sábado, março 27, 2004

Esta noite em Manchester ( 9 Março 2004)

«Hoje à noite namorar, sem ter medo da saudade, sem vontade de casar...»
ELIS REGINA

1 Que hipóteses tem o FC Porto esta noite em Manchester? Sejamos realistas: poucas, quase nenhumas.OManchester é um potentado do futebolmundial, tem jogadores de outro mundo, um banco de suplentes que, só para o ataque, dispõe de Cristiano Ronaldo, Solskjaer e Diego Forlan, um orçamento que é dez vezes superior ao do FC Porto e 30 por cento superior à soma dos orçamentos de todos os clubes da I Divisão portuguesa, um estádio com 60.000 pessoas debruçadas sobre o relvado garantindo um ambiente infernal, onde é quase impossível manter a calma e a concentração, e, como se isso tudo não bastasse, esta noite, como habitualmente, o Manchester United vai ter ainda a seu favor os ventos da UEFA e umtimoneiro ao seu dispor. Para ter alguma remota hipótese de se opor a tudo isso, umFC Porto, ainda para mais desfalcado de algumas peças decisivas (ai, Derlei, malfadado jogo de Alverca...!), vai precisar de três coisas o tempo todo: frieza, coragem e sorte. Frieza para aguentar o ambiente, os cânticos e gritos constantes, a tentativa de pressão e de intimidação que os red devils, apoiados pela sua gente, vão tentar desde o primeiro minuto.OFC Porto lembra-se da experiência, desde a última vez que aqui esteve, emque, atordoado pelo ambiente, foi cilindrado antes mesmo de ter conseguido pegar na bola e mostrar que não era assim tão pior que o Manchester. Mas, quando o fez, já o destino estava indelevelmente traçado. Esta noite, e desde o primeiro minuto, o FC Porto vai ter de se lançar num combate de vida e morte contra a fatalidade do destino. Para tal, vai precisar de uma frieza de icebergue, como se fosse uma equipe de surdos tratados a Xanax, de olhos postos num objectivo que nada e ninguém conseguirá distrair. Depois, vai precisar de imensa coragem. Coragem para não recuar sistematicamente, para defender longe da área e do jogo aéreo, tipo rolo compressor do Manchester, e coragem para atacar sempre que puder, atacar sem descanso o lado fraco dos ingleses, que é o centro da defesa, e atacar com o único tipo de jogo que os desnorteia — os passes curtos e tabelinhas, os improvisos e malabarismos, o futebol de rodeio e imaginação, o samba e o vira. E não ter medo de provocar, investir, ferir o monstro. Enfim, vai precisar de muita sorte. Do tipo de sorte que o Manchester teve no Porto, ao perder apenas por 2-1 tendo feito umúnico remate à baliza e esse através de um livre. Mas também do outro tipo de sorte: é preciso que o árbitro não ofereça ao Manchester, como no Porto, um livre inexistente, ou um penalty já adivinhado, ou uma expulsão sem motivo ouumgolo anulado ao ataque do Porto sem razão. É preciso que o árbitro se esqueça de que oManchester vale infinitamente mais nos quartos-de-final da Liga dos Campeões do que uma simpática, mas pobre, equipa portuguesa. No ano passado, quando estive em Sevilha para a final da UEFA, tive ocasião de ver como se tratavam os funcionários do organismo: era oHotel Afonso XIII, um dos mais luxuosos de Espanha, posto por conta da comitiva uefeira, todas as salas de reuniões reservadas até três dias depois do jogo, salas de refeições exclusivas para as meninas e meninos da UEFA, um batalhão de carros e limousines estacionados por conta cá fora, enfim, uma panóplia de mordomias dignas de uma reunião dos sheiks da OPEP. Quem paga tudo isto, mais os seus magníficos ordenados? As transmissões televisivas. E pagam com que critério? Bom, pagam vinte vezes mais por um jogo doManchester do que por um jogo do FC Porto. Ora, é aqui que a questão se torna séria: para poder continuar a garantir os ordenados e o «train de vie» do pessoal da UEFA, é necessário, imperioso mesmo, que não haja muitos Davides a fazerem frente aos Golias. Sob pena de todo o negócio ficar comprometido. Digamos que, na Europa do futebol, existem uns sete magníficos, que integram o primeiro escalão e são, por si sós, a garantia da prosperidade do negócio: Real Madrid e Barcelona, Manchester e Arsenal, Juventus e Milan e Bayern de Munique. Depois, vem uma segunda divisão composta por Chelsea e Liverpool, Valência e Corunha, Inter, Roma e Lazio, PSG,Mónaco e Ajax. Depois, vem uma terceira divisão onde está o FC Porto, o Celtic, o PSV, o Lyon e o Bordéus, o Werder Bremen e o Eintracht de Frankfurt, o Galatasaray e o Spartak de Moscovo e mais algum clube «flutuante», que pode ser belga, sueco, checo, suíço ou austríaco. A segunda e terceira divisões europeias são essenciais para comporem a fase de grupos da Liga dos Campeões, mas a partir daí são despiciendas ou até prejudiciais e a UEFA deseja, ou recomenda mesmo, que tratem de desaparecer de cena a partir dos oitavos-de-final.Umclube da terceira divisão, como o FC Porto, conseguir chegar aos quartosde- final é uma proeza só repetível cada seis anos; conseguir chegar lá afastando um dos monstros sagrados, como o Milan, o Real ou o Manchester, é praticamente uma impossibilidade. É essa impossibilidade que esta noite se pede ao FC Porto.

