sábado, março 27, 2004

O jogo da época ( 25 Março 2004)

1. Para todos os clubes e todos os anos, costuma-se dizer que há um «jogo da época », que é aquele em que se joga o tudo ou nada. Para o FC Porto, por exemplo, no ano passado, o jogo da época foi – visto agora à distância – a final de Sevilha, que lhe permitiu trazer para Portugal, pela primeira vez, a Taça UEFA. Mas a verdade é que não há apenas um jogo da época, há vários, à medida que se vai progredindo no caminho da vitória. Nesse sentido, antes do jogo de Sevilha, houve vários outros jogos da época para o FC Porto, nomeadamente, os que lhe permitiram abrir caminho para Sevilha e, em particular, os jogos das meias-finais contra a Lazio, que conduziram directamente ao Olímpico de Sevilha. Por isso, o «jogo da época» que o FC Porto joga esta noite contra o Lyon, só o é porque, antes disso, enfrentou e venceu outros jogos da época, como o foram os jogos contra o Manchester e antes contra o Marselha, que permitiram ultrapassar a fase de grupos da Liga dos Campeões. E se, como tantos desejamos, a partir desta noite, o FC Porto desbravar o caminho para a eliminação do Lyon, seguir-se-ão dois novos jogos que significarão essa possibilidade incrível de atingir a final de Geselkirchen. Mas não nos precipitemos: o Lyon vai se um obstáculo tremendo e, muito embora eu mantenha que o sorteio foi feliz com o FC Porto, uma coisa é a teoria, outra a prática. Olhando para o que mudou em 15 dias, no panorama europeu, hoje, por exemplo, talvez fosse melhor que tivesse saído ao Porto um Real Madrid em crise de nítido cansaço, do que este Lyon carregado de ambição e de uma falsa humildade que assusta. A verdade é que só um grande Porto, o Porto da noite contra o Manchester, poderá levar de vencida a equipa surpresa desta edição da Liga dos Campeões. Ambição por ambição, ambas as equipes se equivalem (esse é um dos maiores méritos de José Mourinho, ter construído uma equipa insaciável, que nunca parece cansada de querer ganhar). Pena é que estes 15 dias, desde Manchester, não tenham sido suficientes para recuperar jogadores importantes como Jorge Costa e Pedro Mendes, e que o rol de indisponíveis do FC Porto para esta fase decisiva da época continue a ser tão extenso e tão importante. Desde Manchester, o FC Porto disputou dois jogos, ambos decisivos no desenrolar das respectivas competições: a vitória contra o Boavista, no Dragão, representou, em minha opinião, a machadada decisiva na questão do título – com consequências imediatas na desmoralização revelada pelo Sporting; e a vitória em Braga foi o passaporte que faltava para a final da Taça, depois da vitória também contra o Boavista e da vitória em Vila do Conde, onde o Sporting agora tropeçou com estrondo. Volto a dizer que, ao contrário do Benfica, não foi fácil o percurso do FC Porto até à final da Taça e, por isso, e porque foi trilhado em plena época de decisão do Campeonato e da Liga dos Campeões, tem um valor acrescido e raro. Muito poucas seriam as equipas que, na situação do FC Porto não caíssem na tentação de descurar ou abandonar a menos importante das competições em disputa, como forma de salvaguardar as outras. A grande imagem de marca deste FC Porto é nunca abrir mão de nada. Entretanto, e como já foi referido por outros, estranhei a dureza, a roçar a violência, com que o Braga encarou o jogo. Uma coisa era o desejo intenso de ganhar, de ser o primeiro a vergar o Porto este ano e de chegar à final e garantir a Europa. Outra coisa foi a atitude adoptada para tal que, sabendo-se que os jogadores portistas se queriam logicamente precaver de mais lesões antes do jogo com o Lyon, chegou a revestir aspectos de estratégia de intimidação, pensada friamente. De novo, só uma grande equipa, capaz de se alhear dos ambientes, conseguiria resistir àquela fúria competitiva que, por vezes, como disse Mourinho, esteve «além dos limites», com uma complacente arbitragem. Foi das vitórias do Porto que mais gozo me deram este ano.

2. O Benfica apanhará ainda o Sporting? Eis uma pergunta impensável há umas semanas atrás. No trio da frente, o que era lógico é que Benfica e Porto, sobrecarregados de jogos, fossem perdendo pontos paulatinamente para um Sporting limitado à obrigação de jogar uma vez por semana. Ainda por cima, um Sporting que tem melhor equipa que o Benfica e que, como tantas vezes tem sido recordado, já leva mais pontos esta época do que nas doze ou quinze anteriores. Mas o monumental estoiro do Sporting em Vila do Conde pode vir a ter efeitos psicológicos imprevistos e que, aliados a um calendário final que é tudo menos fácil, ainda é capaz de proporcionar um volte-face nos lugares de honra que poucos ou nenhuns ousavam prever. Tinha graça, uma infinita graça, que, depois de tantos anos a ouvir dizer que a amizade com o FC Porto significava o abraço da morte – triunfos para os portistas e derrotas para os amigos de ocasião – agora se constatasse que a súbita aliança de Dias da Cunha com Filipe Vieira, unidos contra o «sistema» e o FC Porto, conduzisse no curto prazo ao afundamento do Sporting. E se os leões terminarem em terceiro lugar, afastados da possibilidade de qualificação para a Liga dos Campeões, e a dez ou doze pontos do FC Porto, vão precisar de um saco muito grande para lá enfiarem várias violas. Os «roubos» de Barcelos ou do Funchal, o «sistema no seu esplendor», a camisola rasgada do Mourinho, «fatwa» sobre o Rui Jorge, tudo isso se tornará fatalmente, aos olhos dos sportinguistas, o que já era aos olhos dos outros: ridículas desculpas de maus perdedores. Eis um bom motivo para que o Sporting não perca a motivação daqui até final do Campeonato.

3. José Veiga na administração da SAD ou à frente do futebol do Benfica, coloca, de facto, questões interessantes. Sabendo-se que Camacho prefere os jogadores que vêm através do seu empresário espanhol e que José Veiga prefere, logicamente, os seus próprios jogadores, como se entenderão os dois – haverá um Tordesilhas entre ambos? E os que não forem jogadores nem de um nem de outro empresário, que destino terão: serão obrigados a assinar por José Veiga ou terão de seguir (com vantagens pessoais óbvias) o mesmo caminho de Maniche? Eis o tipo de coisa que, na gestão de João Vale e Azevedo, teria já dado direito a uma longa série de interpelações de «notáveis» do Benfica...

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