equipa sem bons jogadores. É impossível, não há volta a dar.

E a razão pela qual o Sporting não tem uma boa equipa é também aa mais simples de todas: porque não tem dinheiro para a ter. E aqui entramos nas razões estruturais do declínio sportinguista e que, a meu ver, são sobretudo de duas ordens de razão. Primeiro, porque o Sporting, tal como Portugal, está esmagado pelo peso da dívida acumulada. Eu sei que todos os clubes portugueses, sem excepção, vivem apertados ou moribundos pelos excessos cometidos no passado. Alguns vão-se aguentando graças aos apoios das respectivas câmaras municipais ou Governo Regional da Madeira. Mas essa é via que o Sporting já esgotou, e a grande diferença para FC Porto e Benfica é que o Sporting não tem potencial de gerar receitas que permita atrair investimentos e patrocínios e negociar a dívida com a banca em condições favoráveis. Por isso, ao tão atacado presidente José Eduardo Bettencourt, resta a via da poupança e da contenção de despesas, pois que a alternativa – fuga em frente, jogando tudo numa grande equipa de futebol, tanto podendo conduzir à ressurreição como à falência – nem sequer é uma hipótese séria, porque esbarra numa situação de facto: quem quer investir no Sporting? A menos que surja um milagre das Arábias, da China ou da Rússia, um magnata que queira comprar o clube por atacado, o Sporting está reduzido a viver com as receitas que gera – e essas não dão para mais do que uma equipa de futebol cujo lugar natural é o terceiro.

A outra razão estrutural para o declínio do Sporting é de ordem sociológica: o Sporting perdeu por completo uma geração de adeptos. Os jovens gostam de ídolos e os ídolos são os vencedores e não os vencidos: nos últimos vinte e cinco anos nasceu e cresceu uma geração para quem o vencedor, goste-se ou não, é o FC Porto. Por todos esses campos do País onde os miúdos jogam futebol, quem eles aspiram a imitar é o Hulk e o Falcao, como antes foi o Lisandro e o Lucho e antes o Quaresma e o Deco. Mas de certeza que não é o Anderson Polga ou o Hélder Postiga que os inspiram – e, menos ainda, o Travassos ou o Peyroteo.

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