2 Não deixa de ser notável que José Veiga, o ex da Casa do FC Porto no Luxemburgo, e o homem que jurou um dia que iria conseguir apear Pinto da Costa da Direcção do FC Porto para se vingar por ele ter vendido o Zahovic para o Valência, por iniciativa própria e em condições muitomais vantajosas para o clube, possa agora vir a ocupar-se institucionalmente do futebol doBenfica. Depois de um sportinguista a tratar da imagem, teremos agora um portista arrependido a tratar do futebol do Benfica!

3 A mesma agência que agora se ocupa da imagem do Benfica, vai-se ocupar também da imagem do Euro. E a mesma empresa que faz a imagem a Santana Lopes e à Câmara de Lisboa, a Durão Barroso e ao PSD para as eleições europeias, ganhou o concurso para a produção dos espectáculos de abertura e fecho do Euro-2004, apesar de, segundo o Expresso, o seu preço ser substancialmente superior a todos os apresentados pelos outros doze concorrentes. Para quem ainda se lembra da indecorosa cena do estado- maior do Benfica a apresentar- se, pela mão de Santana Lopes, a prestar vassalagem ao PSD, num jantar de campanha eleitoral para as legislativas, tudo isto cheira muito mal. Benfica- PSD-Câmara de Lisboa-Euro 2004: tudo a mesma luta?

4 Por falar em EURO-2004, vi esta semana uma entrevista com o coordenador da coisa, onde ele afirma que o Estado— entre comparticipação nos estádios, estacionamentos e acessibilidades— vai gastar «apenas» 180 milhões de euros (ou seja, 36 milhões de contos), com o Euro, os quais o Estado irá recuperar com o aumento do número de turistas e a promoção do País. Esperemos bem que recupere alguma coisa. Agora o que não deixa de ser extraordinário é que o senhor se esqueça de juntar às contas exactamente o dinheiro gasto em promoção do Euro, as despesas administrativas e de organização, as horas extras pagas à policia, aos médicos e a outros milhares de funcionários, e sobretudo, que tenha deixado de fora este dado eloquente: é que as verbas que cita referem-se à participação directa do Estado na construção dos estádios privados, que são quatro. Mas os outros seis estádios construídos ou reconstruídos para o Euro, são integralmente pagos pelas autarquias, mas, curiosamente, não entram nas suas contas. De onde virá, então, pergunto eu, o dinheiro das autarquias?

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